Os transportes públicos ferroviários em São Paulo movimentam diariamente milhões de usuários, em locais de grande circulação que enchem os olhos dos empreendedores informais para o exercício da atividade do comércio ambulante. Os usuários dos trens que necessitam do transporte já estão acostumados com essa prática em suas viagens, tanto nos trens da CPTM como do Metrô e em suas dependências, principalmente nos trens da CPTM onde o comércio se tornou ainda mais habitual. O que se percebe pela preocupação dos ambulantes é que o risco do negócio é inerente. Na maioria das vezes sem melhores oportunidades de trabalho, os empreendedores ambulantes acabam por se submeter aos riscos. Muito embora o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência protegido constitucionalmente sejam alicerces da proteção ao exercício da atividade econômica, os usuários e os empreendedores sabem que a venda é proibida neste espaço devido aos comunicados ostensivos e às operações por parte da administração ferroviária para impedir o comércio. O que não se sabe é a previsão legal o que irei ressaltar a seguir.
O Decreto nº 1832, de 4 de março de 1996, é o instrumento legal que aprovou o regulamento dos transportes ferroviários em São Paulo. De acordo com o artigo 40 do respectivo regulamento, é proibida a negociação ou comercialização de produtos no interior dos trens, nas estações e instalações, exceto aqueles devidamente autorizados pela administração ferroviária. Ainda, o artigo 41 permite que as pessoas que se apresentem ou se comportem de forma inconveniente poderão ser impedidas de entrar ou permanecer em suas dependências. Vejamos o texto da norma legal:
Art. 40. É vedada a negociação ou comercialização de produtos e serviços no interior dos trens, nas estações e instalações, exceto aqueles devidamente autorizados pela Administração Ferroviária.
Parágrafo único. É proibida também a prática de jogos de azar ou de atividades que venham a perturbar os usuários.
Art. 41. A Administração Ferroviária poderá impedir a entrada ou permanência, em suas dependências, de pessoas que se apresentem ou se comportem de forma inconveniente.
Desse modo, apesar de a prática do comércio ambulante ser uma fonte de renda, para aquele empreendedor que assume o risco do negócio o exercício da atividade é ilegal, pois não precede de autorização da administração ferroviária, sendo a atividade contrária ao regulamento aprovado pelo Decreto nº 1832/96 que abrange as companhias da CPTM e do Metrô. Além disso, as administrações ferroviárias, na forma do artigo 49 do regulamento, poderão estabelecer regulamento próprio sobre direitos e deveres dos usuários, com características mais especificas aprovados pelo Ministério dos Transportes.
Neste contexto, o capítulo IV do regulamento, em especial os artigos 54, 55 e 57, que dizem respeito à segurança, prescrevem que a administração ferroviária adotará as medidas de segurança, dentre outras destinadas a garantir a manutenção da ordem em suas dependências e o cumprimento dos direitos e deveres do usuário, bem como exercer a vigilância em suas dependências e, em ação harmônica, quando necessário, com as autoridades policiais competentes, inclusive, aquele que praticar ato definido como crime ou contravenção será encaminhado pela segurança à autoridade policial competente.
Assim, as medidas de segurança e vigilância adotadas por parte das administrações ferroviárias são legais, desde que dentro dos limites do razoável para impedir o comércio ambulante no interior dos trens e dependências e, constatada alguma prática de ato definido como crime ou contravenção, o ambulante será encaminhado pela segurança às autoridades policiais competentes. Na prática, a administração ferroviária costuma realizar a apreensão da mercadoria para impedir o comércio ambulante, medida forte, mas que se reveste de legalidade, pois visa impedir o exercício da atividade ilegal. A mercadoria fica retida com a administração ferroviária e é entregue o respectivo recibo ao ambulante, que só poderá retirar a mercadoria com documento que comprove sua propriedade. Em conversa informal com uma ambulante, a mesma afirma que há certo embaraço para retirada da mercadoria mesmo com apresentação de documento expedido pelo fornecedor (mercado, doceria, etc.) documento de compra com especificação da mercadoria e valores pagos pelo ambulante. Afirma ela que "eles não entregam a mercadoria nem com documento, não sei por que entregar recibo então", presumindo-se verdadeira a afirmação caberia uma ação de obrigação de fazer para entrega da mercadoria, já que comprovada a sua propriedade.
Posto isso, embora proibida a comercialização nos trens e dependências, há em uma boa parte da população uma comoção social no sentido de que, mesmo que aquela pessoa esteja exercendo uma atividade que só é ilícita, via de regra, naquele local, mas está se virando como pode, sendo que ninguém é obrigado adquirir o produto. Entretanto, não podemos perder de vista que o exercício é proibido por lei no espaço e a atividade informal prejudica o direito da livre concorrência daqueles que exercem a atividade de comércio formal que estão obrigados a uma série de encargos para continuidade do negócio, em oposição ao ambulante, que não tem as mesmas obrigações.