É inegável que, após a entrada em vigor da Lei 12.850/13 – Lei que cuida das Organizações Criminosas –, a delação premiada tenha ganhado maior status, notoriedade. Entretanto, não seria acertado afirmar que, antes do referido diploma, tal figura não já não existisse no ordenamento jurídico pátrio.
A bem da verdade, já em 1990, por meio da Lei dos Crimes Hediondos – 8.072 –, o legislador tratou da matéria, mais precisamente no art. 7º[1], que introduziu o parágrafo 4º no art. 159 do Código Penal, estabelecendo, ali, uma minorante.
Após a Lei dos Crimes Hediondos, referido instituto teve guarida legal nas Leis: a) 9.034/95 – primeira lei a regulamentar as organizações criminosas, ainda que, por vacilo legislativo, não tivesse definido o conceito; b) 7.492/86 – que define os crimes contra o sistema financeiro nacional, em específico, no art. 25, §2º, inserido pela Lei nº 9.080/95; 9.269/96, que ampliou as hipóteses de delação; c) 9.807/99 – Lei de Proteção às Testemunhas; d) 11.343/06 – Lei de Drogas; e) 12.683 – que deu nova redação ao §5º do art. 1º da Lei 9.613/98, que trata da lavagem de dinheiro.
Enfim, como exposto, tal instituo não é novidade no ordenamento jurídico brasileiro, ao contrário do que muitos – iniciantes nas ciências jurídicas – pensam.
De notar-se, entrementes, que, embora não seja tema inédito, não há pacificidade, mesmo na doutrina, de estabelecer se “delação premiada” e “colaboração premiada” são, ou não, expressões sinônimas.
Adiante-se, desde de já, que o tema gera considerável celeuma na doutrina pátria. Destarte, em que pese seja esposado ao longo do artigo qual expressão se mostra mais correta, o tema, repita-se, não é incontroverso.
Pois bem. Há quem entenda que as expressões são sinônimas, não tendo, assim, qualquer relevância prática a diferenciação terminológica. Nesse sentido, por exemplo, afirmam Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto que “O instituto da colaboração premiada, ainda que contando com nomenclatura diversa, sempre foi objeto de análise pela doutrina, tratado que é como “delação premiada (ou premial)”, “chamamento de corréu”, “confissão delatória” ou, segundo os mais críticos, “extorsão premiada” etc.”[2]
Vozes fortes na doutrina, a exemplo de Gustavo de Meringhi e Rejane Alves de Arruda, prelecionam que, “Embora a nova lei tenha utilizado a expressão “colaboração premiada”, a maior parte da doutrina emprega o termo “delação premiada, que podem ser considerados sinônimos para fins didáticos”[3]
Em que pese a autoridade dos citados autores, não perece correto afirmar serem as expressões sinônimas, haja vista que cada uma insinua uma situação particular, merecendo, portanto, a devida distinção.
Com efeito, delatar é uma forma de colaborar, mas nem sempre a colaboração advém de uma delação. Isto porque, como bem observa Renato Brasileiro, “O imputado, no curso da persecutio criminis, pode assumir a culpa sem incriminar terceiros, fornecendo, por exemplo, informações acerca da localização do produto do crime, caso que é tido como mero colaborador. ”[4]
Ora, neste caso, resta patente que o agente delituoso colaborou com a justiça, conquanto não tenha efetivamente delatado – denunciado, entregado – nenhum de seus comparsas.
Percebe-se, pois, que há diferença na colaboração para localização e recuperação, por exemplo, do produto do crime – sem que, para isso, se denunciem os demais agentes –, para a delação propriamente dita, que, além de o agente confessar o cometimento de determinada infração, ele expõe, informa, dá conhecimento da participação de outras pessoas envolvidas na empreitada antijurídica.
Nesta senda, reforçando, com maestria, o entendimento de que “delação premiada” e “colaboração premiada” são expressões diversas, confiram-se os escólios de Vladmir Aras que
Apresenta a colaboração premiada como gênero, da qual derivam 4 (quatro) subespécies, quais sejam:
a) delação premiada (também denominada de chamamento de corréu): além de confessar seu envolvimento na prática delituosa, o colaborador expõe as outras pessoas implicadas na infração penal, razão pela qual é denominado de agente revelador;
b) colaboração para libertação: o colaborador indica o lugar onde está mantida a vítima sequestrada, facilitando sua libertação;
c) colaboração para localização e recuperação de ativos: o colaborador fornece dados para a localização do produto ou proveito do delito e de bens eventualmente submetidos a esquemas de lavagem de capitai;
d) colaboração preventiva: o colaborador presta informações relevantes aos órgãos estatais responsáveis pela persecução penal de modo a evitar um crime, ou impedir a continuidade ou permanência de uma conduta ilícita. [5]
Por derradeiro, não podem ser olvidados os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes Marcelo Rodrigues da Silva acerca do tema em estudo. Para os autores, “a Lei 12.850/13 adotou a locução “colaboração premiada” como gênero, por ser mais amplo. Em razão dessa amplitude, trata-se de nomenclatura mais adequada que delação premiada, portanto.”[6]
Conclui-se, portanto, que não se afigura coerente tratar situações diferentes como se iguais fossem. Não se trata, como alguns pregam, de mero eufemismo – que visa evitar impressões pejorativas à delação. Ao revés, cuida-se, em verdade, de uma diferenciação substancial, que merece ser empregada de modo a evitar a generalização de coisas que, por natureza, diferentes são.
[1] Art. 7º Ao art. 159 do Código Penal fica acrescido o seguinte parágrafo:
"Art. 159. ..............................................................
§ 4º Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços."
[2] CUNHA, Rogério Sanches; PINTO, Ronaldo Batista. Crime Organizado – comentários à nova lei sobre o Crime Organizado – lei 12.850/13. Salvador: Juspodivm. 2013. p. 34.
[3] ARRUDA, Rejane Alves de. Org. Ricardo Souza Pereira. Organização Criminosa – comentário à lei 12.850/13, de 05 de agosto de 2013. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2013. p. 73.
[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação penal especial comentada. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. p.525.
[5] ARAS, Vladmir. Lavagem de dinheiro: prevenção e controle penal. Organizadora: Carla Veríssimo de Carli. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2011. p. 428.
[6] GOMES, Flávio Luiz; SILVA, Marcelo Rodrigues. Organizações criminosas e técnicas especiais de investigação. Salvador – BA: Juspodvm, 2015. p. 211.