RESUMO
A demissão arbitrária e discriminatória dos toxicômanos é tema relativamente recente e que ainda gerará diversas controvérsias no mundo jurídico. O objetivo do presente estudo é verificar a legalidade da demissão, tanto por justa causa quanto a discriminatória, e aprofundar-se no estudo sobre os direitos dos toxicômanos, uma vez que que a dependência química é reconhecida como doença pela Organização Mundial da Saúde. Desta forma, demonstraremos se a demissão dos toxicômanos, que é autorizada pela CLT, possui validade no cenário jurídico atual. Buscaremos esta resposta através da pesquisa doutrinária, jurisprudencial e na Constituição da República.
Palavras-chaves: Arbitrária, Discriminatória, Toxicômanos, Dispensa, Tratamento
ABSTRACT
The arbitrary and discriminatory dismissal of drug addicts is relatively recent topic that still generates several controversies in the legal world. The aim of this study is to verify the legality of the dismissal, both for cause as discriminatory, and to deepen the study on the rights of drug addicts, since the World Health Organization recognizes that drug addiction as a disease. This way, demonstrate the resignation of drug addicts, which the Labor Code authorizes, it is valid in the current legal scenario. We seek this answer by doctrinal research, case law and the Constitution of our Republic.
Key words: Arbitrary, Discriminatory, Drug addicts, Dismissal, Treatment
INTRODUÇÃO
A jurisprudência e a doutrina, em relação à demissão dos toxicômanos, vêm sofrendo modificações nos últimos tempos. O que é autorizado por lei passou a ser tratado como arbitrário e discriminatório, muito pelo fato da dependência química ter sido considerada como doença pelos organismos internacionais.
Diante de tal fato, não seria razoável se fosse permitida a demissão de uma pessoa considerada doente, pois tal situação vai de encontro ao que diz a Constituição Federal de 1988. Desta forma, ao invés de buscarmos aplicar a função social do trabalho, estaríamos diante de uma situação desrespeitosa para com a sociedade, que constataria o descaso do poder público mediante um problema social de tamanha relevância que é a problemática da dependência química.
Sendo assim, buscaremos o entendimento sobre a necessidade do tratamento dos dependentes químicos e não de puni-los pelo fato de serem doentes, ou seja, deverá haver um esforço conjunto entre as entidades privadas e o poder público para minimizar os efeitos dos atos discriminatórios para com aqueles que se encontram doentes.
1. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS À EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
Antes de adentrarmos no estudo dos princípios que regem a extinção contratual, devemos entender a importância dos princípios dentro da justiça do trabalho e no ordenamento jurídico, de forma geral.
Os princípios norteiam e orientam toda a compreensão do ordenamento jurídico, auxiliando na construção das normas e na aplicação das já existentes. Cabe ressaltar que os princípios atuam, inclusive, de forma integrativa, ou seja, suprem as lacunas existentes no ordenamento jurídico pátrio. O artigo 8º da CLT atribuiu aos princípios a integração das lacunas existentes na lei, quando diz que na falta de disposições legais ou contratuais, poderão ser utilizados os princípios gerais do direito.
Neste sentido, Alice Monteiro de Barros (2010 – p. 180) diz que “princípios têm como funções informar o legislador, orientar o juiz na sua atividade interpretativa, e, por fim, integrar o direito, que é a sua função normativa”.
Os princípios abaixo foram destacados no sentido de demonstrar a proteção que a legislação trabalhista confere aos empregados, por serem estes a parte hipossuficiente da relação contratual. Tais princípios atuam no sentido de “equilibrar a balança” na medida de forças entre empregado e empregador, pois estes detêm um amplo poder econômico que pende a desequilibrar a “balança”.
1.1 Princípio da continuidade da relação de emprego
Este princípio deve ser interpretado com o intuito de conferir à relação de emprego a mais ampla durabilidade possível. Desta forma, ele gera presunções favoráveis ao empregado, entendendo que o fim de uma relação contratual dá-se sempre por iniciativa patronal.
Apesar de existir em nosso ordenamento jurídico a figura do contrato por tempo determinado, o qual tem suas peculiaridades e requisitos, este tipo de contrato é uma exceção à regra, visto que a regra é que os contratos sejam firmados por tempo indeterminado. Sendo assim, se forem violados alguns dos requisitos que deram origem ao contrato por tempo determinado, o mesmo será revertido para o contrato por tempo indeterminado, visando sempre a continuidade do contrato de trabalho.
Confirmando a relevância da continuidade na relação de emprego, o TST editou a súmula n° 212, que diz o seguinte:
Despedimento. Ônus da prova. O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.
Analisando a súmula em questão, verifica-se que cabe ao empregado o fato constitutivo de sua pretensão, ou seja, cabe à ele o ônus de provar que houve a prestação de serviços, se tal prestação for negada pelo empregador. Entretanto, se o empregador não nega a prestação de serviços, mas tão somente a existência do contrato de emprego, ao empregador caberá provar o alegado, devido a presunção favorável ao empregado da existência do contrato de emprego.
O autor Luciano Martinez (2014 – p. 119) corrobora esta tese dizendo que “se um contrato por tempo determinado é violado em alguns dos seus requisitos previstos em lei, há, por bem da continuidade, uma conversão do ajuste por tempo determinado em um contrato por tempo indeterminado”.
Portanto, o legislador procura dar maior estabilidade ao contrato de trabalho no momento em que prima pela continuidade do contrato, sendo excepcionais as regras que delimitem o seu rompimento, protegendo, assim, o trabalhador de demissões arbitrárias e injustas.
1.2 Princípio das presunções favoráveis ao trabalhador
Este princípio é uma das ramificações do princípio da proteção e visa proteger o trabalhador que é, sabidamente, a parte hipossuficiente da relação contratual de trabalho. A fim de igualar a relação jurídica, a Justiça do Trabalho estabelece presunções favoráveis ao empregado, a fim de reduzir as dificuldades na obtenção do conteúdo probatório.
Em nosso ordenamento jurídico temos alguns exemplos da existência das presunções favoráveis ao trabalhador, como no caso da dispensa obstativa. A Lei 6708/1978, em seu artigo 9º, assegura o pagamento de uma indenização adicional no valor de uma remuneração mensal no caso da dispensa sem justa causa no período anterior a 30 dias da vigência da correição salarial coletiva, presumindo-se fraudulenta tal dispensa. Outro exemplo seria o da dispensa da gestante, presumindo-se tal dispensa obstativa da estabilidade gestacional.
DISPENSA OBSTATIVA DO DIREITO À ESTABILIDADE. DIREITO CONCEDIDO. A Constituição alçou como pilares da República a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e o valor social do trabalho e da livre iniciativa (IV), dispondo ainda, em seu art. 170, III, sobre a função social da propriedade, e no caput deste mesmo artigo, que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. A estabilidade de um ano após o término do mandato da CIPA, afigura-se um período razoável para que o empregado volte a exercer seu mister sem sofrer qualquer retaliação pelos atos praticados durante o exercício do cargo de cipeiro. A dispensa de empregado com direito ou mesmo no curso do prazo estabilitário, além de afrontar os ditames da Constituição Federal, constitui medida antissocial. (TRT 2 – 0002204-78.2010.5.02.0036 - RO - Ac. 4ªT - Rel. IVANI CONTINI BRAMANTE - DOE 11/10/2013).
Amauri Mascaro Nascimento (2011 – p. 469 e 470) diz que:
Há presunções absolutas e relativas, aquelas também denominadas iuris et iure, que não admitem prova em contrário; outras são presunções iuris tantum, que permitem prova em contrário para infirmar as conclusões que delas advêm.
Portanto, as presunções atuam no sentido de dar maior segurança jurídica, no momento em que concede à parte hipossuficiente maiores chances de defesa de seus direitos.
1.3 Princípio da norma mais favorável
Este princípio é uma variável do princípio da proteção e diz que, havendo mais de uma norma vigente versando sobre o mesmo tema, será aplicada a que for mais favorável ao trabalhador. Para melhor ilustrarmos, digamos que, na mesma empresa, exista um acordo coletivo e uma convenção coletiva tratando sobre o mesmo tema. A norma a ser aplicada será a que trouxer maiores benefícios ao empregado, ou seja, haverá um confronto entre as normas para a aplicação da que for melhor ao empregado. A autora Alice Monteiro de Barros (2010 – p. 181) conceitua o princípio da norma mais favorável da seguinte forma:
O fundamento do princípio da norma mais favorável é a existência de duas ou mais normas, cuja preferência na aplicação é objeto de polêmica. Esse princípio autoriza a aplicação da norma mais favorável, independentemente de sua hierarquia.
Porém, surge-se uma dúvida: como identificar a norma mais favorável ao trabalhador? Para obter esta resposta, o jurista Luciano Martinez (2014 – p.107) destaca três métodos de determinação da fonte mais favorável: a acumulação/atomista, o conglobamento/incindibilidade e o conglobamento por institutos. Pelo método da atomista, o aplicador separará completamente as normas, aplicando o ponto mais favorável ao trabalhador em cada caso, ou seja, a norma será “despedaçada”. Pelo método do conglobamento puro verifica-se o conjunto, ou seja, compara-se as duas normas como um todo e indica qual delas é a mais favorável ao trabalhador. Por fim, o método do conglobamento por institutos, que é o método utilizado em nosso ordenamento jurídico, separa as normas em blocos, ou seja, é uma mistura dos dois métodos anteriores, pois não despedaça a norma e nem a considera como um todo unitário.
Sendo assim, quando duas ou mais normas se confrontarem, deverá ser realizada uma busca no instituto que seja tema da discordância a fim de que se extraia das normas a questão que seja mais favorável ao trabalhador, buscando protege-lo das variações e aplicar a norma que mais favoreça o empregado naquela questão específica.
2. DISPENSA POR JUSTA CAUSA
A Justa Causa será cabível quando o empregado cometer alguma das faltas graves previstas na legislação trabalhista, o que ensejará a resolução de seu contrato de trabalho. A demissão por justa causa é a medida mais severa aplicada a um empregado, pois lhe retira diversos direitos, motivo pelo qual deve ser aplicada em última hipótese, quando não forem cabíveis outras penalidades.
O autor Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2011 – p. 349) nos dá um bom conceito de justa causa:
Pode-se conceituar a justa causa como a prática de ato que configure séria violação dos deveres do empregado, rompendo a confiança inerente à relação de emprego, tornando indesejável ou inviável a manutenção do referido vínculo.
A dispensa por justa causa, por sua vez, pode ser conceituada como a cessação do contrato de trabalho em razão da prática de ato faltoso, dotado de gravidade, abalando a fidúcia entre as partes da relação de emprego.
O artigo 482 da CLT possui um rol dos atos que deverão ser considerados como falta grave passível de demissão por justa causa, nada obstante a legislação trabalhista esparsa possua outras possibilidades.
Artigo 482 (CLT). Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
a) ato de improbidade;
b) incontinência de conduta ou mau procedimento;
c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;
d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;
e) desídia no desempenho das respectivas funções;
f) embriaguez habitual ou em serviço;
g) violação de segredo da empresa;
h) ato de indisciplina ou de insubordinação;
i) abandono de emprego;
j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
l) prática constante de jogos de azar.
A autora Alice Monteiro de Barros (2010 – p. 888) atribui quatro requisitos para a aplicação da justa causa, a saber, a) previsão legal; b) caráter determinante da falta; c) atualidade ou imediatidade da falta; d) proporcionalidade entre a falta e a pena aplicada.
Sendo assim, entendemos que no primeiro requisito (previsão legal), a falta deve estar expressamente prevista em lei como ensejadora da justa causa. Com relação ao segundo requisito (caráter determinante da falta), a aplicação da justa causa deve estar ligada diretamente à falta cometida pelo empregado, não podendo conter fatos pretéritos à aplicação da pena. O terceiro requisito (atualidade ou imediatidade da falta) nos faz entender que a aplicação da justa causa deve ser realizada imediatamente após a ciência, pelo empregador, da falta cometida pelo empregado, salvo o tempo necessário para a investigação ou apuração dos fatos, sob pena de perdão tácito do empregador, que não mais poderá aplicar a justa causa. Finalmente, o quarto requisito (proporcionalidade), onde entende-se que a pena aplicada ao empregado deve ser proporcional à falta cometida, sendo anuláveis as penas que extrapolarem tal proporcionalidade.
Caberá ao empregador a prova da falta cometida pelo empregado ensejadora da demissão por justa causa, uma vez que traz uma condição adversa acarretando sérias consequências ao empregado. Neste sentido, Luciano Martinez (2014 – p. 617) diz:
Caberá ao empregador o ônus de demonstrar a existência da falta geradora do desligamento por justa causa, haja vista ser a falta grave um elemento obstativo à pretensão do empregado que se afirma desligado sem justa causa. Observe-se que o empregador aceita o fato constitutivo ao reconhecer a despedida, mas apresenta uma situação adversativa no momento em que assevera que a ruptura deu-se por conta de inexecução faltosa do empregado.
O mais importante é o empregador utilizar-se da proporcionalidade na hora de aplicar uma sanção ao funcionário, visto que uma sanção desproporcional pode gerar injustiças e problemas no futuro, tanto para o empregado quanto para o empregador.
3. A TOXICOMANIA
Toxicomania é a dependência que o indivíduo possui em substâncias químicas psicoativas que interferem em seu modo de agir, alterando sua capacidade motora e de percepção do certo e do errado, impedindo que ele tenha controle sobre seus atos, tornando-se refém de seu vício. Em um artigo publicado no site infoescola.com, a autora Mariana Martinez define um importante conceito de toxicomania:
Podemos definir a toxicomania como um distúrbio do qual o indivíduo sente uma vontade avassaladora de consumir drogas (cocaína, êxtase, anfetamina, etc.) e outras substâncias químicas como o álcool e o cigarro, tornando-se dependente químico, uma vez que precisa de doses progressivamente maiores para suprir suas necessidades.
Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2011 – p. 359) define que:
Embriaguez é o estado em que a pessoa (no caso, o empregado) fica sem a plenitude de seus sentidos, em razão de ter ingerido ou consumido substâncias químicas (como bebidas alcoólicas ou drogas), que afetam o sistema nervoso, retirando, total ou parcialmente, a sua capacidade de controle sobre si.
A autora Alice Monteiro de Barros (2010 – p.903) diz que a embriaguez habitual “pressupõe ingestão não só de álcool, mas de qualquer substância tóxica, inebriante, capaz de alterar o comportamento do empregado”.
Deste ponto de vista conclui-se que a toxicomania envolve tudo o que pode causar dependência e alterar os sentidos e o controle dos dependentes sobre seus atos, desde o álcool, até drogas mais pesadas como cocaína, crack, anfetamina, etc. Importante ressaltar que a dependência química é reconhecidamente uma doença e como tal deve ser tratada e não ser objeto de punição ou discriminação.
Contudo, a discriminação encontra-se enraizada na cultura da sociedade. Os impactos provenientes do preconceito na vida daqueles que possuem dependência química podem ser devastadores. O poder público deve buscar proteger os indivíduos que se encontram nesta situação, estabelecendo políticas públicas de tratamento e reinserção dos dependentes de forma eficaz em nossa sociedade. O ponto que iremos abordar refere-se à necessidade de proteção dos trabalhadores que se encontram desprotegidos em razão de sua doença. Sendo assim, tais trabalhadores devem ter os seus direitos reconhecidos e protegidos contra demissões injustas e discriminatórias.
4. DESPEDIDA ARBITRÁRIA DOS TOXICÔMANOS
Atitudes discriminatórias e preconceituosas não devem jamais prosperarem, pois estaríamos diante de um retrocesso social incabível diante dos preceitos constitucionais vigentes. Porém, o que devemos entender conceitualmente sobre preconceito e discriminação? O autor Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2011 – p. 39 e 40) define um importante conceito para estes temas:
A discriminação, na realidade, envolve o preconceito exteriorizado pela pessoa, grupo, comunidade ou sociedade, representando uma distinção, exclusão ou preferência infundada, ou seja, não justificável.
O preconceito, como o próprio nome indica, revela um conceito ou opinião previamente estabelecida sobre uma pessoa ou grupo, sem estar fundada em justificativas plausíveis, importando em injusta generalização.
Em outras palavras, é o tratamento desigual conferido às pessoas ou grupos iguais devido ao fato de possuírem características distintas, ensejando pré-conceitos, capazes de tornar uma relação de igualdade em discriminação, através de atitudes preconceituosas por parte de determinados grupos sociais ou pessoas individualmente consideradas.
O artigo 482, “f” da CLT prevê a dispensa por justa causa do ébrio habitual e, por analogia, dos toxicômanos de uma forma geral. O citado artigo fala da embriaguez habitual ou em serviço, de forma que embriaguez em serviço não necessita de reincidência, ou seja, uma única vez já caracteriza-se a justa causa. No que tange a embriaguez habitual, que é o objeto do presente estudo, a embriaguez deve ter uma frequência habitual, ou seja, não basta ser um caso isolado para que o empregado seja demitido por justa causa. O autor Ricardo Rezende (2011, p. 638) demonstra em sua obra o significado de embriaguez habitual:
Em primeiro lugar, a embriaguez habitual, que ocorre fora do ambiente de trabalho, mas repercute negativamente na atividade do trabalhador. Nesta hipótese, a embriaguez deve ser habitual para configurar justa causa, não bastando um ato isolado.
Portanto, a embriaguez habitual pode ensejar prejuízos ao ambiente de trabalho, no momento em que ela afeta o rendimento do trabalhador e atua de forma prejudicial ao organismo do sujeito, podendo trazer complicações para dentro da empresa. Mauro Cesar Martins de Souza, Juiz do TRT da 15ª Região/SP, diz em seu artigo publicado na Revista Justiça do Trabalho (nº 204, p.12):
O álcool é uma substância psicoativa que pode interferir de forma significativa no funcionamento do cérebro e, consequentemente, vir a comprometer as funções cognitivas de um indivíduo, como memória, concentração, atenção, capacidades de planejamento, abstração e execução de ações complexas, dentre outras, o que evidentemente prejudica o desempenho e o rendimento do trabalhador.
Contudo, a nossa carta magna, em seu artigo 1º, inciso III, aponta um princípio norteador de todo o nosso ordenamento jurídico e que é de suma importância em todas as esferas do Direito: O princípio da dignidade da pessoa humana. Tal princípio deve caminhar juntamente com os valores sociais do trabalho, também previsto em nossa Constituição. Deste ponto de vista, questiona-se se o princípio dignidade da pessoa humana estaria sendo observado, no momento em que se autoriza a demissão de uma pessoa que se encontra em um estágio avançado da doença conhecida como toxicomania. Que valores sociais seriam estes?
O autor Gustavo Filipe Barbosa Garcia (2011 – p. 359) possui um ótimo posicionamento sobre este tema, como vemos adiante:
A justificativa para a referida justa causa seria no sentido de que o empregador não teria como confiar no ébrio, pois este não tem como desempenhar suas atribuições com cuidado, diligência e rendimento necessários, podendo inclusive causar prejuízos ou situações constrangedoras ao empregador.
No entanto, especialmente quanto à embriaguez habitual, há corrente de entendimento, que vem se fortalecendo, no sentido de não ser considerada como justa causa a embriaguez, quando se caracterizar uma enfermidade. Tanto é assim que a embriaguez é reconhecida como enfermidade, no Código Internacional de Doenças (CID – 10).
A Organização Mundial da Saúde (OMS), através da Classificação Internacional de Doenças (CID), classifica a dependência química como doença, devido à grande problemática que ocorre no mundo inteiro com a dependência do álcool e das drogas. A dependência química deve ser encarada como uma doença e, consequentemente, o doente deverá ser encaminhado ao INSS, realizar o devido tratamento e receber da previdência o auxílio doença. A concessão de aposentadoria por invalidez será concedida no caso de impossibilidade de cura do doente.
Alice Monteiro de Barros (2010 – p.903) demonstra uma inclinação dos Tribunais no sentido de conferir ao toxicômano os direitos trabalhistas inerentes aos doentes, perante o órgão previdenciário:
Há uma vertente jurisprudencial que sustenta ser a embriaguez habitual do empregado doença degenerativa e fatal, logo, o empregado alcoólatra deverá ter seu contrato suspenso e ser encaminhado à Previdência Social para controle do vício, ou então aposentado por invalidez...
Neste mesmo sentido, o autor Pedro Paulo Teixeira Manus (2009 – p.151) diz que “tal conduta do empregado deveria implicar a suspensão do contrato e o seu encaminhamento ao médico para tratamento, já que aquele que se embriaga habitualmente é doente e não simplesmente faltoso”.
Demonstrando que a dispensa motivada na embriaguez habitual deverá ser considerada, na verdade, com dispensa imotivada, Luciano Martinez (2014 – p.622) diz:
A primeira hipótese – aquela que diz respeito à embriaguez habitual – tem sido excluída do âmbito das causas geradoras do desligamento motivado. Isso acontece porque, sendo ela habitual, estará fatalmente caracterizada a existência de dependência química do ébrio e da necessidade de tratamento médico deste.
O §6º do artigo 168 da CLT (introduzido pela Lei n. 13.103/2015) determina o seguinte:
Art. 168. Será obrigatório exame médico, por conta do empregador, nas condições estabelecidas neste artigo e nas instruções complementares a serem expedidas pelo Ministério do Trabalho:
I – na admissão;
II – na demissão;
III – periodicamente.
§6º. Serão exigidos exames toxicológicos, previamente à admissão e por ocasião do desligamento, quando se tratar de motorista profissional, assegurados o direito à contraprova em caso de resultado positivo e a confidencialidade dos resultados dos respectivos exames.
O artigo mencionado acima foi introduzido na seção V do capítulo V da CLT, que trata das medidas preventivas de medicina do trabalho. Observando o artigo em comento vemos que os exames toxicológicos aplicados em motoristas profissionais estão sendo inseridos nos exames admissionais e demissionais, o que reforça a tese de que a toxicomania deverá ser encarada como doença pela legislação trabalhista. No momento em que se exige o exame toxicológico no exame demissional subentende-se que, no caso de o exame testar positivo, o motorista seja considerado doente e não se pode demitir um empregado doente. Neste caso, ele deverá ser encaminhado para perícia no INSS e posterior afastamento de suas atividades.
A Política Nacional sobre Drogas (PNAD) instituída em 27 de outubro de 2005, estatui orientações gerais para o tratamento, recuperação e inserção social dos dependentes químicos. A seguir, colaciono algumas destas orientações que considero ser de suma importância para o entendimento firmado no presente trabalho no sentido de conferir ao dependente químico o tratamento adequado e necessário ao cumprimento da função social do trabalho:
2. TRATAMENTO, RECUPERAÇÃO E REINSERÇÃO SOCIAL
2.1 Orientação Geral
2.1.1 O Estado deve estimular, garantir e promover ações para que a sociedade (incluindo os usuários, dependentes, familiares e populações específicas), possa assumir com responsabilidade ética, o tratamento, a recuperação e a reinserção social, apoiada técnica e financeiramente, de forma descentralizada, pelos órgãos governamentais, nos níveis municipal, estadual e federal, pelas organizações não-governamentais e entidades privadas.
2.1.2 O acesso às diferentes modalidades de tratamento e recuperação, reinserção social e ocupacional deve ser identificado, qualificado e garantido como um processo contínuo de esforços disponibilizados, de forma permanente, para os usuários, dependentes e seus familiares, com investimento técnico e financeiro de forma descentralizada.
2.1.4 Na etapa da recuperação, deve-se destacar e promover ações de reinserção familiar, social e ocupacional, em razão de sua constituição como instrumento capaz de romper o ciclo consumo/ tratamento, para grande parte dos envolvidos, por meio de parcerias e convênios com órgãos governamentais e organizações não-governamentais, assegurando a distribuição descentralizada de recursos técnicos e financeiros.
Destarte, deve-se haver um esforço dentre todos os entes da Federação, assim como na esfera privada, para que o problema da dependência química não importe em discriminação, marginalização, mas sim no entendimento de que os dependentes são doentes e, como tais, não deverão ser passíveis de quaisquer medidas discriminatórias que possam frustrar todas as possibilidades de recuperação.
4.1 Reversão da Justa Causa Arbitrária Fundada em Discriminação e Reintegração aos Quadros de Funcionários
A demissão por justa causa requer alguns requisitos para que tenha validade no plano jurídico. O autor Ricardo Resende (2011 – p. 630) destaca três requisitos objetivos: tipicidade da conduta, gravidade da falta, relação entre a falta e o trabalho.
Neste sentido, o requisito da tipicidade da conduta é aquela ensejadora da justa causa, ou seja, a conduta do empregado deve estar tipificada na legislação trabalhista como permissionária da demissão por justa causa. O requisito da gravidade da falta nos remete ao raciocínio de que a falta geradora da demissão por justa causa deve ser grave, uma vez que esta é a mais grave das penalidades a ser aplicada ao trabalhador. O empregador deverá preponderar se a falta não é passível de punição mais leve, sendo a justa causa a última das penalidades a ser aplicada. Por fim, o requisito da relação entre a falta e o trabalho requer que a infração cometida pelo empregado deve estar intimamente ligada ao trabalho, ou seja, uma falta de caráter pessoal que não guarda relação com o trabalho não deve ensejar a demissão por justa causa do trabalhador.
Como sabemos, o dependente químico é considerado doente e, desta forma, a sua conduta não deverá ser tipificada como falta grave, uma vez que não há a intenção de prejudicar a empresa, por seus atos decorrerem de sua doença, não havendo, então, o requisito da tipicidade da conduta do empregado toxicômano. Como todos os requisitos devem estar presentes para que a justa causa seja considerada, no momento em que um desses requisitos deixar de existir, a justa causa deverá ser revertida para dispensa imotivada. Contudo, o doente é possuidor de estabilidade provisória, não podendo ser demitido de forma arbitrária, imotivada. Neste caso, o dependente deverá ser reintegrado aos quadros de funcionários da empresa e posteriormente encaminhado ao INSS, conforme já vimos acima.
RECURSO DE REVISTA. FALTA GRAVE. ALCOOLISMO. JUSTA CAUSA. 1. O alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de "síndrome de dependência do álcool", cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. 2. Assim é que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento, sendo imperativa, naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à sua aposentadoria. 3. No caso dos autos, resta incontroversa a condição da dependência da bebida alcoólica pelo reclamante. Nesse contexto, considerado o alcoolismo, pela Organização Mundial de Saúde, uma doença, e adotando a Constituição da República como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, além de objetivar o bem de todos, primando pela proteção à saúde (artigos 1º, III e IV, 170, 3º, IV, 6º), não há imputar ao empregado a justa causa como motivo ensejador da ruptura do liame empregatício. 4. Recurso de revista não conhecido. (TST – 152900-21.2004.5.15.0022 - RR – 1ª TURMA - REL. MIN. LELIO BENTES CORRÊA - DEJT 11/05/2011).
RECURSO DE REVISTA. INQUÉRITO PARA APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. ALCOOLISMO.JUSTA CAUSA. O alcoolismo crônico, nos dias atuais, é formalmente reconhecido como doença pela Organização Mundial de Saúde - OMS, que o classifica sob o título de -síndrome de dependência do álcool-, cuja patologia gera compulsão, impele o alcoolista a consumir descontroladamente a substância psicoativa e retira-lhe a capacidade de discernimento sobre seus atos. Assim é que se faz necessário, antes de qualquer ato de punição por parte do empregador, que o empregado seja encaminhado ao INSS para tratamento, sendo imperativa, naqueles casos em que o órgão previdenciário detectar a irreversibilidade da situação, a adoção das providências necessárias à sua aposentadoria. No caso dos autos, resta incontroversa a condição do obreiro de dependente químico. Por conseguinte, reconhecido o alcoolismo pela Organização Mundial de Saúde como doença, não há como imputar ao empregado a justa causa como motivo ensejador da ruptura do liame empregatício. Recurso de revista conhecido e provido." (RR - 186400-95.2004.5.03.0092 , Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 13/02/2008, 1ª Turma, Data de Publicação: 28/03/2008)
4.2 Dispensa arbitrária e discriminatória dos toxicômanos
A dispensa arbitrária é um poder potestativo do empregador, onde ele tem o direito de demitir o empregado sem determinar os motivos, pagando todas as verbas que o mesmo tem direito. Contudo, em alguns casos, o empregador não pode exercer tal direito, pois o empregado possui estabilidade, mesmo que provisória. O artigo 165 da CLT traz um conceito de despedida arbitrária:
Art. 165. Os titulares da representação dos empregados nas CIPA (s) não poderão sofrer despedida arbitrária, entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro.
Por conseguinte, a dispensa de determinadas pessoas, em razão de sua doença, será considerada discriminatória e deverá ser revertida na justiça do trabalho. A dependência química é, assim como a AIDS, uma doença estigmatizante que pode ser alvo de preconceitos e atitudes discriminatórias. Basta visualizarmos o dia a dia do dependente químico, muitas vezes ele é alvo de “brincadeiras” e zombarias, sem contar que ninguém confia trabalho e outras coisas importantes para um “bêbado” ou “drogado”. O TST editou a súmula 443 na qual se presume discriminatória a dispensa do portador de doenças que suscite estigma ou preconceito, determinando a reintegração destes empregados.
Súmula 443 (TST). Dispensa discriminatória. Presunção. Empregado portador de doença grave. Estigma ou preconceito. Direito à reintegração. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.
Conforme exposto acima os toxicômanos são discriminados e, assim como os portadores do vírus HIV, sofrem diversos tipos de estigma e preconceitos. A legislação trabalhista reconhece que tais trabalhadores não devem ser demitidos de forma arbitrária e discriminatória, pois isto vai de encontro aos preceitos da Constituição Federal de 1988.
A jurisprudência vem se consolidando no sentido de considerar a demissão dos dependentes químicos como discriminatória por violar direitos constitucionalmente garantidos aos cidadãos brasileiros, visto que uma pessoa doente não pode e nem deve ser demitida em razão de sua doença. Destacamos, abaixo, alguns julgados que corroboram com a tese aqui apresentada:
RECURSO DE REVISTA. ALCOOLISMO. DOENÇA CRÔNICA. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO À REINTEGRAÇÃO.
De acordo com o Tribunal Regional, o reclamante é dependente químico, apresentando quadro que associa alcoolismo crônico com o uso de maconha e crack. A jurisprudência desta Corte tem se orientado no sentido de que o alcoolismo crônico, catalogado no Código Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde OMS, sob o título de síndrome de dependência do álcool, é doença que compromete as funções cognitivas do indivíduo, e não desvio de conduta justificador da rescisão do contrato de trabalho. Assim, tem-se como injustificada a dispensa do reclamante, porquanto acometido de doença grave. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – 529000-74.2007.5.12.0004 - RR – 7ª TURMA - REL. DELAÍDE MIRANDA ARANTES - DEJT 07/06/2013).
ALCOOLISMO. DOENÇA ESTIGMATIZANTE. PRESUNÇÃO DE DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. SÚMULA 443 DO. E. TST. REINTEGRAÇÃO. DANOS MORAIS. O alcoolismo crônico é doença grave e estigmatizante, exigindo tratamento e prescrições médicas adequadas. O alcoólatra exibe falhas de coordenação neuromuscular, tem afetada sua atividade intelectual, o que compromete diretamente sua vida afetiva bem como o convívio social, além de, em muitos casos, destruir estruturas familiares. O tratamento do doente é medida que se impõe como forma de resgatar sua autoestima e dignidade. A pessoa acometida de tal patologia submete-se, ainda, ao cruel juízo da sociedade que, abandonando qualquer análise acerca do estado de saúde do usuário de álcool, prefere estigmatizar o doente com o uso de expressões grosseiras e pejorativas que indiscutivelmente denotam segregação. Presume-se, portanto, a dispensa discriminatória, autorizando a reintegração nos termos da Súmula 443 do E. TST, assim como, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. (TRT1 – 0002677-12.2013.5.01.0481 - RO – 7ª TURMA - REL. GISELLE BONDIM LOPES RIBEIRO - DOE 15/05/2015).
DEPENDENTE QUÍMICO. JUSTA CAUSA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. Resulta inválida a justa causa por desídia aplicada, nos termos da Súmula n.º 443 do C. TST, a qual presume discriminatória despedida de empregado portador de doença grave. Provimento do recurso obreiro e desprovimento do recurso patronal. (TRT1 – 0010983-63.2013.5.01.0062 - RO – 5ª TURMA - REL. ROBERTO NORRIS - DOE 17/04/2015).
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DEPENDENTE QUÍMICO. NULIDADE DA DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA. ABANDONO DE EMPREGO NÃO CONFIGURADO. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA VALORIZAÇÃO DO TRABALHO E FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. MATÉRIA DE FATOS E PROVAS. ÓBICE DA SÚMULA 126, DO C. TST. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 5º, II, LIV E LV E 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL; 482, "I" E 818, DA CLT; 262, 264 E 333, I, DO CPC E CONTRARIEDADE ÀS SÚMULAS 371 E 378, DO C. TST, NÃO CONFIGURADAS. Concluiu o Tribunal de Origem, com apoio no laudo pericial dos autos, pela nulidade da despedida por justa causa (abandono de emprego) em razão de que o reclamante, na comprovada condição de dependente químico de drogas pesadas, não dispunha de plena capacidade cognitiva ou de juízo quando, no mês de maio de 2012, após tomar um empréstimo da empresa, viajou até Porto Seguro/BA com o fito de frequentar a "cracolância" instalada nessa cidade, retornando a Vitória/ES dois meses depois e sofrendo internação para tratamento do vício em dezembro desse mesmo ano. O fundamento para a nulidade da dispensa e decorrente reintegração reside, de acordo com a Instância Ordinária, nos princípios da dignidade humana e da valorização do trabalho (CF, artigo 1º, III e IV), assim como na proteção à saúde e na função social da empresa, refletida esta última, no caso dos autos, segundo o E. Regional, na manutenção, pela agravante, de programa de recuperação de dependentes químicos, apto ao acolhimento do reconvinte e revelador da preocupação da empregadora com esse sério problema de saúde pública e suas relevantes implicações sociais. Deixa ainda assentado o Colegiado Regional que o agravado, diversamente do que propõe a recorrente, não se encontra capacitado para o trabalho, travando árdua e permanente luta contra a dependência química que o acomete, qualificada como doença ou síndrome devidamente catalogada no Código Internacional de Doenças. Os fatos e provas dos autos, formadores do convencimento da Instância Ordinária sobre a nulidade da despedida por justa causa e consequente direito à reintegração ou readmissão no emprego, não são suscetíveis de revolvimento em sede de recurso de revista, ante o óbice erigido pela Súmula 126, do C. TST. Atentando-se ao caráter eminentemente técnico do recurso de revista, afasta-se a alegação de afronta aos artigos 5º, II, LIV e LV e 7º, I, da Constituição Federal, 482, "i" e 818, da CLT, 262, 264 e 333, I, do CPC, bem como de contrariedade às Súmulas 371 e 378, do C. TST. Agravo de Instrumento conhecido e desprovido. (TST – 116200-68.2012.5.17.0003 - RR – 8ª TURMA - REL. JANE GRANZOTO TORRES DA SILVA - DEJT 14/08/2015).
Portanto, considerando que a toxicomania pode e deve ser considerada como doença estigmatizante, entendemos que os portadores desta doença possuem a mesma estabilidade provisória concedida aos portadores de HIV, visto que quem possui a dependência é alvo de preconceitos e estigmas, o que não pode ser tolerado pela legislação trabalhista. Sendo assim, a demissão injustificada destes cidadãos deve ser entendida como discriminatória, fazendo jus à reintegração ao seu emprego de origem.
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto, a dispensa dos toxicômanos é ilícita e gera o direito à reintegração aos quadros de funcionários da empresa e, posteriormente, seu encaminhamento ao INSS para o devido tratamento. Existem duas formas de demissão: a imotivada, que será considerada discriminatória e a dispensa por justa causa, que será considerada arbitrária e discriminatória. Ambos os casos geram direito à reintegração.
Nossa Constituição é clara ao determinar princípios que protegem os trabalhadores de demissões arbitrárias e discriminatórias, devendo ser reconhecidas como tais aquelas que visam tratar de forma desigual os iguais, discriminando cidadãos por causa da doença que o acomete e retira de si a possibilidade de manter-se de forma íntegra em seu trabalho, visto que ele já não tem o controle sobre suas ações.
A dependência química é uma questão de saúde pública e um problema de alçada do Estado e de toda a sociedade. Sendo assim, nos casos em que a dependência química crônica for reconhecida, o trabalhador deverá ser encaminhado ao INSS e receber o auxílio doença. Caso não haja a possibilidade de cura do trabalhador, o mesmo entrará em gozo do benefício de aposentadoria por invalidez, conforme previsto em nossa legislação previdenciária.
Desta forma, o toxicômano é reconhecido como doente e, como tal, tem assegurado todos os direitos referentes aos doentes afastados de suas atividades, onde seu contrato de trabalho restará suspenso até sua recuperação para as atividades de origem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOUZA, Mauro Cesar Martins. Embriaguez habitual: justa causa x preconceito. Artigo publicado no site http://www.amdjus.com.br/doutrina/trabalhista/284.htm
[1]Bruno Menezes de Souza bacharelando do 10º período do Curso de Graduação de Direito do Centro Universitário Geraldo Di Biase-Volta Redonda, RJ. bmenezes27@gmail.com
[2]Professor de Direito do Trabalho do Curso de Graduação de Direito do Centro Universitário Geraldo Di Biase - Volta Redonda, RJ. alexandre@vidalesilvaadvogados.com.br