4. CONCLUSÕES
Este trabalho - como não poderia deixar de ser e mesmo por ser próprio à Ciência do Direito - não tem a pretensão de apresentar respostas definitivas, tão pouco as únicas possíveis. Contudo, ao cabo desta pesquisa e diante da moldura legal objeto da análise, a ordem jurídico-positiva brasileira, é de rigor externarmos as seguintes conclusões:
1 – A função da propriedade, como posta em nosso ordenamento, é mais que social, é sustentável, porque equaciona direitos e deveres sociais, econômicos e de preservação ambiental. Com efeito, está explicitada em nossa ordem constitucional e infraconstitucional, vislumbrada especialmente mediante a interpretação sistemática da Constituição e demais leis, bem como da inescusável conjugação entre o princípio da função social da propriedade – e do equilíbrio ambiental – ou do desenvolvimento sustentável, insertos, entre outros, nos arts. na forma do art. 5º, 6°, 170, 186, 225 e outros da Constituição em vigor;
2 – Referida norma tem natureza dúplice: de direito fundamental (C.F. art. 5°, LXXIII), porque diretamente ligada à propriedade, e de princípio jurídico (C.F. arts. 170, 182 e 186), consubstanciando, destarte, norma autônoma não intrínseca ao direito de propriedade. De qualquer modo, trata-se de dever-ser que impõe obrigações, pena de ser aplicada a sanção correspondente, além de nortear a elaboração, aplicação e interpretação dos atos jurídicos em sentido amplo.
3 – A função sustentável da propriedade urbana obriga os particulares e os operadores do Direito na aplicação e interpretação das normas, concretiza-se mediante as disposições prescritas no plano diretor, na lei de zoneamento e das demais normas de disciplina dos espaços habitáveis e consubstancia, em soma de valores postos, deveres de atender a demandas sociais, econômicas e de preservação do meio ambiente no exercício do direito de propriedade, de seu aproveitamento racional e adequado e de utilização ajustada dos recursos naturais nela disponíveis;
4 – O princípio da função sustentável da propriedade urbana constitui verdadeiro alicerce do sistema do Direito Constitucional, Urbanístico e Ambiental, especialmente no que tange à elaboração, aplicação e interpretação das normas jurídicas que disciplinam a ordenação dos espaços habitáveis. Noutro passo, trata-se de prescrição legal, impondo ao titular do domínio o dever de utilizar a sua propriedade em consonância ao quanto prescrito no art. 225 da Constituição da República e na legislação infraconstitucional específica, pena de aplicação das sanções previstas no sistema, e de modo a assegurar a consecução de cidades sustentáveis e a evitar efeitos negativos sobre o meio ambiente urbano.
Notas
[1] Humbert, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e função socioambiental da propriedade imóvel urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2008.
[2] A Própria Declaração de Direitos do Homem, advinda da Revolução Francesa, proclamava, em seus princípios 2° e 4°, a propriedade como direito natural e imprescritível, cujo exercício não estaria limitado, na medida em que estivesse assegurado aos demais indivíduos o exercício de seus direitos.
[3]Duguit, Leon. Les Transformations Générales Du Droit Privé Depuis Le Code Napoleón. Paris: Librairie Félix Alcan, 1920.
[4]Nesta toada, o Professor André Ramos Tavares pondera: “Não é possível ignorar o direito subjetivo à propriedade. Mas também é igualmente inadmissível apenas admitir o direito subjetivo, como excludente da função social, nos tempos atuais.” [4]Tavares, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2006, p. 155.
[5]Sundfeld, Carlos Ari, In Função... op. cit. p. 5. Celso Antônio, baseando-se nas lições de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, sustenta que o direito de propriedade é, essencialmente, um direito configurado no Direito Público e, desde logo, no Direito Constitucional. In Novos Aspectos... Op. cit., p. 39
[6]Segundo Vladimir da Rocha França, a função social da propriedade não se ligaria ao direito de propriedade, mas sim seria princípio superior a este. In França, Vladimir Rocha. Perfil Constitucional Da Propriedade. Revista bimestral de Direito Público, n.° 36, p. 125.p. 130.
[7]Há quem sustente não se tratar o direito de propriedade apenas de direito fundamental, mas também, e em primeira, face de garantia fundamental. Adota esta posição Vladimir da Rocha França. In França, Vladimir Rocha. Perfil Constitucional Da Propriedade. Revista bimestral de Direito Público, n.° 36, p. 125. Isto porque o art. 5° consagra no caput a propriedade como inviolável, para posteriormente, em um dos seus incisos, preceituar como direito fundamental. No mesmo texto este autor chega a afirmar ter se equivocado o constituinte ao eleger o direito de propriedade como fundamental. Nas suas ilações: “somente o direito à propriedade tem natureza compatível com os direitos fundamentais, por ser inviolável e incondicionado. O disposto no art. 5°, XXII, deve ser interpretado como uma especificação complementar e acessória de um dos aspectos da garantia institucional da propriedade, estabelecida no caput do dispositivo constitucional supracitado.” Op. cit. .p. 128-129.
[8] Acreditamos que também seja esta a razão que leva Eurico Sodré a, acertadamente, sustentar que “a desapropriação é uma das garantias constitucionais – fundamentais, permitimo-nos acrescentar - da propriedade.” Sodré, Eurico. A Desapropriação. São Paulo: Saraiva, 1955, p.9. No mesmo sentido, é o entendimento de Maria Garcia que, com apoio na doutrina de Pontes de Miranda, assevera que “não obstante se assinale universalmente essa característica da vis compulsiva, Pontes de Miranda observa que a expropriação figura na sistemática constitucional brasileira, antes como garantia constitucional do que como ameaça à sua integridade, sendo a indenização, o ressarcimento, a compensação à perda patrimonial sofrida pelo expropriado, prévia e justa, mediante a qual o princípio da garantia mantém-se incólume e inviolado.” Garcia, Maria. Desapropriação para Urbanização e Reurbanização. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 27. Parece-nos, ressalvadas as particularidades do texto, aderir a essa tese Fábio Konder Comparato ao mencionar ser a propriedade fonte de “deveres fundamentais”, in A questão... Op. cit. p. 141. E também Vladimir Rocha França, que afirma textualmente: “no art. 5°, XXIII, declara expressamente a existência do princípio constitucional fundamental da função social da propriedade...” Op. cit. p. 128.
[9] José Afonso da Silva, monografista sobre o tema, ao tratar da aplicabilidade das normas constitucionais, adverte que “uma norma só é aplicável na medida em que é eficaz. Por conseguinte, eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais constituem fenômenos conexos, aspectos talvez do mesmo fenômeno, encarados por primas diferentes: aquela como potencialidade; esta como realizabilidade, praticidade.” Neste passo, aponta este constitucionalista uma característica tríplice das normas constitucionais quanto à eficácia e aplicabilidade. Classifica-as, assim, como sendo de eficácia plena, contida e limitada ou reduzida. As primeiras incluem aquelas que, desde a entrada em vigor, são capazes de produzir todos seus efeitos essenciais ou tem possibilidade de produzi-los. O segundo grupo também se constituiu de normas que incidem imediatamente, mas preveem meios ou conceitos que permitem manter sua eficácia contida em certos limites, dadas certas circunstâncias. As últimas não produzem todos os efeitos essenciais, com a simples entrada em vigor, dependendo, para tanto, de posterior legislação ordinária. Silva. José Afonso Da. Aplicabilidade Das Normas Constitucionais. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 60 e 82-83.
[10] Consonantemente as lições de Kelsen, toda norma é dotada de um mínimo de eficácia, mesmo porque esta é condição de validade da mesma. Op. cit. p. 235-238.
[11] Neste sentido é o posicionamento de Lopez y Lopez. Op. cit. p. 74. Outrossim, ao analisar a Constituição espanhola, conclui Pedro Escrbano Collado que “... la función social constituye um principio ordenador de la propriedad privada que, como tal, se inserta em el ordenamento constitucional com eficacia inmediata para el legislador.” Collado, Pedro Escribano. La Propriedad Privada Urbana (Encuadramiento e Regimen). Madrid: Montecorvo, 1979, p. 122. Renovamos aqui que, sobre a matéria, já dedicamos ensaio, publicado pela Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, v. 14.
[12]Este é o entendimento da esmagadora maioria da doutrina. Ressalvadas as devidas peculiaridades e propriedades de cada tese, vislumbram a função social da propriedade como verdadeiro princípio jurídico. Por todos, citem-se: Eros Grau. In A Ordem... Op. cit. p. 247; Sílvio Luís Ferreira da Rocha. In Função Social... Op. cit. p. 73; Agel Lopez y Lopez. In La Disciplina... Op. cit. p. 72. Pedro Escribano Collado. In La Propriedad... Op. cit. p. 122-123; Daniela Campos Libório Di Sarno. In Elemntos..., Op. cit. p. 47; Carlos Ari Sundfeld. In Temas... Op. cit. p. 12-13. Também Rocha, Cármen Lúcia Antunes Rocha. O Princípio Constitucional da Função Social Da Propriedade. In Filho, Romeu Felipe Bacellar (coord.). Direito Administrativo Contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 55-104.
[13]Não voltaremos aqui ao embate acerca do conceito e substância dos princípios jurídicos. Sobre o tema, reportamo-nos ao capítulo II deste trabalho, especialmente a nota de rodapé n.º 13.
[14] Canotilho, J.J. Gomes e Moreira, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 49.
[15]Além de alçarem a função social como princípio jurídico, enaltecem sua importância para interpretação e aplicação do direito, por todos, Eros Grau. In A Ordem... Op. cit. p. 247; Sílvio Luís Ferreira da Rocha. In Função... Op. cit. p. 73; Agel Lopez y Lopez, In La Disciplina... Op. cit. p. 72. Pedro Escribano Collado, In La Propriedad. .Op. cit. p. 122-123; Daniela Campos Libório Di Sarno. In Elementos... Op. cit. p. 47; Carlos Ari Sundfeld. In Função... Op. cit. p. 12-13
[16] Consoantemente leciona-nos o constitucionalista José Afonso da Silva, em razão do princípio da supremacia, pelo qual todas as situações jurídicas devem se conformar com os princípios e preceitos insertos na Constituição, nossa Carta reconheceu duas formas de inconstitucionalidade. A inconstitucionalidade por ação, que ocorre com a produção de atos legislativos ou administrativos que contrariem normas ou princípios da Constituição, incompatibilidade esta que poderá ser formal – quando tais atos são formados pela autoridade incompetente ou em desacordo aos procedimentos predispostos na norma maior - ou materialmente – hipótese em que tais atos possuí vício de conteúdo. Noutro lado, haverá inconstitucionalidade por omissão quando referidos atos não sejam praticados para tornar plenamente aplicáveis normas constitucionais. In Curso de Direito Constitucional, 2005. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 46-48.
[17]Mello, Celso Antônio Bandeira de. Novos Aspectos da Função Social da Propriedade no Direito Público. RDP nº. 84. Op. cit. p. 4.
[18] Em contraposição ao quanto propugnado pela maioria da doutrina, utilizamos a expressão ainda que não substancial para nos referir ao impacto da função social sobre o novo regime jurídico da propriedade, pois entendemos que, a despeito das inegáveis conseqüências jurídicas daí decorrentes, o direito de propriedade permanece incólume. Seu sentido jurídico essencial permanece o mesmo, uma vez que o detentor do direito de propriedade continua com liberdade para usar, gozar e dispor do bem, reivindicá-lo de quem quer que injustamente dele se aproprie, podendo livremente negociá-lo, percebendo a indenização devida decorrente de danos provocados por outrem e mesmo nas hipóteses de expropriação a bem do interesse público ou sanção por descumprimento da função social. São estes os elementos que compõem o direito de propriedade. Não há socialização da propriedade pelo direito posto, nem penetração da função social como parte integrante conteúdo essencial da noção de direito de propriedade. O que há é o balizamento entre autonomia da vontade e interesse da coletividade.
[19]Precisamente com a Constituição Mexicana de 1917 e a de Weimar, de 1919.
[20]No caso da propriedade urbana, por exemplo, as sanções constitucionais (art. 182, § 4°) aplicáveis são, sucessivamente, o dever de parcelamento ou edificação compulsórios, IPTU progressivo no tempo e desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública. Já às propriedades rurais que descumpram este dever jurídico também se aplica a desapropriação com pagamento através de títulos da dívida pública (art. 184). Nos dois casos, o direito de propriedade permanece na sua inteireza. O que há é o dever de o proprietário exercer este direito consoante delimitado pelo princípio constitucional da função social da propriedade e das legislações deste decorrentes, que, e em não se cumprindo sujeitar-se-á a aplicação da consequente pena legalmente prevista, sem qualquer mitigação ou alteração substancial do direito de propriedade.
[21]FRANÇA, Vladimir Rocha. Perfil Constitucional da Propriedade. Revista bimestral de Direito Público, n.° 36.p. 129.
[22]ROCHA, Cármen Lúcia Antunes Rocha. O Princípio Constitucional da Função Social Da Propriedade. In Filho, Romeu Felipe Bacellar (coord.). Direito Administrativo Contemporâneo. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 88.
[23]SUNDFELD, Carlos Ari. Função social da propriedade, in Temas de Direito Urbanístico I, DALLARI e FIGUEIREDO, Adilson Abreu e Lúcia Valle, coord. São Paulo: RT, 1987, p.14.
[24]Insta registrar que a função social da propriedade, a nosso sentir, liga-se com a justiça social, embora com ela não se confunda. A primeira é princípio jurídico diretamente ligado ao direito de propriedade. A segunda é um dos primados, verdadeiro princípio fundamental da ordem social posta, consoante disposto no art. Título I e pormenorizado a partir do art. 193 da Constituição, ligando-se diretamente a asseguração de direitos relativos ao trabalho, à saúde, previdência, assistência social, educação, cultura, desporto, meio ambiente, proteção especial à família, idoso, criança e adolescente. Portanto, ambas são postas com o fito de promover o alcance dos valores supremos de uma sociedade fraterna, como indicado no preâmbulo da Constituição, destinando-se a assegurar os direitos individuais e sociais ínsitos ao estado social democrático de direito. Com a precisão que lhe é particular, manifesta-se Cármen Lúcia: “fundamental para o perfeito entendimento do dever social imposto ao proprietário é o princípio da justiça social, desatendido enquanto prevalecesse o entendimento da função individual da propriedade. O social da Justiça buscada contamina a função que a propriedade terá de cumprir para que se legitime e possa ser buscada a sua destinação segundo compromisso solidário com todos e com cada qual dos membros da sociedade política. É nesse princípio da justiça social que se desenha e se afirma o alicerce fundamental a manejar o travejamento do direito de propriedade-função social, que se estampa no capítulo da declaração dos direitos individuais, mas que condiciona a ordem econômica e a social.” Op. cit. p.82-83.
[25]Sundfeld, Carlos Ari. In Função... Op. cit., p. 2.
[26]É de bom alvitre mais uma vez frisar que a doutrina, quase que uníssona, sustenta, em sentido diametralmente oposto ao quanto propugnado nestas linhas, que a função social da propriedade é ínsita ao direito de propriedade, interferindo no seu conceito e conteúdo jurídico, posicionamento defendido por Lopez, Angel M. Lopez Y. La Disciplina Constitucional De La Propriedade Privada. Madrid: Tecnos, 1988.. p. 70. Corrobora esta tese Pedro Collado. Após anotar que é um princípio ordenador da propriedade privada inserido no sistema com eficácia imediata para o legislador, afirma o jurista espanhol que o princípio vai incidir plenamente sobre o conteúdo do direito, obrigando o legislador a determiná-lo em função dos interesses sociais tomados em consideração, pelo que – conclui - as faculdades, poderes, vínculos e obrigações se modificarão em cada caso. COLLADO, Pedro Escribano. La Propriedad Privada Urbana (Encuadramiento e Regimen). Madrid: Montecorvo, 1979, p. 123. A nosso sentir, como não se trata de limitação ou restrição – externa ou interna -, mas sim de dever jurídico como qualquer outro, a imposição das conseqüências cabíveis poderá se dar mediante lei ou ato administrativo, desde que expedidos em conformidade com o sistema e com sua norma fundamental e que, este último, não ultrapasse seus limites, ou seja, não inove juridicamente.
[27]Carlos Ari Sundfeld, apoiado nas lições de José Afonso da Silva, acrescenta que além de delimitar o direito de propriedade e impor um dever ao proprietário, a função social é um dos fundamentos de legitimação da propriedade, razão pela qual “o proprietário que não utiliza a coisa, deixando de cumprir a função social a ele atribuída por ser detentor de riqueza, não pode se opor ao reconhecimento a terceiro, que dê cumprimento a tal função, de direito de propriedade sobre o mesmo bem. Em outras palavras, o cumprimento, por alguém, da função de proprietário, pode legitimá-lo como tal.” In Função...Op. cit. p. 20. Concordamos com as palavras do citado autor, ressalvando que esta legitimação somente poderá se dar se e em conformidade com as prescrições constitucionais e infraconstitucionais pertinentes à aquisição do título de propriedade.
[28]Regime jurídico este - seja a propriedade urbana ou rural - já bem delimitado pela Constituição, portanto, notadamente, de Direito Público. Ainda assim não é desprezível esta distinção, mesmo porque é importante precisar se, em cada caso concreto incidirão, à guisa de exemplo, as regras do art. 182 e 183 ou do art. 186 da C.F , no âmbito infra-constitucional, se incidem sobre determinada propriedade as regras do Estatuto da Cidade ou do Estatuto da Terra e dos próprios princípios específicos pertinentes a cada uma destas disciplinas.
[29]Adverte-nos José Afonso da Silva: “Em verdade, uma coisa é a propriedade pública, outra a propriedade social, e outra a propriedade privada; uma coisa é a propriedade agrícola, outra a industrial; uma propriedade rural, outra a urbana; uma propriedade de bens de consumo, outra a de bens de produção; uma propriedade de uso pessoal, outra a propriedade/capital. Pois, como alertou Pugliatti, há bastante tempo: ‘No estado das concepções atuais e da disciplina positiva do instituto, não se pode falar de um só tipo, mas se deve falar em tipos diversos de propriedade, cada um dos quais assume um aspecto característico’. Cada qual deste tipos pode estar sujeito - e por regra estará - a uma disciplina particular, especialemente porque, em relação a eles, o princípio da função social atua diversamente, tendo em vista a destinação do bem objeto da propriedade.” Direito Urbanístico Brasileiro. São Paulo. Malheiros, 2006, p. 75.
[30]Art. 40. O plano diretor, aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana. (...)
§2º O plano diretor deverá englobar o território do Município como todo.
Art. 42. O plano diretor deverá conter no mínimo:
I – a delimitação das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização, na forma do art. 5° desta lei. (...).”
[31]In Direito Urbanístico... Op. cit. p. 78-79.
[32]Considere-se, ademais, que a incidência do princípio da função social da propriedade não pode estar adstrita ao que prescreve o plano diretor, porque este sequer é obrigatório - e muitas vezes sua elaboração é, na prática, inviável - para todos os Municípios, mas somente para aqueles com mais de 20.000 habitantes. Permitimo-nos reportar, por mais uma vez, ao nosso singelo estudo “Da incidência do princípio da função social da propriedade nos municípios não obrigados a elaborar plano diretor”.
[33] ARISTÓTELES. Política, Livro 1. Coleção os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 2004.139.
[34]Warat, Luis Alberto e Martino, Antônio Anselmo. Lenguaje e Definicion Juridica. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciaencias Sociales, 1973, p. 69. Sobre a concepção aristotélica de definição confira-se também Capella, Juan Ramon. El Derecho Como Lenguaje. Barcelona: Ariel, 1968 e Diniz, Maria Helena. Conceito de Norma Jurídica Como Um Problema de Essência. São Paulo: Saraiva, 2006.
[35]VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. São Paulo: Noeses, 2005.
27.
[36]Ferraz, Tércio. A Ciência do Direito. São Paulo: Atlas, 1977, p. 74.
[37]Cammarosano, Márcio. Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 1984, p. 9.
[38]Teoria Pura do Direito. Op. cit. p. 2.
[39]Op. cit. p. 265.
[40]Op. cit., p. 266-269.
[41]Consoante discorre Celso Antônio Bandeira de Mello, os conceitos jurídicos-positivos “… consistem em qualificações de uma realidade para efeitos de direito. Referem-se à atribuição de um ‘sentido especial’ àquelas realidades: justamente o de produzir determinados efeitos em decorrência da situação normativa que os colhe” In Natureza e Regime Jurídico das Autarquias. São Paulo: RT, 1968, p. 78.
[42] Idem.
[43] Idem.
[44]Cammaroano. Márcio. Provimento… Op. cit. p. 4. De rigor firmar que o citado autor se vale desta construção doutrinária para tratar do conceito jurídico de cargo e função - por isto mesmo, ao contrário do supratranscrito, a frase do original encontra-se no plural. Construção esta, frise-se, que entendemos ser plenamente aplicável à espécie ora em debate.
[45]Recorda José Afonso da Silva que “as Constituições brasileiras anteriores à de 1988 nada traziam especificamente sobre a proteção do meio ambiente natural. Das mais recentes, desde 1946, apenas se extraía orientação protecionista do preceito sobre a proteção da saúde e sobre a competência da União para legislar sobre água, florestas, caça e pesca, que possibilitavam a elaboração de leis protetoras como o Código Florestal e os Códigos de Saúde Pública, de Água e de Pesca.” In Silva, José Afonso da. Direito Ambiental. Op. cit., p. 46. No mesmo sentido, cf. Antunes, Paulo Bessa. Direito Ambiental. Op. cit., p. 51.
[46] Idem.
[47] Entre os diversos dispositivos que fazem referência direta ou indireta ao meio ambiente e sua proteção, citem-se o art. 5°, XXIII, LXXI, LXXIII; art. 20 a 24 e diversos dos seus incisos e parágrafos; art. 43, § 2º, IV e § 3º; art. 49, XIV e XVI; art. 91, § 1°, inciso III; art. 129, III, art. 174, §3° e § 4°; art. 176; art. 200, VII e VIII; art. 231 e art. 232, além dos importantes e relevantíssimos artigos 170, VI, 186 e 225.
[48]O art. 5°, LXXIII insere entre as garantias individuais fundamentais a de “...propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural...”.
[49]Silva, José Afonso da. Direito Ambiental... Op. cit., p. 46.
[50]Corrobora esta posição, ainda que por fundamentos diversos do ora externado, José Afonso da Silva, In Direito Ambiental... Op. cit. p. 58-70. Também advoga esta tese Paulo de Bessa Antunes. Op. cit. p. 67- 72.
[51]Ferreira, Ivette Senise. Tutela Penal do Patrimônio Cultural. São Paulo: RT, 1995. p. 9.
[52]Marcelo Abelha Rodrigues reconhece a existência da função sustentável da propriedade privada e chega a aventar a existência de uma nova espécie de bens: os bens ambientais. Com a devida vênia discordamos da engenhosa construção deste renomado jurista, uma vez que o nosso ordenamento jurídico só prevê a existência de duas espécies de bens: os públicos e os privados. Com base nesta tese, a qual apresentamos nossa ressalva, o citado autor concluí, nesta parte, ao nosso ver com acerto, que “...todas as limitações à propriedade privada que são ditadas pelo (e em nome) do Direito Ambiental – nesse particular concretizadas pelo princípio do poluidor e usuário pagador – são legítimas formas de se estabelecer o devido processo legal substancial e, em última análise, são limitações que respaldam-se na necessidade de se proteger o próprio direito de propriedade, por mais insana e paradoxal que possa parecer essa asserção.” RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de direito ambiental. São Paulo: RT, 2005, p. 211.
[53]Constituição da República, Art. 186, I e II.
[54]Salazar Júnior, José Roberto. O Direito Urbanístico e a tutela do meio ambiente urbano. In Dallari, Adilson Abreu e Di Sarno, Daniela Campos Libório (coord.). Direto Urbanístico e Ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p.173.
[55]CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume 1. São Paulo: Editora RT, 2007, p. 846.
[56]A doutrina e jurisprudência ainda revelam certa imprecisão quando o assunto é o conceito de desenvolvimento sustentável - do qual decorre o de cidades sustentáveis -, e qual o seu conteúdo jurídico. Como bem averbam Canotilho e Vital Moreita: "A densificação de desenvolvimento sustentávelnão é isenta de dificuldades. Por um lado, o desenvolvimento sustentável aponta para idéia de cooperação reforçada entre os Estados no sentido da proteção do ambiente, da preservação dos recursos naturais, da utilização de enregiasrenováveis, e limitação das emissões de gases com efeito de estufa, etc. Por outro lado, o desenvolvimento sustentável pode exigir acções específicas quanto ao desenvolvimento de países ainda carecidos de infra-estruturas básicas nos planos económico e social. Neste contexto, o princípio do desenvolvimento sustentável não se limitaria a ser um conceito restrito ao âmbito das políticas ambientais; compreenderia também relevantes dimensões económicas, sociais e culturais. E finalizam: "Um conceito expandido de desenvolvimento sustentável não é incompatível com uma densificação normativa no campo do Estado constitucional ecológico, de forma a tornar transparente a articulação entre desenvolvimento justo e duradouro e solidariedade com as futuras gerações." In Constituição... Op. cit. p. 849 Na doutrina pátria, J.J. Calmo de Passos também revelou preocupação quanto ao tema, externando-a nos seguintes termos: "Desenvolvimento sustentável é algo de que todos falam e ninguém sabe precisamente o que seja. Mais que isto; antes de se falar em desenvolvimento sustentável deveria ser deixado claro o que se deseja sustentar, em favor de quem e por que maneira. Exige-se, ainda, seja explicitada que visão do mundo suporta as reflexões e as teorias propostas sob a égide do 'desenvolvimento sustentável' e quais são a consistência lógico e o significado ético e político dessas reflexões e dessas terapias. Sempre se deixa na sombra o fato inexorável de que, na base de tudo, está o relacionamento do homem com a natureza." Diz, ainda, o mesmo autor: "Do ponto de vista político, ressalta ao problema, diria antes o desafio ameaçador, que é o de se compatibilizar os reclamos do desenvolvimento capitalista no nível por ele hoje alcançado, com as exigências cada vez mais prementes de justiça social, entendido este termo como relacionado à satisfação das necessidades de todos os homens, o que se revela cada vez mais difícil de ser alcançado num mundo em que se fomenta muito mais a satisfação dos desejos que o atendimento das necessidades." In Passos, José Joaquim Calmon de. Meio Ambiente E Urbanismo. Compreendendo, Hoje, O Código Florestal De Ontem. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 10, abril/maio/junho, 2007, p. 9-10. Entendemos que o desenvolvimento sustentável é princípio jurídico, portanto norma jurídica, e que está diretamente relacionado com o direito à manutenção da qualidade de vida através da conservação do meio ambiente, através da adoção de medidas e ações preventivas, a fim de que o desenvolvimento ocorra de forma a preservá-lo para as presentes e futuras gerações, como prescreve a Constituição da República em seu art. 225.
[57]Estatuto da Cidade, Art. 2°, I
[58]Idem, inciso IV.
[59]Inciso VI, alínea g).
[60]Idem, inciso VIII.
[61]Inciso XXII.
[62]Inciso XIII.
[63]Ainda o citado art. 2°, agora em seu inciso XIV.
[64]Medauar, Odete e Almeida, Fernando Dias Menezes de. Estatuto da Cidade. São Paulo: RT, 2004. p. 26-27.
[65]Já dedicamos breve trabalho ao estudo de impacto de vizinhança e sua utilidade como instrumento de tutela ao meio ambiente, especificamente o cultural. In Humbert, Georges Louis Hage. O estudo de impacto de vizinhança como instrumento de proteção ao meio ambiente cultural. Fórum de Direito Urbano e Ambiental – FDUA. Vol.27 (mai/jun. 2006) p. 3323-3326. Belo Horizonte: Fórum, 2006.
[66]Anota Diógenes Gasparini que se pode definir o conceito de direito de preferência fixado nos arts. 25 e 26 do Estatuto da Cidade, “como o direito assegurado por lei ao Município, nas mesmas condições de preço e pagamento, de ser preferido quando o proprietário de imóvel urbano situado em área delimitada por lei municipal baseada no plano diretor e sujeita ao regime de preempção se dispuser por vontade própria a aliená-lo onerosamente a particular ou se dispuser a aliená-lo, nessas condições, a terceiro em razão do recebimento formal de proposta de compra e venda.” Gasparini, Diógenes. Direito de Preempção. In Dallari, Adilson Abre e Ferraz, Sérgio (coord.). Estatuto da Cidade. São Paulo. Malheiros, 2002, p. 196. O direito de preempção consiste no instrumento de política urbana que confere ao poder Público Municipal, desde que haja lei anterior baseada no plano diretor que delimite suas áreas de incidência, a preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares. Consoante brilhantemente expõe Ricardo Lira, “a concepção é urbanisticamente válida, pois o Município, em áreas previamente definidas na lei e no plano de uso do solo, poderá adquirir desde logo imóveis cuja aquisição futura será inevitavelmente mais onerosa, após a realização de determinado plano específico de urbanização. Possibilita que a plus valia, decorrente da implantação dos equipamentos urbanos e da implementação dos planos se dê nas mãos do Poder Público.” Op. cit. p. 168.
[67]É o próprio estatuto da cidade que conceitua estas operações como sendo o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. Aqui, nos importa a sua utilização para fazer-se cumprir a função socioambiental da propriedade, ou seja, para possibilitar que a propriedade atenda ao quanto preceitua o art. 225 da nossa Carta Maior. E é o que se pretende mediante tais operações, pois prescreve explicitamente a norma a valorização ambiental como um dos seus propósitos. Com efeito, “nota-se neste tipo de operação a possibilidade do Poder Público se associar com a iniciativa privada no intuito de efetuar melhorias em determinadas regiões, obviamente com vistas ao desenvolvimento urbano. As chamadas “parcerias” com a iniciativa privada representam recurso bastante utilizado atualmente, em especial devido à grande dificuldade de atender os objetivos propostos, com parcos recursos públicos disponíveis.” In Medauar... Op. cit. p. 215. Prescreve-se a participação direta da sociedade – proprietários, moradores, investidores -, coordenadas pelo Poder Público, visando o desenvolvimento estruturado e adequado de determinada área. Através deste mecanismo, poder-se-á efetuar a modificação de índices e características de uso e ocupação do solo, bem como as alterações de normas edilícias, regularização de construções, sempre levando em consideração o impacto ambiental. Não por outra razão, o art. 33 do E.C impõe que o Estudo de Impacto de Vizinhança, acima já analisado, é conteúdo mínimo da lei específica que aprovar a operação urbana consorciada. E assim fica garantida mais uma forma de efetivação da função socioambiental da propriedade e a consequente tutela do meio ambiente urbano.
[68]O Estatuto da Cidade preceitua que Lei Municipal, baseada no plano diretor, poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de preservação ou quando o imóvel for considerado de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural (art.35, II). Mais uma vez com apoio das lições de Odete Medauar, é acertado afirmar que “diferentemente da outorga onerosa do direito de construir, em que se possibilita ao particular construir acima do limite previsto para o terreno, mediante contrapartida a ser paga ao Município, na transferência do direito de construir é possível repassar a terceiro a possibilidade de construir, abrindo-se mão do mencionado direito.” Op. cit. p.222. Essa possibilidade se estende a um mesmo proprietário de dois ou mais imóveis, que poderá transferir este direito para um outro imóvel seu.” Funcionará como excelente recurso para alcançar o objetivo de preservação do meio ambiente urbano natural ou construído, uma vez que permitirá ao Poder Público intervir de forma menos agressiva na propriedade privada, já que a limitação imposta ao direito de construir em razão do valor histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural, poderá ser compensada com a transferência deste para outra propriedade que não possua estas funções, harmonizando os interesses sociais e particulares.
[69]Estatuto da Cidade, Art. 41, V.
[70]In Estatuto da Cidade... Op. cit. p. 84.
[71]Nery Júnior, Nelson e Andrade Nery, Rosa Maria. Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados. São Paulo: RT, 2002, p. 181.
[72]Sobre a recepção do Código Florestal pela atual Constituição, confira-se Akaoui, Fernando Reverendo Vidal. Aplicação do Código Florestal Em Áreas Urbanas. In Feitas, José Carlos de. Temas de Direito Urbanístico 2. São Paulo: Imprensa oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000 p. 282.
[73]Admitimos, assim como o citado autor, que as problemáticas pertinentes ao urbanismo e aos 'meios ambientes', devem ser estudadas à luz da interdisciplinariedade. Contudo, esta interdisciplinariedade, como já externamos, deve ser jurídica - ou seja, entre ramos da Ciência do Direito - e o objeto de análise deve ser apenas o perfi jurídico - que, repise-se, é conformado mediante normas - conferido à tais problemáticas - quais sejam habitação, trabalho, educação, lazer, saúde, etc.
[74]PASSOS, José Joaquim Calmon de. Meio Ambiente E Urbanismo. Compreendendo, Hoje, O Código Florestal de Ontem. Revista Eletrônica de Direito do Estado (REDE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 10, abril/maio/junho, 2007. p. 6-8.
[75]AKAOUI, Fernando Reverendo Vidal. Aplicação do Código Florestal Em Áreas Urbanas. In Feitas, José Carlos de. Temas de Direito Urbanístico 2. São Paulo: Imprensa oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo, 2000, p. 283.
[76]Fink, Daniel Roberto e Pereira Márcio Silva. Vegetação De Preservação Permanente E Meio-Ambiente Urbano. Revista de Direito Ambiental, vol. 2 RT, p. 89.
[77]Figueiredo, José Guilherme Purvin de. A Propriedade No Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Esplanada, 2004, p. 40.
[78]França, Vladimir da Rocha. Op. cit. p. 125.
[79]Op. cit. p. 11.