CONCEITOS DOUTRINÁRIOS DE ORDEM PÚBLICA
Primeiramente, é bom esclarecer que não existe um conceito exato do significado da expressão “ordem pública” contida no art. 312 do Código de Processo Penal.
Em virtude disso, tem surgido grande divergência doutrinária e jurisprudencial quanto a seu real significado.
Os doutrinadores muito se divergem a respeito do que seria a ordem pública. Tal conceito não é unânime e cada doutrinador atribui definições de acordo com o que lhe é conveniente.
A consequência é a discrepância que o conceito traz em si. Isso se deve ao fato de que a lei também dá uma ampla margem de liberdade para várias interpretações.
Segundo o entendimento de Nestor Távora: “a decretação da prisão preventiva com base na ordem pública, objetiva evitar que o agente continue delinquindo no transcorrer da persecução criminal”.[1]
Nas lições de Nestor Távora:
A ordem pública é expressão de tranquilidade e paz no seio social. Em havendo risco demonstrado de que o infrator, se solto permanecer, continuará delinquindo, é sinal de que a prisão cautelar se faz necessária, pois não se pode esperar o trânsito em julgado da sentença condenatória. É necessário que se comprove este risco. As expressões usuais, porém evasivas, sem nenhuma demonstração probatória, de que o indivíduo é um criminoso contumaz, possuidor de uma personalidade voltada para o crime etc., não se prestam, sem verificação, a autorizar o encarceramento. [2]
Nestor Távora filia-se a uma corrente dita intermediária a qual confere uma interpretação constitucional à acepção da expressão ordem pública trazida pelo Código de Processo Penal.
Isso quer dizer que referida expressão não violaria o princípio constitucional da presunção de inocência quando, uma vez fundamentada a decisão que decrete a prisão preventiva, quando o autor da infração simbolizar um risco social pela possível pratica de novas infrações, caso permaneça em liberdade.
Uma importante observação há de ser feita quando o infrator possuir maus antecedentes criminais.
Neste caso, a mera existência de antecedentes criminais não seria, por si só, um fator de insegurança. É que, neste caso, o STF entendeu que o simples fato de já ter sido indiciado ou processado, implica no reconhecimento de maus antecedentes. A preventiva deverá ser contextualizada fundamentadamente.
Para o autor, o risco do cometimento de novos delitos é o fator chave para se decretar a preventiva com fundamento na ordem pública.
Portanto, fazendo-se uma interpretação constitucional à acepção expressão ordem pública, ela estaria em perigo sempre quando “o criminoso simboliza um risco pela possível prática de novas infrações penais, caso permaneça em liberdade”. [3]
Por oportuno, Fernando da Costa Tourinho Filho aduz que:
Ordem pública, enfim, é a paz, a tranquilidade no meio social. Várias situações podem traduzi-la, tamanha a vaguidade da expressão. Perigosidade do réu, crime perverso, insensibilidade moral, os espalhafatos da mídia, reiteradas divulgações pelo rádio ou televisão, tudo, absolutamente tudo, ajusta-se àquela expressão genérica “ordem pública”. [4]
Referido autor, ao conceituar ordem pública como tranquilidade e paz no meio social, reconhece a tamanha vaguidade que a expressão traz em si e tece muitas críticas a respeito.
Conforme críticas ao instituto Tourinho Filho diz que:
Quando se decreta a prisão preventiva com “garantia da ordem pública”, o encarceramento provisório não tem o menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade e uma indisfarçável ofensa à nossa Lei Magna, mesmo porque a expressão “ordem pública” diz tudo e não diz nada (...). Não se pode falar em prisão preventiva sem estar com as vistas voltadas para o princípio da presunção de inocência. Do contrário, para que serviria o princípio? Nas hipóteses de preservação da ordem pública, a prisão preventiva não tem nenhum caráter cautelar; ela não acautela o processo condenatório a que está instrumentalmente conexa.[5]
E ainda continua:
Justifica-se a prisão preventiva, nessa hipótese, numa época totalitária, ao tempo em que a presunção de inocência não havia sido guindada à posição de cláusula pétrea na nossa Lei fundamental. Sem embargo, já se decretou a prisão preventiva para não afetar a credibilidade da Justiça (RT, 768/573), para assegurar a integridade da vítima (JSTJ, 2/263), para cessar constrangimento contra a vítima (RT, 774/683), repulsa gerada no meio social (JSTJ, 73/84), pela periculosidade evidenciada no crime (RT, 648/347). [6]
Portanto, para o autor, sempre quando for requerida a decretação da prisão como garantida da ordem pública ou da ordem econômica, neste caso, o juiz deve procurar a ver qual as medidas cautelares podem ser aplicadas ao caso, contidas no art. 319 do CPP, devendo sempre observar a cautelar mais adequada e proporcional para impor a prisão cautelar.
Somente depois de feita esta análise, e, caso não seja possível aplicar uma medida cautelar diversa da prisão, é que o juiz estaria autorizado a decretar a prisão preventiva com garantia da ordem pública.
Por outro lado, Guilherme de Sousa Nucci entende que a expressão ordem pública seria a “indispensabilidade de se manter a ordem na sociedade, que, como regra, é abalada pela prática de um delito”. [7]
Nucci afirma que se a gravidade do delito, a repercussão social com reflexos negativos e traumáticos na vida de muitos propiciando aos cidadãos um forte sentimento de impunidade e de insegurança, caberia ao juiz determinar a prisão preventiva do autor do delito. E, ainda, aduz que:
A garantida da ordem pública pode ser visualiza por vários fatores, dentre os quais: gravidade concreta da infração + repercussão social + periculosidade do agente. (...) outro fator responsável pela repercussão social que a prática de um crime adquire é a periculosidade (probabilidade de tornar a cometer delitos) demonstrada pelo indiciado ou réu e apurada pela análise de seus antecedentes e pela maneira de execução do crime. Assim, é indiscutível que pode ser decretada a prisão preventiva daquele que ostenta, por exemplo, péssimos antecedentes, associando a isso a crueldade particular com que executou o crime. (...) Em suma o delito grave – normalmente são todos que envolvem violência ou grave ameaça à pessoa – associado à repercussão causada em sociedade, gerando intranquilidade, além de se estar diante de pessoa reincidente ou com péssimos antecedentes, provoca um quadro legitimador da prisão preventiva. (...) Outros dois elementos, que vêm sendo considerados pela jurisprudência, atualmente, dizem respeito à particular execução do crime (ex: premeditados meticulosamente, com percurso criminoso complexo; utilização extrema de crueldade etc.) e ao envolvimento com organização criminosa. [8]
Nucci entende que ordem pública seria a junção da gravidade concreta da infração, da repercussão social e da periculosidade do agente como requisitos básicos.
Para este autor, a “garantia da ordem pública deve ser visualizada pelo trinômio gravidade da infração + repercussão social + periculosidade do agente.”[9]
De acordo com Nucci, a gravidade da infração, a repercussão que esta possa atingir, com a indicação social e a comoção pública, estaria colocando o prestígio do Judiciário e do normal funcionamento das instituições, somando-se isso com o alto grau de periculosidade do infrator, autorizaria a segregação cautelar com este fundamento.
Por outro lado, Fernando Capez dissertado sobre o tema diz:
A prisão cautelar é decretada com a finalidade de impedir que o agente, solto, continue a delinquir, não se podendo aguardar o término do processo para, somente então, retirá-lo do convívio social. Neste caso, a natural demora da persecução penal põe em risco a sociedade. É o caso típico de periculum in mora. O clamor popular não autoriza, por si só, a custódia cautelar. Sem periculum in mora não há prisão preventiva. O clamor popular nada mais é do que uma alteração emocional coletiva provocada pela repercussão de um crime. Sob tal pálio, muita injustiça pode ser feita, até linchamentos (físicos ou morais). Por esta razão, a gravidade da imputação, isto é, a brutalidade de um delito que provoca comoção no meio social, gerando sensação de impunidade e descrédito pela demora na prestação jurisdicional, não pode por si só justificar a prisão preventiva. Garantir a ordem pública significa impedir novos crimes durante o processo.[10]
Nota-se que, contrariamente ao citado por Nucci, o doutrinador Fernando Capez, em seu magistério, ensina que a ordem pública estaria sendo abalada caso o autor do delito, uma vez solto, voltasse a cometer novos ou reiterados crimes.
Veja que o quesito principal para Capez é a possibilidade de cometimento de novos crimes.
O autor, por sua vez, afirma categoricamente que o clamor público não autoriza o acautelamento do infrator. E ainda explica que o “clamor popular” é gerado pelo sentimento coletivo de revolta popular provocado pela repercussão midiática de um crime. Mesmo nestes casos a ordem pública não estaria abalada com base neste fundamento.
Capez afirma, ainda, que mesmo a gravidade abstrata de um delito, ou, melhor, a brutalidade com que o crime também foi cometido não é fator de decretação da prisão preventiva com fundamento na ordem pública.
Sendo assim, Fernando Capez conclui dizendo que: “Garantir a ordem pública significa impedir novos crimes durante o processo”.[11]
Paulo Rangel, por sua vez, aduz que:
Por ordem pública, devem-se entender a paz e a tranquilidade social, que devem existir no seio da sociedade, com todas as pessoas vivendo em perfeita harmonia, sem que haja qualquer comportamento divorciado do modus vivendi em sociedade. Assim, se o indiciado ou o acusado em liberdade continuar a praticar ilícitos penais, haverá perturbação da ordem pública, e a medida extrema é necessária se estiverem presentes os demais requisitos legais.[12]
Note-se que Paulo Rangel também adota a concepção de que a ordem pública estaria violada com a ruptura da paz social. Logo, para ele, a paz social somente estaria violada quando o acusado, em liberdade, continuar a praticar outros crimes.
O autor traz uma reflexão muito importante. Para ele, o conceito de ordem pública não é vago. A imprecisão terminológica consiste, muitas das vezes, nas decisões dos magistrados e não na expressão literal da lei.
Segundo Paulo Rangel: Quando o juiz diz que “decreta a prisão para garantia da ordem pública, a vagueza e a imprecisão não estão no conceito de ordem pública, mas na decisão do magistrado que não demonstra onde a ordem pública está ameaçada e agredida com a liberdade do acusado”. [13]
E o autor ainda conclui que não existe uma possível inconstitucionalidade na expressão “ordem pública”. Até porque, a nosso ver, pela teoria da recepção, e, considerando que o código de processo penal é anterior à Constituição Federal, não haveria do que se falar em inconstitucionalidade de leis infraconstitucionais, elaboradas antes do texto da carta magna de 1988.
Neste caso, adota-se a teoria da recepcionalidade ou não-recepcionaldiade. A expressão, apesar das imensas críticas, foi recepcionada pelo texto da Constituição.
O que deve ser feito é uma releitura da ordem pública sob um viés constitucional, tendo os direitos e garantias individuais e coletivos e princípios processuais penais garantidos na Constituição como plano de fundo.
Desta forma, pode-se concluir que Paulo Rangel entende que a ordem pública estaria violada uma vez comprovada efetivamente a reiteração criminosa.
Com entendimento um pouco abrangente Eugênio Pacelli de Oliveira aduz que a expressão ordem pública não foi retirada do código pelo legislador por entender que ela encontra-se totalmente compatível com o texto constitucional.
Se assim não fosse, a expressão teria sido revogada pelas mudanças posteriores que o Código de Processo Penal sofreu ao longo de todos esses anos desde a sua promulgação.
Isso porque, recentemente, o Código de Processo Penal foi reformado pela Lei nº. 12.403/11 que alterou toda a sistemática no que se refere à prisão processual, fiança, liberdade provisória, prisão preventiva e demais medidas cautelares diversas da prisão.
Sobre a grande discussão doutrinária e jurisprudencial de chegar a um consenso do que seria “ordem pública”, Eugênio Pacelli faz uma pergunta intrigante e de profunda reflexão. É que, segundo ele: “porque razão a nova Lei 12.403/11, em pleno século XXI, resolveu insistir em manter a esdrúxula expressão?” [14]
A pergunta, apesar de simples, leva a seguinte resposta: qual seja, a de que a vontade do legislador foi de manter a expressão por entender que ela seria adequadamente necessária aos dias atuais e que estaria compatível com a Constituição Federal.
Segundo o autor:
Percebe-se, de imediato, que a prisão para garantia da ordem pública não se destina a proteger o processo penal, enquanto instrumento de aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à proteção da própria comunidade, coletivamente considerada, no pressuposto de que ela seria duramente atingida pelo não aprisionamento de autores de crimes que causassem intranquilidade social.[15]
Conforme exposto alhures, Pacelli entende que a prisão preventiva decretada com garantia na ordem pública não deve ser entendida como uma prisão processual para garantir a aplicação da lei penal, mas, principalmente, que seja uma medida efetiva para proteger a comunidade do medo e insegurança gerada pela prática da infração penal.
Eugênio Pacelli reconhece que a expressão ordem pública é de difícil definição. No entanto, o autor alerta para a possibilidade do instituto, ao invés de servir à população, se tornar um perigoso instrumento para justificar um controle social.
Em outras palavras, a preventiva, ao invés de ser um instrumento jurídico, seria uma forma de manipulação social. Segundo o autor:
A prisão preventiva para garantia da ordem pública somente deve ocorrer em hipóteses de crimes gravíssimos, quer quanto à pena, quer quanto aos meios de execução utilizados, e quando haja o risco de novas investidas criminosas e ainda seja possível constatar uma situação de comprovada intranquilidade coletiva no seio da comunidade. Nesse campo, a existência de outros inquéritos policiais e de ações penais propostas contra o réu (ou indiciado) pela prática de delito da mesma natureza poderá, junto com os demais elementos concretos, autorizar um juízo de necessidade da cautela provisória. [16]
Destarte, pode-se concluir que Eugênio Pacelli segue uma corrente doutrinária abrangente. Para ele, a preventiva poderia ser decretada com base na ordem pública: nos casos em que a pena cominada ao delito (preceito secundário) fosse alta, o que se entenderia por crime gravíssimo, a título de exemplo: homicídio, latrocínio, furto qualificado, etc., também englobariam no conceito de ordem pública o risco de reiteração da prática criminosa e a quebra da paz e tranquilidade social.
Noutro norte, com uma abordagem também abrangente, Júlio Fabbrini Mirabete leciona que a periculosidade do Réu tem sido um fator preponderante para a custódia cautelar.
Para o autor:
O conceito de ordem pública não se limita só a prevenir a reprodução de fatos criminosos, mas também a acautelar o meio social e a própria credibilidade da justiça em face da gravidade do crime e de sua repercussão. A conveniência da medida, como já decidiu o STF, deve ser regulada pela sensibilidade do Juiz à reação do meio ambiente à ação criminosa. Embora seja certo que a gravidade do delito, por si só, não basta à decretação da custódia provisória a simples repercussão do fato, sem outras consequências, não constitui circunstancia suficiente para a decretação da custódia preventiva. [17]
Conforme exposto, o conceito de ordem pública elaborado por Mirabete não se limita a prevenir que novos crimes sejam cometidos, mas, também, proteger a sociedade do próprio autor da infração penal já que a repercussão social do delito põe em cheque a credibilidade da justiça.
Mas o autor adverte “que não se pode confundir ‘ordem pública’ com os estardalhaços causados pela imprensa pelo inusitado crime”. [18]
Todavia, pra Mirabete, o principal motivo que ensejaria a decretação da preventiva com fundamento na ordem pública seria o alto grau de periculosidade do agente combinado com a perpetuação da prática criminosa quando esta fosse praticada com torpeza, perversão, malvadez, cupidez, etc.
Por outro lado, a ordem pública, na visão de Denilson Feitoza Pacheco:
A ordem pública é o estado de paz na sociedade. Paz é a ausência de violência lato sensu, incluindo a ausência de crimes. Se, no sentido processual penal, a liberdade de alguém acarreta perigo para a ordem pública, a prisão preventiva é um meio legal para sua garantia. Há, portanto, uma presunção legal de que o confinamento da pessoa possa evitar o perigo para a ordem pública. A garantia da ordem pública depende da ocorrência de um perigo. No sentido do processo penal, o perigo para a ordem pública pode caracterizar-se na perspectiva subjetiva (acusado) ou na perspectiva objetiva (sociedade). Podemos, então falar em garantia da ordem pública na perspectiva subjetiva ou individual, ou na perspectiva objetiva ou social.[19]
O autor, trazendo um conceito inovador até então na doutrina entende que o conceito de ordem pública estaria envolvido sob duas perspectivas: a) a primeira de cunho subjetiva onde se observaria todos os aspectos do acusado, como por exemplo, vida pregressa, antecedentes criminais, ocupação lícita, emprego fixo, maus antecedentes, personalidade, periculosidade, tudo aquilo que envolve a pessoa; b) a segunda, de caráter objetiva, estaria relacionado em relação a sociedade, ou seja, se a ordem e a paz social estariam abaladas em virtude do cometimento da infração penal.
Discorrendo sobre o tema, Alexandre Cebrian e Victor Gonçalves afirmam que a prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública certamente é a causa da decretação do maior número de prisões. Segundo os Autores:
Entende-se cabível a custódia cautelar quando se mostra necessário afastar imediatamente o acusado do convívio social em razão da sua grande periculosidade demonstrada pelo cometimento do delito de extrema gravidade ou por ser pessoa voltada à prática reiterada de infrações penais. Conforme mencionado anteriormente, a gravidade do delito é razão suficiente para a decretação da prisão, porém, deve o juiz apreciar esta gravidade de acordo com as circunstancias daquele crime em apuração no caso concreto. Se não fosse assim, a prisão preventiva seria compulsória sempre que determina espécie de crime fosse cometido. [20]
De acordo com o entendimento acima esposado, verifica-se que, para os autores, a simples gravidade abstrata do delito enseja a decretação da prisão preventiva com fundamento na ordem pública.
Outro fato que também ensejaria a decretação seria a “periculosidade do infrator” que, por sua vez, restaria demonstrada por meio da possibilidade de reiteradas práticas delituosas.
Assim, De acordo os conceitos acima elencados, sob o ponto de vista de cada autor, verifica-se a divergência doutrinária em conceituar a ordem pública, expressão contida no art. 312 do Código de Processo Penal, como pressuposto para a decretação da prisão preventiva.
4.3 - Entendimento Jurisprudencial de Ordem Pública
Passa-se agora a verificar o que a jurisprudência dos Tribunais do Brasil tem decidido sobre o tema aqui exposto.
A jurisprudência, seguindo a tendência da doutrina, também não tem um conceito definido de ordem pública.
De acordo com Eugênio Pacelli:
No Brasil, a jurisprudência, ao longo desses anos, tem se mostrado ainda um pouco vacilante, embora já dê sinais de ter optado pelo entendimento da noção de ordem pública como risco ponderável da repetição da ação delituosa objeto do processo, acompanhando do exame acerca da gravidade do fato e de sua repercussão. A Lei 12.403/11 parece ter aceitado essa realidade, prevendo algumas hipóteses de decretação das medidas cautelares para evitar a prática de infrações penais, conforme se vê do art. 282, inciso I, CPP. [21]
Desta forma, o que existe, são interpretações literais da letra da lei aplicadas em cada caso concreto.
A jurisprudência nada mais é que a reiteração de decisões tomadas em um tribunal para suprir as deficiências da lei.
Com as decretações de prisões preventivas emanadas por juízes de primeira instância de todo o país, faz com que surja uma crescente demanda de recursos aos tribunais superiores.
Em detrimento das decisões recorridas, a jurisprudência tem a interpretação dada pelos órgãos colegiados através das decisões dos recursos que são levados até eles. A isso chamamos de jurisprudência.
4.3.1 Entendimento do Supremo Tribunal Federal
A seguir, colacionam-se alguns dos principais julgado do Supremo Tribunal Federal a respeito da prisão preventiva com fundamento da “garantia da ordem pública”.
No julgamento do HC 84.498-7/BA, Rel. Min. Joaquim Barbosa, em 14.12.2004, a corte suprema entendeu que se deve examinar o binômio gravidade do delito e repercussão social para decretar a preventiva com base nessa premissa.
Tratava-se de uma ordem de Habeas Corpus impetrado em favor de Maria do Carmo Burgos Nogueira, tendo por autoridade coatora a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, que, por maioria, denegou a ordem.
A paciente foi denunciada como mandante do crime de homicídio qualificado que vitimou Heronildes de Sá Nogueira, seu cônjuge.
Atendendo à representação da autoridade policial (Delegado de Polícia), o juiz da Comarca de Paulo Afonso/BA, decretou a prisão preventiva da paciente e dos executores do crime.
A prisão preventiva assentou-se com base nos indícios suficientes de autoria de materialidade delitiva e fundamentada na garantia da ordem pública. A ordem pública, por sua vez, foi justificada pela prisão mediante a descrição da forma como a paciente, juntamente com os corréus, teria planejado e executado o homicídio.
Assim, colaciona-se o julgado:
EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE DO PACIENTE. GRAVIDADE DO DELITO. REPERCUSSÃO SOCIAL. ORDEM DENEGADA.
Ao se decretar prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública, deve-se necessariamente examinar essa garantia em face do binômio gravidade do delito e repercussão social, o que foi feito pelo decreto de prisão da paciente. A gravidade do delito, de per si, não pode ser utilizada como fundamento da custódia cautelar. Porém, no presente caso, o crime foi de enorme repercussão em comunidade interiorana, além de ter ficado evidenciada a periculosidade da paciente, fatores que são suficientes para a manutenção da custódia cautelar.
(HC 84498, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 14/12/2004, DJ 03-06-2005 PP-00047 EMENT VOL-02194-02 PP-00323).[22]
De acordo com o voto do Relator Min. Joaquim Barbosa:
Ao se decretar prisão preventiva com fundamento na garantia da ordem pública, deve-se necessariamente examinar essa garantia em face do binômio gravidade do delito e repercussão social, o que foi feito pelo decreto de prisão da ora paciente. Tenho que a gravidade do delito, de per si, não pode ser utilizada como fundamento da custódia cautelar. Porém, no presente caso, o crime foi de enorme repercussão em comunidade, além de ter demonstrado a periculosidade da paciente, fatores que são, a meu ver, suficientes para a manutenção da custódia cautelar. Ademais, ficou assentada no decreto de prisão a periculosidade da paciente bem como a possibilidade de ela continuar a praticar as atividades criminosas.[23]
Extrai-se do caso acima que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a possibilidade de decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública, em razão da “enorme repercussão social em comunidade interiorana, além de restarem demonstradas a periculosidade da paciente e a possibilidade de continuação da prática criminosa”.
Desta forma, a corte entendeu que a necessidade/adequação de medida é um princípio norteador a fundamentar a decisão.
Em outro julgamento, o plenário do STF denegou a ordem de Habeas Corpus de nº. 85.298-0/SP, Rel. Min. Carlos Britto, julgado em 4.12.2004, onde ressaltou que a credibilidade das instituições públicas poderia servir de fundamento idôneo para a decretação da prisão preventiva, considerando, acima de tudo, a repercussão no caso concreto na ordem pública.
Neste caso, tratava-se de uma prisão preventiva decretada em desfavor de Law Kin Chong, pelo Juiz da 5ª Vara Criminal de São Paulo. O paciente estava sendo acusado de tentar corromper um deputado federal que presidia uma Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para investigar fatos relacionados a produtos industrializados – CPI da Pirataria.
Com o oferecimento da denúncia imputou-se ao paciente a prática de corrupção ativa e a conduta de tentar impedir o regular andamento da comissão parlamentar de inquérito, bem como o livre exercício das atribuições de seus membros – art. 333 do Código Penal c/c art. 4º, I, da Lei 1.579/52. Motivo pelo qual teve sua prisão preventiva decretada.
Nesse sentido, colaciona-se a emenda da decisão:
EMENTA: HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. PEDIDO DE MEDIDA LIMINAR. ALEGADA NULIDADE DA PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. DECRETO DE PRISÃO CAUTELAR QUE SE APÓIA NA GRAVIDADE ABSTRATA DO DELITO SUPOSTAMENTE PRATICADO, NA NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA "CREDIBILIDADE DE UM DOS PODERES DA REPÚBLICA", NO CLAMOR POPULAR E NO PODER ECONÔMICO DO ACUSADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA CONCLUSÃO DO PROCESSO.
Pacífico o entendimento desta Casa de Justiça no sentido de não se admitir invocação à abstrata gravidade do delito como fundamento de prisão cautelar. Isso porque a gravidade do crime já é de ser considerada quando da aplicação da pena (art. 59 do CP). O clamor popular não é aceito por este Supremo Tribunal Federal como justificador da prisão cautelar. É que a admissão desta medida, com exclusivo apoio na indignação popular, tornaria o Poder Judiciário refém de reações coletivas. Reações, estas, não raras vezes açodadas, a técnicas e ditadas por mero impulso ou passionalidade momentânea. Precedentes. O plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 80.717, fixou a tese de que o sério agravo à credibilidade das instituições públicas pode servir de fundamento idôneo para fins de decretação de prisão cautelar, considerando, sobretudo, a repercussão do caso concreto na ordem pública. O poder econômico do réu, por si só, não serve para justificar a segregação cautelar, até mesmo para não se conferir tratamento penal diferenciado, no ponto, às pessoas humildes em relação às mais abastadas (caput do art. 5º da CF). Hipótese, contudo, que não se confunde com os casos em que se comprova a intenção do acusado de fazer uso de suas posses para quebrantar a ordem pública, comprometer a eficácia do processo, dificultar a instrução criminal ou voltar a delinquir. No caso, não se está diante de prisão derivada da privilegiada situação econômica do acusado. Trata-se, tão-somente, de impor a segregação ante o fundado receio de que o referido poder econômico se transforme em um poderoso meio de prossecução de práticas ilícitas. Custódia cautelar justificada, também, em face dos fortes indícios da existência de temível organização criminosa, com diversas ramificações e com possível ingerência em órgãos públicos. Tudo a evidenciar que a liberdade do acusado põe em sério risco a preservação da ordem pública. Excesso de prazo inexistente, dada a verificação de término da instrução criminal, encontrando-se os autos na fase do art. 499 do CPP. Demora na conclusão do feito imputável unicamente à conduta protelatória da defesa, que não pode se beneficiar de tal situação, por ela mesma causada. Questão de ordem que se resolve no sentido do indeferimento da liminar.[24]
Verifica-se que, neste ultimo julgamento, o STF inova e conclui que a gravidade abstrata do delito não pode ser invocada como fundamento na prisão preventiva. Isso porque, a gravidade do delito já é considerada quando o juiz, ao fixar a pena (art. 59 CP), leva em consideração essa circunstancia em favor da sociedade.
Outra conclusão que podemos chegar com este julgamento, até então inovador e contrário ao entendimento da doutrina, é que o “clamor público” gerado pelo cometimento do delito também não pode justificar a prisão cautelar.
Como bem advertiu o Supremo, o apoio da indignação popular tornaria o Poder Judiciário Refém de reações coletivas, o que leva o juiz a fundamentar a prisão sob certa “pressão popular”.
Ademais, as reações populares, muitas das vezes estão sempre influenciadas pela mídia e são impulsionadas por passionalidade “momentânea”, o que tornaria o decreto de prisão sem fundamento legal.
Todavia, o STF admitiu que a prisão preventiva pode ser decretada quando comprometer seriamente a credibilidade das instituições públicas devido à repercussão social que o caso tiver.
Em outra oportunidade, quando do julgamento do Habeas Corpus nº. 89.525-5/GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, publicado no Diário de Justiça em 09.03.2007, a Suprema Corte justificou a medida cautelar com fundamento na existência de ramificações de atividades criminosas em diversas unidades da federação. Afirmou, ainda, a alta probabilidade de reiteração delituosa.
Neste caso, o Habeas Corpus se referia ao paciente Antônio Dos Santos Dâmaso acusado de tráfico de entorpecentes e associação ao tráfico.
Nesse sentido colaciona-se o referido julgado:
Habeas Corpus. 1. Crimes dos arts. 12 c/c 18, I, e 14, da Lei nº 6.368/1976. A impetração alega ausência de fundamentação do decreto de prisão preventiva e excesso de prazo na instrução criminal. 2. Na espécie, a decretação da preventiva lastreou-se nos fundamentos da garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do CPP. O Juiz de 1º grau apresentou elementos concretos suficientes para respaldar a regularidade do decreto cautelar: a função de "direção" desempenhada pelo paciente na organização (o paciente é considerado o "2º homem dentro da organização"); a ramificação das atividades criminosas em diversas unidades da federação; e a alta probabilidade de reiteração delituosa considerando-se a potencialidade da utilização do meio sistematicamente empregado pela quadrilha, a saber, o uso de artifícios para camuflar o transporte de entorpecentes no interior de cortes de carne destinada à exportação. 3. Quanto à alegação de excesso de prazo, constata-se a existência de elementos que sinalizam para a complexidade da causa (elevado número de crimes e de acusados). Em princípio, desde que devidamente fundamentada e atendida o parâmetro da razoabilidade, admite-se a excepcional prorrogação de mais de 81 dias para o término de instruções criminais de caráter complexo. (HC 89525, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 14/11/2006, DJ 09-03-2007 PP-00052 EMENT VOL-02267-03 PP-00379).[25]
Verifica-se no julgamento acima colacionado que a existência de outras quadrilhas ligadas ao paciente, bem como na previsão de cometimento de novos delitos foram fundamentais para o juiz de primeira instância fundamentar a preventiva como a garantia e manutenção da ordem pública.
Nos termos do voto do Relator Min. Gilmar Mendes restou consignado que:
Com relação ao tema garantia da ordem pública, faço à manifestação já conhecida desta Segunda Turma em meu voto proferido no HC nº. 88.537/BA acerca da conformação jurisprudencial do requisito dessa garantia. Naquela assentada, pude asseverar que o referido requisito legal envolve, em linhas gerais e sem qualquer pretensão de exaurir todas as possibilidades normativas de sua aplicação judicial, as seguintes circunstâncias principais: a) a necessidade de resguardar a integridade física do paciente; b) o objetivo de impedir a reiteração das práticas criminosas, desde que lastreado em elementos concretos expostos fundamentadamente no decreto de custódia cautelar e; c) para assegurar a credibilidade das instituições públicas, em especial do poder judiciário, no sentido da adoção tempestiva de medidas adequadas, eficazes e fundamentadas quanto à visibilidade e transparência da implementação de políticas públicas de persecução criminal.[26]
Nos termos do voto do Relator, a garantia da ordem pública deve exaurir todas as possibilidades normativas de sua aplicação judicial. As circunstancias principais a serem observadas: assegurar a integridade física do acusado; impedir novas práticas criminosas e assegurar a credibilidade das instituições públicas.
Na mesma ocasião, quando do julgamento do HC nº. 92.735/CE, o Supremo também entendeu que é legal, a título de garantia da ordem pública, o decreto de prisão preventiva fundado em indícios de que o acusado integra quadrilha especializada, desde que demonstrada concretamente.
Nesse sentido, colaciona-se referido julgado:
EMENTA: AÇÃO PENAL. Prisão preventiva. Decretação para garantia da ordem pública. Tráfico de entorpecentes. Quadrilha especializada. Reiteração delitiva. Razões concretas. Causa legal caracterizada. Constrangimento ilegal inexistente. HC denegado. Aplicação do art. 312 do CPP. Precedentes. É legal, a título de garantia da ordem pública, o decreto de prisão preventiva fundado em indícios de que o acusado integra quadrilha especializada, desde que demonstrada concretamente a elevada probabilidade de reiteração delitiva. (HC 92735, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 08/09/2009, DJe-191 DIVULG 08-10-2009 PUBLIC 09-10-2009 EMENT VOL-02377-02 PP-00260 RTJ VOL-00211- PP-00346 LEXSTF v. 31, n. 370, 2009, p. 386-391).[27]
Tratava-se de um paciente que cumpria pena, em regime aberto, por condenação pelo art. 12 da revogada Lei nº. 6.368/76, (antiga Lei de Tóxicos), quando então teve sua prisão decretada em novo inquérito policial que investigava operação de tráfico de entorpecentes.
Nos termos do voto do Min. Rel. Cézar Peluso:
Se o caso não é, aparentemente, de requinta organização criminosa, é certo que a decisão faz referencia concreta e explícita aos fatos imputados ao paciente no contexto de práticas criminosas rotineiras, o que legitima a prisão cautelar sob o título invocado. Ademais, em tal perspectiva, a apresentação do acusado não tem o condão de afastar os fundamentos da custódia, o que somente ocorreria se correspondessem a garantia da aplicação da lei penal.[28]
Note-se que, nos exemplos acima citados, dados a existência de um agrupamento, ou organização, dirigida para a prática de crimes também se incluiria na fundamentação acautelatória, sob o argumento do risco de reiteração criminosa.
Portanto, após a análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, passa-se a aduzir os argumentos do Superior Tribunal de Justiça.
4.3.2 Entendimento Superior Tribunal de Justiça
A seguir, serão apresentados alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça acerca de prisões preventivas decretadas com fundamento na ordem pública.
EMENTA PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. INOCORRÊNCIA. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA. PERICULOSIDADE. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA PARA A GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. Sabe-se que a prisão cautelar é medida excepcional que só deve ser decretada quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da não culpabilidade, sob pena de antecipação da pena a ser cumprida quando da eventual condenação. 2. É certo que a gravidade abstrata do delito de tráfico de drogas não serve de fundamento para a negativa do benefício da liberdade provisória, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade de parte do art. 44 da Lei n. 11.343/2006 pelo Supremo Tribunal Federal. 3. Na hipótese, é necessário verificar que a decisão da Magistrada de primeiro grau e o acórdão recorrido encontram-se fundamentados na garantia da ordem pública, considerando a razoável quantidade e o tipo da droga apreendida – 37 invólucros pesando aproximadamente 920 gramas de maconha –, além de uma balança de precisão, rádio comunicador e certa quantia em dinheiro, circunstâncias que apontam para a gravidade da conduta perpetrada e a periculosidade social do acusado. 4. As condições subjetivas favoráveis do agente, tais como primariedade, bons antecedentes, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. 5. Recurso improvido.[29]
Conforme se infere do Recurso Ordinário em Habeas Corpus nº. 57.776-MG, tendo com Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 13.08.2015, o STJ entendeu que a gravidade abstrata do delito não serve como fundamento para a negativa da liberdade provisória, nos casos de tráfico de entorpecentes.
Assim, tendo em vista a conduta social reprovável do agente e a periculosidade social do acusado, entendeu-se que neste caso a ordem pública estaria violada.
No mesmo sentido, no julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº. 58.944-MG, Rel. Min. Leopoldo De Arruda Raposo, o STJ decidiu que a periculosidade do agente e seu histórico criminal justificaria a prisão preventiva com fundamento na ordem pública.
Nesse sentido:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO IMPRÓPRIO MAJORADO. CONCURSO DE AGENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. AVENTADA NULIDADE DA DECRETAÇÃO DE OFÍCIO DA CONSTRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. SEGREGAÇÃO FUNDADA NO ART. 312 DO CPP. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. EMPREGO DE VIOLÊNCIA DESMEDIDA. GRAVIDADE. REGISTROS CRIMINAIS ANTERIORES. REITERAÇÃO DELITIVA. RISCO CONCRETO. PERICULOSIDADE SOCIAL DO ENVOLVIDO. NECESSIDADE DE ACAUTELAMENTO DA ORDEM PÚBLICA. COAÇÃO ILEGAL NÃO EVIDENCIADA. RECLAMO IMPROVIDO.
1. Não é nula a decisão do Juízo singular que, de ofício, converte a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos e fundamentos para a medida extrema, mesmo sem prévia provocação⁄manifestação do Ministério Público ou da autoridade policial. Exegese do art. 310, II, do CPP. Precedentes deste STJ.
2. Não há o que se falar em constrangimento ilegal quando a custódia cautelar está devidamente justificada na garantia da ordem pública, em razão da periculosidade efetiva do agente envolvido, evidenciada pelas circunstâncias mais gravosas em que cometidos os delitos, bem como pelo seu histórico criminal.
3. Recorrente que está respondendo pela prática de roubo impróprio majorado tentado, cometido em comparsaria com outros dois indivíduos e mediante violência física desmedida contra os fiscais que faziam a segurança do estabelecimento comercial vitimado, a revelar a periculosidade diferenciada do envolvido, mostrando que a prisão é mesmo devida para o fim de acautelar-se o meio social, evitando-se, inclusive, com a medida, a reprodução de fatos criminosos de igual natureza e gravidade.
4. O fato de o acusado registrar diversas passagens criminais anteriores, já tendo sido, inclusive, agraciado com liberdade provisória, bem como condenado duas vezes pela prática de delitos contra o patrimônio, é circunstância que revela a inclinação à criminalidade, corroborando o periculum libertatis exigido para a preventiva.
5. Recurso ordinário improvido.[30]
No caso em tela, tratava-se de um Recurso em Habeas Corpus interposto por Pablo de Jesus Mota contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, nos autos da ação penal que responde pela prática do delito tipificado no art. 157, §1º e 2º, inciso II, do Código Penal.
No julgamento do HC nº. 326.641-PR, Relator Min. Reynaldo Soares da Fonseca, publicado em 18.06.2015, o STJ entendeu, novamente, que a periculosidade do agente evidenciada pelo modus operandi do delito e ainda a existência de condenação anterior pelo mesmo delito, teria o condão de colocar em risco a ordem pública.
Nesse sentido, colaciona-se referido julgado:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. FURTO QUALIFICADO. NEGATIVA DE PARTICIPAÇÃO NO CRIME. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. ELEMENTOS CONCRETOS. REITERAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. 2. O habeas corpus não é o meio adequado para a análise de tese de negativa de autoria ou participação por exigir, necessariamente, uma avaliação do conteúdo fático-probatório, procedimento incompatível com a via estreita do writ, ação constitucional de rito célere e de cognição sumária. 3. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, sendo vedada considerações abstratas sobre a gravidade do crime. 4. No caso em análise, o Tribunal impetrado demonstrou a necessidade da medida extrema em razão da periculosidade do paciente, evidenciada pelo modus operandi do delito. Além disso, o Documento: 50083709 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 12/08/2015 Página 1 de 2 Superior Tribunal de Justiça paciente ostenta condenação anterior pela prática do crime de roubo majorado, sendo a prisão preventiva indispensável para conter a reiteração na prática de outros delitos e garantir a ordem pública. Precedentes. 5. Habeas corpus não conhecido.[31]
O STJ entende que a privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de um delito deve ser vista como uma medida excepcional, já que a liberdade é a regra, sendo que a decisão deve ser devidamente fundamentada.
Um dos requisitos a autorizar a preventiva é que devem existir indícios suficientes de autoria e materialidade.
Além disso, exigem-se os pressupostos do art. 312, do Código de Processo Penal, sendo que a decisão deve estar embasada nas evidencias concreta trazidas aos autos.
Todavia, o STJ seguindo orientação do STF também entende que a decretação da prisão preventiva fundada na gravidade abstrata do delito é totalmente vedada.
Noutro norte, no julgamento do RHC nº. 323.957-SP, da mesma autoria do Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, publicado em 12.08.2015, a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça, denegou a ordem de Recurso em Habeas Corpus alegando que a preventiva decretada com fundamento na periculosidade do agente, colocaria em risco a ordem pública.
Nesse sentido:
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. ELEMENTOS CONCRETOS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. Esse entendimento objetivou preservar a utilidade e a eficácia do mandamus, que é o instrumento constitucional mais importante de proteção à liberdade individual do cidadão ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a celeridade que o seu julgamento requer.
2. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, sendo vedadas considerações abstratas sobre a gravidade do crime.
3. Na espécie, a prisão cautelar foi mantida em razão da periculosidade do paciente, evidenciada pelo fato de ser integrante da facção criminosa denominada PCC, preso com mais 25 acusados, grande parte com registros criminais, quando planejavam executar diversos crimes na cidade e região. Além disso, na data do flagrante, o grupo estava reunido para julgar um de seus integrantes (que havia cometido furto contra outro membro do bando, pelo procedimento conhecido como 'tabuleiro') e tratar sobre a morte de dois policiais militares, fatos confirmados por uma testemunha. Efetivamente esse contexto revela uma periculosidade acentuada dos integrantes do bando presos, entre eles o paciente, e justifica a preservação da medida para a garantia da ordem pública. Precedentes.
4. Habeas corpus não conhecido.[32]
Verifica-se pela ementa do acórdão acima que o STJ fundamentou a manutenção da prisão cautelar em razão do alto grau de periculosidade do agente que fazia parte de uma facção criminosa.
Em outro julgamento, o STJ indeferiu ordem de Habeas Corpus nº. 59.806-PR, publicado em 12.08.2015, para crime de homicídio qualificado, levando-se em consideração a alta periculosidade do agente.
De acordo com o julgamento:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. MODUS OPERANDI. PACIENTE FORAGIDO. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. NÃO CABIMENTO. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
1. A privação antecipada da liberdade do cidadão acusado de crime reveste-se de caráter excepcional em nosso ordenamento jurídico, e a medida deve estar embasada em decisão judicial fundamentada (art. 93, IX, da CF), que demonstre a existência da prova da materialidade do crime e a presença de indícios suficientes da autoria, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Exige-se, ainda, na linha perfilhada pela jurisprudência dominante deste Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, que a decisão esteja pautada em motivação concreta, sendo vedada considerações abstratas sobre a gravidade do crime.
2. No caso, as decisões precedentes demonstraram a necessidade da medida extrema em razão da periculosidade do paciente, evidenciada pelo modus operandi – o crime de homicídio, por motivo fútil, foi praticado com golpes de foice desferidos na cabeça da vítima, sua própria esposa, na frente do filho do casal –, motivo suficiente para a preservação da prisão preventiva para a garantia da ordem pública. Além disso, a segregação também é imprescindível para assegurar a aplicação da lei penal, pois, segundo consta da decisão singular, preservada pelo Tribunal impetrado, o réu encontrar-se foragido, não havendo notícias de que o mandado de prisão já tenha sido cumprido.
3. Estando presentes os pressupostos para a manutenção da prisão preventiva, inviável a aplicação das medidas cautelares alternativas, consoante dispõe o art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal.
4. Recurso ordinário a que se nega provimento.[33]
No caso, tratava-se de um Recurso ordinário em Habeas Corpus interposto em favor de Valtencir Alves do Nascimento, denunciado pela prática da conduta descrita no art. 121, §2º, II e III, do Código Penal.
Nos termos do voto do Rel. Min. Reynaldo Soares:
No caso em análise, as decisões precedentes demonstraram a necessidade da medida extrema em razão da periculosidade do paciente, evidenciada pelo modus operandi – o crime de homicídio, por motivo fútil, foi praticado com golpes de foice desferidas na cabeça da vítima, sua própria esposa, na frente do filho do casal -, motivo suficiente para a preservação da prisão preventiva para garantia da ordem pública.[34]
Constata-se que a preventiva foi mantida tendo em vista a brutalidade com que o crime foi cometido, o que levou a ser considerada a “periculosidade do agente”.
Em outra oportunidade, quando do julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº. 59.704-RJ, publicado em 13.08.2015, o STJ considerou que a gravidade abstrata do delito, aliada a outras circunstancias tais como o histórico criminal desfavorável indicando várias passagens por outros delitos, autorizaria a manutenção da prisão preventiva.
Nos termos do acórdão:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO. PERICULOSIDADE DO AGENTE. REITERAÇÃO DELITIVA. ACUSADO FORAGIDO. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. Sabe-se que a prisão cautelar é medida excepcional que só deve ser decretada quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao princípio constitucional da não culpabilidade, sob pena de antecipação da pena a ser cumprida quando da eventual condenação.
2. O decreto de prisão preventiva, preservado pelo Tribunal impetrado, está devidamente justificado para a garantia da ordem pública, em razão da gravidade da conduta delituosa - roubo cometido em plena luz do dia, em concurso de pessoas, mediante emprego de arma de fogo -, bem como pelo histórico criminal do recorrente, o qual possui registro de diversas passagens pela polícia em razão do cometimento de outras condutas infracionais.
3. Há notícias de que o acusado encontra-se foragido, furtando-se à aplicação da lei penal.
4. As condições subjetivas favoráveis do recorrente, tais como primariedade, residência fixa e trabalho lícito, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
5. Presentes os pressupostos e motivos autorizadores da custódia cautelar, elencados no art. 312 do CPP, não se vislumbra o alegado constrangimento ilegal a ser sanado, de ofício, por este Superior Tribunal.
6. Recurso ordinário a que se nega provimento.[35]
No caso, tratava-se de um Recurso Ordinário em Habeas Corpus impetrado por Camilo Borges Pinheiro Souza contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
O paciente estava sendo acusado pela prática do delito previsto no art. 157, §2º do I e II do Código Penal.
O STJ entendeu que o decreto da preventiva estava devidamente justificado em razão da periculosidade do agente, evidenciada, pela gravidade da conduta criminosa, roubo cometido em plena a luz do dia, em concurso de pessoas, mediante emprego de arma de fogo, expondo a risco a vida da vítima e de terceiros.
Em outro julgamento, o STJ considerou como risco à ordem pública o disparo revidado pelos réus contra policiais militares que resistiram à prisão e tentaram empreender fuga após invadirem uma empresa e subtraírem cabos de cobre.
Conforme ementa do Recurso em Habeas Corpus n°. 58.915-PR, Rel. Min. Felix Fischer, in verbis:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA DEFOGO E QUADRILHA. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. ALEGADA AUSÊNCIA DEFUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO PRISIONAL. INOCORRÊNCIA. SEGREGAÇÃO CAUTELAR DEVIDAMENTEFUNDAMENTADA NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE CONCRETA DO RECORRENTE. MODUSOPERANDI. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. INAPLICABILIDADE. RECURSO DESPROVIDO.
I - A prisão cautelar deve ser considerada exceção, já que, por meio desta medida, priva-se o réu de seu jus libertatis antes do pronunciamento condenatório definitivo, consubstanciado na sentença transitada em julgado. É por isso que tal medida constritiva só se justifica caso demonstrada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. A prisão preventiva, portanto, enquanto medida de natureza cautelar, não pode ser utilizada como instrumento de punição antecipada do indiciado ou do réu, nem permite complementação pelas instâncias superiores (HC 93.498⁄MS, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 18⁄10⁄2012).
II - In casu, consta que o ora recorrente e outros dois corréus, armados, invadiram uma empresa e subtraíram cabos de cobre e outros bens e, ao serem abordados pela autoridade policial, resistiram à prisão com disparos de arma de fogo e tentaram empreender fuga.
III- Dessa forma, dados concretos extraídos dos autos evidenciam que a liberdade do recorrente acarretaria risco à ordem pública, notadamente se considerada a sua periculosidade, evidenciada na forma pela qual o delito foi, em tese, praticado (modus operandi). Recurso ordinário desprovido.[36]
Nos termos do voto o Relator:
In casu, consta que o ora recorrente e outros dois corréus, armados, invadiram uma empresa e subtraíram cabos de cobre e outros bens e, ao serem abordados pela autoridade policial, resistiram à prisão com disparos de arma de fogo e tentaram empreender fuga, contudo, frustrada ante a captura posterior. Verifico, portanto, que, no caso, o r. decisum, fundamentado nos termos do art. 93, IX, da CF, traz dados concretos extraídos dos autos que evidenciam que a liberdade do recorrente acarretaria risco à ordem pública, notadamente por considerar o grau de periculosidade, evidenciada na forma pela qual o delito foi, em tese, praticado (modus operandi).[37]
Neste julgamento, a 5ª turma do STJ considerou como risco à ordem pública o alto grau de periculosidade do agente, ora paciente, que disparou tiros com arma de fogo contra policiais após praticarem o crime de furto.
Em outra oportunidade, quando do julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº. 56.620, publicado em 04/08/2015, Rel. Min. Gurgel de Faria, o STJ entendeu que o descumprimento de medidas protetivas e reiteração de ameaças são suficientes para decretar a prisão preventiva com fundamento na ordem pública, conforme in verbis:
PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. LEI MARIA DA PENHA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDASPROTETIVAS. REITERADAS PERSEGUIÇÕES E AMEAÇAS. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO.INOCORRÊNCIA.
1. A teor do art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada quando presentes o fumus comissi delicti,consubstanciado na prova da materialidade e na existência de indícios de autoria, bem como o periculum libertatis, fundado no risco de que o agente, em liberdade, possa criar à ordem pública⁄econômica, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal.
2. Na hipótese, forçoso convir que a decisão do magistrado de primeiro grau encontra-se fundamentada, tendo em vista a periculosidade concreta do recorrente, manifestada nas reiteradas perseguições e ameaças – inclusive de morte – investidas contra a vítima, bem como a necessidade de proteger a sua integridade física e psíquica, justificando, assim, a imposição da medida constritiva para garantia da ordem pública e da instrução criminal.
3. Recurso ordinário desprovido.[38]
No presente caso, trata-se de um Recurso ordinário em Habeas Corpus impetrado por Ronaldo Batista Silva. O paciente foi preso porque havia descumprido medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei. 11.340/06) impostas em seu desfavor.
Mais uma vez, o STJ entendeu pela expressão “ordem pública” “a periculosidade do infrator manifestada nas reiteradas perseguições e ameaças, inclusive de morte, contra a vítima, bem como a necessidade de proteger sua integridade física e psíquica, justificando assim a medida como garantia da ordem pública e conveniência da instrução criminal”.[39]
Desta forma, verifica-se a dificuldade do próprio Superior Tribunal de Justiça, considerado o Tribunal da Cidadania, em conceituar, adequar e definir a expressão ordem pública nos casos em que são submetidos àquele Corte Superior.
4.3.3 Entendimento Tribunal de Justiça de Minas Gerais
A seguir, serão apresentados alguns julgados do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que versam sobre prisões preventivas decretadas com fundamento na ordem pública.
O TJMG, conforme julgamentos em Habeas Corpus a ser estudados, tem entendido com restrição o princípio da “presunção de inocência” justificando a prisão cautelar como medida de exceção, mas prevista e regulamentada em lei ordinária, no caso o CPP.
Desta forma, o TJMG tem sido um tribunal bastante conservador em relação ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça, no que se refere à conceituação da expressão ordem pública.
Verifica-se pelas ementas dos julgados que, o simples fato de ter maus antecedentes, por si só, já é motivo de decretação da prisão preventiva com fundamento na ordem pública. Em outros casos, mesmos naqueles delitos que, em tese, não comportam esta modalidade de prisão processual, tais como receptação, furto, apropriação indébita e etc., em que as penas privativas de liberdade máxima cominada ao delito não passam de 04 (quatro anos) de reclusão, o TJMG tem mantido a preventiva, contrariando o dispositivo do art. 313, I, do Código de Processo Penal.
Nesse sentido, colaciona-se o julgamento do Habeas Corpus nº. 1.0000.12.132079-0/000, Rel. Des. Cássio Salomé, publicado em 07.02.2013:
EMENTA: HABEAS CORPUS - FURTO - DECRETO DE PRISÃO
PREVENTIVA - ORDEM PÚBLICA – DECISÃO FUNDAMENTADA - REITERAÇÃO DELITIVA - PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – CONDIÇÕES FAVORÁVEIS - ORDEM DENEGADA.
- Se a decisão que converteu a prisão em flagrante em preventiva encontrasse devidamente fundamentada nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, com vínculos fáticos nos autos, não há que se cogitar ausência de motivação no caso concreto.
- Paciente reincidente não faz jus às benesses da liberdade provisória, vez que os elementos dos autos indicam a necessidade da prisão cautelar.
- O princípio da presunção de inocência sofre restrições, nas hipóteses de acautelamento preventivo, cujos requisitos estão previstos na legislação ordinária.
- Condições pessoais favoráveis não são suficientes para elidir a custódia cautelar, quando a necessidade da manutenção resta devidamente demonstrada.
HABEAS CORPUS Nº 1.0000.12.132079-0/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - PACIENTE(S): THIAGO CÉSAR DE SOUZA LIMA - AUTORID COATORA: JD 9 V CR COMARCA BELO HORIZONTE - VÍTIMA: RICARDO ELETRO.[40]
No caso, trata-se de Habeas Corpus com pedido liminar, impetrado em favor de Thiago César de Souza Lima, preso preventivamente pela prática do crime previsto no art. 155, caput, do Código Penal.
O Desembargador relator verificou a existência de fatos concretos e legais a permitir a segregação cautelar do paciente uma vez constatada à reincidência. O acórdão se baseou no fato de que a prisão preventiva se mostra medica imprescindível para a ordem pública a fim de evitar a reiteração delitiva.
Nos termos do voto do Relator:
A garantia da ordem pública compreende malgrado as interpretações divergente, o risco quanto à probabilidade de reiteração de delitos, em razão da manutenção do estado de liberdade. O que justifica acertadamente a manutenção da prisão do paciente é a necessidade da custódia, advinda do fato dele já ter respondido a outro processo, encontrar-se sob execução penal e mesmo assim voltar à prática delituosa. [41]
Ressalte-se que no referido acórdão restou consignado que o fato do paciente ter praticado nova conduta delituosa enquanto tutelado penalmente, merecia uma atuação mais forte por parte do Estado, impondo-lhe a segregação cautelar, porque não soube aproveitar a oportunidade concedida. Nos termos do Relator “obvio, a nova prática delituosa indica que solto não consegue conter seus impulsos transgressores, que faz concluir que a paz pública é sempre arranhada com suas posturas. Logo, afetada a ordem publica (CPP, art. 312 e art. 313, II).” [42]
Destarte, o Tribunal entendeu que a custódia do paciente se fazia necessária, não sendo recomendada sua soltura.
Em outra ocasião, quando do julgamento do Habeas Corpus nº. 1.0000.13.087538-8/000, Rel. Des. Sálvio Chaves, o TJMG denegou a ordem para o paciente acusado de tráfico de entorpecentes, por entender que o paciente, uma vez solto, voltaria a delinquir.
Nos termos da ementa:
EMENTA: HABEAS CORPUS - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES - PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA - SENTENÇA CONDENATÓRIA PROFERIDA EM 1º GRAU - NEGATIVA DE RECORRER EM LIBERDADE - DECISÃO QUE SE REPORTA AOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA - POSSIBILIDADE DE O PACIENTE SE FURTAR DO DISTRITO DA CULPA - CONSTRANGIMENTO ILEGAL - AUSÊNCIA - ORDEM DENEGADA. Foi delineado no sistema penal brasileiro algumas espécies de prisões que antecedem a existência de uma sentença penal condenatória, dentre elas, a prisão preventiva que, consoante o disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal, terá cabimento em prol da garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Existindo evidências de que persistem os fundamentos da prisão preventiva e, se solto, poderá o Paciente ingressar novamente à prática de condutas delitivas, a negativa de recorrer em liberdade é medida justificada e adequada. Ordem denegada.[43]
In casu, trata-se de Habeas Corpus impetrado pelo próprio paciente Abner Lacerda Dinis Vieira, preso preventivamente sob o fundamento da garantia da ordem publica pela suposta prática do tráfico ilícito de entorpecentes.
A 7ª Câmara Criminal do TJMG denegou a ordem e considerou que, ante a primariedade do paciente e seus bons antecedentes, são adereços que se tornam diminutos quando presentes os requisitos ensejadores da manutenção da prisão preventiva, evidenciada pela nítida disposição do paciente no envolvimento em condutas delitivas.
Em outra ocasião, quando do julgamento do Habeas Corpus nº. 1.0000.14.007963-3/000, data de julgamento 18.03.2014, Rel. Des. Kárin Emmerich, o TJMG indeferiu a ordem no crime de roubo majorado, sob o argumento de que as condições favoráveis do paciente não são, por si só, suficientes para revogar a prisão preventiva.
Conforme segue na Ementa:
EMENTA: HABEAS CORPUS - ROUBO MAJORADO - DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO PREVENTIVA COM FUNDAMENTO NA ORDEM PÚBLICA - AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA - IMPOSSIBILIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA NA VIA ELEITA - INFORMAÇÕES PRESTADAS PELA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA - PERICULOSIDADE DO PACIENTE EVIDENCIADA - REINCIDENTE EM CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO - RISCO À ORDEM PÚBLICA CARACTERIZADA - ADEQUAÇÃO E NECESSIDADE DA MEDIDA CAUTELAR EXTREMA - SUPOSTAS CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS À CONCESSÃO - IRRELEVANTES, IN CASU - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO - ORDEM DENEGADA 1- Impossível a análise da suscitada ilegalidade na prisão que acomete o paciente sem a juntada da cópia da decisão que a decretou, mormente quando das informações prestadas pela autoridade coatora, em harmonia com os documentos por ela apresentados, demonstram o risco à ordem pública representado pelo paciente. 2- Conforme largamente afirmado por este E. Tribunal, o ônus probatório na Ação habeas corpus, com rito sumaríssimo, pertence ao impetrante, admitindo exceção somente em casos extremos, nos quais o impetrante deverá, fundamentadamente, indicar os documentos que devam ser apresentados pela autoridade apontada como coatora. 3- Supostas condições pessoais favoráveis à concessão, por si só, não são suficientes para revogar a prisão preventiva do paciente, mormente quando esta se mostra adequada e necessária consoante outros elementos. Precedentes do STF e STJ. 1 Tribunal de Justiça de Minas Gerais HABEAS CORPUS Nº 1.0000.14.007963-3/000 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - PACIENTE(S): ATHILA GUIMARAES DE OLIVEIRA - AUTORI. COATORA: JD V CR INQUÉRITOS POLICIAIS COMARCA BELO HORIZONTE.[44]
No caso, cuida-se de Habeas Corpus impetrado em favor do paciente Athila Guimarães de Oliveira acusado de roubo mediante violência exercida com arma de fogo.
De acordo com o voto do relator: “Pelo que se extrai dos trechos destacados das informações prestadas pela autoridade apontada como coatora, verifica-se que a prisão preventiva do paciente foi decretada com base na ordem pública, sendo fundamentada, naquela oportunidade, nas circunstâncias graves que envolveram a prática do crime em tela, eis que o paciente, em concurso com os demais corréus, praticou o delito de roubo mediante violência exercida com arma de fogo.” [45]
Desta forma, a 1ª Câmara Criminal da comarca do TJMG entendeu que as circunstancias do delito e o fato de ter condenação anterior por furto, a manutenção da prisão do paciente com fundamento na garantia na ordem pública seria a medida adequada e necessária.
Em outro caso, no julgamento do Habeas Corpus nº. 1.000.14.033762-7/000, Rel. Des. Corrêa Camargo, julgado em 18.06.2014, o Tribunal indeferiu a ordem para o paciente William Luiz da Silva, acusado pela prática do delito de receptação (art. 180, caput, do CP).
Nos termos da ementa:
EMENTA: HABEAS CORPUS - RECEPTAÇÃO - REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - IMPOSSIBILIDADE - REITERAÇÃO CRIMINOSA - GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA COMPROMETIDA - ORDEM DENEGADA. Diante da reiteração criminosa do paciente, resta evidenciado o periculum libertatis, o que demonstra a necessidade da manutenção de sua prisão preventiva para a garantia da ordem pública. HABEAS CORPUS Nº 1.0000.14.033762-7/000 - COMARCA DE TRÊS CORAÇÕES - PACIENTE(S): WILLIAM LUIZ DA SILVA - AUTORI. COATORA: JD 1 V CR INF JUV CARTAS PREC COMARCA TRÊS CORAÇÕES - VÍTIMA: CIBELE PEREIRA DA SILVA.[46]
O Tribunal considerou que, uma vez presente os requisitos da preventiva, por se tratar de crime doloso a conduta praticada. Desta forma, denegou a ordem de Habeas Corpus ao paciente.
Portanto, considerando as ementas acima colacionadas, verifica-se que, mesmo naqueles casos em que, em tese, não se admite a decretação da preventiva o Tribunal têm denegado a ordem, em diversos casos, sob o fundamento de possibilidade de prática delitiva, devido a maus antecedentes ou condenações pretéritas, foram suficientes a manter a garantia da ordem publica.
4.4 - Critérios Objetivos Para Decretação da Prisão Preventiva com fundamento na Ordem Pública
Neste tópico, iniciaremos as premissas objetivas para se tentar conceituar a expressão “ordem pública” contida no art. 312 do Código de Processo Penal.
Mas, antes de se tentar estabelecer o que seria ordem pública, melhor seria dizer, com base em conceitos doutrinários já unânimes e definidos, o que não estaria embarcado na expressão.
Podemos concluir que ordem pública não é: dizer que crime foi perverso ou cruel. Não é o sentimento de insensibilidade moral gerado na população; não é a veiculação na mídia provocada por reiteradas divulgações pelo rádio ou televisão acerca do delito.
Não é considerada ordem pública o argumento muito comum utilizado para acautelar o agente para não afetar a “credibilidade da Justiça”, ou, para assegurar a integridade da vítima ou cessar constrangimento; repulsa gerada no meio social, ou, pela periculosidade evidenciada no crime. Tudo isso, não são considerados argumentos convincentes a decretar a prisão preventiva como garantia da ordem pública.
Também não é considerada ordem pública a gravidade abstrata da pena cominada ao delito, muito menos os maus antecedentes do agente.
Desta forma, a expressão ordem pública não pode ser compreendida em face da gravidade do delito e de sua repercussão social.
Podemos ter, como exemplo, a prática de um homicídio qualificado praticado de forma cruel, mas praticado por alguém que, se solto, não oferecerá risco nenhum à integridade física das pessoas, sendo este um fato isolado em sua vida. Podemos citar o exemplo do agente que mata cruelmente sua esposa logo após ter sido pega em flagrante adultério, mas, por não ter passagem pela policia, residência fixa, e obtiver trabalho lícito não há risco a ordem pública, podendo responder ao processo em liberdade.
Não deve ser entendida como ordem pública a justificativa do acautelamento do infrator para protegê-lo do meio social, sob o risco de ser agredido por motivo de clamor social ou popular.
Também não é considerada ordem pública a denominada “periculosidade do agente”. O simples fato de o agente possuir maus antecedentes, por si só, não são critérios objetivos para decretar a preventiva com fundamento na ordem pública, o que infelizmente é muito comum na prática forense.
Assim, feitas essas considerações iniciais passa-se agora a estabelecer critérios objetivos de conceituação de ordem pública.
Primeiramente, defendemos que a expressão não é inconstitucional, eis que não há que se falar em constitucionalidade ou inconstitucionalidade de norma anterior a Constituição Federal. Neste caso, fala-se em teoria da recepção.
A expressão foi recepcionada, eis que, como fundamento da prisão preventiva, esta, por sua vez, apesar de ser uma prisão revestida de cautelaridade, é totalmente compatível com a Carta Magna.
A Constituição Federal, por incrível que pareça, estabelece limites ao principio da liberdade. Mesmo naqueles crimes em que se admitem a liberdade provisória, com ou sem fiança, a lei estabelece que a prisão de determinado indivíduo poderá ser decretada pela autoridade judiciária, desde que a ordem seja escrita e fundamentada (art. 5º, inciso LXI da CF).
Até porque, caso a referida expressão não fosse recepcionada pela Constituição, o Supremo Tribunal Federal, como guardião da Lei Maior, já teria se pronunciado a respeito do tema diante dos vários casos que lhe foram submetidos a julgamento ao decorrer destes anos.
Além disso, caso fosse interesse do legislador em retirar a expressão ordem pública, teria feito isso por intermédio da Lei nº. 12.403/11, que reformou signitificadamente o Código de Processo Penal no que tange as modalidades de prisões.
Ao contrário, entende-se que a expressão foi recepcionada pela Carta Magna na medida em que existe uma limitação constitucional ao direito de liberdade, devidamente regulada por uma norma infraconstitucional.
Por outro lado, o que se deve ter em mente é que a expressão não está mais inserida no contexto da década de 40, na qual foi elaborada.
É necessário fazer uma interpretação extensiva à luz da Constituição Federal de 1988 de modo a compatibilizar com o atual modelo democrático e com a atual dinâmica social, bem como ao modelo processual penal vigente. Trata-se de uma questão de hermenêutica jurídica para solucionar o problema da interpretação.
Desta forma, é necessário estabelecer critérios principiológicos para conceituar a expressão. Tal conceito tem que levar em conta todo o ordenamento jurídico e compatibiliza-lo com a atual realidade social.
É claro que, se formos levar em conta a questão da violência urbana em nosso país, somente por este fato, daria margem a autorizar a preventiva em todos os crimes e delitos de qualquer natureza, chegando ao absurdo de acautelar infratores que nem sequer irão cumprir pena privativa de liberdade quando sobrevier a sentença penal condenatória. Mas não é essa a abordagem. É necessário entender qual é a vontade do legislador aplicada nos dias atuais.
Quando a lei autoriza a preventiva com fundamento na ordem pública, o que o legislador quis dizer nos dias de hoje é: “autoriza-se a preventiva a fim de que a liberdade do autor do delito não coloque em risco todos os demais bens jurídicos protegidos pelo direito penal, em caso de eventual e reiteradas práticas delituosas”.
O legislador quis defender a sociedade de uma maneira que o cárcere privado se torne algo realmente necessário e adequado.
Há de se convir que o que pode ser ordem pública numa cidade do interior, pode não ser ordem pública em uma capital do estado ou numa cidade grande. Tudo terá que ser contextualizado pelo juiz ao decidir sobre a decretação ou não.
Nesse sentido, a vontade atual do legislador, foi de intimidar o infrator, por meio da pena, a não tornar a praticar novos delitos. Podem-se aplicar os conceitos da teoria da prevenção geral positiva da pena em se tratando de prisão preventiva com fundamento na ordem pública.
Considera-se, então, como ordem pública, a capacidade do judiciário em conter a reiteração da ação criminosa.
Todavia, é muito difícil concluir se determinado indivíduo irá ou não delinquir novamente. Não podemos prever o futuro.
Destarte, a simples e mera conclusão antecipada não pode levar o magistrado a chegar decretar a preventiva.
A mera menção aos antecedentes criminais, juntadas no inquérito policial, muitas das vezes utilizados de anos atrás, não servem para chegar a conclusão do encarceramento, qual seja, de que a ordem pública estaria abalada.
É uma forma de punir novamente o acusado pelo fato dele já ter praticado, tempos atrás, algum delito mesmo tendo cumprido integralmente a pena. Os efeitos da pena não podem acompanhar o individuo ad eternum. Nesse sentido, prevalece o princípio do direito ao esquecimento.
Defendemos que os requisitos estabelecidos para decretar a preventiva, insculpida nos quatro incisos do art. 313 do CPP, devem ser vistos como cumulativos e não isoladamente. O art. 312 deve estar em consonância com o art. 313 e seus respectivos incisos.
A melhor hermenêutica aplicada, levando em consideração a interpretação extensiva (vontade do legislador) e a aplicando-se o método hermenêutico sistemático de interpretação, há de se convir que o art. 312 deve ser cumulado com o art. 313 do CPP.
Já os incisos do art. 313 devem ser lidos como se tivessem a conjunção coordenativa aditiva “e” no final de cada um dos incisos, sendo uma consequência lógica do outro, de forma que uma hipótese não anularia outra caso fosse interpretada cumulativamente.
A título de exemplo, podemos citar um caso em que o agente cometa um crime onde a pena máxima comida seja inferior a 04 (quatro) anos de reclusão.
Se olharmos para o inciso I do art. 313, não poderia ser decretado à prisão preventiva, mesmo com o fundamento na ordem pública. Mas, suponhamos que este mesmo indivíduo seja reincidente, ou seja, possua condenação anterior por outro crime. Nessa linha de raciocínio, caberia a decretação de sua prisão preventiva com fundamento no inciso II do art. 313 do CPP, caso seja visto isolada e alternativamente.
Defendemos que, neste caso, por mais que o agente seja reincidente a interpretação deveria levar em consideração o fato de que a pena privativa de liberdade ao delito praticado é inferior a 04 (quatro) anos, sendo o inciso II absorvido pelo inciso I, já que, no final do processo, por questão de raciocínio lógico, o infrator nunca chegará a cumprir pena privativa de liberdade, já que sua pena será obrigatoriamente substituída por uma restritiva de direito, com base na legislação penal.
Desta forma, ao ler referido artigo subtende-se que estaria escrito da seguinte forma:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos e; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal e; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).[47]
Assim, por ser a prisão preventiva, por ser uma prisão cautelar é uma prisão provisória. A ordem pública deve estar pautada pelo princípio da necessidade adequação.
Se não houver necessidade e adequação a ordem pública cairia por terra, já que não justificaria a preventiva. O argumento da ordem pública, deveria ficar em segundo plano, devendo ser analisado, primeiramente, o fator necessidade adequação.
Nestes termos, somente podemos acautelar o agente infrator se houver certeza, mesmo que presumível, de uma possível condenação com pena privativa de liberdade, onde o acusado, já condenado iria cumprir o resto da pena preso.
Não faz sentido, manter o individuo preso provisoriamente com fundamento na ordem público, se ao final do processo em que está respondendo, a pena aplicada nunca terá o efeito de leva-lo ao cárcere. A regra é a liberdade, a prisão é uma exceção.
Conduto, na pratica o principio da liberdade é invertido, onde a regra é a prisão e a liberdade uma exceção!
O magistrado terá que ponderar no momento de definir a ordem pública e fazer as seguintes perguntas: 1) é realmente necessário manter o infrator preso provisoriamente durante toda a instrução criminal, que poderá demorar meses, ou anos, no caso de júri, pela natureza do crime pelo qual foi praticado? 2) é adequado manter preso provisoriamente em um sistema penitenciário falido alguém que nem sequer chegará a cumprir pena privativa de liberdade em regime fechado, levando em consideração o crime cometido?
Ora, se o individuo praticou um crime de receptação, por exemplo, no qual a pena privativa de liberdade máxima cominada ao delito é inferior a 04 (quatro) anos de reclusão e que, em caso de condenação, o indivíduo nunca chegará a cumprir a pena privativa de liberdade, forçoso concluir que a “ordem pública” não restará abalada tendo em vista o binômio necessidade/adequação. Esta seria a primeira premissa de conceituação para contextualizar a “ordem pública” com a atual sistemática processual.
Pois bem, a ordem pública, na linha de entendimento de Nestor Távora, a mais coerente possível, diz ser ela sinônimo de tranquilidade e paz no seio social.
Ocorre que ela pode ser vista tanto sob o prisma social quanto sob a ótica do próprio infrator.
Teremos então um conflito aparente de dois princípios constitucionais, de um lado a liberdade do infrator o devido processo legal e, de outro, temos a segurança jurídica e a violação da norma por parte do infrator, no qual gera o dever de punir do Estado.
A ordem pública pode ser vista como um sentimento social onde todos os cidadãos estão unidos por laços culturais, respeitando as leis, a moral e os costumes de determinado lugar.
Assim, parte-se do pressuposto de que, havendo ordem pública, existem pessoas obedecendo às leis de um Estado.
Todavia, ocorrendo uma ruptura deste sentimento social de coesão e segurança jurídica, a ordem pública estaria violada, necessitando reestabelecer esta “ordem” por quem de direito.
A ordem pública deve ser vista, num primeiro momento, sob o ponto de vista social, ou seja, pro societate.
Assim, exemplificando, quando um agente comete o delito, o que ocorre é a ruptura do sentimento de coesão social, surgindo à necessidade de restabelecer a ordem nesse sentido.
O sentimento de insegurança provocado na população leva à descrença da credibilidade das instituições de segurança pública (polícia), do Judiciário e do Ministério Público, por exemplo.
A ordem pública permite o normal funcionamento das instituições, sejam públicas ou privadas, tudo isso faz com que a ordem pública seja abalada.
Estamos, portanto, baseando a ordem pública numa construção teórico-prática sobre os mesmo argumentos utilizados nos fundamentos do direito de punir. A ordem pública deve ser compreendida como uma prevenção geral positiva da pena.
Seguindo a linha de entendimento do Paulo Rangel, a garantia da ordem pública depende da ocorrência de um perigo. Em sentido processual, o perigo para a ordem pública pode ser vista tanto na perspectiva subjetiva (acusado) quanto na perspectiva objetiva (sociedade).
Defendemos, no presente trabalho, que a ordem pública deve ser compreendida na perspectiva objetiva, ou seja, sob o ponto de vista da sociedade e não sob a perspectiva subjetiva.
Isso porque, não há como analisar, sem instrução probatória, a personalidade do agente somente diante de um fato. A perspectiva subjetiva leva o juiz a entrar no dolo do agente, se sua personalidade é o não voltado para o crime, seu modo de vida etc.
Já na perspectiva social, o juiz leve em consideração a repercussão social do crime, os motivos que levaram o agente a praticar a conduta ilícita, a maneira de execução do crime.
Destarte, sob uma ótica objetiva, a prisão preventiva com fundamento na ordem pública deve ser compreendida como uma forma de restabelecer a coesão social, o sentimento de insegurança gerado pela prática do crime.
Como pressuposto de uma prevenção geral da pena a título de tutela antecipada, a ordem pública visa conter o caos e o medo gerado pelo crime.
Além disso, visa a restabelecer a segurança normativa que a quebra de uma norma ocasiona ao se violar as leis.
Assim, fundamentamos a ordem pública nas preposições do filósofo francês Émile Durkheim. Para Durkheim, a pena tem o caráter não de intimidar a terceiros. Para ele, a pena tem um efeito realmente importante não nos “potenciais criminosos”, mas sim naqueles que não tem risco eminente de praticar crimes, pois, a pena tem um objetivo de promover a coesão social, revitalizando a consciência coletiva.
O que importa, para Durkheim, é o efeito comunicativo da pena, ou seja, a lição de moral que ela vai transmitir aos demais.
Partindo dessa premissa, quando se decreta a preventiva como garantia da ordem pública, o que o juiz quer deixar claro para todos os demais cidadãos de uma determinada localidade é: a desordem abalada será contida uma vez que a lei será devidamente aplicada com o acautelamento provisório do infrator para que não mais cometa novos delitos.
Ele visa a promover a coesão social, revitalizando a consciência coletiva a continuarem acreditando na lei. Ou seja, de que a lei existe para ser cumprida por todos.
A ordem pública não deve ser vista como uma punição ou castigo a ser dado como exemplo ou para evitar que potenciais criminosos continuem a cometer crimes. Pelo contrário, a ordem pública sob a ótica da sociedade é para aqueles cidadãos honestos, que provavelmente nunca cometerão algum tipo de delito em suas vidas, tudo para promover a coesão social.
Nesse sentido, afirma Durkheim:
Segundo Durkheim, a pena tem um importante efeito sobre a sociedade, isto é, sobre os terceiros em realidade não envolvidos no ato, que tampouco necessitam de intimidação em razão de potenciais inclinações à delinquência, mas que são, ao contrário, respeitadores da lei. “Sua verdadeira tarefa é manter a coesão social, na medida em que conserva a plena vitalidade da consciência coletiva” (idem). Por meio da pena, os bons cidadãos – que, aliás, já partilham valores sociais – comemoram suas convicções axiológicas comuns, na medida em que, com base em um caso exemplar, confirmam e reforçam uns para os outros que estão todos juntos do lado certo, que ainda vale a pena aferrar-se aos valores comuns e que aqueles que se comportam de modo desviante estão do lado errado.[48]
Assim, quando se tem a decretação da preventiva com fundamento na ordem pública, restabelece a coesão social e a credibilidade nas instituições públicas, tais como a polícia, o poder judiciário etc. Assim a sociedade segue seu rumo normalmente.
Definitivamente, quando alguém é preso provisoriamente e aguarda toda a instrução probatória acautelado os cidadãos sentem uma certa segurança e paz social.
O medo provocado pela insegurança é causado justamente quando as pessoas não mais possuem credibilidade no sistema de segurança pública ou carcerário.
A ordem pública pode ser então estabelecida objetivamente como sendo a possibilidade do infrator continuar delinquindo se solto permanecer.
A possibilidade de reiteração criminosa deve ser demonstrada através de elementos probatórios, como testemunhas e documentos que revelam que o indivíduo pauta o seu comportamento da vertente criminosa.
Mas para isso, o fator risco de promover reiteradas ações criminosas devem estar devidamente comprovadas nos autos do inquérito policial. Além da fundamentação há de se fazer uma ponderação.
Portanto, a gravidade do delito deve ser levada em conta. Somente nos crimes mais graves, onde a pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos de reclusão irão fundamentar a ordem pública.
Adicionado a isto, a repercussão social do crime no contexto em que ele foi cometido pode ser considerado pelo juiz, mas não isoladamente. Como já dito a veiculação pela televisão, jornal ou rádio, por si só, não é suficiente a caracterizar a ordem pública.
Também deverá ser levado em consideração a fundamentar a prisão não na periculosidade do agente (aspecto subjetivo), mas na possibilidade efetiva dele cometer novos delitos caso permaneça solto (aspecto objetivo).
Portanto, pode-se concluir que ordem pública é a tranquilidade e paz social, do normal funcionamento das instituições públicas ou privadas, da credibilidade do judiciário e das forças de segurança pública, tudo isso aliado ao sentimento de segurança coletiva, que, uma vez quebrada essa ordem pelo cometimento do delito, necessária sua restauração, com a finalidade de promover a coesão social e manter o senso de credibilidade que os indivíduos tinham, até então, antes do cometimento do delito.