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Feminicídio: uma análise constitucional da nova figura típica

Agenda 27/12/2015 às 21:13

Uma análise sobre a criação da nova figura típica, adicionada recentemente ao rol do artigo 121 do Código Penal. Uma necessidade frente a gravíssima questão da violência contra a mulher no Brasil ou um equívoco legislativo?

Em 09 de março de 2015 foi promulgada a Lei 13.104/15 que criou a figura do feminicídio no Código Penal Brasileiro. A nova lei, cujo objetivo é coibir a violência de gênero contra a mulher, alterou o art. 121 do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, que passou a vigorar com a seguinte redação:

“Homicídio simples

Art. 121...

...

Homicídio qualificado

§ 2º...

...

Feminicídio

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

...

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

...

Aumento de pena

...

§ 7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado:

I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;

II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;

III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.” (NR)

Também foi alterado o art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, que passou a vigorar com a seguinte alteração:

“Art. 1º...

I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV, V e VI);

(...)”

A lei 13.104/2015 apresenta uma redação confusa, desnecessária e - ainda pior - com motivações políticas (ou politiqueiras) muito claras, além de uma questionável pretensão em resolver efetivamente a gravíssima questão da violência contra a mulher no Brasil. Em setembro de 2015, apenas seis meses após a entrada em vigor da nova lei, o país figurava vergonhosamente no topo do ranking latino-americano sobre violência contra a mulher com 40% dos registros do crime na região, segundo dados divulgados pela Coordenadora Estadual do Núcleo de Gênero do Ministério Público/SP, Valéria Scarance.

Ao instituir o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e torná-lo crime hediondo com a modificação do art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, o legislador pretendeu “carregar a mão” nesta modalidade de crime com o aumento de pena e sua nova qualificação. Buscou o legislador desta forma - pelo menos no campo teórico - reduzir seu cometimento por conta do endurecimento da lei. Ora, a letra fria da lei, por si só, nunca irá reduzir a criminalidade, onde quer que seja.

A interpretação do novo dispositivo é controversa. Podemos elencar o aparente conflito entre as qualificadoras do feminicídio e do homicídio, propriamente dito, quanto ao motivo torpe. Seria possível qualificar um crime como torpe e, ao mesmo tempo, com alguma das qualificadoras do feminicídio? A recente doutrina sobre o tema entende haver ofensa ao princípio do ne bis in idem não podendo ser aplicadas concomitantemente.

Entendimento contrário, no entanto, foi o da 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que julgou não haver conflito entre as qualificadoras podendo ambas coexistir perfeitamente. Foi com base neste entendimento que o TJ-DF, em recente caso onde um réu foi acusado de matar sua companheira por ciúmes, incluiu a qualificadora prevista no artigo 121, parágrafo 2º, VI e, posteriormente, após recurso interposto pelo MP, reconheceu que o feminicídio também deveria incidir no caso.

Vamos além: por conta de uma redação pobre, feita sem o menor cuidado, são necessárias, inclusive, explicações adicionais do que venha a ser feminicídio, conforme art. 121, VI, § 2º:

VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:

...

§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:

I - violência doméstica e familiar;

II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Uma leitura da nova redação do artigo, já constando o crime de feminicídio, suscita alguns importantes questionamentos com desdobramentos inclusive no âmbito da constitucionalidade do título:

  1. Se o crime de feminicídio é importante a ponto de merecer tipificação no Código Penal Brasileiro, o que dizer, por exemplo, dos crimes cometidos contra homossexuais? Seriam de menor importância?
  2. Somente os casos onde a mulher seja vítima, nas condições descritas na nova redação do artigo 121, devem ser qualificados?
  3. Não seria o caso, então, de tipificar vários outros crimes, como por exemplo, crimes contra homossexuais ou nas relações familiares de uma relação homoafetiva?
  4. Em âmbito doméstico e familiar somente a mulher “por sua condição de mulher” será protegida?

A série de questionamentos é interminável!

O ordenamento penal brasileiro já trazia em seu texto uma previsão ainda mais ampla para o crime cometido contra a mulher (e aí, sem a definição de quem seria o sujeito ativo do crime, estariam contemplados todos, independente de sexo ou mesmo opção sexual). Desnecessária, portanto, a criação de nova modalidade de crime. Vejamos o que diz o art. 121, § 2º, I:

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§ 2º Se o homicídio é cometido:

I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;

II - por motivo fútil;

III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;

V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:

Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Importante ressaltar nosso entendimento sobre a proteção à vida ser da maior importância. Este é o bem maior que deve ser protegido em nosso ordenamento jurídico e deve estar sempre no centro de nossas atenções. Não podemos fechar os olhos aos crimes cometidos diariamente no âmbito familiar e é fundamental que possamos encontrar leis em nosso ordenamento jurídico que sejam realmente efetivas na proteção das vítimas de violência doméstica. Trata-se, no entanto, de um questionamento sobre a forma - muitas vezes equivocada - que o legislador o faz.

Em nosso entendimento, portanto, o crime de feminicídio é, tão somente, uma nova modalidade de homicídio qualificado, sendo desnecessária sua criação sob o ponto de vista da existência anterior de previsão do crime em nosso Código Penal. Neste sentido o pensamento do legislador ou foi demasiadamente simplista ou extremamente eleitoreiro. Infelizmente nosso legislador nem sempre legisla para quem deveria, transformando seu mandato em palanque eleitoreiro e populista com a edição de leis desnecessárias, absurdas ou feitas muitas vezes à toque de caixa para atender a um certo "clamor" da sociedade por mudanças.

Também consideremos uma leitura equivocada desta mesma sociedade que entende ser o Código Penal a resposta eficiente e imediata a todos os problemas do país. Não, não é!

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