RESUMO
O presente estudo tratará acerca do fenômeno denominado constitucionalização do direito privado, voltado para a seara do Direito de Autor, bem como das suas limitações e como elas estão sendo aplicadas frente às constantes evoluções tecnológicas, ou seja, diante das inúmeras formas de compartilhamento de dados que, hodiernamente estamos sujeitos. Dessa forma, buscar-se-á abandonar a visão individualizada do direito privado objetivando unir-se ao perfil constitucional, garantindo, portanto, a realização da função social, princípio constitucional que, ao mesmo tempo em que garante a proteção dos interesses do autor, realiza direitos fundamentais presentes do texto constitucional, dentre eles, à cultura, à educação e o conhecimento. Nesse sentido, o artigo versa sobre os impactos que a evolução tecnológica causa no direito de autor e as dificuldades que as redes de compartilhamento de arquivos trouxeram do ponto de vista da eficácia das ações de controle, pela impossibilidade de fiscalização da cópia privada, hoje legalmente considerada violação, além da impossibilidade técnica de se conhecer o primeiro violador, ou de encontrá-lo, bem como a todos os demais integrantes dessa corrente. Isso porque as ações que tornam efetivas as punições iniciam-se dentro de uma base territorial, física, o que inexiste no mundo virtual. Assim, as leis de proteção aos direitos, bem como as leis de fiscalização, pela ausênsia de mecanismos seguros de ação, encontram-se hoje num patamar de eficácia bastante reduzido.
INTRODUÇÃO
O expressivo desenvolvimento da sociedade contemporânea se deu a partir do momento em que foi possível uma maior eficácia nas formas de transmissão do conhecimento. Momento este em que se substituiu os conflitos pelo avanço da ciência, da literatura, da arte e da indústria. Historicamente, os direitos autorais datam de épocas não muito longínquas, especificadamente, de aproximadamente 300 anos. Contudo, nesse curto espaço de tempo, a matéria já experimentou grande expansão, especialmente nas últimas décadas do século XX.
As transformações as quais o direito de autor esteve à mercê durante a sua evolução marcam o período histórico, modificando conforme o panorama jurídico-social o qual se estava inserido. Primeiramente, com a prevalência de uma concepção privatística, embasada na igualdade formal, no patrimonialismo, na autonomia da vontade e, pois, no pacta sun servanda. Posteriormente com o advento do Estado Social, passou-se a verificar uma maior preocupação e uma proteção para com a pessoa humana, elevando-a ao cerne do ordenamento jurídico. Dessa forma, este ordenamento jurídico, passa a ser regido pela Constituição e, pois, pelos direitos fundamentais, que passam a nortear junto com os princípios constitucionais, o Direito como um todo. Esse fenômeno é conhecido como a constitucionalização do direito privado.
Mas e o direito de autor, onde se encontra? De forma sintética diz-se que, o direito privado é tradicionalmente considerado o gênero, do qual os direitos autorais são uma das espécies. Logo, da mesma forma com que o seu gênero passou pelo processo de constitucionalização, sua espécie, ou seja, o direito de autor, também ganhou uma nova leitura. Isto é, a partir da Constituição, a fim de atender a nova realidade em que está inserido.
No bojo dessas transformações, uma das questões pertinentes e debatidas referem-se para a nova função ou releitura que os institutos jurídicos ganharam. Percebe-se o direito de forma nunca vista até então. O Direito não é apenas concebido pela sua função punitiva, ele passa a ser visto como o organizador, o harmonizador dos valores sociais. Assim sendo, os valores incorporados pelo Estado Social através da Carta Magna de 1988, são os da garantia dos direitos individuais se estes atenderem, por exemplo, a sua função social, a fim de sempre promover e respeitar os interesses que são relevantes para a coletividade, ou seja, prevalecendo o interesse público sobre o privado. Não é diferente com o direito de autor, garantido na Constituição, em seu art. 5º, como direito individual.
No entanto, para que este seja tutelado deve atender ao interesse social através da garantia do acesso à informação, educação e cultura, princípios também garantidos pela Constituição. Logo, só haverá real respeito ao texto constitucional se ambos os direitos garantidos pelo Texto Maior, sejam realmente garantidos e inexistindo a priori prevalência entre eles. Ocorre que a atual lei brasileira dos direitos de autor não se coaduna com este processo funcional pelo qual passa os institutos privados. Tal se deve especialmente pela sua rigidez, especialmente no que tange os limites dos direitos autorais, meios aceitáveis em que a obra pode ser utilizada sem autorização do autor.
Além disso, essas limitações são fortemente protecionistas, eis que fundadas a partir da concepção de que deveria se proteger as obras de cunho intelectual das novas tecnologias. Contudo, essa visão acaba por causar dois grandes problemas. O primeiro se refere ao fato de ser quase impossível fiscalizar as condutas dos dispositivos ali contidos e, por segundo, diz respeito ao fato de que a lei não se coaduna com a realidade atual, transformando condutas aceitas socialmente em ilícitos civis Acrescenta-se, ainda, que pelo processo de constitucionalização do direito de autor, a lei que regula a matéria ainda não perdeu o seu caráter máximo, sua concepção privatística. A visão constitucionalizada do direito de autor caminha a passos lentos.
A partir do exposto, o artigo propõe uma análise acerca das dificuldades perpassadas pela legislação autoral no Brasil de se constitucionalizar. De início, o trabalho faz referência ao processo de constitucionalização dos Direitos Autorais. Posteriormente, a proteção legal do Direito de Autor no Sistema Legislativo brasileiro será estudada. Por fim, as inovações tecnológicas e seus impactos sobre o direito autoral serão objeto de discussão, especialmente no que tange aos aspectos cíveis da legislação brasileira na evolução das redes de compartilhamento e suas implicações legais, demonstrando o déficit da atual lei brasileira para com as novas fontes tecnológicas.
1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO AUTORAL: DELINEAMENTOS NECESSÁRIOS
O expressivo desenvolvimento da sociedade contemporânea teve seu principal marco concretizador no momento em que a transmissão do conhecimento passou a ser mais eficaz, substituindo-se pelo avanço tecnológico, artístico, literário e também industrial. Em diversos momentos a sociedade perpassou por mudanças que fizeram com que seus paradigmas fossem alterados, a escrita, a prensa, o telefone, a televisão e, por fim, a internet, modificaram o contexto social e inquietaram a sociedade.
Para que o entendimento acerca dos direitos autorais chegasse ao que é hoje, não há como olvidar que o desenvolvimento da ciência jurídica nesse sentido teve um grande período de amadurecimento social, político, econômico, etc. Ou seja, a regulamentação da matéria se deu conforme as transformações da sociedade.
O marco histórico da necessidade de se proteger os direitos de autor saltou aos olhos com a invenção1 da prensa de tipos móveis, pelo alemão Johannes Gutenberg, na metade do século XV, por volta do ano de 1450. Essa invenção trouxe diversas inquietações, pois foi com a criação da prensa que o acesso às obras se tornou mais fácil e mais barato, eis que até então os livros dependiam de pessoas, não muitas, pois a maioria da população não sabia ler nem escrever, para que fossem copiados.
Entretanto, antes mesmo de tal feito, sempre existiram obras, fossem elas literárias, artísticas ou industriais. Mas não havia mecanismos específicos que protegessem as criações,
o que havia era um reconhecimento da criação intelectual humana, que, nos povos gregos e romanos, advinha por forma de admiração e respeito. Os poetas, dramaturgos, compositores, filósofos e artistas em geral eram os que gozavam dessa admiração e estima, geralmente por parte dos soberanos do local e, consequentemente, do povo.2
Dessa forma, com a invenção da imprensa, mostrou-se extremamente necessário uma regulamentação da proteção das criações artísticas, literárias e científicas. O que se deu apenas dois séculos mais tarde, com a entrada em vigor do Estatuto da Rainha Ana (Statute of Anne), fulcro da necessidade de regulamentação do uso e exploração da criação intelectual a partir das mudanças introduzidas na seara do direito autoral, especialmente com a criação da prensa. Passando-se a questionar a exploração econômica das obras havendo a necessidade de remunerar os criadores como forma de incentivo à novas criações. Acontece que embora o Estatuto da Rainha Ana tenha sido a primeira lei específica a tratar dos direitos de autor, já se tinha notícias muito antes da existência dos direitos morais.
A legitimidade dos direitos morais existe há muito mais tempo. Desde quando o ser humano se entende criador intelectual, capaz de externar sua sensibilidade na criação de obras literárias e artísticas, já se tem notícias de aspectos visando protegê-lo. A história do Direito Autoral inicia-se bem antes do referido Ato da Rainha Ana, de 1710. Já existia no Direito costumeiro, mas não no Direito positivado. Em outras palavras, existia tão-somente no mundo dos fatos, mas não encontrava abrigo no plano legislativo, ou seja, em algum dispositivo legal. Desde a Antiguidade, já se tem conhecimento da existência de sanção moral aos plagiadores, que sofriam repúdio público, desonra e desqualificação nos meios intelectuais.3
Com a revolução proporcionada pela prensa móvel, as idéias e informações, puderam atingir, finalmente, uma divulgação em escala industrial, uma vez que a invenção facilitou a reprodução das obras existentes. E, “o livro, que era raro e caro, foi se tornando mais acessível ao público”.4
Nesse sentido,
até a invenção da imprensa, o ato de escrever, em geral, não tinha finalidade lucrativa. Buscava-se, tão somente, a “glória”. O escritor vivia em regime de mecenato. Com a invenção da tipografia, as obras podiam dar, além de “fama”, dinheiro, lucro. Escrever deixou de ser, apenas, uma atividade lúdica. Criou, sim, um novo mercado comercial, com enorme potencial econômico.5
Por isso não se deve ver com estranheza a ligação entre o desenvolvimento de uma nova tecnologia e o aparecimento de normas de direito autoral. Tal fato mostra que nem sempre as leis são criadas por vontade do homem, pura e simplesmente. Vê-se com isso que fatores externos influenciam a criação de normas que regulassem a matéria, tendo em vista uma necessidade da circunstância histórica vivida. Ressalta-se também que no início, portanto, do direito autoral, a proteção visada pelas normas criadas não diziam respeito à proteção dos autores, mas sim, era exatamente o oposto. Isto é, com o sistema de privilégio dos copistas, os favorecidos pelas “leis” que regulavam a matéria, eram o poder real (por meio da censura) e os editores (por meio do monopólio).
Era visível, portanto, a necessidade de que fosse criado algum dispositivo legal que protegesse com maior propriedade os autores dos copistas. Em 1710, então, com o Estatuto da Rainha Ana (Statute of Anne), na Inglaterra, conforme referido acima, e, posteriormente, o Copyright Act, nos Estados Unidos, deu-se o primeiro passo nesse sentido. Estes regulamentos davam uma maior segurança aos autores, uma vez que eles previam algumas regras e ao final concediam a presunção de paternidade das criações aos autores. Os Estatutos asseguravam, portanto, o direito dos autores sobre suas obras, “sendo que as cópias teriam que ser expressamente autorizadas pelo criador através de um contrato especial”.6
O Estatuto da Rainha Ana influenciou a legislação norte-americana, como é possível perceber na seguinte passagem.
O sistema norte-americano seguiu o modelo inglês do Estatuto da Rainha Ana, estabelecendo em todo o país um sistema uniforme de proteção legal das obras publicadas. Contudo, as obras não publicadas continuaram a ser protegidas pelos sistemas estaduais do país, baseados no Commow Law (que significa lei comum).7
Com a elaboração, então, do Copyright Act, a proteção exercida por tal instrumento legislativo, “obedecia algumas regras, como a inscrição do título da obra em registros da Companhia dos Livreiros, bem como outras. Esse registro acabava por ser uma presunção da propriedade” .8
A presunção da propriedade da obra dada ao seu criador, pelo Copyright Act, proporcionou uma mudança na forma de ver o assunto. Passou-se a ver que os autores seriam estimulados a produzirem mais se as suas criações fossem recompensadas e não somente aos impressores e editores.
Com essas mudanças ocorrendo, começou-se então a se criar mecanismos legais que protegessem adequadamente os interesses dos autores. Num primeiro momento, o caminho seguido foi o da afirmação de uma propriedade do autor sobre a obra.
Contudo, a afirmação do direito autoral como sendo propriedade, mostrou-se insuficiente para compreender todos os aspectos da garantia que se almejava conferir aos autores.9 Dessa forma, com os ideais da Revolução Francesa, em contraposição ao Copyright Act, surgem as teorias que incluem o direito autoral entre os direitos da personalidade, reconhecendo nas obras criadas uma extensão única da personalidade de seus criadores, o que resultou na consagração dos ditos “direitos morais” do autor.
Enquanto o Copyright Act dos Estados Unidos protege apenas os direitos patrimoniais do autor, os decretos franceses reconhecem e, consequentemente, protegem direitos mais subjetivos, abrangendo, pois, o direito moral e patrimonial do autor.
Portanto, fez-se nítida a proximidade do Copyright Act inglês e do droit d’auteur francês, haja vista que ambos estão ligados na origem, uma vez que o “direito dos autores” somente pode surgir em oposição ao “privilégio dos editores”. (p11).
Todos esses eventos acima mencionados fizeram surgir a necessidade de uma regulamentação do direito de autor que fosse mais abrangente, que ultrapassasse as fronteiras de cada país, para que assim, existisse uma regulamentação válida para o maior número de países. Foi nesse clima e com esse objetivo que em 1886, em Berna, na Suíça, realizou-se a Convenção de Berna.10 Tendo sido ela, a primeira grande convenção que tratasse sobre a proteção dos direitos de autor. Tutelando, portanto, a matéria em nível internacional, a Convenção é o tratado internacional mais antigo em questão de tempo, ainda em vigor. Houve apenas alguma alterações, para atualização, no sentido de atualizar-se à nova realidade, mas sem alterar seu principal objetivo, qual seja, a proteção dos direitos morais e patrimoniais do autor.
Esta por sua vez foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo 94, de 4 de dezembro de 1974, promulgado pelo Decreto 75.699, de 6 de maio de 1975, a Convenção de Berna influenciou a principal lei que versa sobre direitos autorais, Lei 9.619, de 19 de fevereiro de 1998.11
Porém, antes mesmo da elaboração da Lei nº 9.610/98, já estava em vigor há aproximadamente dez anos a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, intitulada também por Constituição Cidadã, cuja carga valorativa é alta. Conforme observa Bitencourt, “ela trouxe em seu arcabouço normativo, como princípio fundamente de todo o ordenamento jurídico, o princípio da dignidade da pessoa humana. Da mesma forma que, a partir dela, muitos conceitos hão de ser repensados frente ao seu impacto”, característica própria desta Constituição amplamente evoluída e comprometida com a concretização dos direitos fundamentais. Dessa forma, observa ainda, “tem-se, de um lado, uma gama de expectativas sociais e de direitos positivados e, de outro, uma frustração coletiva em relação à não realização dos mesmos”.12
Percebe-se assim, o fenômeno da funcionalização do direito privado, do qual o direito de autor é espécie e, portanto, há de se fazer a leitura do instituto regulador da matéria em consonância com a Lei Maior, efetivando, assim, os comandos contidos no texto do artigo 5º e nos incisos que regulam tanto o direito do autor, quanto o direito da coletividade ter acesso à informação, educação e cultura, bem como em consonância com o exercício da função social da propriedade. Assim,
a ideia de funcionalização do direito de autor advém naturalmente do processo de constitucionalização do direito privado que se instalou com a chegada da Constituição de 1988. Nessa senda, necessária a funcionalização do direito de autor por meio de uma interpretação voltada ao entendimento do seu viés social, ou seja, “em harmonia com os direitos fundamentais que tutelam os interesses sociais”.13
A partir de tais premissas, verifica-se a necessidade de releitura mais extensiva da legislação reguladora dos direitos de autor no Brasil, para que assim seja possível a realização dos princípios constitucionais e direitos fundamentais garantidos pela Carta Maior. O processo de constitucionalização do direito de autor teve seu início, mas precisa continuar na sua evolução. O direito deixou de ser entendido apenas como detentor de uma função repressiva, servindo para organizar a sociedade. O ordenamento passou a proteger os direitos individuais se e enquanto atendam a sua função social, no sentido de promover os interesses que são relevantes para a comunidade. As limitações para o uso das obras que estão expressas no texto da lei ainda são insuficientes para os objetivos da coletividade, como será demonstrado na sequência.
2 A PROTEÇÃO LEGAL DO DIREITO DE AUTOR NO SISTEMA LEGISLATIVO BRASILEIRO VIGENTE
A legislação acerca dos direitos de autor, além de ter uma evolução em nível constitucional, evoluiu também enquanto lei esparsa. Para se chegar à Lei brasileira que hoje regula os direitos autorais, longo foi o caminho. O qual de forma sucinta será descrito a seguir. Além da retomada evolutiva da Lei Autoral brasileira, partindo do pressuposto do fenômeno da constitucionalização, bem como da funcionalização do direito de autor, pretende-se analisar a situação legislativa do Brasil concernente ao direito autoral, para que ao final seja possível fazer uma análise do da legislação autoral no Brasil e a harmonia dos preceitos da Constituição frente aos novos processos tecnológicos.
Conforme datam os registros históricos, o primeiro diploma a tratar do assunto no Brasil, foi a Lei de 11 de agosto de 1827, que criou os cursos de Direito em Olinda e São Paulo, e atribuiu aos lentes um privilégio, com duração de dez anos sobre os cursos que publicassem. Atenta-se para o fato de que tal lei não era específica sobre a matéria do direito autoral, mas sim, foi a lei que originou os cursos de Direito de Olinda e São Paulo. Dessa forma, a proteção que esta lei previa era para os lentes dessas universidades e, como bem afirma Manso, “tratava-se, no entanto, de um direito aplicável apenas intra muros, nas Faculdades de Direito de Olinda e de São Paulo, não alcançando os demais autores brasileiros”.14
Atentando-se aos fatos mais relevantes, foi com o advento da Proclamação da República, em 1889, que surge o primeiro instrumento legislativo referente ao direito de autor, que foi o Código Criminal de 1890, regulando no seu Capítulo V a matéria. O aludido instrumento verbalizava “Dos crimes contra a propriedade literária, artística e científica”, entre os artigos 342 e 350.
Na crescente evolução, a matéria ganha status constitucional em 1891. Com isso, surge em 1898 a Lei n. 496, denominada Medeiros e Albuquerque, que define e garante os direitos autorais de obras nacionais. A mesma trata o direito de autor como sendo transferível como coisa móvel. Essa lei vige até 1916, ano este que tem como um grande marco, a elaboração do Código Civil de 1916, o qual passou a regular a matéria nos artigos 649 a 673. O direito de autor, no referido diploma é classificado entre os bens móveis (art. 48, inc. III), sendo protegido durante a vida do autor e ainda por um prazo de cinquenta anos em benefício dos herdeiros.15
Contudo, mesmo com a segurança jurídica garantida pelo Código Civil de 1916, por força de situações casuísticas, depois de muitas atualizações feitas sobre o referido diploma, foi em 1973 que por razão da necessidade de criação de um texto único que regulamentasse a matéria, foi elaborada a Lei n. 5.988. Esta Lei criou o Sistema Autoral Brasileiro, que se apoiava no Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), extinto em 1990, nas associações de titulares de direitos autorais e no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) .16
Na mesma lógica, em decorrência do progresso tecnológico, verificou-se que a Lei 5.988, de 1973, precisava ser atualizada, a fim de que suas normas se tornassem adequadas aos anseios sociais, à preservação dos direitos autorais e aos novos meios de utilização da obra, razão pela qual se passou a discutir suas disposições, culminando na promulgação da Lei n. 9.610, de 1998, em vigor até o presente momento17 e que será tratada agora.
Conforme o já visto anteriormente, os direitos autorais estão garantidos na Constituição Federal de 1988, no artigo 5º, XXVII e XXVIII e através da Lei n. 9.610/98, ora em comento.
Tal lei é considerada por muitos doutrinadores como sendo uma das mais restritivas existentes nos sistemas legislativos de todo o mundo18. No Brasil, diferentemente dos países que seguem o modelo Common Law, no tocante aos direitos autorais, a proteção destes funda-se não na não utilização da obra, mas sim na defesa do próprio autor. Dessa forma, para que se possa usar a obra, é preciso que haja autorização prévia e prévia.
Essa proteção dada pelo Direito brasileiro ao autor fundamenta-se com os argumentos de que, é necessário dar ao autor instrumentos que visem proteger a sua obra, para que assim o criador intelectual sinta-se estimulado (via remuneração) a produzir, e que, com isso possa continuar criando.
Não há dúvida que o autor necessita perceber rendimentos pela sua criação intelectual, até mesmo para que se sinta motivado a criar. Mas a proteção de tais direitos deve estar em consonância com os direitos fundamentais à educação, cultura e informação exigidos e necessários à coletividade.19
Nesse sentido, a LDA prevê expressamente as hipóteses em que o uso das obras que são protegidas pelos direitos autorais, são considerados legalmente aceitos. E de acordo com o texto legal dos artigos 46, 47 e 48 da LDA, dispostos no Capítulo IV “Das Limitações ais Direitos Autorais”, verbalizam os referidos institutos que, não constitui ofensa aos direitos autorais a reprodução na imprensa, diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo; de discursos pronunciados em reuniões públicas e impressas em diários ou periódicos; de retratos, ou outras formas de representação da imagem, desde que feitos sob encomenda e que não haja a oposição da pessoa neles representada ou de seus herdeiros; e de obras literárias, artísticas ou científicas, no sistema Braille ou no suporte, desde que se destinem a estes.
Ainda, não configuram ofensa aos direitos de autor a reprodução de pequenos trechos, desde que seja para uso privado do copista, feita por este e sem intuito de lucro. As citações em livros, jornais, revistas, de passagens da obra e que conste o nome do autor e a origem da obra. As lições em estabelecimento de ensino, sendo a sua publicação, integral ou parcial, vedada, caso não exista a autorização prévia e expressa de que as realizou. A utilização por estabelecimentos comerciais de obras literárias, artísticas ou científicas, fonogramas e transmissão de rádio e televisão, com intuito exclusivo para demonstração à clientela, desde que comercializem os suportes ou equipamentos desta reprodução.
No mesmo sentido, não constituem ofensa aos direitos autorais as músicas e teatros, no âmbito familiar ou escolar, sem objetivo de lucro; as obras literárias, artísticas ou científicas para produzir em prova judiciária ou administrativa; e a reprodução de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra original, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja o objetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses do autor.
Além disso, o art. 47 da supracitada lei aduz que, são livres as paráfrases e paródias que não forem verdadeiras reproduções da obra originária nem lhe implicarem descrédito. Por sua vez, prescreve o art. 48 que, também não configuram ofensa aos direitos do autor, a representação livre de obras situadas permanentemente em logradouros públicos, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.20
Contudo, nem todas as formas de uso das obras que não são legalmente previstas, porém, são socialmente aceitas, estão contidas no texto infraconstitucional. Nesse ponto, observa Branco Júnior que, essas formas não previstas em lei “servem como meio de fomento à cultura e estão amparadas pela liberdade de expressão, muito embora pela leitura adstrita da lei, seja violação aos direitos autorais”.21
É visível então, que a análise conjunta dos dispositivos infraconstitucionais para com os demais preceitos expressados na Lei Maior é de suma importância e necessária. Além disso, os próprios incisos XXVII e XXVIII do artigo 5º da Constituição Federal também devem ser interpretados em consonância com outros dispositivos da própria Carta, como se verifica no caso do artigo 216, § 3º, o qual prevê que “a lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais”.
Da mesma forma que a propriedade deve atender a sua função social, a propriedade do direito de autor também deve atender a sua função social, conforme estabelece o art. 5º, XXIX da Constituição Federal de 1988. Contudo, o que se verifica é que a função social do direito de autor não pode ser entendida como sendo tão somente aquelas limitações previstas na LDA, sob pena de se estar descumprindo um importante preceito da Constituição Federal.22
É necessária que a Lei Autoral brasileira seja lida com uma interpretação voltada um pouco mais para com o interesse público, ou seja, para que de fato sejam atendidas as previsões constitucionais acerca da garantia dos direitos fundamentais, sem claro, deixar o autor sem nenhuma proteção. O que se pretende é, pois, “tornar efetiva a função social com a qual a criação é concebida, por meio de uma maior maleabilidade do interesse privado em frente ao público”. De outra forma, “o interesse social deve obter, na nossa atual sociedade, maior relevância do que efetivamente vem recebendo”.23
Há, de uma vez por todas, a necessidade de se entender que a proteção da propriedade intelectual é possível, desde que para isso ela obrigatoriamente atenda a sua função social. Este deve ser também o entendimento para com a propriedade intelectual. Atender o princípio constitucional da função social é requisito para que ela seja protegida. E, do modo como a Lei dos Direitos Autorais é positivista nesse sentido, mostra-se nítida o cumprimento precário dessa função, perante as novas tecnologias e os novos anseios da sociedade brasileira. Lembra-se ainda que, atendendo de fato a função social dos direitos de autor, automaticamente realiza-se as garantias fundamentais expressas na Constituição Federal do acesso à informação, à educação e à cultura.
É com essa idéia, de uma releitura da Lei nº 9.610/98 de forma mais extensiva, ou melhor, com uma releitura respeitando a hierarquização das normas, isto é, interpretando-a a partir dos direcionamentos dados pela Constituição Federal, que passa-se a uma análise dos novos meios de comunicação e difusão de obras, músicas, entre outros, mais especificadamente, o uso da internet, fazendo um contraponto com as limitações dos Direitos Autorais previstas nos artigos 46, 47 e 48 na supra citada lei e, constatando que tais previsões são, portanto, insuficientes para de fato atender as funções impostas pelo Texto Maior.
3 AS INOVAÇÕES TECNOLÓGICAS E SEUS IMPACTOS SOBRE O DIREITO AUTORAL
Do mesmo modo que a prensa de tipos móveis criada por Gutenberg mudou a forma como a informação circulava na Europa no século XV, a computação e especialmente a internet mudaram, de maneira até então jamais vista, o fluxo de conhecimento ao redor do mundo. Essa revolução tecnológica forneceu as bases para o surgimento da chamada Era Digital, ou como preferem chamar outros autores, a Sociedade da Informação.
Foi na Conferência Internacional realizada na Europa em 1980 que o termo Sociedade da Informação consolidou-se. O Livro Verde para a Sociedade da Informação do Ministério da Tecnologia de Portugal traz o seguinte conceito para ela:
A Sociedade da Informação refere-se ao modo de desenvolvimento social e econômico em que a aquisição, armazenamento, processamento, valorização, transmissão, distribuição e disseminação de informação conducente à criação de conhecimento e à satisfação das necessidades dos cidadãos e das empresas, desempenham um central na actividade económica, na criação de riqueza, na definição da qualidade de vida dos cidadãos e das suas práticas culturais.24
Na Era Digital não podemos deixar de destacar outra característica essencial, qual seja, o fato de que a transferência de informação é feita por dados, seqüências de códigos binários (zeros e uns) que podem ser interpretadas por qualquer dispositivo eletrônico. Essa transferência de arquivos através de bits é a grande novidade da Sociedade da Informação. Soma-se a isso o fato de que a informação é o principal alvo dos bits e podemos perceber o quanto esse novo modelo de circulação do conhecimento afeta os conceitos tradicionais do direito autoral.
Então, a internet e a tecnologia digital como um todo trouxeram como diferencial a facilidade com a qual as obras nas formas digitalizadas podem ser replicadas ou reproduzidas; a facilidade como podem ser transmitidas e com que podem ser utilizadas simultaneamente; a facilidade como podem ser modificadas ou manipuladas; a equivalência das obras na forma digital; a compactação e a capacidade para possibilitar novos métodos de pesquisa no ambiente digital e de conexão e junção de obras.25
Nesse sentido, constata-se que o acesso à informação representa um aspecto essencial para a própria inserção do indivíduo na Sociedade da Informação, o conhecimento representa, mais do que nunca, uma grande fonte de produção de riqueza. Este é um dos aspectos essenciais a se levar em conta na hora de repensar o direito do autor na era em que se vive. Isto porque um enrijecimento destas regras representa, sem sombra de dúvidas, um obstáculo à circulação de conteúdo na rede.
Assim, dois pólos ideológicos se formam em torno do direito autoral: aquele que defende a proteção integral dos direitos do autor, fundamentados no artigo 5°, inciso XXVII, da Constituição Federal de 1988; e o outro que defende a mitigação destes direitos diante da garantia da função social da propriedade intelectual, sustentada no direito constitucional à informação, ao desenvolvimento e à cultura, estabelecidos em diversas passagens do texto constitucional.
3.1 A evolução das redes de compartilhamento e suas implicações legais: aspectos cíveis da Legislação Brasileira
A internet, sem dúvida, estabeleceu um novo paradigma na forma como a informação circula ao redor do mundo. Tem-se uma verdadeira explosão da informação em termos de quantidade, rapidez e qualidade à disposição do público. Porém, a lei brasileira que trata sobre os direitos autorais data de 1998, quando a internet ainda engatinhava no Brasil, nesta época as redes p2p e a circulação de fonogramas em formato MP3 ainda não haviam se estabelecido na cultura cibernética como acontece hodiernamente. É preciso, portanto, analisar certos conceitos trazidos pela lei n.º 9.610/98 à luz de nossa realidade atual como uma forma de refletir sobre a eficácia desta lei.
Não pretende-se discutir aqui, obviamente, se tal lei se aplica ao espaço virtual, já que o artigo 7º da LDA estabelece que as obras intelectuais são criações do espírito, desde que expressas por qualquer meio ou, ainda, fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, seja esse suporte conhecido ou passível de invenção. O que permite auferir que a informação digitalizada está albergada pela LDA. Assim,
todas as obras intelectuais, como livros, músicas, obras de arte, fotos e vídeos, não perdem sua proteção quando digitalizadas. [...] Em outras palavras, a transformação de obras intelectuais de átomos para bits não põe fim aos direitos autorais, pois o suporte é irrelevante.26
Como já foi dito anteriormente, a LDA se aplica a todo o conteúdo disponível na web. Logo, surgem dois questionamentos podem ser colocados: os conceitos utilizados nesta lei ainda abarcam a forma como este conteúdo é disponibilizado na rede? E o direito autoral não conteria em si um paradoxo que o estaria afastando da sua função essencial que é fomentar o desenvolvimento cultural e tecnológico? Quanto à adequação dos termos reprodução, distribuição e comunicação ao público, presentes nos artigos 5º e 29 da LDA, tem-se que a lei de direitos autorais brasileira concede ao autor a faculdade da utilização pública da obra, e consequentemente seu uso na rede.
As leis nacionais, dominantemente, atribuem ao autor a universalidade das faculdades de utilização pública da obra. Nesse sentido, não só o art. 28 da Lei n. 9.610 atribui ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor, como o art. 29 submete à autorização prévia e expressa do autor essa utilização, por qualquer modalidade. A enumeração que realiza depois é meramente exemplificativa. Segue-se que, esteja ou não aquela faculdade de colocar à disposição em rede expressamente prevista, sempre se compreenderá no exclusivo atribuído ao autor, na medida em que representa uma faculdade de utilização pública da obra.27
Mais a frente, este autor afirma que os direitos patrimoniais de que trata o art. 29 da LDA compreendem essencialmente três tipos de faculdades: a de reprodução; a de distribuição e a de comunicação ao público. Dessa maneira, seria necessário analisar se a inserção de obra na internet poderia ser considerada reprodução, distribuição ou comunicação ao público para se saber de que tipo de faculdade se está tratando.
Para Ascensão o ato da colocação da obra na rede à disposição do público não se enquadraria em nenhum dos três conceitos dados pela lei, não se tratando, portanto, nem de distribuição, reprodução ou comunicação ao público. Não se trataria de reprodução, pois segundo este autor, para que seja considerada reprodução a cópia deve ser realizada por qualquer forma tangível, não sendo o caso do armazenamento eletrônico, que é intangível. Também não se trataria de distribuição, pois esta pressupõe a materialização do objeto, uma vez que o artigo 5º, inciso IV, abrange a transferência de propriedade ou posse. Por fim, também não se enquadraria no ato de comunicação ao público, pois enquanto a comunicação é dinâmica, a colocação em rede é meramente passiva.
Onde enquadrar então a faculdade do autor de colocar sua obra na rede à disposição do público? Ascensão conclui que este ato está abarcado pelo inciso IX, armazenamento em computador. Percebe-se, portanto, que apesar da LDA resguardar ao autor a faculdade de autorizar ou não a colocação de sua obra na rede, ela o faz através de termos bastante imprecisos. Ao generalizar os atos em "armazenamento em computador", sem diferenciar modalidades específicas, a lei termina por tornar ilícito atos inofensivos aos direitos do autor. Desta forma, de acordo com a lei, é necessária a autorização do autor para o simples ato de transformar um CD, adquirido legitimamente, em arquivo de MP3, já que se trata de armazenamento em computador, independentemente do uso que se dê a estes arquivos.
Outro problema da LDA diz respeito à sua restritividade, sua rigidez, conforme exposto anteriormente. Afinal, a produção cultural é feita a partir do aproveitamento de idéias preexistentes, até mesmo como forma de inspiração. No entanto, durante as últimas décadas houve um grande engessamento da cultura decorrente do fato de tudo ser protegido por direitos autorais. A internet, por outro lado, vem quebrando esse paradigma.
Mais uma vez se volta à questão:
se é claro que não é possível permitir o livre e irrestrito uso das obras alheias na elaboração de novas obras, também não é possível vetar de modo absoluto todo e qualquer uso da obra de terceiros, já que esse extremo impediria, de maneira muito mais acentuada e perniciosa, o desenvolvimento social.28
Logo, a restritividade da LDA põe em risco princípios caros ao ordenamento jurídico brasileiro, como o acesso ao conhecimento e à informação, tendo em vista seu alto grau de limitação.
Não se quer dizer que se deve permitir qualquer acesso à obra intelectual, bem pelo contrário, a ideia é a ampliação do rol limitativo da LDA, de modo a se coadunar com a realidade atual.
Afinal, na atualidade é praticamente impossível a fiscalização dos dispositivos da LDA, em especial o que trata da impossibilidade de cópia integral da obra. Se esta fiscalização já era um problema em tempos de fitas K7, o que falar de conteúdo disponibilizado na rede? Dessa maneira, a lei coloca a conduta de milhares de pessoas na ilegalidade, já que é ilícito a conversão de mídias, inclusive nos casos em a cópia se origina de dispositivo legalmente adquirido, como no caso, acima referido, da cópia integral de um CD em MP3 para que seja escutado em um ipod.
Um segundo problema advém do fato da lei não fazer quaisquer distinções entre conteúdo raro e fora de circulação de obras recém publicadas. Sobre o assunto, afirma Branco aduz:
A lei não distingue obras recém publicadas de obras científicas que só existem em bibliotecas e que ainda estão no prazo de proteção autoral. Nesse caso, torna-se a lei extremamente injusta, por não permitir a difusão do conhecimento por meio de cópia integral de obras raras cuja reprodução não acarretasse qualquer prejuízo econômico a seu autor, nem mesmo lucro cessante.29
Trazendo a questão para o campo da música, percebe-se que um dos grandes benefícios da internet e especialmente das redes p2p foi a possibilidade das pessoas terem acesso a arquivos raros, já fora de circulação dos catálogos das gravadoras. Muitos se dedicam hoje a passar seu acervo de vinis ou CD’s raros para o MP3 para posteriormente compartilhá-lo na rede. O que do ponto de vista da indústria da música constitui um crime, do ponto de vista do consumidor e dos produtores de cultura trata-se de um ganho enorme para a sociedade. Isto porque se as próprias gravadoras e distribuidoras não vêm lucratividade na distribuição deste material, porque impedir então sua circulação na web?
Um outro problema do artigo ora em análise é o uso do termo "pequenos trechos". Este termo não é caracterizado na lei, pairando sobre ele uma dubiedade que impede sua aplicação. Criou-se uma mítica popular, principalmente nas universidades, de que pequenos trechos seriam "capítulos de livros", ou ainda de 10% a 20% da obra. No entanto, tais afirmações são desprovidas de qualquer fundamento legal. Com relação à música, as redes p2p foram responsáveis por confundir ainda mais o sentido do termo. Isto porque ao fazer o download de uma música o usuário recebe vários "pequenos trechos" de uma infinidade de outros usuários, o que a rigor retiraria o caráter ilícito de tal ato.
Sobressai-se, portanto, da análise dos dispositivos da LDA e do atual processo tecnológico, que apesar da atual lei abarcar o conteúdo digital, ela tem se mostrado ineficaz diante da forma como a circulação de conteúdo cultural se dá na web. Ineficaz tanto pela má adequação dos seus termos, quanto por sua falta de flexibilidade ao abordar questões como a cópia privada integral, o que leva ao seguinte contra-senso: justamente por sua rigidez a lei se tornou praticamente inaplicável ou de difícil aplicação na sociedade baseada no acesso à informação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste trabalho foi demonstrar que o direito autoral na internet é um tema dos mais atuais e necessita maior atenção e estudo por parte da doutrina e dos tribunais do País. Vive-se hoje um período de mudanças profundas no modo como a cultura é produzida e, principalmente, no modo como ela é consumida. Essa mudança é, sem dúvida alguma, ocasionada pela inserção da internet e suas facilidades, no processo de criação e distribuição da cultura. Como conseqüência, o direito autoral, enquanto proteção aos autores e obras, também foi atingido. É preciso que os órgãos judiciais e legislativos estejam à frente de seu tempo, legislando para o futuro e não para o passado.
A nova lei do Direito Autoral é uma lei que já nasceu ultrapassada, pois não prevê em quase nenhum artigo, o advento da tecnologia da rede. Pode-se interpretar de modo ampliativo alguns artigos, contudo, não existe qualquer referência expressa à internet. Posiciona-se que o uso sem fins lucrativos de obras artísticas ou literárias na rede, deve ser considerado lícito, pois não há qualquer prejuízo por parte do autor, pelo contrário, há vantagens de divulgação de sua obra, além de ser do interesse da coletividade que o conhecimento seja espalhado da forma menos irrestrita o possível. O uso, entretanto, com fins lucrativos, como já dito, é abusivo desatendendo ao interesse coletivo e individual do autor.
A proteção ao autor, como foi visto, não é matéria antiga e tem em sua origem o surgimento de uma tecnologia: a prensa. Trezentos anos depois, uma nova tecnologia, a internet, tem abalado os alicerces deste ramo do direito privado, impondo a necessidade de transição entre o direito autoral tradicional, este produzido e executado até então, e um novo direito autoral que surge, ainda de maneira incipiente. É nesse momento de transição e de revisão das regras sobre o assunto que se faz necessário, mais do que nunca, sua compreensão em toda a plenitude para que se busque através desse processo, alcançar o objetivos expressos no texto constitucional.
Conclui-se, portanto, que se vive um novo modelo de direitos autorais. Em todo o mundo, artistas se vêem obrigados a se adequar a uma nova maneira de consumo pelo público, a de usarem as mídias digitais a seu favor, fazendo circular seu trabalho, mudando o foco da remuneração para outros pontos da cadeia de produção, como, por exemplo, as apresentações ao vivo.
Seria então o fim do direito autoral? Da forma como o conhecemos hoje, sim. Mas por mais estranho que pareça, a diminuição da sua esfera de regulabilidade termina assegurando que ele cumpra o papel para o qual foi criado: o desenvolvimento cultural e científico da sociedade, portanto, cumprindo o que constitucionalmente lhe é requisitado, sua função social.
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1 “Invenção esta que facilitou a reprodução das obras existentes. Assim, devido aos impactos causados por esta invenção, a prensa de Gutenberg é considerada um marco no modo ocidental de produção do conhecimento e também a “tecnologia” que possibilitou o surgimento do direito autoral”. TRINDADE, Alessandra. p. 4.
2 REIS, J. R. dos (org.). BOFF, S. O. (org.). DIAS, F. da V. (org.). PELLEGRINI, G. K . de F. (org.). TOLOTTI, S. M. (org.). Estudo de direito de autor no constitucionalismo contemporâneo: a evolução histórica do direito de autor. 1. ed. Curitiba: Multimedia, 2011. P. 13
3 MORAES, Rodrigo. Os direitos morais do autor. Rio de Janeiro: Lemen Juris, 2008. p. 19.
4 Idem.
5 Idem.
6 Idem.
7 Idem. p. 20.
8 LIPSZYC, Delia, Derecho de autor y derechos conexos. Buenos Aires: Unesco, 1993-2001. P. 32.
9 TRIDENTE, Alessandra. p. 7.
10 “Introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto Legislativo 94, de 4 de dezembro de 1974 [...] a Convenção de Berna influenciou a principal lei que versa sobre direitos autorais, Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1988”. Idem. p. 24.
11 REIS, J. R. dos (org.). BOFF, S. O. (org.). DIAS, F. da V. (org.). PELLEGRINI, G. K . de F. (org.). TOLOTTI, S. M. (org.). Op. cit., p. 24.
12 BITENCOURT, Caroline Müller. Repensando a teoria da separação de poderes: novas perspectivas com relação ao judiciário em face da necessidade de realização da dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de Direito. 2008. 197 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado – da Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC). Santa Cruz do Sul, 2008.
13 BOFF, Salete Oro (org.). REIS, Jorge Renato (org.). REDIN, Giuliana (org.). O direito na era digital: as novas tecnologias de informação e de comunicação. Op. cit. p. 131.
14 MANSO, Eduardo J. Vieira. O que é Direito Autoral. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
15 REIS, J. R. dos (org.). BOFF, S. O. (org.). DIAS, F. da V. (org.). PELLEGRINI, G. K . de F. (org.). TOLOTTI, S. M. (org.). Op. cit.,p. 34.
16 BESSA, Jammes Miller. A evolução dos direitos autorais no Brasil. [S.l.]. Disponível em: < http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.25312>.
17 REIS, J. R. dos (org.). BOFF, S. O. (org.). DIAS, F. da V. (org.). PELLEGRINI, G. K . de F. (org.). TOLOTTI, S. M. (org.). Op. cit.,p. 37.
18 BRANCO JÚNIOR. Sérgio Vieira. Direitos autorais na internet e o uso de obras alheias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.
19 EPPLE, Cristiane. Direito de autor no século XXI: direito fundamental à cultura, educação e informação versus direito de autor. 2010. 145 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2010.
20 BRASIL. Lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Planalto: Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>.
21 BRANCO JÚNIOR. Sérgio Vieira. Direitos autorais na internet e o uso de obras alheias. Op. cit. p. 2.
22 BOFF, Salete Oro (org.). REIS, Jorge Renato (org.). REDIN, Giuliana (org.). O direito na era digital: as novas tecnologias de informação e de comunicação. Op. cit. p. 18.
23 Idem. p. 132.
24 MISSÃO PARA A SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO. Livro verde para a Sociedade da informação em Portugal. Lisboa, 1997. p. 7.
25 LEITE, Eduardo Lycurgo. O direito do autor. Brasília: Brasília Jurídica, 2004. p. 214
26 SANTOS, Manuella. Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 112
27 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito da Internet e da Sociedade da Informação. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 07
28 BRANCO JÚNIOR, Sérgio Vieira. Direitos Autorais na internet e o uso de obras alheias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007. p. 63.
29 BRANCO JÚNIOR, Sérgio Vieira. Direitos Autorais na internet e o uso de obras alheias. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.