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Corrupção e falência da Petrobras. (Non) Semper Augustus

Por que as ações da Petrobras caíram tanto, chegando ao nível de 1999?

Agenda 10/02/2016 às 14:28

Por que as ações da Petrobras caíram tanto, chegando ao nível de 1999? Analisaremos as relações de poder existentes no Brasil, criticando a estrutura socioeconômica aqui impregnada.

LEMBRETE aos internautas que queiram nos honrar com a leitura deste artigo: sou do Movimento Contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e recrimino todos os políticos comprovadamente desonestos assim como sou radicalmente contra a corrupção cleptocrata de todos os agentes públicos (mancomunados com agentes privados) que já governaram ou que governam o País, roubando o dinheiro público. Todos os partidos e agentes inequivocamente envolvidos com a corrupção (PT, PMDB, PSDB, PP, PTB, DEM, Solidariedade, PSB etc.), além de ladrões, foram ou são simbióticos (toma lá dá cá) e ultraconservadores dos interesses das oligarquias bem posicionadas dentro da sociedade e do Estado. Mais: fraudam a confiança dos tolos que cegamente confiam em corruptos e, ainda, imoralmente os defendem.

O poeta Richard Armour escreveu o seguinte:[1] “Que o dinheiro fala/ Não negarei. Eu o ouvi falar, uma vez. Ele disse ‘Adeus’”. Foi precisamente esse desencanto que assomou o espírito de todos os acreditaram na boa performance da Petrobras nos últimos anos. O dinheiro também disse bye bye a todos que confiaram, na Holanda do século XVII, no mercado de tulipas, particularmente de uma espécie rara que ficou conhecida como Semper Augustus[2].

A tulipa veio da Turquia e caiu no gosto dos Holandeses. Aliás, do europeu em geral. Com alta procura e produto escasso os preços explodiram. Mais ainda quando um vírus (só descoberto séculos depois) contaminava a tulipa, deixando-a mais bonita (com listras brancas, leitosas). Cada botão valia o mesmo que uma casa[3].

Primeiro vendiam os botões da tulipa. Depois passaram a vender os bulbos (raízes de onde saem as tulipas). Logo vendiam um “contrato” (um título) que garantia o dinheiro que o bulbo gerava. Finalmente começaram a comercializar esses “contratos” no mercado (tal como são comercializadas as ações da Petrobras). Num mesmo dia eles valorizavam consideravelmente. Aumento de 300% em 3 anos. Evidentemente tudo terminou numa bolha financeira. Formavam-se correntes (“pirâmides”) em torno do mesmo título. Enorme expectativa de ganhos. Consumada a fraude, o prejuízo se generalizou. Non Semper Augustus. Os ricos, nesse caso, também choraram o leite derramado!

Por que as ações da Petrobras caíram tanto, chegando ao nível de 1999? “Os principais motivos da queda recente das ações da Petrobras basicamente são: (a) manutenção dos preços dos combustíveis mesmo diante da alta do petróleo no período 2010 a 2014; (b) aumento expressivo dos investimentos estimados para projetos de refinarias e renovação de frota naval; (c) identificação de esquemas de corrupção, como é o caso da Operação Lava Jato, que, em muitos casos, tem ligação direta com o sobrepreço dos investimentos em andamento; (d) elevado nível de endividamento para fazer frente aos investimentos realizados pela empresa no passado recente; (e) desvalorização cambial, agravando o peso da dívida sobre o balanço da empresa; (e) queda geral do preço do petróleo no mundo todo a partir do ano passado”[4].

A queda dos preços tem alguma coisa a ver com os recentes escândalos em sua administração? “Os escândalos de corrupção certamente contribuem para a queda nos preços de suas ações. No entanto, o principal motivo se refere ao sobrepreço nos investimentos realizados pela empresa, que possui ligação direta com os escândalos de corrupção, e o elevado nível de endividamento da empresa, que se agravou com a desvalorização do Real”[5].

O dinheiro que roubaram da Petrobras não desapareceu. O dinheiro da fraude da tulipa na Europa não sumiu. O dinheiro não some, ele muda de bolso. Sempre houve criminoso cujo prazer, além da felicidade própria, é a desgraça alheia[6].

As gerações passadas, no Brasil, lutaram pelo petróleo (Monteiro Lobato, sobretudo). O “pai dos pobres e mãe dos ricos”, chamado Getúlio Vargas, inventou a Petrobras (em 1953). As novas gerações têm que levantar a bandeira da recuperação do dinheiro surrupiado, mais medidas preventivas anti-pilhagens. Antes nos roubavam o petróleo. Agora nos roubam os capitais da Petrobras (por exemplo: comprando petrolíferas por preços superfaturados na Argentina ou nos EUA).

O vírus na tulipa permitiu uma fraude monstruosa no século XVII (em plena Europa). O vírus da corrupção na Petrobras faz parte da nossa tradição neocolonialista cleptocrata (escravagista, extrativista e parasitária).

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Mas nada há de novo sob o sol (Nihil novi sub sole”). Há mais de dois mil anos os romanos já advertiam: caveat emptor (“comprador, tenha cuidado”).

A administração desastrada da Petrobras, particularmente na era lulopetista (ou de qualquer outro dinheiro público, posto que a corrupção é uma praga que nos acompanha há mais de cinco séculos), não é uma desgraça inevitável nem foi inventada pelo lulopetismo: isso acontece porque o patrimônio público brasileiro, por tradição e cultura, é sugado todos os dias em parcerias público-privadas estabelecidas, sobretudo, entre as elites governantes e dominantes (oligarquias políticas, econômicas e financeiras) especializadas em pilhagens.

Os céticos dizem que “sempre fomos assim e sempre será assim”. Padecem da síndrome de Gabriela: “Eu nasci assim, Eu cresci assim, E sou mesmo assim, Vou ser sempre assim, Grabriela, Sempre Gabriela” (Jorge Amado e Dorival Caymmi). Trata-se de um discurso ideológico conformista e derrotista. Coisa de fracos, incompetentes e ressentidos[7], que não querem enfrentar o status quo (de roubalheira institucionalizada secularizada).

Para as pilhagens há sempre alternativas de preservação do bem comum. Reforço das instituições de controle (aprimoramento da polícia, dos tribunais de contas, do MPF, dos juízes), programas preventivos transparentes e, especialmente, a eliminação da covardia do eleitor: eis um bom começo para atacar os inimigos do erário, que buscam freneticamente riquezas fáceis, tanto nas bonanças como nos momentos de crises.

Os setores, frações, grupos ou corporações das elites que nos pilham, não fazem isso somente pelo amor ao dinheiro. Há outros incentivos: querem se exibir para o mundo, querem o nome na revista Forbes, querem gozar plenamente de sua liberdade. A demonstração da sua importância se torna uma necessidade vital[8]. As pilhagens, ademais, geram emoção (adrenalina).

Nos países cleptocratas, não basta comprar o carro mais caro do mundo, é preciso colocá-lo na sala da casa para mostrá-lo urbi et orbi, como se fosse um mobiliário da Inglaterra vitoriana. Não há limite para o ridículo. Todos com baixa autoestima precisam de compensações. O narciso acha feio tudo que não é espelho (Caetano Veloso).

Em todas as pilhagens das elites concertadas, sempre alguém sai ganhando (atua-se em favor do próprio bolso, da corporação, do partido ou da manutenção do poder). Claro, sempre os mesmos. É que estamos em um país em que “os corruptos [cleptocratas] têm voz, vez e biz; e o respaldo de estímulo em comum”[9].

O espírito neocolonialista cleptocrata não tem por objetivo apenas pilhar (extrativar) tudo que for possível, senão, sobretudo, manter os distanciamentos sociais racistas e classistas[10]. Não lhe passa pela cabeça o bem-estar geral da nação (a era escravagista nunca terminou). Para manutenção do “sistema” é preciso, ainda, subverter a democracia, por meio da sua “compra”; por esse método heterodoxo instaura-se um Estado Clandestino de Direito, paralelo e afrontoso ao Estado de Direito. A mobilização massiva de recursos fomenta o Estado paralelo que é eixo da acumulação indevida de riqueza, somando-se duas pragas que são o extrativismo corporativo e o patrimonialismo estatal. O acesso de setores, frações, grupos ou corporações das elites econômicas e financeiras ao Estado é facilitado pelas suas relações de interesses com as elites governantes (reinantes) - o escândalo da Petrobras está revelando tudo isso desde suas mais profundas entranhas.

Com o auxílio de muitas instituições (mídia, religiões, escolas etc.), a governança cleptocrata, mesmo não proporcionando um ensino de qualidade para todos, de forma a promover, pelo menos, uma igualdade de origem, a educacional, tranquiliza as classes despossuídas com o discurso de que, nesta vida, “cada um tem o que merece”. Esse discurso vira neve ao vento quando desacompanhada, ao menos, da igualdade educacional de origem, que é o pressuposto impostergável da meritocracia. Cinismo é o nome que se dá a quem fala em meritocracia sem base educacional comum. Hipócritas são as elites governantes e dominantes que roubam o patrimônio público e ainda se julgam vestais da honorabilidade.


Notas

[1] Citado por NARS, Kari. Golpes bilionários. Tradução de Lilia Loman e Pasi Loman. Belo Horizonte: Editora Gutenberg, 2012, p. 23.

[2] Ver VERSIGNASSI, Alexandre. Crash. 2ª edição. São Paulo: LeYa, 2015, p. 11 e ss.

[3] Ver VERSIGNASSI, Alexandre. Crash. 2ª edição. São Paulo: LeYa, 2015, p. 11 e ss.

[4] Ver http://meexplica.com/2016/01/entenda-a-queda-no-preco-das-acoes-da-petrobras/, consultado em 31/01/16.

[5] Ver http://meexplica.com/2016/01/entenda-a-queda-no-preco-das-acoes-da-petrobras/, consultado em 31/01/16.

[6]  Ver NARS, Kari. Golpes bilionários. Tradução de Lilia Loman e Pasi Loman. Belo Horizonte: Editora Gutenberg, 2012, p. 13 e 15.

[7] Ver PONDÉ, Luiz Felipe. A era do ressentimento. São Paulo: LeYa, 2014, p. 41 e ss.

[8] NARS, Kari. Golpes bilionários. Tradução de Lilia Loman e Pasi Loman. Belo Horizonte: Editora Gutenberg, 2012, p. 19.

[9] Ver Meu País, Zé Ramalho, composição de Orlando Tejo, Gilvan Chaves e Livardo Alves.

[10] “No âmbito regional, a América Latina destaca-se como a região mais desigual do mundo, com 167 milhões vivendo na pobreza, sendo 71 milhões na pobreza extrema. Ainda que no período de 2002 a 2012 tenha ocorrido a redução da pobreza de 43,9% a 28,1% (e da pobreza extrema de 19,3% a 11,3%), em 2012 e 2013 houve a estagnação do processo de redução da pobreza na região — ver “Social Panorama of Latin America”, 2014, Economic Commission for Latin America and Caribbean (Eclac). A região concentra cinco dos dez países mais desiguais do mundo” [com liderança absoluta do Brasil, que é um dos 10 países mais desiguais do planeta] – ver PIOVESAN, Flávia, http://oglobo.globo.com/opiniao/renda-basica-de-cidadania-18423318, consultado em 07/01/16.

Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Corrupção e falência da Petrobras. (Non) Semper Augustus: Por que as ações da Petrobras caíram tanto, chegando ao nível de 1999?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4606, 10 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46273. Acesso em: 22 nov. 2024.

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