Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A Abril Cultural e a propaganda nazista no Brasil

Agenda 19/02/2016 às 07:40

A censura prévia é proibida, mas a responsabilização dos defensores do totalitarismo racista e genocida é possível, principalmente quando algumas das maiores beneficiárias da CF/88, as empresas de comunicação, conspiram contra o regime democrático fazendo apologia ao nazismo.

Desde tenra idade acostumei a ser um leitor profícuo. À medida que meus interesses foram se modificando pulei da literatura infantil para a literatura adolescente, desta para a literatura adulta e comecei a ler livros de filosofia aos 16 anos de idade. Quando entrei na Faculdade de Direito, em 1985, além dos livros específicos do curso, passei a ter interesse por política e sociologia. Formado, fui atraído pela história e desta fui naturalmente levado aos livros de antropologia. Mas nunca perdi a oportunidade de voltar a ler livros das áreas que já haviam despertado meu interesse.

Conclui meu Bacharelado em Letras no início do século XXI. Durante este curso aprendi a dissecar textos literários. Durante o curso me interessei por análise do discurso e passei a empregar as novas habilidades que adquiri para destrinchar textos políticos. Também passei a me dedicar à análise do discurso cinematográfico, como os leitores já devem ter notado neste blog.

Quando começou a II Guerra do Iraque notei minha mais completa ignorância acerca deste assunto. Em razão disto comecei a ler livros de história militar. Com a popularização dos documentários em CD, tornei-me um colecionador. Tenho dezenas de documentários sobre a I e II Guerra Mundial, sobre a Guerra da Coréia, Guerra do Vietnã, sobre a guerra suja ocorrida no Brasil pós 1964 e, é claro, sobre os conflitos mais recentes envolvendo os norte-americanos.  

Hoje revi um destes CDs, o volume 6 da coleção Battlefield, produzido no Brasil pela Abril Cultural. O documentário tem pouco mais de 1 hora e ½ e a aborda o cerco a Leningrado. A coleção, lançada no Brasil, em 2008, foi originalmente lançada pela Eagle Rock Entertainment Ltda., uma empresa com sede em Londres https://pt.wikipedia.org/wiki/Eagle_Rock_Entertainment.

O documentário foi realizado com cenas de guerra feitas por alemães e russos. O movimento de tropas é elucidado por esquemas elaborados sobre mapas do teatro de operações. As estratégias, tropas, armas, avanços, recuos, vitórias parciais e os efeitos do clima da região de Leningrado são descritos através de um discurso envolvente e rico em detalhes sobre toda a campanha.

A agressão nazista à URSS é claramente referida no início do documentário. Mas a medida que o mesmo evolui o discurso vai sendo sutilmente modificado para que o telespectador sinta repulsa pelos russos e admiração pelos nazistas. Os invasores nazistas são descritos como profissionais comandados por oficiais altamente preparados. Eles são melhor equipados que seus adversários e sua motivação é alta. Sorridentes assassinos nazistas são mostrados em imagens de propaganda nazista sem qualquer crítica aos abusos que eles cometeram no front russo (extermínio de civis, judeus etc.). Os russos são caracterizados como mal preparados, desmotivados e desprovidos de comandantes capacitados. Eles estão mal equipados e agem de forma desesperada.

O discurso elogioso aos nazistas não sofre qualquer interrupção. Mesmo quando eles atolam na lama e congelam no inverno russo, o narrador sempre se refere ao profissionalismo e ao elevado espírito combativo dos exércitos alemães que cercaram Leningrado. O sofrimento dos civis russos é pouco explorado e para realçar a imagem negativa dos agredidos. O narrador faz uma longa e detalhada digressão sobre os casos de canibalismo que ocorreram durante o período de fome impostos pelo cerco. Casos de canibalismo também ocorreram entre as tropas alemãs na Rússia, mas este fato é cuidadosamente omitido pelo narrador.

A derrota dos alemães não é atribuída à virtude do Exército Vermelho, e, sim, à estupidez de Hitler, que abandonou à própria sorte os exércitos que cercaram Leningrado. A superioridade dos novos armamentos russos utilizados nesta batalha (aviões e mísseis) é um tema pouco explorado. À medida que os alemães começam a recuar, o narrador passa a chamar os nazistas de “defensores”. O uso deste vocábulo é bastante significativo, pois o telespectador é levado a crer que os russos são os “agressores”, muito embora a URSS tenha sido deliberada e criminosamente invadida pelo infame III Reich.

Durante o documentário, o narrador cita as virtudes da SS durante o recuo das tropas alemãs. O papel infame das SS durante a campanha da Rússia (o extermínio de judeus na retaguarda da Wehrmacht) é omitido. Também não há uma só referência ao extermínio a sangue frio dos oficiais políticos do Exército Vermelho capturados pelos nazistas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Nos minutos finais do documentário ocorre uma verdadeira apoteose de propaganda nazista. Ao invés de elogiar a vitória da URSS sobre o famigerado III Reich em Leningrado, o narrador elogia os soldados alemães que ficaram presos numa península e lutaram bravamente até o amargo fim. Segundo ele, os “defensores” alemães demonstraram grande motivação e elevado profissionalismo até se renderem aos russos.

A vitória soviética é depreciada pela referência ao fato de centenas de milhares de nazistas terem sido transformados em prisioneiros de guerra e obrigados a trabalhos forçados na URSS. Em momento algum o narrador menciona que os alemães foram, com justiça, obrigados a reconstruir o que eles mesmos haviam destruído desde que invadiram a Rússia. O documentário termina com um soldado nazista sendo condecorado pelos feitos heroicos durante a retirada de Leningrado. Os heróis soviéticos que salvaram a cidade dos nazistas são cuidadosamente esquecidos.

O discurso utilizado pelo documentário não é isento e baseado em fatos, tampouco leva em consideração o sofrimento humano inenarrável imposto pelas tropas regulares alemães e pelas SS aos soviéticos. A apologia ao nazismo em alguns momentos é evidente. O Brasil proíbe a censura, mas possibilita a punição dos abusos cometidos. A Lei 7.716/89 criminaliza a apologia ao nazismo, aos nazistas, ao III Reich e às famigeradas SS.

Quando o MPF começará a investigar a Abril Cultural e punirá os culpados pela fabricação e comercialização da coleção Battlefield? A empresa será proibida de continuar a produzir e distribuir referida coleção? Se o Procurador Geral da República quiser posso enviar a ele o volume 6 - Cerco a Leningrado, e ele poderá, então, confirmar tudo que foi dito aqui.

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!