1 – INTRODUÇÃO.
Inegavelmente, a tributação ambiental caracteriza-se por sua natureza regulatória ou extrafiscal, retratando instrumento de política ambiental, indutora de comportamentos ambientalmente corretos, ainda que a exação se dê pelo emprego de taxas, tributos tradicionalmente tidos como retributivos ou contraprestacionais, portando natureza fiscal, por excelência. Esse o caso das taxas ambientais ou taxas verdes.
Na verdade, a fiscalidade brasileira reflete a forma de Estado desenhada na Constituição, segundo a qual a República Federativa é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, sendo certo que, além da União Federal, os demais entes políticos citados detêm o poder de instituir e cobrar tributos necessários ao custeio dos respectivos serviços públicos e atribuições constitucionais.
Segundo a Constituição Federal, são tributos os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria (art. 145). E no caso das taxas, o fato gerador deve ser “o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição” (art. 145, II, da CF e art. 77 do CTN).
O desenvolvimento de novas bases de tributação, cada vez mais fundamentadas no consumo de matérias-primas e nas emissões e extensiva a bases de tributação novas ou alargadas, como os recursos hídricos, os minerais, as substâncias químicas perigosas, os transportes (aéreo e marítimo), o uso do solo e o turismo pode retratar um fluxo de recursos através da economia, tais como a energia, os minerais e os lucros do uso do solo, podendo gerar receitas fiscais substanciais para as reformas fiscais "verdes".
No caso da taxa ambiental, deve-se realçar a exigência lógica de que a medida do tributo seja informada, entre outros elementos, pela conexão que há entre a atividade do agente econômico, contribuinte, e a volume de serviço público (fato gerador) que a ela corresponder.
Em outras palavras, a taxa pode ter como base de cálculo uma ordem de grandeza que não corresponda a imposto e que seja conexa ao custo do serviço público prestado ou posto à disposição do contribuinte, realizando o princípio retributivo de um lado e o princípio do poluidor-pagador de outro, autorizando-se exigir maior taxa de quem mais gera custos (serviço) no Poder Público.
Desse modo, as taxas ambientais devem ser graduadas conforme o custo dos serviços públicos ambientais relacionados à carga poluidora gerada pelos contribuintes para custeio das correspondentes tarefas administrativas; isto sem prejuízo de também poderem produzir efeito indutor do poluidor a buscar alternativas de comportamento menos poluidor visando a diminuir o montante da taxa que lhe cabe pagar. Trata-se de conciliar princípios e o critério de coordenação há de ser o da proporcionalidade.
2 – O REGIME JURÍDICO DAS TAXAS AMBIENTAIS OU TAXAS VERDES.
No Brasil, a definição do fato gerador das taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, devem sê-lo“no âmbito de suas respectivas atribuições” (art. 77 do CTN), visto que, através do sistema tributário nacional, verifica-se a partilha constitucional de rendas (arts. 145, 148, 149, 153, 154, 155 e 156) que corresponde à divisão constitucional de competências político-administrativas entre a União (arts. 21 e 22), os Estados (art. 25) e o Distrito Federal (art. 32) e os Municípios (art. 30).
Assim, a taxa é um tributo da chamada competência comum, isto é, pode ser instituída concorrentemente por quaisquer dos entes da Federação, desde que de per si pratiquem o respectivo fato gerador (serviço público ou policia), observadas as competências político-administrativas de cada qual, que lhes servem de limite.
As competências federais são elencadas na Constituição (arts. 21 e 22) e as competências municipais se conectam ao interesse local (art. 30, incisos I, V e IX, entre outros), reservando-se aos Estados as competências que não lhe sejam negadas pela Carta (art. 25, § 1º), sem prejuízo de outras explícitas (§§ 2º e 3º). As competências são distribuições orgânicas do Poder.
Em sede de Direito Administrativo, o Poder se concretiza através da função administrativa, que transforma o Poder em Ato, mediante sua aplicação a uma realidade. Pode-se dizer que o ato administrativo é a formalização ou exteriorização final do exercício do poder administrativo. Primordial função do Estado-Administração é garantir a Ordem constituída que permite a vida em condições de liberdade e igualdade.
A polícia ambiental é uma especialização do poder de polícia, distinguindo-se nela, segundo Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO, “a polícia da atmosfera, a polícia das águas e dos oceanos, a polícia da flora e a polícia da fauna” (Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 7ª ed., 1989, p. 351)
Em geral as taxas pelo exercício do poder de polícia (taxas de polícia) se destinam a custear os serviços com a essa finalidade, ou são cobradas objetivando ressarcir o Estado do custo despendido no desempenho da atividade à qual está vinculado o fato gerador.
Eis que as taxas ambientais não fogem a esses princípios. Assim, uma taxa há de corresponder sempre a um ato de policia ou serviço público ou federal, ou estadual, ou municipal, prestado pelo ente competente, interessando-nos, no caso, com maior intensidade, aquela primeira adjeta aos atos de polícia. Dessa maneira, a questão está, dessarte, em discernir dentre as competências administrativas, que, exercitadas legitimamente, podem ensejar a instituição de uma taxa correspondente.
As taxas verdes de polícia ambiental são devidas em razão de fiscalizações diversas que visam a verificar, controlar, se a atividade do empreendedor-contribuinte se enquadra nos padrões de poluição tolerados pela sociedade e positivados nas normas ambientais. Essas taxas hão de ser graduadas pelo critério da equivalência razoável de seu valor face ao custo estimado do serviço público correspondente.
Ocorre que, como o poder de polícia é inerente à Administração Pública, ele se reparte entre todas as esferas administrativas da União, dos Estados e dos Municípios, podendo ser exercido de forma concorrente quando o interesse de pessoas políticas se justapõe. Do ponto de vista tributário, a consequência é que, nesse caso, a competência tributária comum (própria das taxas) poderá ser exercida de forma concorrente e até cumulativa, desde que mais de um dos entes federados, ou todos, venham a concretizar o pressuposto de fato definido em lei, no caso, o exercício regular do poder de polícia.
Isso o que ocorre com a polícia ambiental, pois a Constituição Federal determina no art. 225 combinado com o art. 23, VI, e seguintes, aduzindo que ao Poder Público incumbe defender e preservar o meio ambiente pela via da competência comum, cabendo, ademais, competência legislativa concorrente a todos os entes da Federação para legislar sobre matéria ambiental (art. 24, VI a VIII).
Nesta toada, voltando-se à disciplina desse poder assim compartilhado, a Constituição exige que lei complementar fixe normas para a cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (parágrafo único do art. 23). Em sede de Direito Ambiental, a Lei nº 6.938/81 foi recebida como a lei complementar ambiental brasileira pela Carta de 1988, que, “no âmbito da legislação concorrente, se limita a estabelecer normas gerais” (§ 1º do art. 24), normas essas que carregam a supremacia do direito federal. Frente a esse quadro, o exame da legitimidade das taxas ambientais há de partir da análise das normas gerais de direito administrativo ambiental e de direito tributário ambiental, cuja matriz se encontra a um só tempo na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81).
Como se conhece, o Direito, dentre outras funções, é utilizado para criar meios de efetivação dos valores do Estado Social e Democrático de Direito instituído pela Carta Política, entre eles o de reduzir a poluição e a escassez de recursos, através de uma comunidade preocupada com o crescimento econômico, evitando o uso descontrolado dos recursos ambientais existentes, minorando ou impedindo o risco desses recursos não estarem mais disponíveis no futuro.
Conquanto se saiba que os indivíduos têm a necessidade natural de se apoderar das riquezas provenientes da natureza para a manutenção e evolução de sua existência, o aumento populacional, o aglomerado de recursos, o alto crescimento no setor industrial, dentre outros fatores, vieram a colaborar com o aumento na degradação do meio ambiente. Ocorre que, em meio a esses problemas ambientais, o Direito como instrumento de tutela das condições necessárias para a organização social deve intervir e promover sua resolutividade. Nesse contexto, mais especificamente, nainteração entre o Direito Ambiental e o Direito Tributário, é que o Estado, por meio da sua intervenção, vem a criar tributos ou incentivos fiscais que estimulam atitudes que sejam favoráveis à preservação do meio ambiente.
Por essa vereda, a autoexecutoriedade, um dos atributos do poder de polícia, concede à Administração plenos poderes para que pratique atos administrativos que possibilitem a imediata e direta execução, e quando trata-se de preservação ambiental é cristalino a necessidade de se criar, de imediato, uma maneira de arrecadar fundos para devido fim.
Torna-se viável, pois, a exação tributária taxa e a sua modalidade de cobrança pelo exercício regular do poder de polícia, atividade estatal direcionada ao contribuinte que limita direitos e atividades suas, de relevante interesse coletivo. Como ensina Luciano AMARO, essa proteção do interesse público, visando a conservação de um ambiente sadio e equilibrado, por meio da cobrança de taxas é uma decorrência da “remoção de limites jurídicos ao exercício de direitos” (Direito Tributário Brasileiro. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 55), uma vez que prerrogativas como revitalizar, preservar e cuidar influenciam no interesse da população, sofrendo limitações e restrições. Assim, a instituição da taxa demonstra ser grande aliada à manutenção do meio ambiente, de forma a evitar que futuras gerações venham ficar à mercê de recursos indispensáveis para a sobrevivência.
Não passa desapercebida a intensa preocupação dos indivíduos quanto aos problemas que prejudicam de forma gradativa o ambiente, como a poluição nos centros urbanos, o lixo produzido em excesso em zonas litorâneas, o acúmulo de resíduos nas zonas portuárias, o não interesse na coleta seletiva, entre outros; procurando elaborar, dentro de suas esferas de atuação, medidas direcionadas à reversão dos fenômenos degradativos ao meio ambiente. E, é nessa perspectiva, que o Poder Público pode atuar de maneira eficaz, através dos fundos recolhidos por meio da cobrança de taxas ambientais.
Daí porque a criação de taxas dessa natureza, mediante a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, direito fundamental das presentes e futuras gerações, mostra-se um estímulo necessário para que se tenha uma existência real de proteção ambiental. Nesse diapasão, quando se fala em direito ambiental tributário, suas finalidades devem ir em busca da dignidade da pessoa humana e da realização de uma sociedade justa, livre, e solidária. Evidente que a instituição de taxas ambientais volve-se para o atendimento de políticas de natureza ambiental, com o objetivo de controlar e de fiscalizar as atividades potencialmente poluidoras e utentes de recursos naturais.
Essa sorte de exação, portanto, tem por forma de atuação preventiva e não repressiva, mostrando-se completamente viável a utilização desse tributo na forma extrafiscal para servir de estimulante, indutor ou até mesmo coibidor de comportamentos. E todos os entes federativos, em tese, têm a possibilidade de criar uma taxa de cunho ambiental, e o suficiente para tanto é possuir a respectiva competência material para o desempenho de atuação estatal, diretamente relacionada ao contribuinte.
Dessa forma, a outorga de competência para a instituição de tributo que conceda o custeio de atividades específicas, nesse caso a cobrança de uma taxa para a preservação ambiental, fica submetida àquele que irá exercer a fiscalização da conduta do contribuinte, perante a conservação da natureza; atribuição essa, devidamente consagrada em dispositivo legal.
Como compete à União, aos Estados e aos Municípios, através de leis federais, estaduais e municipais, respectivamente, arrecadar tributo, nos quais possam ajudar na revitalização de locais públicos, como praças, praias, parques e espaços de grande circulação, optar pela instituição das taxas ambientais, por meio do exercício regular do poder de polícia, poderá ser um meio eficaz no combate à destruição do meio ambiente, em especial, quando se fala na conservação de bens públicos no âmbito público local.
Disso deflui que a taxa verde pode ser um importante indutor de novos comportamentos, especialmente no que tange atingir um desenvolvimento local sustentável, assim compreendido aquele que não esgota os recursos para o futuro, mas sendo capaz de suprir as necessidades da geração atual sem comprometer a capacidade de atender os anseios das futuras gerações.
O artigo 225 da Carta Magna compreende por meio ambiente a interação do ser humano com a natureza nas suas influências e interações físicas, químicas e biológicas; as formas institucionais das relações sociais, que abrigam e regem a vida em todas as suas formas; e as peculiaridades dos diversos segmentos nacionais. O direito a um meio ambiente sadio é um direito de todos, pois é um “bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, protegendo-se a qualidade da vida humana, para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu desenvolvimento.
A expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225, caput, da Constituição), juntamente o com desenvolvimento econômico, têm a problemática de encontrar um meio termo em suas aplicações em que um irá até um ponto e a partir daí terá de ceder espaço ao outro, configurando-se, assim, o desenvolvimento sustentável, o que até hoje não se tem certeza ser possível mas se procura alcançar com todos os instrumentos jurídicos legítimos, tal qual o ora proposto.
Claro que é condição constitucional para a cobrança de taxa pelo exercício de poder de polícia a competência do ente tributante para exercer a fiscalização da atividade específica do contribuinte. Em termos gerais, por se tratar de competência comum, exercida concomitantemente pela União, pelos estados (Distrito Federal) e pelos municípios, as diversas iniciativas de fiscalização das atividades potencialmente modificadoras do meio ambiente não são mutuamente exclusivas (arts. 23, VI, 24, VI e VIII da Constituição e 6º, III da Lei 9.985/2000).
Por não serem mutuamente exclusivas, as atividades de fiscalização ambiental não se sobrepõem e, portanto, não ocorre bitributação. Eventual violação constitucional decorreria da exasperação da carga tributária, tornada desproporcional ou irrazoável, considerada a somatória dos valores exigidos pela União, pelo estado, pelo Distrito Federal e pelo município. Nesse sentido, inclusive, já decidiu o Excelso Supremo Tribunal Federal, como se pode perceber da seguinte ementa:
“AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. TAXA DE FISCALIZAÇÃO AMBIENTAL. EXAÇÕES COBRADAS PELA UNIÃO E PELO ÓRGÃO ESTADUAL. BITRIBUTAÇÃO DESCARACTERIZADA. CONFISCO. RAZÕES RECURSAIS INSUFICIENTES PARA CONCLUIR PELA DESPROPORCIONALIDADE OU PELA IRRAZOABILIDADE DA COBRANÇA. É condição constitucional para a cobrança de taxa pelo exercício de poder de polícia a competência do ente tributante para exercer a fiscalização da atividade específica do contribuinte (art. 145, II da Constituição). Por não serem mutuamente exclusivas, as atividades de fiscalização ambiental exercidas pela União e pelo estado não se sobrepõem e, portanto, não ocorre bitributação. Ao não trazer à discussão o texto da lei estadual que institui um dos tributos, as razões recursais impedem que se examine a acumulação da carga tributária e, com isso, prejudica o exame de eventual efeito confiscatório da múltipla cobrança. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (A G .REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 602.089 MINAS GERAIS RELATOR : MIN. JOAQUIM BARBOSA AGTE.( S ) : ISOMONTE S/ A ADV.( A / S ) : CLÁUDIA FERRAZ DE MOURA ADV.( A / S ) : JOÃO MIGUEL COELHO DOS ANJOS AGDO.( A / S ) : INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA PROC.( A / S)(ES ) : PROCURADOR GERAL FEDERAL)