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Considerações sobre transação extrajudicial e responsabilidade civil do Estado

Agenda 29/02/2016 às 16:42

O artigo trata da possibilidade de indenização pela via extrajudicial no que se refere à responsabilidade civil do Estado, sendo necessária lei municipal que autorize a celebração de transações judiciais e extrajudiciais.

Em sendo vantajoso para a municipalidade, existe possibilidade jurídica do Município celebrar acordo extrajudicial com Seguradora para ressarcimento de dano ocorrido em virtude de acidente de trânsito ocasionado por culpa exclusiva do condutor do veículo do Município?

A questão deve ser abordada, inicialmente, sob o enfoque da responsabilidade civil da Administração Pública, da qual deriva a obrigação de indenizar terceiros que sofram danos em razão de atos praticados pelos agentes públicos, tal como previsto no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, in verbis: 

“Art. 37. Omissis.

§ 6º. As pessoas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

A doutrina entende que a caracterização da responsabilidade da Administração depende da comprovação do dano e do nexo causal entre a conduta (ação ou omissão) do agente e a ocorrência do dano, independentemente de o agente ter praticado o ato com culpa. Desse modo, o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão.

Além do comando constitucional, o art. 15 do Código Civil reza que:

“Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que, nessa qualidade, causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.

Sobre as condições para a verificação dessa responsabilidade, Clóvis Beviláqua, citado por José Cretellla Júnior, assevera:

“As condições, para que se dê a responsabilidade civil da administração pública, em conseqüência de ato de seus representantes, são as seguintes: a) que um representante pratique o ato nessa qualidade, isto é, no exercício de uma função pública e não em seu caráter individual, de pessoa privada; b) que o ato cause dano a alguém, lesando-lhe o patrimônio ou produzindo-lhe ofensa aos direitos; c) que o ato seja injusto, ou por omissão de um dever prescrito em lei, ou por violação do direito.” (Comentários à Constituição Federal de 1988. v.4. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1992. p. 2346)   

A interpretação oferecida pelos Tribunais, nas lides envolvendo a responsabilidade civil do Estado em acidentes de trânsito, parece não divergir do posicionamento doutrinário:

“Responsabilidade civil do Poder Público - Acidente de trânsito - carro oficial. Tratando-se de acidente de trânsito com dano material causado por veículo pertencente ao Governo Estadual, obriga-se o Estado a indenizar os danos comprovados.” (TJ-AC - Ac. 22. jul. em 23.03.92. Reex. necessário 28/91-Capital - Rel. Des. Lourival Alves da Silva)

Cumpre lembrar que a responsabilidade civil pode ser reconhecida pela Administração, independentemente de decisão judicial, não havendo óbice para que indenize o particular independentemente de processo judicial.

Sobre a possibilidade de celebrar acordo extrajudicial para indenizar particulares e a necessidade de autorização legislativa para validade do ajuste, vale conferir o teor do Prejulgado 816 do TCE-SC, senão vejamos:

“É necessário autorização legislativa específica para a efetivação de pagamento referente à indenização a particulares resultante de acordo extrajudicial, em caso de responsabilidade civil (acidente de trânsito) do ente público, quando não houver norma na legislação Federal, Estadual e Municipal, nesta incluída a Lei Orgânica do Município, regulando a adoção de forma ou procedimento a ser observado.

Nos casos em que estiver tramitando demanda judicial, o acordo, quando for conveniente à Administração Pública, deve ser submetido ao Poder Legislativo Municipal para apreciação e autorização específica ao Prefeito, em vista do princípio da indisponibilidade dos bens públicos, para posterior homologação do juízo.

Quando da apreciação de acordo judicial, se o Poder Legislativo Municipal decidir por não aprová-lo e não autorizar os pagamentos decorrentes, cumpre ao Poder Executivo exercer a defesa de seus atos até esgotados todos os recursos judiciais, usando de todos os meios legais ao seu alcance, para preservar o interesse público que se sobrepõe ao interesse de particulares.

O Poder Executivo sujeita-se aos limites constitucionais e legais de sua área de competência e aos princípios que regem o direito administrativo, dentre os quais o da supremacia do interesse público e o da indisponibilidade do interesse público, havendo por isso necessidade de lei para alienar bens, para outorgar concessões, para transigir, para renunciar direitos, etc., seja a prescrição legal, genérica ou específica autorizativa acerca da matéria (acordo extrajudicial ou judicial), considerando que os agentes do Estado somente podem praticar atos para os quais estejam autorizados por norma legal válida”.

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No mesmo sentido leciona José Nilo de Castro:

“Os Procuradores municipais e os advogados constituídos não podem praticar, em juízo, determinados atos, como transigir, desistir, firmar compromissos que gravam o Município no âmbito, nos limites e em decorrência da causa, pois aqui se revela indispensável a autorização legislativa municipal específica ao Prefeito. É que tais atos, importando em abdicação de direitos, assunção de obrigações e alienações de bens e direitos municipais, só validamente se operam com a autorização de lei especial, em vista do princípio da indisponibilidade dos bens públicos. O administrador público exerce atividade de quem não é dono, como magistralmente nos ensina Ruy Cirne Lima.” (Direito Municipal Positivo. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 354)

Ante o exposto é de se concluir que a autorização legislativa se revela necessária na medida em que os bens e interesses públicos são, em princípio, indisponíveis, contudo, é possível que a legislação municipal contenha autorização genérica para celebração de transações judiciais e extrajudiciais. Nesse caso, não haverá necessidade de autorização legislativa específica, desde que o valor da transação não ultrapasse aquele previsto na lei municipal.

Por fim, esclarecemos que questões de responsabilidade civil exigem, em regra, um conhecimento detalhado da situação concreta para que se possa emitir conclusões definitivas. Portanto, para que se decida pela possibilidade de haver indenização pela via extrajudicial faz-se necessário apurar, mediante regular processo administrativo, todas as circunstâncias que envolvem o caso enfrentado.

Sobre o autor
Robersom Walter Franco

Oficial da Polícia Militar de Minas Gerais. Bacharel em Direito. Especialista em Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Robersom Walter. Considerações sobre transação extrajudicial e responsabilidade civil do Estado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4625, 29 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46777. Acesso em: 19 dez. 2024.

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