A lide é conceituada como a pretensão resistida, ou seja, o interesse de alguém em face de outrem, que resiste em satisfazê-lo. Nesses casos, o litígio judicial visa, a partir e dentro do sistema jurídico, ensejar às partes aquilo que lhes é devido. No entanto, de regra, as partes não apresentam capacidade de postular em juízo, sendo uma prerrogativa dos advogados. Em suma, para litigar judicialmente, salvo raras exceções, necessitar-se-á de um advogado. Além disso, mesmo quando não é cogente a representação processual por meio de um procurador constituído, como em ações ajuizadas nos Juizados Especiais Cíveis ou em grande parte de ações na Justiça do Trabalho, não é insólito as partes constituírem patronos. Outrossim, mesmo que não haja lide – casos de jurisdição voluntária –, em que a atuação do Poder Judiciário é obrigatória, a presença do advogado é indispensável, assim como, em atos extrajudiciais, para que esses sejam válidos e produzam efeitos, demanda-se, igualmente, a presença de um advogado.
Por conseguinte, eminentemente, a fim de que as pessoas tenham direitos assegurados, é imprescindível a atuação dos operados do Direito, mormente dos advogados, haja vista que estes, nos termos do art. 133 da Constituição da República, são indispensáveis à administração da justiça. Nesse diapasão, a atuação qualificada dos advogados, por meio dos quais as partes manifestam-se em juízo, é essencial para o desenvolvimento do Direito e, ao fim e ao cabo, para uma qualificada prestação jurisdicional.
No entanto, atualmente, a advocacia vem sendo desvalorizada. Não é incomum escritórios em que a produção quantitativa é preponderante sobre a qualidade, demandando-se peças padrões, sem adequada análise fático-jurídica, a fim de que se garanta as manifestações em processos que o escritório atua – cumpram-se as manifestações agendadas –, mesmo que se prescinda da técnica. Isto é, há uma quantidade de processos que não coaduna com a quantidade de profissionais. Não raro, portanto, exige-se dos profissionais mais que suas próprias forças, de modo que são assoberbados de processos para acompanhar e atuar, em vez de serem contratados outros profissionais para integrar a equipe dos escritórios. Além disso, a legislação aplicável à advocacia é cabalmente desrespeitada pelos próprios operadores do Direito, não se observando a jornada própria de trabalho, o valor da hora laborativa, as horas extras, enfim, direitos básicos de qualquer profissional.
Ademais, muitos advogados percebem menos de 2 salários mínimos, conquanto apresentem, inclusive, especialização na área jurídica em que atuam. Nessa linha, em razão do quadro de desvalorização, tanto nas condições de trabalho como financeiras, muitos graduados em Direito, em que pese apreciarem o labor advocatício, visam apenas as carreiras jurídicas públicas. Quiçá, futuramente, assim como ocorre na área da educação, muitos não pretenderão mais serem advogados e, em vez do saturado mercado, haverá falta de profissionais.
Conquanto a forte atuação da OAB, em nível estadual e nacional, na tutela de direitos básicos dos advogados, assegurando direitos relevantes com a nova legislação processual – tais como, vedação de compensação de honorários e de aviltamento da verba honorária, período de férias fixado no digesto em liça, entre outros –, bem como apesar da luta por uma prestação jurisdicional que coadune com o Estado Democrático de Direito – dever de motivação pormenorizada das decisões judiciais pelos magistrados e sustentada a partir do ordenamento jurídico e da jurisprudência consolidada, por exemplo, obrigação prevista no art. 489 do Novo Código de Processo Civil –, não pode essa pessoa jurídica a sui generis, representante da classe advocatícia, vendar os olhos como se Themis fosse, para o cenário atual, no qual a legislação atinente aos advogados é flagrantemente violada em prejuízo dos próprios profissionais do Direito.
Ainda, cumpre ressaltar que a deusa da justiça Themis tinha os olhos vendados para melhor ouvir e ponderar, a fim de dizer o Direito de forma justa e adequada à realidade que lhe era trazida. Destarte, não se pode ignorar as graves mazelas que afligem milhares de advogados empregados. Não se pugna pela rejeição aos escritórios de auferirem lucro, porém, em realidade, almeja-se que os empregadores alcancem o retorno financeiro pelo seu investimento, concomitantemente, que assegurem os direitos previstos na legislação aos advogados, que, aliás, são cogentes. Se os próprios operadores do Direito não observam a lei, as bases jurídicas da sociedade mostram-se frágeis, não podendo a OAB ser inerte. Se muitos advogados empregadores violam a dignidade dos advogados empregados, a Ordem dos Advogados do Brasil, que deve tutelar a todos os advogados – empregados ou empregadores –, não pode ser silente e inoperante.
Deve haver um forte combate à desvalorização da advocacia, porquanto, como resta cristalino, desvalorizar o advogado é, em última instância, obstar uma prestação jurisdicional de qualidade. A Ordem dos Advogados do Brasil, em conjunto com o Ministério Público do Trabalho, deve investigar e combater qualquer conduta que negue direitos básicos dos advogados, que, destarte, perfectibiliza uma violação à ordem jurídica e à dignidade da pessoa humana. Não se trata de utilizar uma linguagem maniqueísta como se em uma guerra fria estivéssemos, não se trata de defender uma visão política à esquerda ou à direita, mas, sim, defender que os escritórios de advocacia respeitem seus próprios profissionais, pois todos fazem parte de uma mesma classe. Trata-se da defesa do próprio Direito, porquanto este somente se faz forte e presente com uma advocacia respeitada e com condições de realizar um trabalho qualificado.