3 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DE UMA CHANCE
Conforme já explanado anteriormente, o dano na responsabilização civil do advogado é regido pelas regras usuais da teoria da responsabilidade civil, não havendo, de forma exclusiva, regras especiais que tratam da responsabilização do advogado.
3.1 ASPECTOS GERAIS DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE
A Teoria da Perda de Uma Chance, também conhecida como la perte d’une chance, surgiu na doutrina francesa, nos anos 60, onde foi aplicada pela primeira vez em um caso que tinha por objeto a culpa médica, em que se procurava reparar a chance de cura ou sobrevivência de quem foi prejudicado.
A perte d’une chance se aplica nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, isto é, na referida teoria não se pode dizer que é o dano que está sendo imputado ao agente, mas sim a chance perdida.
Entende-se por chance a probabilidade de se obter um benefício ou de se evitar uma perda no futuro. Nas palavras do doutrinador Rafael Peteffi da Silva:
A chance representa uma expectativa necessariamente hipotética, materializada naquilo que se pode chamar de ganho final ou dano final, conforme o sucesso do processo aleatório. Entretanto, quando esse processo aleatório é paralisado por um ato imputável, a vítima experimentará a perda de uma chance de uma probabilidade de um evento favorável. Esta probabilidade pode ser estatisticamente calculada, a ponto de lhe ser conferido um caráter de certeza.[56]
A perda de uma chance se traduz, assim, na frustração da oportunidade que se tinha de obter uma vantagem ou de evitar uma perda, diante da ocorrência de conduta ilícita. Neste sentido, Sergio Cavalieri Filho ensina:
Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro a vítima, como progredir na carreira artística ou militar; arrumar um melhor emprego; deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de obter um lucro ou de se evitar uma perda.[57]
O avanço nas estatísticas e a mensuração de riscos contribuíram para a aceitação de que a incerteza é parte integral do Direito, através do qual se permitiu explorar melhor a qualificadora da incerteza no âmbito da responsabilidade civil, no sentido a aumentar os danos reparáveis, por se tratarem de fatos contemporâneos, relacionados a tudo que toda pessoa se importa: segurança, certeza, confiança.
O autor do dano na perda de uma chance é responsabilizado não por ter causado um dano direto à vítima, mas sim de tê-la privado da obtenção da oportunidade de chance de um resultado favorável ou de privá-la de evitar um prejuízo futuro. Em outras palavras, o que se indeniza não é a perda da vantagem esperada pela vítima, mas sim a perda da chance de obter a vantagem ou de se evitar a perda.
A utilização da perda de uma chance é observada tanto nos danos advindos do inadimplemento contratual, quanto nos ilícitos extracontratuais, bem como nas hipóteses regidas pela responsabilidade subjetiva e pela responsabilidade objetiva.
Silvia Vassilieff[58] entende que a perda de uma chance em si não é dano, mas sim omissão profissional, ou seja, a chance perdida pode ser a causa do dano, porém não constitui o próprio dano.
As perdas de chances ou probabilidades estão presentes cada vez mais na vida das pessoas. O cotidiano apresenta inúmeras situações probabilísticas que dependem do acaso. Contudo, apesar de a probabilidade ser algo aleatório, a perda de uma chance deve ensejar um dano sério e real, que proporcione à vítima efetivas condições de concorrer à situação futura desejada.
Para que a chance perdida seja reparável é preciso verificar em cada caso se o resultado favorável seria razoável ou se não passaria de mera possibilidade aleatória. É nesse momento que o magistrado, através do princípio da razoabilidade, deve saber diferenciar o improvável do quase certo. Nesse sentido, Sergio Cavalieri Filho ensina:
[...] devem-se valorar as possibilidades que o sujeito tinha de conseguir o resultado para ver se são ou não relevantes para o ordenamento. Essa tarefa é do juiz, que será obrigado a fazer, em cada caso, um prognóstico sobre as concretas possibilidades que o sujeito tinha de conseguir o resultado favorável.[59]
Definitivamente, a teoria da perda de uma chance não significa banalizar o instituto da responsabilidade civil, uma vez que não se visa reparar toda e qualquer chance perdida, tendo em vista que, conforme mencionado, o limite fica determinado àquelas chances caracterizadas como sérias e reais. Sergio Cavalieri Filho[60] entende que só será indenizável se houver a probabilidade de sucesso superior a cinquenta por cento.
Sérgio Savi,[61] pautado na doutrina italiana, defende que a chance perdida é uma espécie de dano autônomo, não sendo reparáveis as causas em que a probabilidade de se obter a vantagem final esperada for menos que 50% (cinquenta por cento).
Entretanto, não quer dizer que as causas inferiores a 50% (cinquenta por cento) ficarão sem ser apreciadas, mas que deverão ser analisadas com rigor redobrado, uma vez que não há grande diferença entre uma chance equivalente a 49% (quarenta e nove por cento) e outra igual a 50% (cinquenta por cento).
Os elementos que configuram a chance perdida são a conduta do agente, o resultado perdido (caracterizado como o dano), e o nexo causal entre a conduta do agente e a chance que foi perdida. Imperioso ressaltar que o nexo de causalidade deve ser aquele relacionado entre a conduta do agente e a chance perdida e não em relação à conduta e o resultado final, uma vez que este é incerto, enquanto aquele poderia ter sido alcançado se não fosse a conduta ilícita do agente.
Em nosso ordenamento jurídico pátrio, o estudo e aplicação da teoria da perda de uma chance na responsabilidade civil ficam limitados à doutrina e jurisprudência, uma vez que o atual Código Civil não fez nenhuma referência a essa teoria. Contudo os pressupostos que caracterizam a responsabilidade civil abrangem também a teoria em comento, uma vez que se encontram presentes a conduta, o dano, o nexo de imputação e o nexo de causalidade. Sendo assim, observando os artigos 186, 187, 402, 927 e 949 do Código Civil de 2002, bem como o artigo 5º, inciso V, da Constituição Federal. Pode-se concluir que apesar de não haver nenhum dispositivo especifico na legislação brasileira, o intérprete poderá se valer da analogia adequando a legislação ao caso concreto, uma vez que a vítima tem o direito de ter seu dano reparado por aquele que lhe deu causa.
Com efeito, para realizar a reparação do dano será necessário calcular o grau da probabilidade da chance perdida, uma vez que será esse grau de probabilidade que determinará o valor definido para a reparação, tendo em vista que a chance de vitória sempre terá um valor menor que a vitória futura, distanciando o dano incerto da necessidade de reparação integral. Dessa forma, os tribunais pátrios têm adotado a tese de que quando houver a perda de uma chance, o que se deve indenizar é a perda da oportunidade.
Nessa linha de raciocínio, Sergio Cavalieri Filho dispõe:
No caso do advogado que perde o prazo para recorrer de uma sentença, por exemplo, a indenização não será pelo benefício que o cliente do advogado teria auferido com a vitória da causa, mas pelo fato de ter perdido essa chance; não será pelo fato de ter perdido a disputa, mas pelo fato de não ter podido disputar.[62]
Portanto, o que deve ser objeto de indenização é a perda da chance de obter o resultado favorável esperado, uma vez que a chance perdida é um prejuízo certo, enquanto o resultado final é incerto, estaria dessa forma perdendo um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo.
O quantum debeatur deverá ser fixado pelo juiz de forma equitativa, com base na lei, doutrina e jurisprudência, bem como no princípio da proporcionalidade ao estabelecer o valor devido à vítima, e também no princípio da razoabilidade fazendo uma avaliação do grau da área que a chance alcançaria no momento em que o fato ocorreu, pois esta chance possui um valor pecuniário e, por mais difícil que seja quantificá-la, ela deverá ser indenizada.
O julgado exemplar que bem ilustra o uso adequado da teoria da perda de uma chance no que tange ao quantum debeatur é o caso do programa de televisão que ficou conhecido como “Show do Milhão”, que se tratava de um concurso onde o participante a medida que fosse respondendo corretamente as perguntas que lhe eram feitas poderia chegar ao prêmio de um milhão de reais. De modo que a candidata já havia conquistado o prêmio de quinhentos mil reais e a última pergunta, caso respondida corretamente, a levaria ao prêmio máximo de um milhão. Contudo a empresa organizadora do programa formulou erroneamente uma pergunta onde não admitia resposta correta, uma vez que as quatro opções de respostas estavam incorretas. Diante da situação a participante optou por não responder a pergunta e garantir a premiação já conquistada.
Contudo, ao sair do programa, ajuizou demanda requerendo a indenização com base nos danos morais e materiais, que totalizava o montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) com o argumento de que, se a pergunta tivesse sido formulada corretamente, teria conquistado a premiação total. A ré alegou que a chance da autora ter respondido corretamente, caso a pergunta tivesse sido formulada de maneira correta, seria de apenas 25% (vinte e cinco por cento), baseando sua alegação apenas em critério matemático, uma vez que havia quatro alternativas de resposta.
O ministro Relator do acórdão, Fernando Gonçalves, acolheu o pedido formulado pela ré, diminuindo a indenização para o valor de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), pois seria correspondente ao percentual de chances que a autora teria ao responder a pergunta formulada de maneira adequada, com isso foi afastado o enriquecimento ilícito de uma parte perante a outra.
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido.[63]
Dessa forma aplicou-se corretamente a teoria da perda de uma chance no que diz respeito ao quantum indenizatório, tendo em vista que diante a má formulação da pergunta ocorreu um dano que deveria ser indenizado, contudo limitou a indenização ao percentual de chances de acerto da questão. Imperioso ressaltar que neste caso específico foi aplicado a teoria em uma situação com menos de 50% (cinquenta por cento) de obtenção de êxito, indo de encontro ao entendimento de alguns doutrinadores que só reconhecem a aplicação da teoria em casos em que a chance seja superior aos cinquenta por cento.
A Teoria da Perda de Uma Chance concerne em reconhecer uma nova categoria de dano passível de indenização. Dano autônomo e fundado na perda da chance de alcançar um resultado esperado.
Com efeito, muito se discute sobre a natureza jurídica da perda de uma chance, tratando-se de uma questão bastante controvertida, tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Tendo em vista que em muitas oportunidades a indenização é concedida a título de dano moral, ou a título de dano material, ou a título de lucros cessantes. Há, ainda, uma forte corrente doutrinária que, diante da dificuldade de adequar a perda de uma chance como dano emergente ou lucro cessante, tendo em vista que há de considerar a probabilidade e não a certeza em se obter o resultado desejado, entende se tratar de uma terceira espécie de indenização, sendo o meio termo entre o dano emergente e o lucro cessante, e, a cada caso concreto, haveria uma análise, baseada em critérios uniformes, diferenciando a mera probabilidade da probabilidade.
Nesse sentido Sergio Cavalieri já se manifestou, baseando-se nos entendimentos de Sérgio Savi:[64]
[...] a perda de uma chance deve ser considerada em nosso ordenamento jurídico uma subespécie de dano emergente. Sustenta que a chance deve ser considerada uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre lesão e que, ao inserir a perda de uma chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial)... Assim, não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado perdido e a chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo.[65] (Grifo nosso).
Conforme já dito alhures, a jurisprudência ainda não firmou entendimento sobre a natureza jurídica da teoria da perda de uma chance, havendo até situações em que ela é concedida como a perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de se obter a vantagem, transformando a chance em realidade.
Um importante julgado a ser mencionado no que se refere a aplicação da teoria da perda de uma chance, trata-se do caso que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu a indenização por danos materiais pela perda da chance de um candidato a vereador (Carangola-MG), exercer tal cargo legislativo, visto que não foi eleito por falta de oito votos, devido a uma notícia falsa divulgada pela rádio local de que a sua candidatura havia sido impugnada.
O Tribunal decidiu, com base nas provas contidas nos autos, pela existência da conduta ilícita por parte daqueles que noticiaram a falsa notícia, privando da oportunidade, bastante concreta e provável, do candidato se eleger vereador, conforme se observa do referido julgado abaixo:
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. Recurso Especial. 1) NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL AFASTADA. 2) PERDA DE CHANCE QUE GERA DEVER DE INDENIZAR. 3) CANDIDATO A VEREADOR, SOBRE QUEM PUBLICADA NOTÍCIA FALSA, NÃO ELEITO POR REDUZIDA MARGEM DE VOTOS. 4) FATO DA PERDA DA CHANCE QUE CONSTITUI MATÉRIA FÁTICA NÃO REEXAMINÁVEL PELO STJ. I.- Os Embargos de Declaração são corretamente rejeitados se não há omissão, contradição ou obscuridade no acórdão embargado, tendo a lide sido dirimida com a devida e suficiente fundamentação. II.- As Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte vêm reconhecendo a possibilidade de indenização pelo benefício cuja chance de obter a parte lesada perdeu, mas que tinha possibilidade de ser obtida III.- Aplica-se a teoria da perda de uma chance ao caso de candidato a Vereador que deixa de ser eleito por reduzida diferença de oito votos após atingido por notícia falsa publicada por jornal, resultando, por isso, a obrigação de indenizar. IV.- Tendo o Acórdão recorrido concluído, com base no firmado pelas provas dos autos, no sentido de que era objetivamente provável que o recorrido seria eleito vereador da Comarca de Carangola, e que esse resultado foi frustrado em razão de conduta ilícita das rádios recorrentes, essa conclusão não pode ser revista sem o revolvimento do conteúdo fático-probatório dos autos, procedimento vedado em sede de Recurso Especial, nos termos da Súmula 7 desta Corte. V.- Recurso Especial improvido.[66]
Citando outro julgado, a mesma Turma do STJ afirmou que a perda de uma chance se aplica tanto aos danos morais quanto aos danos materiais, senão vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DE ADVOGADO PELA PERDA DO PRAZO DE APELAÇÃO. TEORIA DA PERDA DA CHANCE. APLICAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. ADMISSIBILIDADE. DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO. NECESSIDADE DE REVISÃO DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7, STJ. APLICAÇÃO. - A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. - Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frustra as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de “uma simples esperança subjetiva”, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. - A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. - A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial. - A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula 7, STJ. - Não se conhece do Especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula 283, STF. Recurso Especial não conhecido.[67]
Apesar dos equívocos apresentados na tentativa se aplicar a teoria da perda de uma chance, deve-se ressaltar o quanto ela vem sendo utilizada e o aumento da sua aplicabilidade na jurisprudência brasileira. Ela vem tendo atuação em várias áreas, tais como: no campo trabalhista, no âmbito da medicina, nos casos que envolvem a atuação do advogado, etc.
Com efeito, entende-se ser a melhor solução tratar a teoria da perda de uma chance como uma terceira espécie intermediária de dano, não se confundindo com lucros cessantes devido a certeza da vitória futura, mas sim com o dano emergente, em razão da atual possibilidade de se obter a vitória que restou frustrada.
Percebe-se que a aplicação da teoria da perda de uma chance é uma nítida manifestação de que o Direito passou a considerar a incerteza como parte integrante da solução dos complexos e probabilísticos conflitos sociais.
O desenvolvimento da responsabilidade civil afetou todas as esferas de responsabilidade, como no caso de responsabilidade civil do advogado. Dessa forma, mais adiante, o estudo se direciona a trabalhar com a hipótese de que a responsabilidade civil do advogado sofre reflexos da teoria da perda de uma chance.
3.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO PELA PERDA DE UMA CHANCE
No âmbito da responsabilidade civil há várias hipóteses de perda de uma chance, entretanto, o que se destaca no meio jurídico é a responsabilidade do advogado no exercício da profissão, que atuando de forma dolosa ou culposa[68], ou seja, de forma negligente, haverá o dever de indenizar, desde que fique demonstrado o nexo de causalidade entre a conduta do advogado e o dano sofrido pelo cliente.
A responsabilidade civil do advogado na perda de uma chance apresenta dificuldade em seus três pressupostos: na configuração do ato ilícito, ou seja, na violação pelo advogado de um dever preexistente, na constatação da existência do prejuízo e no reconhecimento do nexo de causalidade entre a ilicitude e o dano.
No exercício da profissão, o advogado pode causar danos ao seu próprio cliente. Entre as formas de causar dano, uma bastante peculiar é a perda de uma chance de o cliente ver sua pretensão examinada pelo órgão julgador de primeiro grau ou de ter a decisão reformada em instâncias superiores, em decorrência de ato ou omissão do advogado.
O exemplo clássico é do advogado que perde o prazo para recorrer, ocasião em que o cliente perde a chance de ver a decisão de primeiro grau modificada pelo tribunal superior. Na perda de uma chance não se saberá qual o resultado teria o julgamento se o ato tivesse sido praticado, nunca se terá certeza se, caso o advogado tivesse interposto o recurso no prazo, que a decisão iria ser reformada a seu favor, ou não.
Partindo da premissa que determinado recurso, que não fora ajuizado, seria acolhido na instância superior, se conclui que o cliente foi prejudicado pela conduta negligente do advogado, devendo, portanto, indenizar o seu cliente do prejuízo causado, uma vez que devido a sua falta de diligência ele impediu que o cliente tivesse a chance de ter a decisão reformada a seu favor. Contudo, é impossível saber, com a certeza absoluta, qual o resultado verdadeiramente teria o julgamento do recurso, pelo simples fato de que não houve e nem haverá tal julgamento.
A responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance não se limita somente aos casos de perda de prazo para interpor recurso, mas também na hipótese de esquecimento de propor uma ação antes do prazo decadencial ou prescricional, situação em que o cliente perde a chance de ver a pretensão da ação examinada pelo Poder Judiciário; ainda quando o mesmo deixa de formular pedido essencial para o alcance da pretensão do seu cliente; ou quando o advogado deixa de requerer prova indispensável para o acolhimento de determinado pedido; quando o profissional da advocacia não promove a restauração dos autos; ou quando não apresenta contra-razões do recurso; quando o advogado não comparece à sessão de julgamento no tribunal para a sustentação oral ou quando em determinadas circunstâncias o advogado não propõe a ação rescisória, etc.
Em todos estes casos aplica-se a teoria da perda de uma chance, pois se trata de situações em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor. Essa perda de uma chance é caracterizada, quando em virtude da conduta do advogado, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para o seu cliente.
Sílvia Vassilieff manifesta no sentido de que:
O prejuízo decorrente da perte d’une chance não é dano futuro, mas atual, pois o resultado que poderia ser alcançado no futuro não mais o poderá ser, tendo em vista a perda da oportunidade, que pela não propositura da demanda e sua consequente prescrição ou decadência do direito do cliente, quer pela perda do prazo processual que resulta em preclusão, tal qual a não interposição de recurso, entre outras hipóteses.[69]
Imperioso ressaltar que o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima é imprescindível para caracterizar a responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance, tendo em vista que sem causalidade não há responsabilidade civil, motivo pelo qual deve ser fixado o nexo causal entre o ato ilícito praticado pelo advogado e a chance perdida por seu cliente. Mister frisar que a causalidade a ser provada deve ser entre a conduta ilícita e a perda da oportunidade.
Sergio Novais Dias defende a aplicação, nos casos de perda de uma chance, da teoria da causalidade adequada, na qual ele aduz que será necessário, por parte do magistrado, um prognóstico a posteriori entre o ato e as consequências, no objetivo de fixar o nexo de causalidade. Sobre o tema o referido autor ensina:
Constatada a existência do dano, bem como a falta cometida pelo advogado que causou a perda de uma chance, o estudo que se segue, importante e complexo, é o exame do nexo de causalidade. Caberá ao juiz decidir se o dano ocorrido decorreu realmente – num juízo de probabilidade – do ato ou omissão do advogado. Será preciso, pois, reexaminar, detida e minuciosamente, a questão que seria posta a julgamento para verificar, à luz da lei, da doutrina e da jurisprudência, se era provável o êxito da pretensão do cliente.[70]
Com efeito, para mensuração do valor probabilístico imputado ao agente causador do dano devem ser considerados pelo julgador todos os aspectos que envolvem o caso concreto e antecedem a perda da oportunidade, tais como: prescrição e decadência, jurisprudência majoritária da época dos fatos, e tudo mais que possa influenciar na chance do cliente obter sucesso em sua pretensão, variando suas chances de zero a 100% (cem por cento), tendo em vista que se for possível assegurar a chance de cem por cento, a vantagem final seria alcançada, indenizando, dessa forma, o próprio dano final, ressalta-se com isso que o valor da chance perdida jamais poderá ser igual ou maior do que a vantagem final. Pode o magistrado inclusive recorrer à probabilidade, quantificando a chance perdida pelo resultado do valor probabilístico multiplicado pelo valor do dano final.
Por mais que seja difícil quantificar a indenização pela perda de uma chance, não pode se afastar o dever de repará-la.
Tais circunstâncias fático-jurídicas que sustentam a pretensão do cliente é feita pelo próprio advogado antes mesmo da celebração do contrato dos serviços advocatícios, uma vez que se trata do seu dever profissional aconselhar à parte a não ingressar em aventura judicial, bem como advertir os clientes dos riscos inerentes à demanda.[71]
Em relação ao campo de estudo em comento, mister ressaltar os efeitos da Súmula Vinculante[72] na responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance.
Dessa forma, o advogado, a fim de defender os interesses de seu cliente, deve ter conhecimento a respeito de tais súmulas, sob pena de ver a incerteza de sua prestação advocatícia, uma vez que se houver uma decisão proferida em sentido contrário ao que dispõe uma súmula vinculante cabe ao advogado pleitear a reforma da decisão. Contudo se não o fizer, ocorrerá na hipótese de lucro cessante, haja vista o caráter de certeza que a causa seria procedente com a aplicação da súmula vinculante.
Noutro giro, em decisões contrárias a sumula vinculante cabe a propositura de ação rescisória. Sendo assim, o advogado que age de forma negligente na defesa de seu cliente ainda pode afastar sua responsabilidade civil, por lucros cessantes ou perda de uma chance, oferecendo a seu cliente a propositura de ação rescisória.[73]
Ante todo o exposto, defende-se a aplicação da teoria da perda de uma chance na reparação de danos que são efetivamente potenciais e prováveis, derivando diretamente da conduta omissiva (como regra) do advogado que não atua com diligência e prudência profissional ocasionando vários prejuízos ao cliente, gerando o dever de indenizá-los.
Com efeito, sabe-se que o advogado deve defender o seu cliente com o máximo de atenção, técnica, prudência e zelo, devendo utilizar-se de todo seu conhecimento técnico e de sua capacidade profissional na defesa da causa, contudo não se obriga com o resultado da ação proposta, uma vez que assume a obrigação de meio. Desse modo não há que lhe imputar a obrigação de reparar o valor que estaria ligado ao resultado da causa.
Rafael Peteffi da Silva[74] comenta que a aplicação da teoria da perda de uma chance no campo contencioso é recorrente, uma vez que o juiz é o próprio perito da causa, não necessitando de laudos externos para embasar o seu convencimento, mas deve julgar sempre fundamentado na jurisprudência da época dos fatos.
Assim, cabe ao magistrado analisar cada caso concreto a fim de estabelecer as situações que configuram a responsabilidade do advogado pela perda de uma chance, aplicando os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, e com base na lei, na doutrina e jurisprudência, fazer um juízo de probabilidade do resultado dos julgamentos.
3.3 A PERSPECTIVA ATUAL DA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA
Antigamente os profissionais liberais, entre eles os advogados, estiveram afastados das ações indenizatórias, tendo em vista o insuficiente desempenho dos profissionais em suas atividades. Com a constante evolução da sociedade contemporânea os tribunais brasileiros vêm verificando um significativo aumento do número de ações de responsabilidade civil em face dos advogados por danos causados no exercício de suas atividades profissionais.
Devido a baixa qualidade das prestações dos serviços advocatícios os clientes prejudicados têm recorrido ao Poder Judiciário, exigindo a reparação civil pelos prejuízos sofridos. Importante mencionar que são vários os motivos que acarretaram essa mudança, entre eles pode se frisar a mercantilização da atividade da advocacia, tendo em vista a abertura de vários cursos universitários por todo o país, gerando uma queda na qualidade do ensino jurídico brasileiro.
O primeiro julgado acerca da perda de uma chance no âmbito da advocacia, no Brasil, foi em 1991, do então Desembargador Ruy Rosado de Aguiar Júnior em que ele versava sobre o caso de um advogado que havia intentado uma demanda judicial e nunca mais a impulsionou, deixando de informar, durante anos, seu cliente sobre o extravio dos autos. O acórdão está assim ementado: “RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. PERDA DE UMA CHANCE. Age com negligência o mandatário que sabe do extravio dos autos do processo judicial e não comunica o fato à sua cliente nem trata de restaurá-los, devendo indenizar à mandante pela perda da chance”. Na apreciação da Apelação Cível nº. 591064837 – 5ª Câmara Cível, TJRS [julgada em 29/08/1991]. Em seu voto o Relator não escondeu a influência do direito francês em sua decisão, reconheceu a negligência do advogado, fazendo com que a autora perdesse a chance de ver a sua ação apreciada pelo Tribunal e, com isso, sofresse um dano decorrente da chance perdida. Segue trecho do voto do relator, o qual fundamenta a decisão pela indenização da chance perdida:
“Não lhe imputo o fato do extravio, nem asseguro que a autora venceria a demanda, mas tenho por irrecusável que a omissão da informação do extravio e a não restauração dos autos causaram à autora a perda de uma chance e nisso reside o seu prejuízo. Como ensinou o Prof. François Chabas: ‘Portanto, o prejuízo não é a perda da aposta (do resultado esperado), mas da chance que teria de alcançá-la’ (‘La Perte d´une chance em Droit Français’, conferência na Faculdade de Direito da UFRGS em 23.5.90) [...] a álea integra a responsabilidade pela perda de uma chance. Se fosse certo o resultado, não haveria a aposta e não caberia invocar este princípio específico da perda de chance, dentro do instituto da responsabilidade civil.
Isto posto, estou em negar provimento ao apelo para manter a sentença de procedência, esclarecendo que a fixação da indenização, através de arbitramento, em liquidação de sentença, deverá atentar para o fato de que o dano corresponde apenas à perda da chance”.[75]
Desde a introdução da teoria da perda de chance no Brasil, em 1990, constata-se um desenvolvimento satisfatório e sistematizado em sua aplicação na responsabilidade civil do advogado pela jurisprudência.
No REsp nº. 1.190.180, Relator o Ministro Luis Felipe Salomão, a Quarta Turma do STJ aplicou com maestria a teoria da perda de uma chance em relação ao advogado, senão vejamos:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOCACIA. PERDA DO PRAZO PARA CONTESTAR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS FORMULADA PELO CLIENTE EM FACE DO PATRONO. PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. 1. A teoria da perda de uma chance (perte d'une chance) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Nesse passo, a perda de uma chance - desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética - é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro.2. Em caso de responsabilidade de profissionais da advocacia por condutas apontadas como negligentes, e diante do aspecto relativo à incerteza da vantagem não experimentada, as demandas que invocam a teoria da "perda de uma chance" devem ser solucionadas a partir de uma detida análise acerca das reais possibilidades de êxito do processo, eventualmente perdidas em razão da desídia do causídico. Vale dizer, não é o só fato de o advogado ter perdido o prazo para a contestação, como no caso em apreço, ou para a interposição de recursos, que enseja sua automática responsabilização civil com base na teoria da perda de uma chance. É absolutamente necessária a ponderação acerca da probabilidade - que se supõe real - que a parte teria de se sagrar vitoriosa. 3. Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da "perda de uma chance", condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais. 4. Recurso especial conhecido em parte e provido.[76]
Situação recorrente observada na jurisprudência é a responsabilização do advogado pela não propositura da ação antes de consumado o prazo prescricional. Esse foi o caso da AC 70053515631, no TJRS, onde a advogada não propôs a ação de cobrança de seguro e o prazo prescricional se consumou, conforme se verifica:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE E POR DANO MORAL. MANDATO. ADVOGADA. NEGLIGÊNCIA E IMPERÍCIA. A teoria da perda de uma chance trabalha com a possibilidade decorrente da chance perdida, e não com o benefício que a parte deixou de auferir, em razão da perda da chance. Assente a negligência e a imperícia que laborou a advogada/ré no patrocínio dos interesses do cliente/autor, na ação de indenização por acidente de trabalho, ao ajuizar tal demanda quando já prescrito o direito de ação, e, ao apresentar recurso intempestivo contra a sentença que decretou a prescrição. Conduta culposa da advogada que gera o dever de indenizar, pela perda de uma chance e por dano moral. Sentença de improcedência reformada. Ação julgada parcialmente procedente. PREQUESTIONAMENTO. Não cabe ao julgador apreciar cada ponto de vista da parte, manifestar-se sobre cada artigo de lei invocado, mas sim expor com clareza os fundamentos da decisão. Inteligência do art. 131 do CPC. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.[77]
Ainda, é importante trazer o entendimento do STJ para melhor elucidar a teoria da perda de uma chance, bem como o alvo do campo de atuação do presente estudo, assim dispondo:
A teoria de perda de uma chance (perte dune chance) dá suporte à responsabilização do agente causador, não de dano emergente ou lucros cessantes, mas sim de algo que intermedeia um e outro: a perda da possibilidade de buscar posição jurídica mais vantajosa que muito provavelmente alcançaria se não fosse o ato ilícito praticado. Dessa forma, se razoável, séria e real, mas não fluida ou hipotética, a perda da chance é tida por lesão às justas expectativas do indivíduo, então frustradas. Nos casos em que se reputa essa responsabilização pela perda de uma chance a profissionais de advocacia em razão de condutas tidas por negligentes, diante da incerteza da vantagem não experimentada, a análise do juízo deve debruçar-se sobre a real possibilidade de êxito do processo eventualmente perdida por desídia do causídico. Assim, não é só porque perdeu o prazo de contestação ou interposição de recurso que o advogado deve ser automaticamente responsabilizado pela perda da chance, pois há que ponderar a probabilidade, que se supõe real, de que teria êxito em sagrar seu cliente vitorioso. Na hipótese, de perda do prazo para contestação, a pretensão foi de indenização de supostos danos materiais individualizados e bem definidos na inicial. Por isso, possui causa de pedir diversa daquela acolhida pelo tribunal a quo que, com base na teoria da perda de uma chance, reconheceu presentes danos morais e fixou o quantum indenizatório segundo seu livre arbítrio. Daí, é forçoso reconhecer presente o julgamento extra petita, o que leva à anulação do acórdão que julgou a apelação.[78]
Em pouco mais de vinte anos, desde a introdução da teoria da La perte d’une chance no Brasil, a jurisprudência se desenvolveu no que tange à qualidade com que se aprecia a responsabilidade civil do advogado na teoria da perda de uma chance, não deixando dúvidas sobre a aceitação e aplicabilidade dessa teoria no direito brasileiro.
Por todo o exposto, e sem a pretensão de esgotar as hipóteses, ficaram demonstradas algumas situações que podem ensejar a responsabilidade civil do advogado na teoria da perda de uma chance.
3.3.1 Da Região Sudeste
Nesta fase, a área de pesquisa da jurisprudência ficará restrita a região Sudeste do Brasil, haja vista se tratar da região em que o presente trabalho foi pesquisado e produzido.
O primeiro caso demonstra o exemplo clássico da responsabilidade do advogado na perda de uma chance por perder o prazo de interpor recurso, gerando a necessidade de reparação civil pelos danos morais causados ao cliente. Com esse entendimento, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou uma advogada a pagar indenização de R$ 2.000,00 (dois mil reais) por danos morais e R$ 500,00 (quinhentos reais) por danos materiais a uma estudante de Direito por não ter apresentado a tempo recurso administrativo contra a correção de um Exame de Ordem.
A estudante foi reprovada na segunda fase da prova por três décimos. Por achar que merecia 1,2 ponto a mais, contratou a advogada para apresentar um recurso administrativo na comissão de exames com o objetivo de ter sua prova revisada. Mais tarde, a autora descobriu que a profissional contratada perdera o prazo recursal.
O juízo de primeira instância determinou que a advogada pagasse R$ 500 (quinhentos reais) por danos materiais, equivalente ao valor que a aluna pagou pelo serviço. Insatisfeita, a cliente recorreu ao TJ-MG, alegando que sofrera danos morais “pela perda da chance em exercer a advocacia”. Os desembargadores rejeitaram esse argumento, concluindo que o recurso não era suficiente para a candidata ter a certeza de que iria alcançar o que pretendia.
O colegiado, por outro lado, avaliou que a advogada tinha o dever de meio, ou seja, deveria empregar com diligência seus conhecimentos para o sucesso da causa. “É inequívoco o dano de natureza psíquica que a atitude da ré, ora apelada, causou à autora, ora apelante, pois esta última, tendo sido desclassificada do exame para o qual prestou por margem ínfima, naturalmente passou a crer na possibilidade de reversão de tal resultado com base nas informações que lhe foram prestadas pela ré”, afirmou o relator, desembargador Rogério Medeiros. Para ele, o advogado “é uma espécie de juiz da causa” quando informa ao cliente a possibilidade ou não de êxito na propositura de uma determinada medida judicial ou administrativa. Se quem ele representa confiou nas informações, o representante não pode perder prazos ou desistir da medida sem avisá-lo.
Segue abaixo o acórdão mencionado alhures:
EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL, MORAL E POR PERDA DE UMA CHANCE - NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO JUNTO Á OAB POR PROFISSIONAL DE ADVOCACIA - DANO MORAL CONFIGURADO - VALOR DA CONDENAÇÃO - PARÂMETROS - PERDA DE UMA CHANCE - INCERTEZA DO ÊXITO - SENTENÇA MONOCRÁTICA PARCIALMENTE REFORMADA.
- A perda de prazo recursal constitui falha grave por parte do advogado contratado, ensejando reparação civil pelos danos morais causados- A fixação do valor devido a título de indenização por danos morais deve se dar com prudente arbítrio, para que não haja enriquecimento à custa do empobrecimento alheio, mas também para que o valor não seja irrisório.- Não há que se falar em condenação da parte ré à autora, em razão da perda de uma chance desta última, quando não está claro que com a interposição do recurso para o qual a primeira delas foi contratada pela segunda, implicaria necessariamente em êxito desta última no que concerne ao exame prestado pela mesma no Exame da OAB.[79]
Em outro julgado, o TJSP verificou a responsabilidade civil do advogado por perda de uma chance decorrente de sua negligência em não promover a restauração de autos extraviados, conforme se expressa:
Mandato Desídia imputada a advogado que não ajuizou ação para o qual foi constituído por haver perdido os documentos essenciais à propositura da demanda ? Perda de uma chance Inocorrência de prescrição na hipótese Ação proposta antes do triênio legal previsto no art. 206, §3º, V do CC/02 ? Indenização que era mesmo de rigor Valor fixado, todavia, que comporta redução em 30% ? Recurso parcialmente provido. 1. Pratica ato ilícito e deve indenizar o dano o advogado que é constituído para ajuizar ação, perde os documentos entregues pelo cliente e não propõe a demanda, ocultando o extravio por cinco anos e ensejando perecimento do direito do contratante. 2. Aplicação da teoria da perda de uma chance, isto é, a perda da possibilidade de se alcançar situação mais vantajosa ou menos prejudicial - que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. 3. O valor da indenização pode corresponder, ou não, ao montante efetivamente perdido, dependendo da maior ou menor probabilidade de que o ganho ocorreria, não tivesse havido a atuação injurídica que o suprimiu. 4. No caso presente, impõe-se fator de redução de 30% sobre o proveito final almejado, dada a álea inerente a toda demanda judicial e considerando a inexistência de elementos seguros indicativos de que a ação, fosse ajuizada, seria com certeza acolhida.[80]
No caso a seguir, o TJMG afirmou que o advogado, no patrocínio de seu cliente, não é obrigado a interpor recurso contra toda e qualquer decisão desfavorável, cabendo-lhe a análise da conveniência e viabilidade da prática de tal ato. E decidiu: “não sendo conhecido o recurso em razão da interposição extemporânea, cabível a indenização do patrocinado pela perda da chance”, senão vejamos:
EMENTA: INDENIZAÇÃO. ADVOGADO. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO APÓS O ESGOTAMENTO DO PRAZO. VIABILIDADE DO APELO EVIDENCIADA PELA DELIBERAÇÃO DE RECORRER. ELABORAÇÃO DA PEÇA PROCESSUAL PELO ADVOGADO. NEGLIGÊNCIA QUANDO DA PROCOLIZAÇÃO. PERDA DE UMA CHANCE.I - Nos termos do art.514, II, do CPC, ao apelante incumbe apresentar, em suas razões recursais, fundamentação consonante ao que restou decidido na sentença, pena de não conhecimento do pedido recursal, por ausência de regularidade formal.II - O advogado, no patrocínio de seu cliente, não é obrigado a interpor recurso contra toda e qualquer decisão desfavorável, cabendo-lhe a análise da conveniência e viabilidade da prática de tal ato; no entanto, evidenciada, pela própria elaboração e protocolização da peça recursal, a opção por recorrer, e não sendo conhecido o recurso em razão da interposição extemporânea, cabível a indenização do patrocinado pela perda da chance de ver revertida condenação pela prática de ilícito militar.[81]
Em outro julgado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais manteve a condenação por perda de uma chance enquadrada como danos morais em uma Apelação Cível, no qual assim menciona:
INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. AÇÃO REVISIONAL DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. FEITO EXTINTO POR ABANDONO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS.
- A responsabilidade civil do advogado é subjetiva, de acordo com o que preceitua o art. 14, § 4º, CDC. Ademais, a obrigação assumida pelo profissional do direito é de meio e não de resultado.
- Demonstrada a manifesta negligência do advogado no cumprimento do mandato e na prestação dos serviços contratados, impõe-se a reparação pelos danos morais suportados.- O arbitramento econômico do dano moral deve ser realizado com moderação, em atenção à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, proporcionalmente ao grau de culpa e ao porte econômico das partes, não se olvidando também a tese punitiva acerca da responsabilidade civil, que visa desestimular o ofensor a repetir o ato.[82]
Por falhas cometidas pelo advogado, indo contra os interesses do cliente, o órgão julgador entendeu que houve desídia na prestação do serviço. Assim, a obrigação de indenizar se deu pelo fato do advogado ter atuado com negligência.
Imperioso frisar que cabe ao interessado provar a desídia do patrono na atividade laboral contratada para que consiga obter a indenização pela perda de uma chance. Desta forma, se o cliente tiver a intenção de responsabilizar o advogado por perder o prazo de interposição de recurso, é indispensável que demonstre os requisitos que configure a culpa do profissional.
Em que pese a doutrina ser quase unânime em relação a teoria da perda de uma chance na esfera da advocacia, a jurisprudência vem aumentando consideravelmente no que se refere a aplicação da teoria da perte d’une chance nos casos de responsabilização do advogado que não presta os seus serviços no devido tempo, subtraindo a oportunidade de seu cliente ter sua pretensão analisada por outro órgão do judiciário.
O próximo caso trata-se de uma apelação cível do TJRJ, em que o autor pleiteava indenização a título de dano moral por não ter sido notificado pelo seu patrono sobre o teor da sentença em que lhe foi desfavorável. O desembargador entendeu que “não se vislumbra dano moral indenizável, uma vez que a falta de notificação do cliente pelo advogado, sobre o teor da sentença de improcedência do pedido, e mesmo a ausência de interposição do recuso cabível, não geram a ofensa extra patrimonial alegada”, conforme se dispõe:
APELAÇÃO CÍVEL. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. CONDUTA DO ADVOGADO. OBRIGAÇÃO DE MEIO. AUSÊNCIA DE RECURSO. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. INAPLICABILIDADE. DANOS MATERIAIS E MORAIS. INEXISTÊNCIA. 1. O caso em testilha trata de típica situação de obrigação de meio, aquela em que o devedor se obriga a utilizar sua habilidade, técnica, conhecimento, prudência e diligência para alcançar o sucesso da empreitada, mas não o garante ao credor, o que não dispensa o profissional de agir diligentemente, visando à consecução do contrato. Precedentes deste Tribunal. 2. O advogado não é obrigado a interpor qualquer recurso se estiver convencido de seu descabimento, ou da sua inconveniência, o que afasta sua responsabilidade patrimonial e profissional. 3. O causídico entendeu não ser pertinente a apresentação de recurso ao segundo grau de jurisdição trabalhista em razão da fragilidade do arcabouço probatório adunado no feito. 4. A teoria da "perda de uma chance" foi desenvolvida pela doutrina francesa para aquelas situações em que o ato ilícito suprime da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como a possibilidade de deixar de obter uma posição favorável pela omissão do advogado. 5. A possibilidade de êxito, frise-se, deve se mostrar real, com elevadas possibilidades de ocorrer, para que somente assim se possa crer que a "chance" fora efetivamente perdida por culpa do agente. Precedentes do STJ. 6. Na forma do art. 333, I do CPC, o autor não se desincumbiu o ônus de provar o fato constitutivo do direito reclamado que, in casu, consistia na possibilidade real de êxito do recurso que deixou de ser interposto pelo réu. 7. Ademais, depreende-se, através de breve leitura da cópia dos autos do feito trabalhista, que o pleito do obreiro, ora autor, era manifestamente improcedente. Note-se que o empregado perquiria a incorporação de verba relativa à gratificação percebida em razão do exercício de função de confiança, por ele percebida por período inferior a 10 (dez) anos, tempo mínimo necessário para legitimar o pedido. Nesse ponto, o Juízo trabalhista foi enfático ao julgar improcedente o pedido por descumprimento de requisito temporal consagrado na jurisprudência dominante. 8. Além disso, o autor também reclamava o pagamento de adicional de insalubridade, em razão da manipulação de material tóxico, todavia, o expert afasta a natureza insalubre da atividade exercida pelo reclamante: 9. Também não se vislumbra dano moral indenizável, uma vez que a falta de notificação do cliente pelo advogado, sobre o teor da sentença de improcedência do pedido, e mesmo a ausência de interposição do recuso cabível, não geram a ofensa extra patrimonial alegada, mas somente consequências materiais que reclamam a comprovação adequada. Verbete nº 75 da súmula de jurisprudência desta Corte. Precedentes do TJRJ. 10. Provimento do apelo do réu e recurso do autor que não segue.[83]
Por fim, extrai-se de todo o exposto que a jurisprudência na região sudeste se encontra a um passo a frente das demais regiões do país no que se refere a sua aplicabilidade, tendo em vista que em nossa região tal entendimento já vem se consolidando e se difundindo, possuindo, dessa forma, um maior números de julgados. Entretanto, nossa região não se difere das demais regiões brasileiras no que diz respeito aos critérios adotados para sua aplicação aos casos concretos, que carecem de um harmonização e uniformização dos meios utilizados para formulação de tais critérios.
Com efeito, necessita-se de um maior número de doutrinas e mais julgados, a fim de criar fortes precedentes no sentido a nortear e uniformizar as futuras jurisprudências sobre o referido tema.