INTRODUÇÃO
A presente trabalho tem por escopo tratar da responsabilidade civil do advogado pela perda de uma chance.
O instituto da responsabilidade civil, forçado a acompanhar as mudanças sociais, ideológicas e econômicas, sofreu profundas e permanentes transformações. Nesse sentido, fundado na dignidade da pessoa humana, o eixo da responsabilidade civil modificou-se, passando a não mais considerar como seu principal desiderato a condenação de um agente culpado, mas a reparação da vítima prejudicada. Essa nova perspectiva corresponde à aspiração da sociedade moderna no sentido de que a reparação proporcionada às pessoas seja a mais abrangente possível.
No exercício de sua profissão, o advogado pode causar danos ao seu próprio cliente. Entre as formas de dano, existe uma muito peculiar, que é a perda de uma chance de o cliente ver sua pretensão examinada pelo órgão julgador de primeiro grau ou de instâncias superiores, em decorrência de ato ou omissão do advogado, como a perda de prazo de recurso pelo advogado, quando o cliente perde a possibilidade de ver a decisão modificada pelo tribunal superior.
A responsabilidade civil pela perda de uma chance tem características bastante peculiares que a diferencia das outras situações que envolvem perdas e danos, uma vez que, na perte d'une chance, especificamente, no caso do advogado, nunca se saberá, com absoluta certeza, qual seria realmente a decisão do órgão jurisdicional que, por falha do advogado, deixou de examinar a pretensão de seu cliente.
Para tanto, o primeiro capítulo trata de demonstrar o instituto da responsabilidade civil, sua evolução histórica, sua conceituação, os posicionamentos de doutrinadores sobre o referido instituto, bem como foi destacada a responsabilidade civil sob a ótica da Constituição Federal, passando pelas espécies de responsabilidade civil, sendo a contratual e extracontratual, a responsabilidade civil subjetiva e objetiva.
O segundo capítulo foca na responsabilidade civil do advogado, apresentando uma visão geral de advogado e advocacia no Brasil, resgatando sua evolução, definindo conceitos, destacando direitos e deveres. Foram abordadas também as questões como obrigações de meio e de resultado, variando de acordo com a prestação de serviço e discorrendo sobre a responsabilidade civil dos profissionais da advocacia.
Destarte, após apresentar as bases teóricas fundamentais a respeito da teoria da perda de uma chance, explanando sua origem, natureza jurídica, quantificação, metodologia de aplicação, o terceiro capítulo direciona para o tema específico da aplicabilidade da teoria da perda de uma chance, no direito brasileiro, perante a conduta negligente do advogado, ressaltando que não será sempre que haverá indenização, uma vez que a oportunidade interrompida deverá ser séria e real, não sendo indenizável o dano meramente hipotético.
Por fim, a presente pesquisa se encerra com as considerações finais, nas quais são apresentadas as análises acerca do problema e hipótese levantada para o presente trabalho, findando com o estimulo a futuros estudos e reflexões sobre o tema proposto.
O presente trabalho se propõe a demonstrar que, nos casos de perda de uma chance, o advogado é responsável pelos danos sofridos pelo cliente, desde que haja uma relação de causalidade entre o ato ou a omissão do advogado e o dano causado a seu cliente, ou seja, que os danos tenham decorrido necessariamente, direta e indiretamente, da falha cometida pelo patrono.
Para o desenvolvimento temático do presente trabalho, foi elaborado o seguinte problema: O advogado poder ser civilmente responsabilizado, quando, no exercício da profissão, por ato ou omissão, perde uma chance de obter um resultado favorável a seu cliente?
A partir do problema formulado foi levantada a seguinte hipótese para o trabalho de pesquisa: Todo advogado deve responder civilmente pela perda da chance, com base nos posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, indenizando, dessa forma, a negativa de possibilidade do constituinte ter seu processo analisado pelo Poder Judiciário, e não indenizar o valor que, eventualmente, esse processo poderia lhe resultar ao final do julgado, sendo que a chance terá valor inferior que o possível triunfo frustrado.
Quanto à metodologia empregada no presente trabalho, foi realizada a abordagem qualitativa, através de um método dedutivo, e do tipo de pesquisa bibliográfica, utilizando do posicionamento doutrinário e jurisprudencial do tema abordado.
Dessa forma, a pesquisa aqui apresentada possui requisito institucional parcial e obrigatório para a obtenção do título de bacharel em direito. No que tange ao objetivo analisado neste trabalho, visa estudar a responsabilidade civil, na aplicação da teoria da perda de uma chance, sob a ótica da doutrina e jurisprudência majoritária pátria, em defesa dos interesses dos clientes.
1.RESPONSABILIDADE CIVIL
A responsabilidade civil origina-se no dano causado à vítima e consiste na obrigação de indenizar. Isto é, o dano deve ser reparado completamente pelo agente que o causou, a fim de que o prejudicado possa retornar ao status quo ante, ou seja, antes do evento danoso.[14]
Nesse sentido, nas palavras de Rafael Peteffi Da Silva, a principal função do instituto da responsabilidade civil é “tentar fazer com que a vítima, mediante a indenização conferida, volte ao estado que se encontrava antes do evento danoso. Para tanto, a indenização corresponde à integralidade do dano sofrido”.[15]
1.1 BREVEs DIRETRIZES HISTÓRICAS ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Nos primórdios da humanidade, tempo em que as primeiras comunidades passaram a se organizar socialmente em grupos, toda pessoa que causasse um dano à outra sofria com a resposta imediata, em forma de vingança coletiva. Posteriormente, a reciprocidade do crime e da pena passou a tomar caráter individual por meio da Lei de Talião,[16] na qual “o mal causado a alguém era proporcional ao castigo imposto: para tal crime, tal e qual a pena” [17].
Neste sentido, Maria Helena Diniz dispõe a respeito:
Dominava a vingança coletiva, que se caracterizava pela reação do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus membros. Posteriormente evolui para uma reação individual, isto é, vingança privada, em que os homens faziam justiça pelas próprias mãos, sob a égide da Lei de Talião, ou seja, a reparação do mal, sintetizada nas fórmulas “olho por olho, dente por dente,” quem com ferro fere, com ferro será ferido [...].[18]
Dessa forma, observa-se que a responsabilidade independia de culpa, ou seja, a responsabilidade era objetiva, consistia em uma resposta na mesma proporção do seu dano sofrido, não havendo qualquer tipo de reparação. Simplesmente era “olho por olho e dente por dente”, seguindo o ditado popular de que “quem com ferro fere, com ferro será ferido”.
Com a intervenção do Estado e o surgimento de uma autoridade soberana, aconteceu a proibição de se fazer justiça com as próprias mãos, uma vez que o Estado se colocava no lugar do lesado, na obrigação de dosar a pena àquele que causou o ato danoso. Os danos passaram a ter uma fixação monetária, sendo apontado um preço para cada tipo de lesão. Nessa época, foram elaborados os Códigos de Ur Manu, de Manu e da Lei das XII Tábuas, época em que a responsabilidade civil era objetiva, prescindindo da verificação da existência da culpa.
A noção da culpa teve sua gênese com a Lei Aquilina. A partir daí, a responsabilidade civil foi ganhando aspectos subjetivos, sendo necessário investigar a culpa do agente causador da conduta danosa oriunda da obrigação de ressarcir; distanciando-se, portanto, da responsabilidade objetiva, e solidificando a reparação pecuniária.
Sobre o tema, assevera Diniz:
Depois desse período há o da composição, ante a observância do fato de que seria mais conveniente entrar em composição com o autor da ofensa [...] do que cobrar a retaliação, porque esta não reparava dano algum, ocasionando na verdade duplo dano: o da vítima e o de seu ofensor, depois de punido. A Lex Aquilia de damno veio a cristalizar a idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os ônus da reparação, em razão do valor da res, esboçando-se a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, de sorte que o agente se isentaria de qualquer responsabilidade se tivesse procedido sem culpa.
Passou-se a atribuir o dano à conduta culposa do agente. A Lex aquilia de damno estabeleceu as bases da responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base no estabelecimento de seu valor.[19]
Com o passar do tempo, já na Idade Média, na França, as ideias dos romanos se aprimoraram. O pensamento evoluiu para os casos de composição obrigatória para um princípio geral, o princípio aquiliano, de que, mesmo que a culpa fosse levíssima, haveria a obrigação de indenizar. E, com a Revolução Francesa, no ano de 1789, em plena Idade Contemporânea, já era prevista a responsabilidade contratual, quando se estabelecia a diferença entre a responsabilidade no âmbito penal e na esfera civil.
O Brasil teve como influência o ordenamento jurídico francês, tanto em seu atual Código Civil (de 2002), quanto no revogado Código Civil de 1916. Isso consequentemente levou à consagração da teoria da culpa como regra no campo da responsabilidade civil. De acordo com o Código Civil de 1916, em seu artigo 159: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”.
No atual Código Civil, Lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, observa-se em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. O artigo 927, em seu parágrafo único, dispõe sobre a obrigação de reparar um dano independentemente de culpa, quando tais casos estiverem indicados por lei, ou se a atividade que se desenvolve pelo autor do dano provocar risco para os direitos de outrem.
Portanto, a teoria da culpa da responsabilidade subjetiva é regra, sendo exceção à responsabilidade objetiva, na qual a culpa sequer é cogitada.
Dessa forma, a responsabilidade civil, que no início era objetiva, com o passar dos tempos evoluiu sua noção, modificando-se e desenvolvendo-se gradativamente até atingir a era subjetiva.
2.2 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
A palavra “responsabilidade” se origina do latim re-spondere, partindo-se da ideia de segurança ou compensação do bem atingido, que em outras palavras pode-se dizer que significa a obrigação de restituir ou ressarcir, segundo o que diz Carlos Roberto Gonçalves[20].
A responsabilidade civil tem como objetivo fundamental a busca pelo equilíbrio patrimonial e moral que foi infringido. É seguindo essa linha de raciocínio que se tem tentado, cada vez mais, ampliar o dever de indenizar, a fim de buscar diminuir os danos não ressarcidos, uma vez que responsabilidade civil se relaciona com toda manifestação da atividade humana, destacando-se cada vez mais com a evolução das relações sociais.
Destarte, a responsabilidade civil trata da obrigação imposta pela lei, quando de um fato jurídico, para as pessoas causadoras de danos aos terceiros de boa-fé. Possui dupla função, garantindo o direito da vítima e servindo como sansão civil.
A responsabilidade civil, segundo Maria Helena Diniz, pode ser definida como:
A aplicação de medidas que obriguem uma pessoa, em razão de seu próprio ato, a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva). [21]
Assim, uma vez verificada uma conduta que gere um prejuízo a terceiro, seja na esfera patrimonial ou na esfera moral, estará sob o âmbito da responsabilidade civil o dever imposto por lei em reparar o prejuízo causado.
Conforme já explanado alhures, existem duas espécies de responsabilidade civil: (I) a responsabilidade civil subjetiva, que se funda na culpa do agente, podendo ser subdividida em: a) responsabilidade civil subjetiva com culpa provada; e b) responsabilidade civil subjetiva com culpa presumida. E (II), responsabilidade civil objetiva, na qual é dispensada a demonstração da culpa e até mesmo a presunção de culpa do agente, que responderá pelo dano sofrido pela vítima, independentemente de culpa.
2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A partir de 1998, com a nova Constituição Federal, fortaleceu-se a teoria constitucional, dando maior importância ao instituto da Responsabilidade Civil, abraçando as necessidades humanas de forma mais concreta. Com a promulgação da Carta Magna de 1988, a responsabilidade civil recebeu status constitucional, ao proteger determinados direitos, individuais ou coletivos. Em seu artigo 5º, nos incisos V e X, observa-se o dever de indenizar:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;[22]
A responsabilidade civil é diretamente ligada à constituição, uma vez que suas normas infraconstitucionais devem se moldar à Lei Maior, surgindo, dessa forma, novas teorias compatíveis com a constituição.
Para alguns doutrinadores, a constituição e o direito civil se coadunam, não como uma fusão de conceitos, mas sim como uma interpretação completa. O aperfeiçoamento do Direito à evolução da sociedade a fim de dar continuidade à realidade social, é buscado no entendimento de atualizar os instrumentos jurídicos por meio da coadunação entre a Constituição Federal e o instituto da responsabilidade civil.
Nesse sentido, Rafael Peteffi da Silva leciona:
A responsabilidade objetiva com fundamento na noção do risco, além de estar de acordo com as novas necessidades socioeconômicas, ainda se coaduna com os princípios constitucionais expressos na Constituição Federal de 1988, polarizados para a valorização do ser humano, que deve reger a aplicação de todas as normas jurídicas.[23]
As garantias protetivas da pessoa humana se baseiam nas hipóteses de indenização, segundo os tipos de violação acarretados aos institutos da personalidade humana. Cada vez mais, de forma efetiva, percebe-se que as situações ensejadoras da responsabilidade civil, tais como a culpa, razões da conduta, dano material ou moral e nexo de causalidade entre a conduta e resultado enfraquecem-se diante de novas perspectivas dos dias atuais, não conseguindo a tutela de maneira eficaz.
Seguindo ainda a mesma linha de pensamento, Rafael Peteffi da Silva expressa a perfeita simbiose entre a Responsabilidade Civil e Constituição Federal de 1988, conforme se dispõe no seguinte trecho:
O art. 3º, inciso I, da Constituição vigente, apresenta o solidarismo como um dos pilares da República Federativa do Brasil, enquanto no art. 1º, os incisos III e IV afirmam a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como fundamentos do Estado Democrático de Direito, respaldando a nova concepção do instituto da responsabilidade civil, que não mais se coaduna com o individualismo típico do Estado Liberal, mas como um sistema solidarista de reparação de danos. [24]
Partindo desse entendimento é que se procura aplicar, ao Direito Civil, dentro do estudo da responsabilidade civil, a teoria da perda de Uma Chance, tendo em vista que sua adequação se encontra inserida na reparação do dano, em que se busca a indenização por ato de terceiros que ocasiona uma lesão à vítima, baseado na probabilidade de um fato futurístico ocorrer embasado em uma probabilidade constituída por um caráter de certeza.
1.4 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL
No que diz respeito às espécies de responsabilidade civil, elas são classificadas quanto ao seu fato gerador, tendo sua causa uma obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria Lei. É com base nessa dicotomia que a doutrina divide a responsabilidade civil em Contratual e Extracontratual.
A responsabilidade contratual surge do inadimplemento de um acordo firmado bilateral ou unilateralmente, resultando em um ato antijurídico, isto é, um ilícito contratual, e tal responsabilidade se encontra prevista no artigo 247 e 248 do Código Civil.[25]
Em se tratando da obrigação contratual, Maria Helena Diniz ensina:
Todo aquele que voluntariamente infringir dever jurídico estabelecido em lei ou relação negocial, causando prejuízo a alguém, ficará obrigado a ressarci-lo (CC, arts. 186 e 927), pois uma vez vulnerado direito alheio, produzindo dano ao seu titular, imprescindível será uma reposição ao status quo ante ou um reequilíbrio ao desajuste sofrido. A responsabilidade do infrator, havendo liame obrigacional oriundo de contrato ou de declaração unilateral de vontade, designar-se-á responsabilidade contratual [...].[26]
Imperioso mencionar que só haverá responsabilidade contratual se restar configurada uma obrigação violada, o nexo de causalidade entre o fato gerador e o dano produzido, e a comprovação de culpa pelo agente causador do prejuízo. É importante salientar que, se restar impossível cumprir a obrigação contratual estabelecida devido a caso fortuito ou a força maior, fica exonerado o devedor de qualquer obrigação, não cabendo ao credor qualquer tipo de ressarcimento.
Sílvia Vassilieff resume a responsabilidade contratual da seguinte forma:
A responsabilidade contratual funda-se na autonomia da vontade, tem origem num contrato, acordo de vontade criador de obrigações, resulta da aplicação de normas estabelecidas no Código Civil. Sua causa é uma promessa, um compromisso; a capacidade das partes é condição para que se estabeleça. Em matéria de conflitos de leis, determina-se pela legislação implicitamente escolhida pelas partes. Nela, a solidariedade não se presume; oferece, em determinados casos, liberdade de afastar ou atenuar a responsabilidade pelas cláusulas de exoneração.[27]
A responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, também conhecida como responsabilidade delitual, é proveniente de um inadimplemento normativo, imposto por lei, tendo em vista que não há vínculo contratual ou obrigacional firmado entre as partes; é a lesão de um direito subjetivo ou de uma prática de um ato ilícito.
Na lição de Sérgio Cavalieri Filho, “ilícito extracontratual é, assim, a transgressão de um dever jurídico imposto pela lei”.[28]
Nessa mesma linha de raciocínio, Sílvia Vassilieff traduz responsabilidade extracontratual ou delitual da seguinte forma:
A responsabilidade delitual não depende da autonomia da vontade, pois repousa em imposição da ordem social, origina-se do dever cuja violação a suscita. Dada sua diversidade de fontes, prescinde de normatização específica. Não depende de capacidade das partes; rege-se pela lei do lugar onde se pratica o ato danoso; admite a presença da solidariedade; restringe a eficácia das cláusulas de irresponsabilidade.[29]
No que diz respeito ao Advogado, uma vez que, agindo com dolo ou culpa, causar dano a seus clientes, estará diante de sua responsabilidade contratual; e diante de sua responsabilidade extracontratual, se causar dano à parte contrária e terceiros alheios à relação contratual. Ainda, a responsabilidade do advogado para com seu cliente pode ter dupla origem, contratual e também legal, em razão de obrigações impostas por normas jurídicas ao mandatário e ao procurador.
Portanto, o fato gerador da responsabilidade civil poderá surgir de um fato relacionado a um contrato ou não, isto é, pode ser contratual ou extracontratual, uma vez que os fundamentos para gerar a responsabilidade se distinguem pelo aspecto subjetivo ou objetivo.
1.4.1 Responsabilidade Civil Subjetiva
A responsabilidade subjetiva se baseia na obrigação de reparar o dano causado pela culpa do agente, sendo que tal culpa será de forma graduada, uma vez que em nosso ordenamento jurídico pátrio existe uma proporcionalidade entre a reparação do dano sofrido e a lesão causada pelo dano, tendo em vista o princípio da reparação integral do dano.[30]
Como regra, para fundamentar o dever de reparar o dano, a responsabilidade subjetiva responsabiliza pelo dano somente aquele caso em que for possível demonstrar e comprovar a existência de culpa.
Segundo o doutrinador Flávio Tartuce, “a culpa pode ser indicada como sendo o desrespeito a um dever não havendo propriamente uma intenção de violar o dever jurídico, que acaba sendo violado por outro tipo de conduta”.[31]
A responsabilidade subjetiva está relacionada a três modalidades jurídicas, que, por sua vez, são utilizadas também no Direito Penal de maneira subjetiva, sendo: a imprudência (ação, resultante da falta de cuidado, prevista no Código Civil em seu artigo 186); a negligência (omissão, oriunda da falta de cuidado, indicada também no artigo 186 do Código Civil); e a imperícia (a falta de treinamento ou qualificação de um profissional no exercício de uma função ou ofício).
No que diz respeito ao dolo, na ação ou na omissão voluntária, o agente quer a ação e também assume o resultado consciente, diretamente proporcional à produção de um resultado ilícito.
Dito isso, em qualquer um dos casos explanados alhures, podendo a reparação ocorrer em caráter sancionatório para o ofensor, isto é, a reparação só se justificará quando não houver dolo ou culpa do agente, passando, dessa forma, para uma pena privada.
1.4.2 Responsabilidade Civil Objetiva
Conforme já mencionado, a responsabilidade subjetiva é a regra geral em nosso ordenamento jurídico. Ou seja, para que o ofensor seja responsabilizado civilmente e indenize a vítima que sofreu o dano, é importante restar demonstrada a sua culpa, mesmo de forma genérica, incluindo o dolo.
A responsabilidade civil objetiva é também conhecida como teoria do risco, muito difundida e propagada na sociedade moderna. Ela se fundamenta no sentido de que a reparação se formaliza independentemente da constatação de culpa, uma vez que a responsabilidade do agente se baseia no vínculo de causalidade entre sua conduta praticada e o dano sofrido pela vítima (nexo causal), sendo o suficiente para justificar os fins de indenização, desaparecendo, dessa forma, com a necessidade de provar a culpa do agente causador da conduta lesiva.[32]
Na conhecida teoria do risco, isto é, na responsabilidade objetiva, o agente deverá responder pelo risco de seus atos, sem mensurar, nesta ocasião, o grau de culpa.
Nesse sentido, Flávio Tartuce, ensina:
[...] haverá responsabilidade independentemente de culpa nos casos previstos em lei ou quando a atividade desempenhada criar riscos aos direitos de outrem. Percebe-se que há casos de responsabilidade civil objetiva que não estão previstos em lei, o que abre a possibilidade de doutrina e jurisprudência criarem outras hipóteses de responsabilidade objetiva.[33]
A teoria do risco surgiu no campo do Direito com a execução de uma atividade, partindo da ideia de que, se exercendo uma determinada atividade, por meio da qual se tira algum proveito direto ou indireto, dessa atividade responderá pelos prejuízos que causar. A cláusula geral da responsabilidade civil objetiva veio com a consagração do artigo 927 do Código Civil de 2002.
Na responsabilidade objetiva é necessária a demonstração do fato, a comprovação do dano e a constatação do nexo causal para que tenha direito à indenização. O próprio código civil traz um rol exemplificativo[34] com algumas formas específicas de responsabilidade objetiva, isto é, aquela em que a lei determina, pois não é a mesma que se deriva da atividade de risco.
Mais adiante, no capítulo a seguir, o estudo irá se desenvolver no intuito de explanar sobre a Responsabilidade Civil do Advogado, tratando dos artigos que o Código Civil traz expresso, definindo as funções e obrigações desse profissional, bem como abordar o conceito de advogado e da advocacia, o exercício da profissão, explicar a dicotomia existente entre a obrigação de meio e de resultado, findando com a abordagem sobre a responsabilidade civil dos profissionais de advocacia, discorrendo sobre temas como a responsabilidade contratual e extracontratual e a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. O capítulo a seguir é de extrema importância, tendo em vista a coadunação dos pensamentos aqui trabalhados a fim de chegar ao seu propósito final, isto é, a fim de dar sentido ao tema proposto.