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Colaboração premiada: combate ao crime organizado à luz da Lei n.º 12.850/2013

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Agenda 10/03/2016 às 14:16

2 - ACORDO DE COLABORAÇÃO

2.1 LEGITIMIDADE E MOMENTO PARA OFERECIMENTO DO ACORDO

A Lei n.º 12.850/10 prevê no artigo 4.º, §2.º e §6.º, in verbis:

§ 2o Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

§ 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

Conforme disposto, o Delegado de Polícia ou o ou o Ministério Público podem oferecer o acordo de colaboração. O Ministério Público sempre será terá legitimidade para oferecimento do acordo, isto porque, de acordo com o artigo 129, inciso I, da Constituição Federal de 1988, o Parquet é o titular da ação penal.

No entanto, por não ser parte no processo penal, o termo utilizado pode causar um desconforto quando relacionado ao Delegado de Polícia, assim como a utilização do termo “requerer”, em razão da autoridade policial somente poder representar. Porém, ressalta-se que o Delegado de Polícia é o mais apto a participar das negociações, isso porque ele tem contato direto com as informações obtidas na investigação, o que pode conferir uma maior eficácia ao instituto e ao alcance de resultados.

Eugênio Pacelli afirma que a legislação é inconstitucional em relação a conferir tais poderes ao Delegado de Polícia, ressaltando que a Constituição Federal de 1988 atribuiu à polícia funções exclusivamente investigatórias; e, ao Ministério Público, a defesa da ordem jurídica e promoção privativa da ação penal, sendo, portanto, a única parte ativa no processo penal de natureza pública.[7]

No entanto, fez bem o legislador ao conferir a possibilidade de atuação do Delegado de Polícia nessa fase, tendo em vista que geralmente é a Autoridade Policial que possui a capacidade de aferir as necessidades probatórias à investigação, por ter contato direto com ela, tornando mais ágil e eficaz a colheita de provas. Ademais, a lei esclarece que, todos os atos promovidos pelo Delegado ao oferecer o acordo serão objeto de apreciação pelo Ministério Público, o que resguarda o princípio da ação penal previsto constitucionalmente.

Em relação ao momento adequado para a realização do acordo, o legislador tratou de solucionar essa omissão, que poderia ser verificada em outras leis que tratam sobre o instituto, visto que até a Lei n.º 12.683/12, que dispõe sobre os crimes de lavagem de dinheiro, nenhuma lei que previa a colaboração premiada determinava o momento para a celebração do acordo.

Essa lei, em seu artigo 4.º, §5º, veio prever a possibilidade de a colaboração ser posterior à sentença. É possível, diante disso, firmar o entendimento de que o acordo de colaboração premiada poderá ser celebrado a qualquer tempo, mesmo após sentença com trânsito em julgado.

2.2 REQUISITOS

A colaboração premiada confere ao colaborador benefícios, como perdão judicial, redução ou substituição da pena, caso tenha colaborado de forma efetiva e voluntária, devendo, para a realização do acordo, ser preenchidos os devidos requisitos legais.

O artigo 4.º, caput, e seus incisos elencam os requisitos a serem preenchidos para a realização do acordo de colaboração, in verbis:

Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

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Diante do exposto, o primeiro requisito, conforme pode ser extraído do inciso I, deve tratar-se de crime investigado envolvendo a organização criminosa, não surtindo qualquer efeito caso o colaborador informe sobre outros crimes que não estejam ligados ao objeto da investigação.

A colaboração deverá ser efetiva e voluntária com a investigação e com o processo criminal; portanto, o colaborador deverá participar de todos os atos os quais forem necessários e fornecer informações que garantam os resultados previstos nos incisos I a V do referido artigo.

Necessário ainda ressaltar que o juiz, conforme determinação do artigo 4.º, §1.º da lei em estudo, deverá analisar, para concessão dos benefícios, a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração, o que será realizado durante a prolação da sentença, nos termos do artigo 4.º, §§. 11 da referida lei.

2.3 POSSIBILIDADE DE RETRATAÇÃO DO COLABORADOR

O acordo de colaboração consiste em uma vontade bilateral do Estado com o colaborador, tendo em vista que o primeiro possui o interesse de obter informações que o colaborador, em razão da sua posição privilegiada dentro da organização criminosa, pode fornecer. Por sua vez, o acusado pretende receber algum benefício entre os prêmios dispostos na lei.

Na hipótese de ocorrer divergências de vontades, a nova lei possibilita a qualquer uma das partes a retratação da proposta. Nesse sentido, prevê o artigo 4.º, §10, in verbis:

§ 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.

Desta forma, é conferido ao colaborador, Ministério Público e ao Delegado de Polícia a oportunidade de se retratar, com a ressalva de que só poderá ocorrer antes da homologação judicial, uma vez que após esse momento passa a compor o acervo probatório.

A retratação possui essa restrição, buscando proteger o próprio colaborador de se incriminar e prestar informações, para depois o Ministério Público se retratar do acordo, não concedendo o prêmio legal.

A lei ainda dispõe sobre a hipótese da proposta ser, o que implica no descarte de qualquer prova que seja obtida por meio da colaboração que seja utilizada em desfavor do colaborador. Isso resguarda os direitos do colaborador ao impedir que as provas fornecidas por ele sejam usadas para sua condenação. Rogério Sanches ainda afirma que seriam violados alguns princípios constitucionais:

Operada a retratação, por iniciativa de uma ou de ambas as partes, o acervo probatório que fora obtido não pode ser utilizado em desfavor do colaborador. Claro, ele aceitara o acordo com a justificada expectativa de receber algum favor legal. Por isso mesmo, delatou comparsas, forneceu detalhes da organização e, por conseguinte, admitiu sua participação no esquema criminoso. Na medida em que frustra o acordo de colaboração, não faria sentido que todo esse material probatório se voltasse contra o colaborador, sobretudo quando não submetido a princípios caros ao processo penal, de caráter constitucional, como contraditório e a ampla defesa. Também o princípio que garante o direito do réu a não se auto-incriminar estaria aranhado[8].

Nesse caso, a solução que resguardaria os direitos do colaborador é a determinação contida no artigo 157, §3º, do Código de Processo Penal, que dispõe:

Art. 157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 1o São também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 2o Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 3o Preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes acompanhar o incidente. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Portanto, as provas obtidas a partir da colaboração que estariam, evidentemente, violando princípios constitucionais, como do contraditório e da ampla defesa, seriam consideradas como ilícitas, devendo ser desentranhadas do processo.

2.4 INTERVENÇÃO DO JUIZ E O PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

A primeira parte do artigo 4.º, §6º da Lei 12.850/13 determina a não intervenção do juiz durante as negociações realizadas entre as partes:

§ 6o O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

A primeira fase é a da negociação. Durante esse processo, é inviável a presença do magistrado para que as informações obtidas não influenciem em sua motivação, evitando assim a violação de sua imparcialidade para julgamento.

Ada Pellegrini Grinover ensina sobre o princípio da imparcialidade do juiz:

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes. Por isso, têm elas o direito de exigir um juiz imparcial: e o Estado, que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas[9].

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu Artigo X, estabelece:

Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir sobre seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.

A intervenção do juiz somente ocorrerá nos termos do artigo 4.º, §7.º da Lei 12.850/13, quando realizado o respectivo acordo, o respectivo termo, com as declarações do colaborador e de cópia da investigação, que será remetido ao juiz para sua homologação.

Nesta fase, o magistrado analisará a sua regularidade, legalidade e voluntariedade, conferindo ainda a possibilidade do magistrado de ouvir o colaborador, de forma sigilosa, com a presença de seu defensor, podendo, então, conforme estabelecido no artigo 4.º, §8.º, da Lei 12.850/13, recusar a homologação da proposta caso não sejam atendidos os requisitos, ou ainda adequar ao caso concreto.

Uma vez homologado o acordo, o acusado passa a ter a qualidade de colaborador, não garantindo nenhum benefício legal de imediato, tão somente a promessa de uma futura aplicação, tendo em vista que os prêmios legais estão vinculados à eficácia da colaboração e serão apreciados durante a sentença.

2.5 PUBLICIDADE DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA E O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA

O artigo 7.º da Lei 12.850/13 dispõe acerca do sigilo sobre o acordo de colaboração, resguardando os direitos do colaborador em manter sua identidade preservada, além de evitar que sejam frustradas as diligências decorrentes das informações prestadas pelo colaborador. Nesse sentido, determina o artigo:

Art. 7o O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.

§ 1o As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.

§ 2o O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.

§ 3o O acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia, observado o disposto no art. 5o.

Esse sigilo conferido ao acordo é uma inovação trazida pela nova lei. Isso porque a revogada lei n.º 9.034/95 era omissa quanto a isso, deixando o aplicador diante de uma lacuna no procedimento a ser adotado. Portanto, foi necessário que a omissão fosse solucionada no caso concreto, momento em que o STF se pronunciou, afastando a possibilidade de se atribuir publicidade ao acordo de colaboração, sendo resguardado o sigilo, conforme se pode verificar pelo HC 90.688, in verbis:

EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE COOPERAÇÃO. DELAÇÃO PREMIADA. DIREITO DE SABER QUAIS AS AUTORIDADES DE PARTICIPARAM DO ATO. ADMISSIBILIDADE. PARCIALIDADE DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SUSPEITAS FUNDADAS. ORDEM DEFERIDA NA PARTE CONHECIDA. I - HC parcialmente conhecido por ventilar matéria não discutida no tribunal ad quem, sob pena de supressão de instância. II - Sigilo do acordo de delação que, por definição legal, não pode ser quebrado. III - Sendo fundadas as suspeitas de impedimento das autoridades que propuseram ou homologaram o acordo, razoável a expedição de certidão dando fé de seus nomes. IV - Writ concedido em parte para esse efeito[10].

No entanto, o referido artigo 7º, §3.º, determina que, sendo recebida a denúncia o acordo de colaboração deixará de ser sigiloso, ou seja, as provas obtidas estarão nos autos possibilitando aos réus o direito de exercer o contraditório e a ampla defesa, conforme consolida o texto constitucional em seu artigo 5.º, inciso LV, o qual assegura aos acusados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Verifica-se, portanto, que durante a fase do acordo de colaboração premiada e até o recebimento da denúncia, o sigilo será mantido, a fim de resguardar os direitos do colaborador, garantido ao acusado um contraditório diferido.

A propósito, recentemente, vem sendo noticiado acerca da operação lava-jato realizada pela polícia federal, em 17/03/2014, oportunidade em que foram presos 30 suspeitos, conforme estatística fornecida pela Policia Federal[11], em que investiga um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de dívidas que teria movimentado bilhões em dinheiro. No caso em questão, o investigado Paulo Roberto Costa denunciou políticos envolvidos em um esquema de pagamento de “propina” em contratos relacionados à Petrobras e outra empresas. No entanto, conforme informações, o teor dos depoimentos é sigiloso com a finalidade de resguardar as investigações, o colaborador e os denunciados[12].

Diante disso, é possível observar a aplicação da lei em relação à publicidade do acordo com o objetivo de ter mais eficácia na colheita de provas e informações, resguardando os direitos conferidos ao colaborador.

Posto isso, o próximo capítulo vem com o objetivo de finalizar o presente estudo, ressaltando as inovações trazidas pela Lei 12.850/2013 em relação aos direitos e garantias assegurados ao colaborador, e o seu impacto na eficácia da colaboração premiada em relação ao alcance de seu objetivo principal, que é o desmantelamento das organizações criminosas.

Sobre os autores
Artur Alves Pinho Vieira

Mestre em Direito pela UCP-RJ.<br>Pós graduado em Direito Público e Penal e Processo Penal.<br>Professor de graduação e pós-graduação em Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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