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O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais

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Agenda 20/02/2004 às 00:00

III – O PROBLEMA DA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE NO BRASIL.

3.1. Mazelas e Descasos

Existem várias garantias no que tange ao direito à saúde, contudo, se estas garantias fossem hipoteticamente efetivadas, o problema da efetivação do direito à saúde estaria sanado.

Dentre uma série de outros casos, ocorre um flagrante desrespeito à nossa Carta Magna de 1988, especialmente ao art. 196, devido a sua não aplicação. Ora, se o direito à saúde é um direito de todos e dever do Estado, externado como um direito social, público e subjetivo, qual o porque da violação deste direito constitucionalmente garantido e inerente a todo cidadão.

O fato é de que o Estado deve atuar positivamente na consecução de políticas que visem a efetivação do direito à saúde, no entanto, há uma gama de barreiras burocráticas, econômicas e políticas que emperram a efetiva aplicação do direito à saúde.

Através de alguns dados do relatório "A Saúde no Brasil", ao qual foi divulgado na publicação quadrienal "La Salud en Las Americas", edição de 1998, preparado pela Organização Pan-Americana de Saúde / Organização Mundial de Saúde, compondo o capítulo "Brasil", é possível constatar uma série e mazelas e descasos da não efetivação do direito à saúde no Brasil.

É notório que os recursos destinados a saúde são insuficientes para a sua demanda, e, além disso, o governo faz a opção de reajustar as contas públicas em detrimento aos gastos sociais.

Conforme o Relatório "A Saúde no Brasil", poder-se-á destacar alguns números que nos mostram o descaso:

Os gastos públicos com saúde no período 1980-1990, em relação ao PIB, atingiram o valor máximo de 3,3% em 1989. Essa participação reduziu-se fortemente nos anos seguintes, voltando a aumentar em 1994 e atingindo 2,7% em 1995. Acrescentando-se os gastos privados das pessoas físicas – estimados em 34% dos gastos totais com saúde, em 1995, corresponderiam a cerca de 4,1% do PIB. Esse valor pode estar subestimado, pois a forte redução dos gastos públicos com saúde, ocorrida entre 1990 e 1993, certamente conduziu a um aumento dos gastos direitos das pessoas com o pagamento de serviços privados. O gasto federal com atividades promovidas pelo Ministério da Saúde representaram, em 1996, cerca de 10,4% da arrecadação da União, valor inferior ao atingido em 1989, calculado em 19%.

Assim, o descaso com a saúde é explicitamente notado, visto que a aplicação de recursos públicos na área da saúde não evolui desde 1989, pois "o Brasil, ainda hoje, é o país que menos investe em saúde: apenas 4% do seu Produto Interno Bruto/PIB, contra a média de 13% verificada nos demais países da região."

Conforme alguns dados da Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE – 2000), a grande maioria da população brasileira ainda depende do SUS. Pois 115 milhões de pessoas, cerca de 75 % da população, enquanto 48,5 milhões de pessoas, cerca de 25 % da população é atendido pela medicina privada.

As internações em hospitais públicos feitas pelo SUS, é uma realidade que condiz com o que o Governo Federal gasta, em torno de R$ 4,50 (quatro reais e cinqüenta centavos) por internação, desde 1995, designando a antepenúltima pior do mundo.

Desde o início da epidemia de cólera em 1991, até 1994 se acumularam no país cerca de 150 mil casos, com 1.700 óbitos. Cerca de 6 mil óbitos registrados anualmente no país são atribuídos à tuberculose. Em 1995 foram notificados 91.013 casos de tuberculose (...) o que significa a incidência de 29 casos por 100 mil habitantes.

Isto revela que mesmo existindo vacinas e meios de controle, doenças e epidemias ainda proliferam no país, rebaixando ainda mais o nível de qualidade de vida e de saúde no Brasil.

A poluição do meio ambiente, contaminando alimentos e pessoas, bem como a poluição atmosférica também contribuem para o baixo desempenho da saúde no Brasil, haja vista o descaso com o controle de emissão de monóxido de carbono (94 % são provenientes das descargas de veículos automotores).

Não obstante a isto, o não esclarecimento por parte da população, devido as mazelas no sistema de educação, com a falta de informação, também ajudam para este desempenho regular da saúde brasileira. Um bom exemplo, é a AIDS, pois muitas pessoas morrem e se contaminam por falta de informação adequada sobre o assunto, uma vez que os maiores índices de contaminação se dá nos cidadãos de baixa escolaridade. Diante disto, há que se Ter uma prestação sanitária efetiva nos centros educacionais, como escolas e Universidades.

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Outra questão, é a da subnutrição e da fome no Brasil, especialmente na região Nordeste, que revela um elevado índice de mortalidade infantil. Pois "a possibilidade de uma criança não ultrapassar o primeiro ano de vida é quatro vezes maior no Piauí do que em São Paulo."

Poderíamos, aqui, ainda citar os mais variados índices de descasos com a saúde, como mortalidade infantil, poluição do meio ambiente, efetuação errada na coleta de lixo, falta de leitos hospitalares, falta de disponibilidade de remédios, baixo grau de recursos financeiros no investimento na área sanitária, o atendimento público da saúde, que mais parece um favor do que um direito do ser humano, tudo o que gera para a não efetivação da saúde como um direito e consequentemente para má qualidade de vida e da dignidade humana.

Não obstante o direito à saúde ser previsto constitucionalmente, os números mostram o descaso, e diante disto, nossos governantes e o Estado não resolvem o problema da saúde, que é, portanto, na explanação magistral do prof. Schwartz, "muito mais do que direito de todos. É principalmente, a solução de todos."

3.2. Alternativas para efetivação do direito à saúde

A questão primeira, é novamente a interpretação do art. 196 da Constituição Federal, que revela que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, mediante políticas sociais e econômicas.

As políticas sociais e econômicas exprimem a primeira forma de efetivação da saúde, visto que se as políticas impostas pelo Estado na área da saúde fossem suficientes para efetivação e conseqüente aplicação da prestação sanitária, desnecessário seria outras organizações, atividades como função de reparar a inércia estatal para com a saúde.

Conforme o relatório "A Saúde no Brasil", a CPMF foi uma forma que o governo achou de tentar sanar o problema da efetivação da saúde. Isto posto:

Desde janeiro de 1997, está sendo arrecadada a Contribuição Provisória sobre Movimentação financeira – CPMF, destinada ao atendimento de necessidades urgentes no setor. Com essa contribuição se espera arrecadar cerca de 4,8 bilhões de dólares, que elevarão o orçamento federal da saúde em aproximadamente 30 %.

No entanto, diante dos vários números apresentados à saúde brasileira, é quase que óbvio que o dinheiro não está sendo destinado à saúde ou sendo insuficiente.

Outra questão a ser analisada é de que como já preconizava Konrad Hesse, falta "vontade de Constituição", vontade política de fazer valer os ditames constitucionais. Assim, ou se realiza o direito à saúde, designando todo o Estado Democrático de direito para com o cidadão, ou se desrespeita a dignidade humana, a Constituição e a vida.

Como a hermenêutica Constitucional externa o direito à saúde como um direito social, eivado de garantias pela Constituição, é mister que o Estado tenha uma efetiva atuação na consecução da saúde, exprimindo a justiça social também na prestação sanitária.

Conforme ensina o prof. Germano Schwartz:

Mesmo que o direito à saúde necessite dos meios materiais necessários para sua efetivação, a Constituição Federal, através de inúmeros artigos que tratam da matéria, determina que os Poderes Públicos têm responsabilidade na área da saúde, e que nenhum dos entes federados componentes da República Brasileira pode eximir-se de tal obrigação. (...) A saúde não pode estar condicionada a discursos vago, promessas políticas e ideologias cambaleantes. A condição primordial para o desenvolvimento de qualquer regime democrático é a vida do ser humano, que não pode ser colocada em segundo plano por distorções ideológicas que têm como grande objetivo disfarçar os reais e egoísticos interesses implícitos em ditas falas.

Basta que se tenha vontade política para promoção, recuperação e defesa da saúde, não atuando e investindo somente nos interesses econômicos em detrimento aos direitos sociais.

De outra banda, o Poder Judiciário, em segundo plano tem a função basilar de "corrigir as eventuais desigualdades ocorridas no campo sanitário, desde que provocado. Isto porque é o órgão com competência para tal."

O Poder Judiciário atua posteriormente a não atuação estatal para com a saúde. Busca-se efetivar através deste a efetivação do direito à saúde, uma vez que o Poder Judiciário tem condições, dentro dos próprios ditames da Constituição de buscar soluções para garantir o direito à saúde. Primeiro, deve agir o Estado no cumprimento de seu papel, mediante as políticas sociais e econômicas para efetivação e aplicação do direito à saúde. Em um segundo momento, o Poder Judiciário tem prerrogativa constitucional para a consecução do direito sanitário, devido a não atuação estatal.

O Ministério Público, também tem a prerrogativa de zelar defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis. E no que tange ao direito à saúde, encontramos previsão legal dispostos nos arts. 127 e 129, II e III da CF/88, conferindo legitimidade para tutela dos direitos difusos e coletivos. Além disso, o Ministério Público também é competente para cuidar dos serviços de relevância pública, no caso a saúde, conforme o art. 197 da Lei Fundamental.

Assevera Barros Silva:

A busca da efetivação dos direitos sociais, pela via processual ou extraprocessual, deve levar o Ministério Público à realização do acesso dos direitos fundamentais às milhões de pessoas que vivem à margem do direito. O caminho do Ministério Público, como instituição da sociedade, deve também, o de efetivação da saúde pública.

A jurisprudência também demostra o papel do MP na busca pelo direito à saúde, pois a ação ministerial encontra respaldo para propor ação civil pública e promover inquéritos policiais na defesa do direito à saúde, haja vista o interesse difuso e coletivo.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE - MINISTÉRIO PÚBLICO - SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE - DIREITO COLETIVO. Tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público e social visando à verificação da situação do Sistema Único de Saúde e sua operacionalização. "Recurso improvido". (Resp 124.236, STJ, Primeira Turma, Relator Min. Garcia Vieira, 31/03/1998, DJU 04/05/1998, p. 84).

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - LEGITIMIDADE - MPF E UNIÃO FEDERAL. O Ministério Público Federal está autorizado a ajuizar ação civil pública na defesa da moralidade pública e também para preservar a saúde pública (CF, art. 129, III). Ilegitimidade da União que não integrou a relação processual porque não é titular de direito algum. Recurso improvido. (AG 1997.01.00.050034-5, TRF1, Quarta Truma, Relatora Juíza Eliana Calmon, 04/02/1998, DJU 12/03/1998, p. 125.

A sociedade, através da participação popular, também pode agir e influenciar nos órgãos competentes, "no sentido de tutelar seus interesses, pois a saúde é um problema cuja solução não se restringe a um único agente."

Diante disto, a sociedade organizada "pode assumir a tarefa de defesa e proteção da saúde, utilizando-se dos meios processuais, como a ação civil pública ou ações civis coletivas, ou, caso necessite, representar ao órgão ministerial."

Por derradeiro, saúde é uma constante busca com o escopo primordial de realização da dignidade humana, externando-se como uma necessidade básica no exercício da cidadania e da qualidade de vida.

Vivemos em um Estado Democrático de Direito, e a saúde, neste aspecto, funciona como pressuposto da vida, "a saúde como qualidade de vida passa a ser necessidade primeira da democracia, como é o ar e a alimentação para sobrevivência do ser humano."


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho, dentro do limite a que se propôs, tratou de demostrar o problema do direito à saúde no Brasil, buscando designar algumas alternativas para consecução do mesmo,

Partindo do pressuposto dos direitos fundamentais, tratou-se de externar toda a teoria e desencadeamento do mesmo, para por conseguinte chegar a uma definição de saúde.

Tomando por base, vários referenciais teóricos acerca dos direitos fundamentais, chegou-se a conclusão de que o direito à saúde, verdadeiro direito fundamental social e direito público subjetivo, tendo posição de destaque em nossa Constituição Federal, ao qual, não vem recebendo o devido tratamento que merece, fazendo com que seja desrespeitado os dispositivos constitucionais garantidores de tal direito.

O direito á saúde é dever do Estado, conforme versa o art. 196 da nossa Carta Magna, e diante disto, a saúde é elevada como um princípio constitucional de justiça social. Entretanto, a sua não-efetivação acarreta enormes disparates na sociedade, pois o estado não vem cumprindo o seu papel de prestador de serviços básicos e fundamentais a população na área da saúde, fazendo com que a dignidade humana e a qualidade de vida tenha baixos índices.

No Brasil, a saúde é externada de forma descentralizada, ou seja, todas as esferas do Estado tem a responsabilidade e o dever de promover e garantir a mesma, assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios tem o dever constitucional de garantir a saúde para os cidadãos. Nesse, sentido, Sistema Único de Saúde - SUS, haja vista a s leis infraconstitucionais que o exprimem. É o processo adotado para a consecução da saúde, todavia, este não vem conseguindo alcançar seu escopo, devido a uma série de descasos do Poder Público para com a saúde. Isto evidencia a inércia do Estado e a proliferação da não qualidade de vida dos cidadãos, fazendo com que a saúde se torne um direito de difícil concretização.

Entretanto, os dispositivos constitucionais que dão guarida ao direito à saúde são claros ao estabelecer os parâmetros para garantia/eficácia da saúde, contudo, não vem sendo respeitados pelo Estado, que ao não atuar de forma efetiva, faz com que a saúde seja mais um dos problemas enfrentados pela população.

Por derradeiro, a presente pesquisa buscou demostrar conceitos e dados sobre o direito à saúde, externando como se dá o mesmo, de que forma é organizado pelo Estado, e quais os dispositivos constitucionais que a garantem como um direito fundamental social. Diante disto, chegou-se a conclusão de que, após uma série de análises e estudos dos direitos fundamentais, tomando por base o seio da melhor doutrina constitucional, exprimindo como se dá as garantias, eficácias e positivação dos mesmos, bem como toda a interpretação histórica e filosófica no âmbito do direito constitucional, os direitos fundamentais, dotados de enorme qualificação na nossa Carta Magna, externa a posição de destaque do direito à saúde.

Isto posto, o direito à saúde se consubstancia como um verdadeiro direito fundamental social, dotado de características prestacionais por parte do Estado, revelando seu caráter de direito público subjetivo.

Assim, o Brasil tem vastas seqüelas da não efetivação do direito à saúde, revelando todo descaso e para com o mesmo, haja vista a base de dados externada na presente pesquisa.

Nos resta concluir que deve o Poder Público, a sociedade organizada e em última instância, o Poder Judiciário, na prerrogativa de fazer valer os dispositivos constitucionais, efetivar o direito à saúde e designar ao mesmo todo seu caráter de direito fundamental, dando ao direito sanitário seu referido valor dentro da Lei Maior de 1988.

Sobre o autor
Hewerstton Humenhuk

Advogado publicista. Especialista em Direito Administrativo e Gestão Pública pelo CESUSC. Professor de Direito Administrativo e Direito da Criança e do Adolescente nos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina - UNOESC e professor de Direito aplicado à Administração no curso de graduação em Administração da mesma instituição. Consultor e Assessor jurídico de Prefeituras e Câmaras de Vereadores do Estado de Santa Catarina. Membro do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina - IDASC. Associado do Escritório Cristóvam & Tavares Advogados Associados, com sede em Florianópolis. Autor de artigos e ensaios científicos publicados em revistas especializadas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMENHUK, Hewerstton. O direito à saúde no Brasil e a teoria dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 227, 20 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4839. Acesso em: 18 nov. 2024.

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