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As raízes do subdesenvolvimento econômico do Brasil

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Agenda 18/05/2016 às 19:01

4. O BRASIL NO ATUAL MOMENTO DO CAPITALISMO GLOBAL

A situação do desenvolvimento do Brasil neste momento da globalização da economia capitalista está intimamente vinculada com o abandono das políticas desenvolvimentistas, a partir da década de 1980. Assim, a discussão sobre esse tema requer uma breve recapitulação a respeito da origem e dos fundamentos das referidas políticas, de sua utilização no país, principalmente a partir da denominada “Era Vargas”, e de seu posterior (quase) abandono pelos governos, desde o final dos anos 1980.

O desenvolvimento econômico é um processo econômico que envolve conceitos como o de taxa de lucro e de investimento produtivo, de trabalho assalariado e de consumo popular e de luxo, de inovação e de produtividade. Todas essas particularidades só adquiriram sentido a partir do capitalismo, donde se depreende que o desenvolvimento econômico é um processo próprio do capitalismo. A experiência histórica ensina, igualmente, que para haver desenvolvimento econômico são necessárias instituições que garantam a ordem pública, a estabilidade política, o bom funcionamento do mercado etc. Para isso, é imprescindível o Estado, o que nos leva a concluir que o desenvolvimento econômico é um processo histórico que é próprio também da formação dos estados nacionais (PEREIRA, 2006, p.11-15).

Daí termos assinalado, no segundo tópico deste texto, que a preocupação com as políticas de desenvolvimento surge juntamente com o capitalismo e com os estados nacionais, bem assim que, já a partir dos economistas clássicos, existia a preocupação com as estratégias que os estados-nação usavam para promover seu desenvolvimento (PEREIRA, 2006).

Porém, no que diz respeito à América Latina, a preocupação com o desenvolvimento econômico remonta ao final da década de 40 do século passado e tem como marco o desenvolvimento dos fundamentos teóricos da ideologia conhecida como “desenvolvimentista”, no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina - CEPAL, entidade criada em 1948 por economistas, políticos e sociólogos latino-americanos4 , que viam na industrialização a única forma de libertação dos países subdesenvolvidos da sua situação de pobreza e dependência externa. 

A “Teoria Cepalina” procura explicar o atraso da América Latina - vista como “periferia” em relação aos países desenvolvidos, por ela definidos como países “centrais’ -  e encontrar formas de superá-lo. Segundo os cepalinos, caberia ao Estado a função de impulsionar e administrar a redução do atraso econômico dos países subdesenvolvidos em relação aos desenvolvidos, através do processo de industrialização (BRUM, 1998). 

Para os cepalinos, a América Latina não poderia se desenvolver sob a égide do modelo primário-exportador, de forma que se fazia necessária a criação de um novo modelo, mediante o processo de industrialização. Seria imprescindível a implementação de uma política que visasse ao desenvolvimento industrial, que promovesse a reforma agrária, que melhorasse a alocação de recursos produtivos e que impedisse a evasão de produtividade para os países centrais. Porém, a Cepal considerava que mudanças de tamanha magnitude seriam possíveis somente com a presença de um promotor e planejador da industrialização e do desenvolvimento, e este seria o Estado, considerado pelos cepalinos como um agente da política econômica, a quem cabe corrigir as distorções próprias das evoluções e do funcionamento do sistema econômico periférico (BRUM, 1998).

No Brasil, a adesão governamental à ideologia desenvolvimentista foi marcante no período de 1951 a 1964, tendo se iniciado no segundo Governo de Getúlio Vargas (1951-1954) e seu “Plano de Reaparelhamento Econômico”, prosseguindo no Governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), com o seu “Plano de Metas” (50 anos em 5) e, depois, no Governo de João Goulart (1963-1964) com o “Plano Trienal”. Nesses três governos foram conferidas ao Estado as características de planejador da industrialização, de regulador dos mercados e, simultanamente, de cumpridor do papel de capital financeiro, produtor e empresário (BRUM, 1998). 

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Porém, numa análise mais abrangente constata-se que, mesmo após o rompimento político de 1964, com os Governos militares, prosseguiu-se a implementação de políticas desenvolvimentistas. Esse foi, aliás, o período áureo da intervenção estatal no Brasil, embalado pelo contexto internacional amplamente favorável às políticas de desenvolvimento .5 Ao invés de se limitar à regulamentação da atividade econômica e à atuação como transferidor de rendas, o estado atuou inclusive como produtor direto de bens e serviços, ocupando espaços não utilizados pelo capital privado e/ou nos quais o sistema empresarial privado não teria envergadura, face à grande dimensão do volume de capitais e da tecnologia necessárias para tanto (CANO, 1985).

A questão do desenvolvimento no Brasil, todavia, perdeu espaço a partir da década de 1980 em razão de um conjunto de fatores que, entretanto, dada a síntese que se exige neste tipo de trabalho científico, podemos resumi-los à crise continuada do capitalismo que se instalou nos países centrais a partir do final da década de 60 e início da década de 70 do século findo, bem assim, à reação capitalista a essa crise, por meio da reestruturação produtiva e outras medidas inspiradas no ideário neoliberal.

Na década de 1960, os movimentos nacionalistas e de esquerda encontravam-se sobremaneira fortalecidos nos Estados Unidos e na Europa. De um lado, os Estados Unidos haviam sido derrotados no Vietnã e os países produtores de petróleo impuseram um choque nos preços desse produto, eliminando os pilares que sustentaram a fase áurea de crescimento econômico no centro do capitalismo. A União Soviética parecia ganhar terreno, levando muitos a acreditarem que estava próximo do fim do capitalismo ou, no mínimo, do fim da hegemonia norte-americana. No início dos anos 1970, o capitalismo entrou numa crise de superprodução que se tornou crônica, em razão do incremento da concorrência intercapitalista, da perda da lucratividade das empresas e do surgimento de uma capacidade ociosa acima da planejada, causados pela entrada maciça de produtos alemães e japoneses no mercado mundial a partir de 1960. A isso se somava o ímpeto do movimento sindical, provocando elevações de salários, impedindo que os capitalistas recompusessem a lucratividade por meio de redução de salários. Os Estados Unidos foram os mais afetados, de sorte que o dólar perdeu posição, provocando a crise do sistema financeiro internacional que se agregou à da superprodução (CORSI, 2002, p. 15).

Todavia, um conjunto de fatores permitiu uma virada da situação pelo capitalismo: o aumento do desemprego diante da crise econômica, fazendo aumentar vertiginosamente o exército industrial de reserva; a burocratização dos partidos de trabalhadores e dos sindicatos; e o fracasso das estratégias reformistas após o fim do socialismo soviético, o “débâcle” da União Soviética e a queda do muro de Berlim (CORSI, 2002, p. 15-16).

A reação capitalista, levada a efeito via grandes empresas, grandes bancos, fundos de investimento e pensão e importantes governos, dirigiu-se, de um lado, contra o Estado de Bem-Estar Social e contra os sindicatos, que, para os neoliberais seriam a raiz da crise; e de outro lado, mediante a busca de mercados mais amplos e desregulamentados e a reestruturação e reorganização da produção (CORSI, 2002, p. 16).

O que resultou dessa reação é exatamente o que caracteriza o atual momento do capitalismo globalizado:

“A constituição de oligopólios internacionais em importantes setores, a abertura das economias nacionais, a formação de mercados regionais, a utilização intensa de novas tecnologias, a organização de processos produtivos mais flexíveis, a redução da força de trabalho empregada, a introdução de vínculos variados e relativamente frouxos entre o trabalhador e a empresa, a realocação espacial em alguns países de vários segmentos produtivos e a marginalização de inúmeras regiões...” (CORSI, 2002, p. 16). 

Nesse contexto, abriu-se espaço para a preponderância de um capital financeiro rentista com a consolidação de um mercado de câmbio, de capitais e títulos de âmbito mundial, dificultando sobremaneira aos Estados controlar suas economias, pois o capital financeiro pressiona sempre por políticas de abertura das economias nacionais e por políticas deflacionistas. Tratando-se de um mercado financeiro global, sem coordenação e sem um padrão monetário estável, torna-se bastante difícil para os países subdesenvolvidos a adoção de políticas de desenvolvimento (CORSI, 2002, p. 16).

Para os países da América Latina, o receituário neoliberal foi praticamente uma imposição, por meio do “Consenso de Washington”, que é o nome informalmente atribuído às conclusões de uma reunião ocorrida na cidade de Washingon, envolvendo funcionários do governo norte-americano especializados em assuntos lationo-americanos (FMI, Banco Muncial e BID) e tendo como objetivo “proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região” (BATISTA, 1994, p. 99).  

No Brasil, a adesão aos postulados neoliberais deu-se a partir de 1989 com o Governo Collor e se aprofundou nas gestões do Governo de Fernando Henrique Cardoso, colocando por terra o modelo de desenvolvimento brasileiro e a política econômica externa que lhe dava apoio (BATISTA, 1994, p. 132). O que aconteceu no Brasil no auge da vigência das medidas neoliberais, como já é do conhecimento de todos, foi um aumento sem precedentes dos níveis de desemprego e da miséria, o desmonte de importantes empresas estatais, o arrocho salarial, o esfacelamento do serviço público, sucateamento das universidades federais etc., sem que isto tenha alterado para melhor a situação do país, muito pelo contrário.

A partir do segundo Governo do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, quando já se sabia do fracasso das medidas neoliberais em todos os lugares onde foram adotadas - inclusive nos países do Primeiro Mundo, onde a pobreza é crescente desde então até os dias presentes – algumas medidas têm sido adotadas em direção a uma retomada dos ideais de desenvolvimento. Sobre isso, vale a pena mencionarmos alguns dados extraídos de análise bastante recente realizada por Jorge Natal e Priscila Góes. 

Os referidos autores reputam como importantes modalidades de políticas de desenvolvimento novas formas de intervenção pública adotadas nas gestões do Presidente Lula e que têm sido continuadas no atual Governo que o sucede, as quais são, nominadamente: os Programas Bolsa Família e Luz Para Todos; políticas como a de atualização do salário mínimo e das aposentadorias a taxas superiores às da inflação; medidas como a ampliação significativa do crédito e ampliação dos investimentos em infraestrutura (principalmente, via PAC); como também as políticas de ampliação das Universidades Federais e de expansão  da rede de ensino profissional e de ampliação dos investimentos em C&T; a política de incentivo à agricultura familiar via PRONAF; e programas como o seguro-safra e de compra de alimentos, entre outros (NATAL e GÓES, 2011).

No caso do Programa Bolsa Família, os autores em referência o enxergam como um importantíssimo mecanismo de transferência de renda no país, na medida em que a fração da população mais alcançada tem sido a da face Norte do país, com destaque para o Nordeste, que concentra a metade dos cidadãos beneficiados pelo Programa no país e onde ficou mais da metade dos valores nele despendidos pelo Governo até 2010. A injeção desses recursos deve ter contribuído muito para a dinamização das economias das regiões mais pobres, especialmente o Nordeste, como também para ampliar seus mercados internos (NATAL e GÓES, 2011, p. 13).

O mesmo é considerado quanto ao Programa Luz Para Todos, o qual, tendo sido lançado em novembro de 2003, já tinha contemplado, até 2010, 13,9 milhões de pessoas, sendo o maior número também no Nordeste (6,9 milhões), seguido pela região Norte, com 2,7 milhões (NATAL e GÓES, 2011, p. 14).O efeito multiplicador da renda, por conta da monetarização propiciada diretamente pelo Programa Bolsa Família e indiretamente pelo Programa Luz Para Todos permitiu a ampliação do mercado interno regional, no Norte e, em especial, no Nordeste, o que atraiu inclusive a instalação de plantas industriais nessas regiões.

Os multicitados autores também demonstram que não apenas os Programas Bolsa Família e Luz Para Todos, mas também todas as demais políticas ou programas relacionados nesta resposta (v.g. políticas de atualização do salário mínimo e das aposentadorias a taxas superiores às da inflação; ampliação do crédito, ampliação dos investimentos em infraestrutura via PAC etc.) provocaram no seu conjunto um desenvolvimento econômico expressivo na face norte do país, com ênfase para a região Nordeste (NATAL e GÓES, 2011).

Todavia, essas medidas acima descritas são pontuais e ressentem-se de várias limitações, não podendo, por isso, ser consideradas, nem mesmo no seu conjunto, como uma efetiva política de desenvolvimento e integração nacional.

Sobre o autor
Marco Aurélio Lustosa Caminha

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região. Ex-Procurador Regional do Trabalho. Professor Associado de Direito na Universidade Federal do Piauí. Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco. Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (Buenos Aires, Argentina). Doutor em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMINHA, Marco Aurélio Lustosa. As raízes do subdesenvolvimento econômico do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4704, 18 mai. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49115. Acesso em: 22 dez. 2024.

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