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Artigo 299 do Código Eleitoral:

a corrupção eleitoral à luz do Tribunal Superior Eleitoral

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Agenda 18/07/2016 às 11:08

3. Questões processuais

3.1. Questões processuais relevantes

Da mesma forma que o crime de corrupção eleitoral em si suscita debates que demandam o exame verticalizado da matéria, há questões processuais a ele relativas que são de suma importância.

Outrossim, a fluidez da interpretação conferida à norma e a dinamicidade própria do Direito Penal Eleitoral são replicadas também no campo processual.

Por essas razões, dedica-se parte deste trabalho à análise de algumas das questões processuais mais relevantes que orbitam em torno do crime de corrupção eleitoral.

3.1.1. Gravação ambiental

O tema em epígrafe constitui uma das questões processuais de maior expressividade no âmbito do processo penal eleitoral quando se cuida da corrupção eleitoral.

Corruptores e corrompidos procuram, ao máximo, não deixar rastros de suas condutas. Muitas vezes, no entanto, a gravação ambiental – entendida como a captação de sons ou imagens realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento dos demais – consubstancia-se no único meio de prova do crime do artigo 299 do Código Eleitoral.

A respeito da matéria, o Tribunal Superior Eleitoral costuma posicionar-se de maneira pendular, ora tendendo à licitude, ora rechaçando-a.

Em julgado relativamente recente, o Tribunal consignou a licitude da prova, remetendo-se, inclusive, ao entendimento do Supremo Tribunal Federal assentado após o reconhecimento da repercussão geral da matéria. Trata-se do HC no 309-90, cuja ementa se segue:

“HABEAS CORPUS. AÇÃO PENAL. RECEBIMENTO DE DENÚNCIA. PREFEITO. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. ESCUTA CLANDESTINA. GRAVAÇÃO. INTERLOCUTOR. LICITUDE. PRECEDENTES DO STF. CASO DOS AUTOS. FRAGILIDADE DA PROVA. ORDEM CONCEDIDA.

 1.  O Supremo Tribunal Federal, após recenhecer repercussão geral sobre a matéria, assentou a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores para utilização em processo penal (RE 583.937, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 18.12.2009), entendimento que deve orientar a jurisprudência desta Corte Superior.

 2.  A licitude ou a ilicitude da prova, conforme assentado na doutrina e na jurisprudência, liga-se ao modo de sua obtenção, com desrespeito aos direitos fundamentais de privacidade e intimidade, e não a qualquer outra razão, como a motivação egoística, com fins eleitorais.

 3.  No caso dos autos, a gravação que embasou a denúncia é ilícita, assemelhando-se ao flagrante preparado. É incontroverso que o seu autor é historicamente apoiador dos adversários políticos do paciente e induziu todo o diálogo visando obter do seu interlocutor alguma declaração sobre o suposto oferecimento de bem ou vantagem em troca de votos, circunstância que comprometeu a necessária espontaneidade do diálogo travado.

 4.  Ordem concedida para trancar a ação penal.”[23]

Merece destaque, ainda, o excerto do voto condutor do acórdão:

“Aprofundando a reflexão sobre o tema, passo a adotar a orientação do Supremo Tribunal Federal, que é essencialmente diversa da existente nesta Corte Superior. A propósito, confira-se, por todos, precedente da Suprema Corte:

(...)

Alinho-me a esse entendimento por diversas razões.

Em primeiro lugar, porque realmente parece inexistir motivo para conferir mesmo tratamento à gravação clandestina (feita por um dos interlocutores ou por um dos presentes no ambiente monitorado e à interceptação clandestina (feita por terceira pessoa, não presente na conversa tampouco no ambiente monitorado). São situações bem distintas - sob a ótica da privacidade e da intimidade - que reclamam tratamento diverso.

Ademais, caso se entenda que a gravação por um dos interlocutores é ilícita, por afronta à privacidade, o depoimento sobre um diálogo também não poderia ser admitido como prova em juízo. E essa conclusão não me parece razoável, pois, se um dos interlocutores pode narrar em juízo uma conversa que teve e isso certamente é meio de prova (testemunhal), por que não poderia retratá-la (melhor e mais fielmente, inclusive) por meio da apresentação dessa conversa registrada em meio magnético? O registro é uma apenas forma de se demonstrar os fatos com a fidedignidade que muitas vezes escapa ao testemunho, bem como é maneira de o interlocutor poder provar o que alega em relação ao conteúdo do colóquio.

Idêntica conclusão foi assentada na RG-QO-RE 583.937, ReI. Min. Cezar Peluso, DJe de 17.12.2009 (...).

Também não vejo diferença - entre apresentar uma gravação e relatar uma conversa - que justifique tão forte proteção a uma suposta privacidade quando a própria pessoa a expõe de forma livre, consciente e espontânea.

Em terceiro lugar, não se pode confundir, sob o aspecto da utilização desse tipo de prova no processo eleitoral, licitude com valoração, por se tratar de institutos com implicações bem diversas.

É que, a rigor, a problemática da eventual indiscriminada produção de provas deste tipo (gravações clandestinas em sentido lato: telefônica e ambiental) não se relaciona à licitude ou à ilicitude da espécie probatória, salvo quando realmente se verificar que também obtidas com violação de direitos fundamentais (mas aí o fundamento da invalidade é este e não o fato de ser gravação).

Em outras palavras: não é porque no processo eleitoral há intensa disputa e eventual instigação a situações incriminadoras que se reputará ilícita a prova eventualmente colhida nessas circunstâncias.

A produção de prova, ainda que mediante a demonstração de ‘paixões condenáveis’ (termo utilizado na inicial do writ à folha 5), não a caracteriza, de plano, como ilícita, pois a característica de licitude ou de ilicitude da prova, conforme assentado na doutrina e na jurisprudê̂ncia, liga-se ao modo de sua obtenção, especificamente com desrespeito aos direitos fundamentais de liberdade, em especial privacidade e intimidade e não a qualquer outra razão, como motivação egoística, fins eleitorais, falta de ética, etc.

O fato de nas disputas eleitorais ser comum entre os adversários a busca por provas que comprometam a outra candidatura parece ter atraído ao Tribunal Superior Eleitoral, com a devida vênia dos que concordam com a tese, uma indevida consequência jurídica - a de se proclamar ilícita toda gravação clandestina (ambiental ou telefônica).

O mais correto, a meu sentir, não é excluir, a priori, sempre, a gravação ambiental e a telefô̂nica, e sim valorar este tipo de prova com muito cuidado.

Ou seja, se a prova tiver sido obtida por adversários políticos, com provocação ou induzimento de modo a se retirar da conversa o que se quer obter de declaração da outra parte, por exemplo, é claro que ela será muito frágil e poderá ser declarada imprestável, no caso concreto, diante do livre convencimento do magistrado.

Por outro lado, ao se declarar ilícita toda e qualquer gravação clandestina abrir-se-á espaço, por exemplo, a que gravações feitas por cidadãos interessados tão somente na lisura do pleito e do processo eleitoral (e que poderiam contribuir para tanto) sejam eliminadas como provas (com o consequente descarte das provas delas decorrentes). Isso acarreta duas consequências nefastas.

A primeira é o engessamento do sistema probatório processual, o que acabou ocorrendo, com a devida vênia dos que pensam de forma diversa, por argumentos equivocados quanto à natureza jurídica da ilicitude da prova.

A segunda é a impunidade que a adoção da premissa (de que toda e qualquer gravação clandestina seria ilícita) acaba acarretando. Isso porque, na espécie, não se está apenas a observar o sistema de garantias constitucionais aos investigados, mas sim indo-se além na seara eleitoral ao se assentar que nenhuma gravação telefô̂nica feita por um dos interlocutores (ou ambiental, por uma pessoa presente) pode ser usada como prova se não tiver sido previamente autorizada judicialmente.

Por fim, estar-se-á́, ainda que implicitamente, desautorizando o Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional. É que, pensando no sistema jurídico vigente, não vejo espaço - mesmo no â̂mbito do Tribunal Superior Eleitoral - para contrariar a posição da Suprema Corte sobre matéria constitucional, principalmente em sede de extensão de direitos fundamentais e suas restrições.

Ora, se ao Supremo é atribuída a guarda da Constituição, não pode outro Tribunal, mesmo superior, seja de que forma for (implícita ou explicitamente), dar exegese diversa aos parâmetros dos direitos fundamentais e das garantias individuais por ele definidos, mormente quando haja posição expressa e pacificada sobre o assunto naquela Corte.

Como consequência dessa linha de pensar, a prova colhida por um dos presentes ou interlocutores, consistente em gravação ambiental ou telefô̂nica, não deve ser declarada ilícita, mas valorada com parcimônia diante do conjunto probatório.

Nesse raciocínio, o peso que esta prova adquirirá - pelas especiais circunstâncias que envolvem o processo eleitoral – é questão a ser sempre aferida no caso concreto. Sendo certa ou muito provável a sua fragilidade, pelos ânimos e meios dirigidos à sua produção, deve ser avaliada com cuidado pelo julgador e preferencialmente acompanhada de outras provas.

Em conclusão, não se exclui a possibilidade de se declarar ilícita gravação clandestina em processo eleitoral. Diante das circunstâncias do caso concreto, pode-se reconhecer a contaminação dessa prova pela forma de sua obtenção: com violação às garantias de liberdade e privacidade.

Em sendo verificada qualquer hipótese de obtenção de prova em desacordo com as garantias constitucionais aos direitos fundamentais (v.g.: infiltração de agentes não autorizada judicialmente, flagrante preparado pela polícia, etc.), deve-se sem dúvida declarar sua imprestabilidade e a das dela decorrentes. Mas isso decorrerá, repita-se, de afronta a direitos e garantias individuais e não do fato de nas disputas eleitorais ‘poder haver’ estratagema ou premeditação na produção dessas provas.

Desse modo, revelo meu anterior posicionamento e reconheç̧o, quanto aos processos penal eleitoral e cível eleitoral, a licitude das gravações ambientais realizadas sem autorização judicial e sem o conhecimento de um dos interlocutores, desde que sem violação às garantias de liberdade e privacidade, motivo pelo qual rejeito a alegação dos impetrantes acerca da matéria.”

Por outro lado, é fato que a orientação contrária predominou ao menos de meados de 2012 até pouco tempo atrás. Por todos, cito o seguinte precedente:

“CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO - PROVA ILÍCITA - GRAVAÇÃO AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. CONTAMINAÇÃO DA PROVA DERIVADA. EFEITOS DA NULIDADE. INICIAL. INDEFERIMENTO. RECURSO PROVIDO.

 1. No âmbito da Justiça Eleitoral, o poder de polícia pertence exclusivamente ao Juiz Eleitoral. Razões históricas que remontam a própria edição do Código Eleitoral de 1932 bem demonstram a razão de assim ser.

 2. São nulas as atividades exercidas pelos agentes da Polícia Federal que deveriam ter comunicado à autoridade judiciária, ou ao menos ao Ministério Público Eleitoral, desde a primeira notícia, ainda que sob a forma de suspeita, do cometimento de ilícitos eleitorais, para que as providências investigatórias - sob o comando do juiz eleitoral - pudessem ser adotadas, se necessárias.

 3. O inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante requisição do Ministério Público ou da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante, quando o inquérito será instaurado independentemente de requisição (Res.-TSE nº 23.222, de 2010, art. 8º).

 4. A licitude da interceptação ou gravação ambiental depende de prévia autorização judicial. Ilicitude das provas obtidas reconhecida.

 5. Inicial e peça de ingresso de litisconsorte ativo que fazem referência apenas às provas obtidas de forma ilícita. Não sendo aproveitáveis quaisquer referências aos eventos apurados de forma irregular, as peças inaugurais se tornam inábeis ao início da ação, sendo o caso de indeferimento (LC 64, art. 22, I, c).

 6. Considerar como nula a prova obtida por gravação não autorizada e permitir que os agentes que a realizaram deponham sobre o seu conteúdo seria, nas palavras de José Carlos Barbosa Moreira, permitir que "a prova ilícita, expulsa pela porta, voltaria a entrar pela janela".

 7. Preliminar de ilicitude da prova acolhida, por maioria. Prejudicadas as demais questões. Recurso provido para julgar a representação improcedente.”[24]

É de ressaltar, ainda, que o Tribunal Superior Eleitoral vem, inclusive, analisando os casos a ele submetidos de forma cada vez mais casuística, no sentido diferenciar situações nas quais a gravação ocorre em ambientes públicos, sem violação à intimidade ou à privacidade – lícita, portanto – e outras consubstanciadas em encontros privados, restritos – ilícitas, pois.

Apesar da jurisprudência oscilatória do Tribunal Superior Eleitoral, há de se fazer o registro a recente fato notório e de enorme repercussão em que o Pretório Excelso respaldou-se também em uma gravação ambiental para determinar a prisão – em caráter precário, bem verdade – de um então Senador da República[25], o que indica um caminho a ser tomado pela Justiça Eleitoral.

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Em tempo, merece destaque julgado realizado no ano de 2016 pelo Tribunal Superior Eleitoral, por meio do qual, com apertada maioria, concluiu que, ainda que a gravação tenha sido considerada ilícita em relação àquele que a desconhecia, ela pode ser considerada lícita em relação aos eleitores que a registraram e receberam dinheiro em troca de voto.

Os fundamentos utilizados pelos julgadores foram os de que não seria permitido aos eleitores aproveitar-se da ilicitude a que deram causa. Além disso, não teria havido, em relação a eles, violação à privacidade e à intimidade, na medida em que eles próprios procederam à diligência[26].

3.1.2. Institutos despenalizadores

Nada obstante alguma celeuma doutrinária havida imediatamente após a edição da Lei no 9.099/1995, as atuais doutrina (GOMES, 2008, p. 94-102) e jurisprudência são majoritariamente no sentido de que a suspensão condicional do processo – artigo 89 da aludida lei – aplica-se ao processo penal eleitoral, notadamente no caso do crime de corrupção eleitoral.

Do Tribunal Superior Eleitoral, destacam-se os seguintes acórdãos:

“RECURSO EM HABEAS CORPUS. CORRUPÇÃO ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. DESCABIMENTO. DESCUMPRIMENTO DE UMA DAS CONDIÇÕES IMPOSTAS. PRORROGAÇÃO DO BENEFÍCIO. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

HABEAS CORPUS. CONCESSÃO DA ORDEM. PROPOSTA DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. MINISTÉRIO PÚBLICO.

 1.  Tendo o Parquet permanecido silente, até o momento, concede-se a ordem para que o órgão ministerial se manifeste sobre o sursis processual a que se refere o art. 89 da Lei nº 9.099/95”.[27]

“HABEAS CORPUS. CRIME ELEITORAL. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. INCLUSÃO EM PAUTA DE JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL CONTRA O PACIENTE. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO NOS TERMOS DO ART. 4º DA LEI N. 8.038/90. ORDEM CONCEDIDA.

 1. Ao concluir pela inclusão em pauta de julgamento da ação penal oferecida contra o Paciente, o Tribunal Regional Eleitoral do Ceará não observou a sua necessária notificação prévia para que oferecesse resposta à denúncia, nos termos estabelecidos no art. 4º da Lei n. 8.038/90, nem a proposta de suspensão condicional do processo penal, formalizada pelo Ministério Público. Constrangimento ilegal configurado.

 2. Ordem concedida.”[28]

Habeas Corpus - Crime - Art. 299 do Código Eleitoral - Suspensão condicional do processo - Art. 89 da Lei nº 9.099/95 - Proposta não formulada pelo Ministério Público perante o juiz eleitoral - Manifestação da Procuradoria Regional em grau de recurso - Providência adotada pela Corte Regional - Impossibilidade - Concessão da ordem.[29]

Contudo, não se pode olvidar do posicionamento, por ora minoritário, de Antonio Carlos da Ponte (2008, p. 112-113) acerca da impossibilidade da suspensão condicional do processo no caso de corrupção eleitoral ativa:

“A doutrina e a jurisprudência, em matéria eleitoral, não divergem no sentido de que em tese é possível a suspensão condicional do processo (sursis processual) nos crimes de corrupção eleitoral ativa e passiva, previstos no artigo 299 do Código Eleitoral, tomando-se por base a pena mínima cominada aos autores de tais infrações, que não supera um ano.

Não se discute o posicionamento em relação à corrupção eleitoral passiva, dadas as peculiaridades que envolvem tal infração e as particularidades da ação de seus supostos autores, que por vezes trocam o único resquício que lhes resta de cidadania – o voto – por um prato de comida, (...). Porém, o mesmo não pode ser afirmado em relação à corrupção eleitoral ativa.

A análise descontextualizada do crime de corrupção eleitoral ativa, que comina aos seus autores uma pena privativa de liberdade mínima de um ano, e a disposição contida no artigo 89 da Lei no 9.099/95 levam, num primeiro momento, à conclusão singela de que a apontada infração penal é passível da suspensão condicional do processo. Todavia, a avaliação do ordenamento jurídico-penal e do papel destinado aos mandados de criminalização conduzem à conclusão bem distinta.

O combate à corrupção eleitoral ativa é necessidade decorrente de um mandado implícito de criminalização contido na Constituição Federal, posto que referido delito corrói os alicerces de um Estado Democrático de Direito e os próprios fundamentos da República enunciados nos incisos I, II, III e V do artigo 1o da Constituição Federal. Logo, o interesse público exige que seus autores tenham a conduta que lhes é atribuída apreciada efetivamente por parte do Poder Judiciário, dada a relevância da imputação, que não impede a adoção de medidas no campo administrativo-eleitoral, que podem resultar na perda do registro da candidatura ou até mesmo na desconstituição do ato de diplomação. Ademais, não teria sentido alguma o suposto autor de tal crime, que também caracteriza infração administrativa na esfera eleitoral, ser julgado pela via administrativa e, concomitantemente, ser beneficiado com a suspensão de seu processo criminal.

O interesse público, a lisura do processo eleitoral e a soberania do voto não podem se curvar a uma interpretação simplista que condena o Estado, atenta contra os alicerces democráticos e beneficia exclusivamente o suposto criminoso.

As consequências reservadas no campo administrativo-eleitoral ao responsável por suposta corrupção eleitoral ativa e os fundamentos alinhavados anteriormente impedem a formalização da proposta de suspensão condicional do processo por parte do titular da ação penal.”

Quanto à transação penal – artigo 76 da Lei no 9.099/1995 – embora haja divergência doutrinária acerca da aplicabilidade no processo penal eleitoral, é certo que ela não é admitida para o crime de corrupção eleitoral.

Como a sanção máxima do delito é de 4 anos, ele não pode ser considerado como de menor potencial ofensivo. Por conseguinte, incabível a transação penal na espécie (Lei no 9.099/1995, artigo 61 c/c artigo 76 (FILHO, 2012, p. 255).

Por fim, apesar da realização de buscas no sítio eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral, não foi encontrado precedente específico sobre transação penal em casos de corrupção eleitoral, até, provavelmente, pela singeleza da questão.

3.1.3. Oitiva de corréu como testemunha

Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, o crime de corrupção eleitoral não é bilateral, porquanto a existência de um crime de corrpução eleitoral passiva não importa, tampouco pressupõe, obrigatoriamente, a ocorrência da corrupção ativa (STOCO, 2014, p. 594).

No entanto, a realidade demonstra ser comum, até certo ponto, a existência concomitante das duas figuras típicas. É o caso, por exemplo, de cabo eleitoral que ofereça passagens aéreas a alguns eleitores para que se comprometam a votar em determinado candidato. Aceita a oferta, há a ocorrência tanto da corrupção eleitoral ativa (por parte do cabo eleitoral), quanto da passiva (pelos eleitores).

Diante disso, aventa-se a possibilidade de um dos eleitores corrompidos ser indicado como testemunha do cabo eleitoral, apesar de corréu.

Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral, com esteio na jurisprudência também do Supremo Tribunal Federal, rechaça essa possibilidade, porquanto “o sistema processual brasileiro não admite a oitiva de corréu na qualidade de testemunha”[30], nem mesmo na qualidade de informante, na medida em que essa testemunha sequer tem o dever de falar a verdade ou prestar compromisso, nos termos do artigo 203 do Código de Processo Penal. Sua participação no processo, portanto, como testemunha ou informante, fica comprometida em razão de sua parcialidade.

Ademais, como ressaltado no julgamento do REspe nº 1-98,

“o fato de o Ministério Público partir para a observâ̂ncia da divisibilidade da ação penal pública não transmuda coautor em testemunha. Entendimento diverso implica contrariar a ordem natural das coisas, agasalhar estratégia não o compreendida pelo sistema”[31].

3.1.4. Prisão preventiva

Até o advento da Lei no 12.403/2011, que alterou o Código de Processo Penal, a prisão preventiva era, em tese, cabível no crime de corrupção eleitoral, desde que preenchidos os requisitos legais.

É o que se depreende, contrario sensu, do seguinte posicionamento do Tribunal Superio Eleitoral:

“HABEAS CORPUS. CRIME ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO ABSTRATA. ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. ORDEM CONCEDIDA.

 1. A prisão imposta antes do trânsito em julgado de sentença penal condenatória exige concreta fundamentação, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal.

 2. Não tendo sido demonstradas pelo magistrado as circunstâncias objetivas que justificariam a manutenção da custódia preventiva, deve ser deferido o pedido de liberdade provisória dos pacientes.

 3. Ordem concedida.”[32]

Contudo, com as alterações promovidas pela citada lei, não há mais possibilidade de prisão preventiva no crime de corrupção eleitoral, salvo se o agente for condenado por outro crime doloso.

Isso porque, segundo a nova redação dos artigos 312 e 313 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva “poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”, sendo admitida “nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos”, o que não é o caso da corrupção eleitoral, cuja pena máxima é de 4 anos.

Assim, apenas na hipótese de o agente ser reincidente em crimes dolosos (artigo 313, II, do Código de Processo Penal), poderá ser decretada a prisão preventiva, desde que, por óbvio, presentes os requisitos do citado artigo 312 do mesmo Código.

Aliás, do mesmo modo que a prisão preventiva no processo penal comum, a prisão preventiva é, hodiernamente, medida excepcional.

3.1.5. Rito processual

O processo é o instrumento por meio do qual a jurisdição se realiza, afirmando-se os direitos humanos e fundamentais, além dos princípios concernentes ao Estado Democrático de Direito. Difere-se do procedimento (ou rito), o qual corresponde à técnica que organiza e normatiza a atividade desenvolvida no processo, constituindo o aspecto exterior, perceptível do processo (GOMES, 2015, p. 303).

Tradicionalmente, entendia-se que o rito do processo penal eleitoral, tanto o de competência do 1o grau de jurisdição quanto o de competência originária dos Tribunais, seria o previsto no Código Eleitoral, artigos 355 e seguintes, sem prejuízo da aplicação subsidiária do Código de Processo Penal, nos termos do artigo 364 do Código Eleitoral (CÂNDIDO, 2006, p. 685). Com a edição da Lei nº 8.038/1990, o Tribunal Superior Eleitoral passou a adotar, nas ações penais originárias de sua competência, o rito nela previsto.

Ocorre que as alterações promovidas pela Lei nº 11.719/2008 no Código de Processo Penal, notadamente em seu artigo 394, impactaram diretamente o processo penal eleitoral.

A nova redação do artigo, conferida pela mencionada lei, é a seguinte:

“Art. 394.  O procedimento será comum ou especial.

§ 1o O procedimento comum será ordinário, sumário ou sumaríssimo: (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

I - ordinário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada for igual ou superior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

II - sumário, quando tiver por objeto crime cuja sanção máxima cominada seja inferior a 4 (quatro) anos de pena privativa de liberdade; (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

III - sumaríssimo, para as infrações penais de menor potencial ofensivo, na forma da lei. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 2o Aplica-se a todos os processos o procedimento comum, salvo disposições em contrário deste Código ou de lei especial. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 3o Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 4o As disposições dos arts. 395 a 398 deste Código aplicam-se a todos os procedimentos penais de primeiro grau, ainda que não regulados neste Código. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).

§ 5o Aplicam-se subsidiariamente aos procedimentos especial, sumário e sumaríssimo as disposições do procedimento ordinário. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008).”

A partir do disposto no transcrito § 4o, houve o surgimento de duas correntes interpretativas.

A primeira defende que os procedimentos criminais especiais, dentre os quais o rito processual eleitoral, devem observar obrigatoriamente as disposições dos artigos 395 a 397 do Código de Processo Penal[33] e, somente ultrapassada essa fase do procedimento, o Código Eleitoral será aplicado.

Além da literalidade da norma, argumenta-se que as regras introduzidas pela Lei nº 11.719/2008 são mais benéficas ao réu e, ademais, dotadas de boa técnica processual. Não bastasse tudo isso, coadunam-se melhor com os princípios do devido processo legal e da ampla defesa (GOMES, 2015, p. 306), mormente porque o artigo 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, fixou o interrogatório do réu como o último ato da instrução penal[34], ao contrário do que dispõe o artigo 359 do Código Eleitoral.

Por outro lado, parte da doutrina entende que se deve considerar o princípio da especialidade, razão pela qual deveriam prevalecer as regras processuais insculpidas na legislação eleitoral.

Logo após o advento da Lei nº 11.719/2008, o Tribunal Superior Eleitoral adotou a segunda corrente, exatamente pela especificidade do rito processual eleitoral[35].

Contudo, posteriormente, o órgão máximo da Justiça Eleitoral alterou seu entendimento, determinando, pois, a aplicação das alterações introduzidas pela Lei nº 11.719/2008 ao Código de Processo Penal, por serem mais benéficas ao réu. Confira-se a ementa respectiva:

“HABEAS CORPUS. DENÚNCIA RECEBIDA PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU QUANDO O ACUSADO ESTAVA AFASTADO DO CARGO DE PREFEITO, EM VIRTUDE DA CASSAÇÃO DO MANDATO EM SEDE DE AIME. REASSUNÇÃO POSTERIOR AO CARGO. CONVALIDAÇÃO DOS ATOS. INTERROGATÓRIO DO RÉU NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. ATO FINAL DA FASE INSTRUTÓRIA. ADOÇÃO DO RITO MAIS BENÉFICO DOS ARTS. 396 E SEGUINTES DO CPP AO PROCESSO PENAL ELEITORAL. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

 1. Não padece de nulidade a decisão do magistrado eleitoral que recebe denúncia contra o acusado que, à época, estava afastado do cargo de prefeito, em razão da procedência de ação de impugnação de mandato eletivo.

 2. A posterior diplomação em cargo com prerrogativa de foro, que importe em modificação superveniente de competência, não invalida os atos já praticados no processo, nem exige a respectiva ratificação. Precedente.

 3. Ainda que o acórdão regional que anulou a sentença de procedência da AIME tenha sido proferido antes do recebimento da denúncia pelo juiz de primeiro grau, a Corte Regional não determinou a execução imediata do julgado, o que afasta a competência por prerrogativa de foro, que somente veio a incidir após a concessão de liminar que determinou a recondução do ora paciente ao cargo de prefeito.

 4. Sendo mais benéfico para o réu o rito do art. 400 do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei nº 11.719/2008, que fixou o interrogatório do réu como ato derradeiro da instrução penal, o procedimento deve prevalecer nas ações penais eleitorais originárias, em detrimento do previsto no art. 7º da Lei nº 8.038/90. Precedentes do STF e desta Corte.

 5. Ordem parcialmente concedida para determinar que seja obedecida a disciplina do art. 400 do CPP, em harmonia com o rito dos arts. 396 e seguintes.”[36]

Aliás, o tema encontra-se pacificado no âmbito da Corte Superior Eleitoral, tanto que ao expedir a Resolução nº 23.396/2013, que dispõe sobre a apuração de crimes eleitorais, o Tribunal nela fez consignar expressamente, em seu artigo 13, que

“Art. 13. A ação penal eleitoral observará os procedimentos previstos no Código Eleitoral, com a aplicação obrigatória dos artigos 395, 396, 396-A, 397 e 400 do Código de Processo Penal, com redação dada pela Lei n° 11.971, de 2008. Após esta fase, aplicar-se-ão os artigos 359 e seguintes do Código Eleitoral.”

Desta feita, em linhas gerais, o rito processual aplicado aos processos penais eleitorais é o seguinte:

a) concluído o inquérito policial, a denúncia é oferecida em até 10 dias (artigo 357 do Código Eleitoral);

b) o juiz eleitoral verifica se a denúncia não padece dos vícios enumerados no artigo 395 do Código do Processo Penal; caso apresente algum deles, será rejeitada liminarmente;

c) hígida a denúncia, será recebida e o acusado citado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias (artigo 396 do Código de Processo Penal);

d) o acusado poderá arguir preliminares e “tudo o que interesse à sua defesa”, juntar documentos e justificações, especificar provas e arrolar testemunhas (artigo 396-A do Código de Processo Penal);

e) o juiz absolverá sumariamente o acusado na hipótese de verificar uma das situações descritas no artigo 397 do Código de Processo Penal; caso contrário, designará audiência de instrução[37];

f) encerrada a instrução, as partes disporão do prazo sucessivo 5 dias para apresentarem suas alegações finais, a começar pela acusação (artigo 360 do Código Eleitoral);

g) os autos, então, serão conclusos no prazo de 48 horas ao magistrado, que terá 10 dias para proferir a sentença (artigo 361 do Código Eleitoral);

h) da decisão absolver ou condenar o réu, cabe recurso ao Tribunal Regional, a ser interposto no prazo de 10 dias (artigo 362 do Código Eleitoral).

Com relação ao procedimento nos crimes eleitorais de competência originária – para aqueles acusados detentores de foro por prerrogativa de função –, será, como visto, o da Lei nº 8.038/1990, por força da Lei nº 8.658/1993. Ei-lo:

a) apresentada a denúncia, o acusado será notificado para respondê-la no prazo de 15 dias (artigo 4º, caput, da Lei nº 8.038/1990);

b) na hipótese de juntada de novos documentos com a resposta, o Ministério Público Eleitoral será ouvido no prazo de 5 dias (artigo 5o, caput, da Lei nº 8.038/1990);

c) o Tribunal deliberará acerca do recebimento da denúncia, com a possibilidade de sustentação oral pelas partes pelo prazo de 15 minutos (artigo 6º, caput e § 1º, da Lei nº 8.038/1990); caberá ao Tribunal receber ou rejeitar a denúncia, ou ainda julgar improcedente a acusação (artigo 6º, caput, da Lei nº 8.038/1990);

d) segundo o artigo 7º, caput, da Lei nº 8.038/1990, recebida a denúncia, será designada data para o interrogatório do réu, que deverá ser citado para o interrogatório – o Ministério Público Eleitoral será intimado; no entanto, consoante o entendimento atual do Tribunal Superior Eleitoral, já mencionado, o interrogatório passou a ser realizado ao final da instrução, à luz do artigo 400 do Código de Processo Penal[38];

e)  apresentada a defesa prévia (artigo 8º da Lei nº 8.038/1990), proceder-se-á à à instrução, conforme artigos 9º e 10;

f) as partes, então, apresentarão alegações finais no prazo sucessivo de 15 dias, começando pela acusação (artigo 11, caput, da Lei nº 8.038/1990), sem prejuízo de o relator determinar a realização de provas reputadas imprescindíveis para o julgamento da causa (artigo 11, § 3º, da Lei nº 8.038/1990);

g) encerrada a instrução, o Tribunal procederá ao julgamento, assegurada às partes a sustentação oral no prazo de uma hora, assegurado ao assistente um quarto do tempo da acusação (artigo 12 da Lei nº 8.038/1990);

h) do acórdão do Tribunal Regional Eleitoral caberá recurso especial eleitoral dirigido ao Tribunal Superior Eleitoral e, do acórdão deste, é cabível o recurso extraordinário, ambos no prazo de 3 dias, a teor do que dispõe Súmula nº 728 do Supremo Tribunal Federal[39].

Sobre o autor
Pedro Luiz Barros Palma da Rosa

Bacharel em Direito pela UFMG. Especialista em Direito Eleitoral pelo Centro Universitário UNI-BH e em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damásio. Analista Judiciário do TRE-MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Pedro Luiz Barros Palma. Artigo 299 do Código Eleitoral:: a corrupção eleitoral à luz do Tribunal Superior Eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4765, 18 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50355. Acesso em: 22 nov. 2024.

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