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Da Possibilidade de lavratura de escritura pública de cessão de direitos hereditários de bem imóvel singularmente considerado sem anuência de todos os herdeiros

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Agenda 14/07/2016 às 13:24

Há possibilidade de lavratura da escritura pública de cessão de direitos hereditários pelo coerdeiro no caso de disposição de bem pertencente ao espólio, singularmente considerado, em contraposição à praxe cartorária?

RESUMO: A cessão de direitos hereditários é o contrato mediante o qual se opera a transmissão de direitos provenientes de sucessão, enquanto não dados à partilha. O Código Civil de 2002 trouxe a cessão de direitos hereditários em seu artigo 1.793. Sob a luz dos planos da existência, validade e eficácia, além de princípios constitucionais que oxigenam o ordenamento jurídico com o advento do Estado Social, pretende-se desenvolver a tese de possibilidade de lavratura da escritura pública de cessão de direitos hereditários pelo coerdeiro no caso de disposição de bem pertencente ao espólio, singularmente considerado, em contraposição à praxe cartorária.

PALAVRAS-CHAVE: Cessão; herança; imóvel; bem; singular.

ABSTRACT: The assignment of hereditary rights is the contract through which operates the broadcast rights from succession, while no apportionment. The Civil Code of 2002 brought the assignment of hereditary rights in Article 1.793. In light of the plans of existence, validity and effectiveness, as well as constitutional principles that oxygenate the legal system with the advent of the welfare state, it is intended to develop the thesis of the possibility of drawing up the deed of assignment of hereditary rights by coheir in case of disposal of property belonging to the estate, singularly considered, as opposed to registry practice.

KEYWORDS: Assignment; estate; real estate; property; singular.


DA CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS

A cessão de direitos hereditários é o contrato mediante o qual se opera a transmissão de direitos provenientes de sucessão, enquanto não dados à partilha.

Em outras palavras, Maria Helena Diniz[1] leciona:

A herança é um valor patrimonial, mesmo que os bens que a constituam ainda não estejam individualizados na quota dos herdeiros, daí a possibilidade de transmissão por ato inter vivos, independentemente de estar concluído o inventário. É a hipótese em que se configura a cessão de herança, gratuita ou onerosa, consistindo na transferência que o herdeiro, legítimo ou testamentário, faz a outrem de todo o quinhão hereditário ou de parte dele, que lhe compete após a abertura de sucessão.

Para tanto, deve-se fazer a diferenciação entre a cessão de direitos hereditários universal, em que se transferem todos os direitos do cedente ou a sua quota; a parcial, em que se transfere apenas parte dos direitos do cedente ou de sua quota; e a singular, em que é transferido apenas um bem pertencente ao espólio.

O Código Civil de 2002 trouxe a cessão de direitos hereditários em seu artigo 1.793, abaixo colacionado:

Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

§ 1o Os direitos, conferidos ao herdeiro em conseqüência de substituição ou de direito de acrescer, presumem-se não abrangidos pela cessão feita anteriormente.

§ 2o É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente.

§ 3o Ineficaz é a disposição, sem prévia autorização do juiz da sucessão, por qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

Nesse diapasão, o Código Civil atual, ao tratar sobre a cessão de herança, determina ser ineficaz a disposição pelo coerdeiro de bem pertencente ao espólio, singularmente considerado, antes da partilha. Sendo assim, ainda preservando o espólio a característica de universalidade de bens e direitos, é ineficaz a disposição sobre um bem específico, pois nenhum herdeiro tem a propriedade sobre bens singulares, mas possuem uma quota parte dessa universalidade de bens e direitos, ainda pendentes de especificação em ulterior partilha.

PRAXE CARTORÁRIA

O efeito mais relevante da lavratura da escritura pública da cessão de direitos hereditários talvez seja a produção de efeitos em relação a terceiros, o que evita muitos percalços aos adquirentes.

O registro pelo Cartório da cessão de direitos é previsto pelo artigo 129 da Lei de Registros Públicos e 1793 do Código Civil, nos seguintes temos:

Art. 129. Estão sujeitos a registro, no Registro de Títulos e Documentos, para surtir efeitos em relação a terceiros:

(...)

9º) os instrumentos de cessão de direitos e de créditos, de sub-rogação e de dação em pagamento

Art. 1.793. O direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública.

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No entanto, no que diz respeito à cessão de direitos hereditários de bem singularmente considerado, os Cartórios de Registros de Imóveis, em sua maioria, não lavram a escritura pública quando não é realizada por todos os cedentes, a não ser que haja alvará judicial. Para exemplificar esse entendimento, seguem trechos retirados de sítios eletrônicos de Cartórios de Registro de Imóveis:

Conforme parágrafos 2º e 3º do referido artigo, é ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado singularmente. Assim, para ser lavrada uma escritura pública de cessão de direitos hereditários de um bem singularmente considerado, um bem específico da herança, havendo mais herdeiros, deve ser apresentada ao Tabelionato a autorização judicial específica para poder ser feira a escritura (Alvará Judicial). Já quando a cessão é de todo o acervo hereditário (integralidade do quinhão daquele herdeiro que está cedendo), não precisará de prévia autorização judicial[2].

O texto do § 2º, do art. 1793, do Código Civil, a princípio criou grande celeuma no mundo jurídico, no sentido de sabermos se é ou não imprescindível a expedição de prévio alvará judicial, para a lavratura da escritura de cessão de direitos hereditários.

“É ineficaz a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerados singularmente.”

Entendo, s.m.j., que é dispensável a expedição de prévio alvará judicial, desde que haja unanimidade entre todos os interessados na sucessão, deverão todos ser maiores e capazes e que sobre o bem cedido não haja qualquer restrição[3].

Diante disso, é possível observar que a praxe Cartorária, salvo raras exceções, entende que o parágrafo terceiro do artigo 1.793 do Código Civil veda a realização de cessão de direitos hereditários feitos por coerdeiro de imóvel singularmente considerado pertencente ao espólio. Isso posto, apenas permitem a lavratura de escritura pública nos casos em que todos os cedentes estão concordes com a alienação do bem singular, ou quando o coerdeiro cede somente sua cota, respeitado o direito de preferência previsto no artigo 1.794 do NCC.


DA INTERPRETAÇÃO DO § 3o ARTIGO 1.793 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O § 3º do artigo 1.793 enuncia que é ineficaz a cessão feita por coerdeiro, antes de autorização judicial, de imóvel pertencente ao acervo hereditário, pendente a indivisibilidade.

A finalidade dessa norma é impedir que o cessionário seja prejudicado com a cessão de um bem singular, que com a partilha, não caberá ao cedente.

Da redação do artigo, em uma simples interpretação literal, podemos concluir que, havendo autorização judicial, a cessão realizada por coerdeiro de um bem singular é eficaz; assim como a cessão feita por todos os herdeiros, sem necessidade de autorização judicial, e a cessão de bem singular feita por herdeiro único, eis que ao mesmo caberá todos os bens do espólio.

Dos planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico

Faz-se imperioso, para o presente trabalho acadêmico, distinguir os planos de existência, validade e eficácia do negócio jurídico.

Esses planos devem ser analisados separadamente, pois para cada um existem requisitos específicos, ou seja, um negócio jurídico pode cumprir os requisitos de existência (elementos), portanto existe, mas não atender aos requisitos do plano de validade (regularidade), portando inválido.

Os requisitos de existência são: declaração de vontade, finalidade negocial e idoneidade do objeto. Ou seja, o agente deve manifestar sua vontade, ou ter conduta ou omissão que a lei declare como presunção de manifestação de vontade; ter como objetivo adquirir, modificar ou extinguir direitos; e o objeto deve ser idôneo, como por exemplo, para constituição de uma hipoteca, é necessário que o bem dado em garantia seja imóvel, navio ou avião (GONÇALVES, 2008. P. 316).

Para validade de um negócio jurídico, o Código Civil traz expressamente os requisitos em seu artigo 104:

Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:

I – agente capaz;

II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;

III – forma prescrita ou não defesa em lei.

O não cumprimento dos requisitos de validade do negócio jurídico pode ser penalizado pelo sistema jurídico como nulo (nulidade absoluta), não produzindo efeitos, ou anulável (nulidade relativa), produzindo efeitos até a declaração de nulidade.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves[4]:

Pode, também, o negócio jurídico existir, ser válido, mas não ter eficácia, por não ter ocorrido ainda, por exemplo, o implemento de uma condição imposta. O plano da eficácia é onde os fatos jurídicos produzem seus efeitos, pressupondo a passagem pelo plano da existência, não, todavia, essencialmente, pelo plano da validade.

Sendo assim, tanto pode existir um negócio jurídico inválido que produza efeitos, quanto um negócio válido que não produza efeitos.

No caso da cessão de direitos hereditários de bem singular realizada por coerdeiro, a lei impõe sua invalidade enquanto perdurar a condição de indivisibilidade do espólio, ou seja, enquanto não ultimada a partilha de bens. Por esse motivo, alguns operadores do direito entendem que essa cessão possui uma condição que subordina os efeitos do negócio jurídico a evento futuro e incerto: a propriedade do bem cedido caber ao herdeiro cedente.

Da condição

A condição é um elemento acidental do negócio jurídico, assim como o termo e o encargo. Difere dos demais por subordinar os efeitos do negócio a evento futuro e incerto (art. 121, CC), ao contrário do termo (evento futuro e certo) e diferente do encargo (ônus a um beneficiário).

Carlos Roberto Gonçalves[5] leciona:

Condição é o acontecimento futuro e incerto de que depende a eficácia do negócio jurídico. Da sua ocorrência depende o nascimento ou a extinção de um direito(...).

(...) um ato negocial é condicional quando seu efeito, total ou parcial, depende de um acontecimento futuro e incerto.

Há dois tipos de condição: a resolutiva e a suspensiva. A condição resolutiva é aquela em que o negócio jurídico produz efeitos até o implemento da condição (art. 127, CC), enquanto que, havendo condição suspensiva, o direito não é adquirido enquanto não verificado o evento (art. 125, CC).

Portanto, a cessão de direitos hereditários de que trata o presente artigo é ato negocial sob condição suspensiva, ou seja, não produz efeitos até a partilha de bens, em que o bem cedido deverá caber ao herdeiro cedente, ou ao próprio cessionário, eis que se sub-roga nos direitos do herdeiro.

Na eventualidade do evento futuro e incerto não se verificar, o negócio será resolvido, e o coerdeiro cedente ficará obrigado a restituir o valor pago antecipadamente (art. 876, CC).

Dessa forma, conclui-se que, o § 3º do art. 1.793 do Novo Código Civil, em uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, não tinha como objetivo a vedação da realização da cessão de direitos hereditários de bem singular feita por coerdeiro sem autorização judicial, mas sim de subordinar os efeitos dessa cessão ao implemento da condição de que o bem seja transmitido ao herdeiro cedente.


DA POSSIBILIDADE DE LAVRATURA DA ESCRITURA PÚBLICA

A negativa dos Cartórios gira entorno exatamente da expressão “é ineficaz”, sem que haja uma interpretação com base nos conhecimentos doutrinários sobre eficácia e nas normas relativas à condição. Portanto, os Registros de Títulos e Documentos apenas permitem a lavratura de escritura pública das cessões em que haja alvará judicial.

Ocorre que, de todo o acima exposto, pode-se afirmar que há duas possibilidades inseridas no § 3º do art. 1.793 do CC: A primeira é de produção de efeitos imediata, mediante alvará judicial; e a segunda de suspensão desses efeitos até a partilha.

Esse é o entendimento doutrinário, trazido brilhantemente por Maria Helena Diniz[6]:

Também não terá eficácia a disposição, sem prévia autorização judicial de qualquer herdeiro, de bem componente do acervo hereditário considerado individualmente (p. ex., o apartamento 418 do Edificio Sol e Mar), pendente a indivisibilidade (CC, art. 1.793, § 3º do CPC, art. 992, I). Por isso, Mauro Antonini pondera que pelo § 3º do art. 1.793, ao prever a ineficácia da autorização judicial, será possível que a cessão se torne eficaz com ulterior autorização judicial, convalidando-a, ou, ainda, se, feita a partilha, o bem concedido venha a compor o quinhão do cedente. Se algum co-herdeiro quiser alienar bens da herança, dependerá da autorização do juiz, que preside o processo do inventário, que para, tanto, averiguará se há anuência dos demais co-herdeiros.

Corrobora com tal entendimento, o julgado do REsp 546.077, cuja relatora é a I. Ministra Nancy Andrighi:

Quanto à alegação dos recorrentes de ser inviável o registro da cessão de direitos hereditários, de fato, enquanto não ultimada a partilha, o referido negócio não poderia ser levado a registro, pois só no momento da partilha é que se determina e especifica o quinhão de cada herdeiro e, automaticamente, o objeto da cessão.

Enquanto não houver partilha dos bens, o cessionário detém apenas direito expectativo, que só irá se concretizar efetivamente após a especificação do quinhão destinado ao herdeiro cedente. (REsp 546.077-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 2/2/2006).

No mesmo sentido, entendimento jurisprudencial dos Tribunais Estaduais:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS SOBRE BEM SINGULAR DO ESPÓLIO. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO. Conforme o § 2º do artigo 1.793 do Código Civil, a cessão de direitos hereditários será ineficaz, quando feita em relação a bem singular do espólio. Tal restrição legal indica que a falta dos requisitos legais tem reflexo no plano da eficácia do negócio. Ou seja, ainda que feita em relação a bem singular, a cessão de direitos existe e goza de presunção de validade. Disso se concluiu que, no momento em que o Código refere apenas a ineficácia do negócio, projeta-se a possibilidade de que o contrato venha a ser eficaz, caso de implementada condições. E dentre as condições para futura eficácia do negócio está a concordância superveniente dos demais herdeiros, que não cederam seus direitos hereditários, a solvência do espólio para pagamento de dívidas ou a acomodação do bem no quinhão do herdeiro cedente. Logo, a simples cessão de direitos hereditário sobre bem singular, por si só, não impede a habilitação do cessionário a fim de defender o seu direito. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70052159977, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 19/06/2013)

(TJ-RS - AI: 70052159977 RS , Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 19/06/2013, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/06/2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DISPOSIÇÃO DE BEM SINGULAR PELA INVENTARIANTE E ÚNICA HERDEIRA SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. OUTORGA DE PROCURAÇÃO PARA A VENDA DO BEM. PROMESSA DE COMPRA E VENDA CELEBRADA ENTRE A OUTORGADA E O AGRAVANTE. FALECIMENTO DA OUTORGADA SEM DAR QUITAÇÃO. PEDIDO DE EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ PARA OUTORGA DE ESCRITURA DE COMPRA E VENDA FORMULADO PELO PROMITENTE COMPRADOR. LEGITIMIDADE DO PROMITENTE COMPRADOR DE BEM SINGULAR INTEGRANTE DO MONTE. TERCEIRO INTERESSADO. AUSENCIA DE PROVA DA QUITAÇÃO DO PREÇO. IMPOSSIBILIDADE DE CONVALIDAÇÃO DO NEGÓCIO. O adquirente de bem componente do monte é considerado terceiro juridicamente interessado em intervir no inventário. Legitimidade reconhecida. A ineficácia da cessão de bem singular componente do acervo hereditário enquanto pendente a indivisibilidade tem aplicação aos demais herdeiros. Como a inventariante, maior e capaz, era meeira e única herdeira dos bens do espólio de seu finado marido e alienou o imóvel no curso do inventário, não prevalece a vedação legal, permitindo-se a cessão de seu direito sobre toda a herança ou sobre coisa singular. Possibilidade de autorização judicial posterior, convalidando o negócio como forma de preservar os interesses de terceiro de boa-fé, desde que haja prova da quitação do preço e seja pago o imposto respectivo. Hipótese na qual o óbito da outorgada, sem dar o recibo de quitação ao promitente comprador, impede a convalidação do negócio. Conhecimento e desprovimento do recurso.

(0020572-84.2014.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO. DES. ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA - Julgamento: 19/08/2014 - VIGESIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS SOBRE BEM SINGULAR DO ESPÓLIO. PEDIDO DE HABILITAÇÃO DO CESSIONÁRIO. Conforme o § 2º do artigo 1.793 do Código Civil, a cessão de direitos hereditários será ineficaz, quando feita em relação a bem singular do espólio. Tal restrição legal indica que a falta dos requisitos legais tem reflexo no plano da eficácia do negócio. Ou seja, ainda que feita em relação a bem singular, a cessão de direitos existe e goza de presunção de validade. Disso se concluiu que, no momento em que o Código refere apenas a ineficácia do negócio, projeta-se a possibilidade de que o contrato venha a ser eficaz, caso de implementada condições. E dentre as condições para futura eficácia do negócio está a concordância superveniente dos demais herdeiros, que não cederam seus direitos hereditários, a solvência do espólio para pagamento de dívidas ou a acomodação do bem no quinhão do herdeiro cedente. Logo, a simples cessão de direitos hereditário sobre bem singular, por si só, não impede a habilitação do cessionário a fim de defender o seu direito. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70052159977, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 19/06/2013)

(TJ-RS, Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 19/06/2013, Oitava Câmara Cível)

Esse também é o parecer do 26º tabelionato de notas de São Paulo – SP, um dos poucos no Brasil que adotaram essa corrente:

(...) a cessão de um bem individuado, dentre os que compõem o espólio, não é negócio jurídico inválido. Não é nulo, nem anulável. A censura da lei está no plano da eficácia. A cessão, neste caso, é ineficaz, não produz efeito, é inoponível aos demais herdeiros, dado que a herança é uma universalidade, e até a partilha, indivisível.

Todavia, a cessão que teve por objeto direito sobre bem determinado recobrir-se-á de eficácia, futuramente, se, na partilha, o aludido bem for efetivamente atribuído ao herdeiro cedente. A questão estará superada, e tudo se resolve. A eficácia operaex tunc, até por imperativo da lógica e do bom senso.

(https://www.26notas.com.br/blog/?p=1472 – 26º Tabelionato de Notas – São Paulo-SP).

Esse entendimento é o que melhor se adéqua à interpretação sistemática e teleológica das normas do Novo Código Civil, atendendo também à realidade a qual se aplica, ampliando a efetividade da norma e a utilidade para os herdeiros cedentes.

Diante disso, é possível e necessária a lavratura da escritura pública de cessão de direitos hereditários, conforme exige o artigo 1.793, caput, do Código Civil. O que se veda aos tabeliães é a lavratura de atos inválidos, e não de atos temporariamente ineficazes, como no caso em análise.

No entanto, é responsabilidade dos notários, informar ao cessionário de que os efeitos do ato negocial estão condicionados à partilha, em atendimento ao dever de informação, sob pena de serem responsabilizados por danos causados ao cessionário, conforme artigo 22 da Lei 8.935/94.

Sobre a autora
Mariana Mendes Brito

Advogada, especialista em direito imobiliário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRITO, Mariana Mendes. Da Possibilidade de lavratura de escritura pública de cessão de direitos hereditários de bem imóvel singularmente considerado sem anuência de todos os herdeiros. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4761, 14 jul. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/50494. Acesso em: 26 dez. 2024.

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