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Terrorismo por suspeita

Agenda 22/07/2016 às 10:43

O Judiciário brasileiro fez o impensável: rasgou a constituição cidadã.

O primeiro grande feito o Ministro da Justiça nomeado pelo interino foi um fiasco. Ele anunciou à imprensa o desmantelamento de uma célula terrorista que iria realizar ataques durante as Olimpíadas. Em pouco tempo sua versão foi desmantelada pelos fatos, pelos jornalistas e até por um Juiz.

Alexandre de Moraes é um gênio, mas isto não é um elogio (pois no âmbito do cristianismo os gênios sempre foram considerados entidades malignas). Em São Paulo ele só conseguia fazer o trivial: irritar as torcidas organizadas, legitimar ataques policias a favelas, organizar operações de arrastão contra pequenos traficantes, liderar desocupações de prédios e áreas invadidas por sem tetos e sem terras e, é claro, proteger os comandantes de uma PM famosa por confundir seu “terrorismo de estado” contra os pobres com uma política se segurança pública na forma da inclusiva CF/88.

A mentalidade de Moraes, contudo, se coaduna perfeitamente com a de Michel Temer e a do general que o interino retirou da algibeira para colocar no comando da ABIN. Uma coisa é certa, os três estão profundamente comprometidos com uma verdadeira tradição brasileira: a condenação por suspeita.

De 1500 até o fim do Império, suspeitos sempre foram os índios que não se submetiam aos colonos e os negros que se rebelavam contra a escravidão. Desde então, são passíveis de condenação por suspeição os pobres de todas as cores, inclusive e principalmente se forem comunistas ou se puderem ser designados como comunistas e, na fase atua, como terroristas.

O Brasil é fruto de seus atavismos. E não conseguirá se libertar deles sob este governo ilegítimo.

Luiz Fux proferiu seu famoso voto condenando José Dirceu (réu do Mensalão petista) "porque ele não provou que era inocente".  As palavras de Luiz Fux ecoaram pela eternidade na infâmia e legitimam as ações do Ministro da Justiça de Michel Temer.  O princípio da culpa presumida, contudo, não é novo no Direito Brasileiro. De fato ele já existiu nos anos 1930.  Com efeito, a reação policial à revolta de 1935 foi instantânea e brutal. 

“Como nas limpezas de 1925 e nas denúncias apresentadas perante o Tribunal de Segurança Nacional, as prisões eram determinadas por uma simples classificação de delito. Não é a realização do crime, mas a sua expectativa provável fundada na periculosidade construída sobre os delitos perpetrados anteriormente.” (Paulo Sérgio Pinheiro, Estratégias da Ilusão, Companhia das Letras, 2ª edição, 1992).

Mais adiante o referido autor detalha melhor o expediente policial em tudo semelhante ao que parece ter justificado o famigerado voto proferido por Luiz Fux: 

“É o currículo do antigo criminoso ou o potencial criminoso de um suspeito que determina a prisão. É o antigo sonho de uma lei penal que prevê e impede que o cidadão pratique o crime.”  (Paulo Sérgio Pinheiro, Estratégias da Ilusão, Companhia das Letras, 2ª edição, 1992).

Na fase atual, a ABIN e a PF deduzem o currículo do terrorista por suspeição espionando suas atividades “on line”. Como seus colegas norte-americanos, eles agem como se os verdadeiros terroristas não soubessem que precisam ficar longe da internet para conseguir colocar em prática aquilo que foi cuidadosamente planejado sem a utilização de computadores e smartphones.

"Abriu-se uma devassa, cujo fim, mais do que punir os sediciosos foi perseguir adversários políticos." 
"Processos clandestinos com falsas testemunhas forjavam-se todos os dias".

As frases acima referem-se às representações da Revolta dos Quebra-Quilos (1874/1876). Foram atribuídas a Rodolpho Teófilo, autor do romance "Os brilhantes", pela historiadora Maria Verônica Secreto no livro (Des)medidos- A revolga dos quebra-quilos, Mauad X, Rio de Janeiro 2011. Aquele episódio guarda bastante semelhança com a ação da PF no caso dos supostos terroristas presos.

Há uma evidente semelhança entre esta antiga tradição brasileira enterrada pela CF/1946 e CF/1988 (infelizmente renovada por Luiz Fux) e o princípio da culpa presumida até a prova de inocência feita pelo réu utilizado pelos soviéticos durantes os Processos de Moscou dos anos 1936/1938. Andrey Januarevich Vyshinsky  ficaria bastante satisfeito ao ver e ouvir Alexandre de Moraes  se referindo à célula terrorista que ele desmantelou. Os juristas brasileiros, porém, tem rejeitado as condenações por suspeita desde os expurgos realizados a mando de Stalin.

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No website do TJSP ainda pode ser lida a seguinte notícia:

"No plantão judiciário de hoje (6), o Tribunal de Justiça de São Paulo negou habeas corpus formulado pela defesa de Natália Mingone Ponte, mãe do menino Joaquim, encontrado morto em novembro do ano passado no Rio Pardo. A prisão preventiva de Natália foi decretada na última sexta-feira (3), assim como a do padrasto do garoto, Guilherme Longo.

O desembargador Luis Soares de Mello, que analisou o pedido, entendeu que a liminar “não pode ser outorgada neste momento de cognição sumária, em tempo de Plantão Judiciário". E destacou: "O recesso forense se encerra no dia de hoje, certamente a prudência recomenda, para que não haja qualquer precipitação de julgamento, que a situação seja avaliada diretamente pelo próprio relator do caso".

Soares de Mello também afirmou que o procedimento e a prisão avaliados no habeas corpus estão “absolutamente” dentro dos padrões mínimos de juridicidade, não caracterizando, até o momento, constrangimento ilegal."  

http://www.tjsp.jus.br/Institucional/CanaisComunicacao/Noticias/Noticia.aspx?Id=21304

Esta é uma história que, a exemplo do Mensalão petista, também atraiu muito a atenção da mídia. Impossível não notar que neste caso os jornalistas foram mais generosos com a mãe suspeita do que tem sido com José Dirceu (condenado por suspeita durante o Mensalão, libertado e novamente preso por suspeita de envolvimento no escândalo da Lava Jato). Como no caso do petista, há um evidente clamor publicado contra a mãe da criança morta como se a suspeição fosse por si só indício de culpa que justificasse sua prisão. Tudo se passa como se ela já não tivesse sido punida com a maior pena que se pode impor à uma mulher (a trágica morte do filho).

Os supostos terroristas presos pela PF de Alexandre Moraes também estão sendo melhor tratados pela imprensa do que José Dirceu. Nenhuma novidade. O petista é desde sempre culpado e qualquer comparação do caso dele com outra injustiça levantaria suspeita sobre o comportamento da imprensa e de Sérgio Moro.

Não estou aqui defendendo o infanticídio ou o terrorismo. Assassinatos de crianças e atos terroristas devem, sem dúvida alguma, ser sempre investigados com rigor e punidos na forma da Lei. O problema é a ideologia escondida nas ações do Ministro da Justiça. No fundo Alexandre Moraes quer que o “respeitável público” acredite que o Estado pode, sempre que desejar, suspender as garantias constitucionais atribuídas aos cidadãos pela CF/88.

A única coisa que separa a civilização da barbárie é a existência de regras jurídicas que protejam os cidadãos do linchamento policial e jornalístico. Ao decidir mandar prender ou não alguém, os policiais e os juízes devem ater-se ao rigor da CF/88, pois fora dela só há uma coisa: injustiça que acarretará a responsabilidade do Estado e, regressivamente, do idiota que legitimou o abuso.

Sérgio Moro mantém José Dirceu preso acreditando que ele cometeu crimes investigados pela Lava Jato. O TJSP preferiu manter presa aquela mãe suspeita de matar o filho. A PF do novo Ministro da Justiça persegue “terroristas em potencial” espionando a internet.

As decisões dos policiais e dos juízes devem ser cumpridas até que sejam revogadas pela autoridade competente para revisá-las ao julgar recursos e Habeas Corpus. E é justamente aí que mora o problema. O STF funciona como Corte de última instância em relação a matéria constitucional. E foi justamente lá e durante o julgamento de um processo criminal, que Luiz Fux endossou a teoria da culpa presumida de Andrey Januarevich Vyshinsky  que a bem da verdade já era uma nefasta tradição brasileira desde os anos 1925 de acordo com Paulo Sérgio Pinheiro.

Um novo ambiente jurídico foi criado no país e ele não é regido pela CF/1988. Impossível deixar de notar que isto ocorreu antes do golpe de 2016 e não depois que o mesmo foi dado. De fato, sob a tirania policial do interino nada mais podemos esperar do Estado brasileiro. Doravante, as prisões por suspeita se tornarão a regra e a tortura, praticada de forma envergonhada e com medo de punição, voltará a ser adotada como política de estado. Afinal, a última trincheira da civilização se rompeu: o Judiciário brasileiro aderiu ao golpe e trocou sua dignidade e independência por aumento salarial.  

Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

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