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A tributação como mecanismo de defesa e proteção do meio ambiente: o caso do ICMS ecológico

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Agenda 27/08/2016 às 11:23

A criação dos tributos ambientais tem como finalidade dificultar o crescimento econômico de atividades e produtos que interfiram negativamente no ecossistema e beneficiar aqueles que contribuírem para a sua preservação.

RESUMO: O meio ambiente ecologicamente equilibrado foi tratado como direito fundamental na Constituição Federal de 1988, e a sua preservação constitui condição de existência das presentes e futuras gerações. Conforme trazido no Texto Constitucional é dever do Poder Público e da coletividade a sua defesa e proteção, de modo a permitir a continuidade da vida humana, mediante a preservação dos recursos naturais. O Estado, por meio da instituição de tributos ambientais exerce o papel de encorajador de condutas ambientalmente desejáveis e de desencorajador daquelas indesejáveis.

O objetivo dessa pesquisa é apresentar a tributação ambiental como um importante mecanismo de estímulo à preservação do meio ambiente, notadamente na figura do ICMS Ecológico, que possui a função de estimular os municípios a preservarem as suas biodiversidades, a partir de uma compensação financeira, advinda do permissivo constitucional presente no artigo 158, inciso II, parágrafo único. A metodologia adotada é a de uma pesquisa bibliográfica, exploratória quanto aos objetivos e qualitativa quanto à abordagem, demonstrando que o ICMS Ecológico contribui de forma incontestável para a preservação do meio ambiente.

Palavras-chave: Meio ambiente. Tributação. Tributação ambiental. ICMS Ecológico. 


1 Introdução

A preocupação com a preservação do meio ambiente justifica-se na medida em que as necessidades humanas são infinitas, e os recursos naturais finitos. Por muito tempo, a exploração ambiental foi realizada de forma desenfreada, gerando danos irreversíveis à natureza. Assim, a preservação da biodiversidade, bem como a sua utilização de forma consciente faz-se imperativo para que as presentes e as futuras gerações possam ter acesso a um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, de modo também a tentar diminuir os impactos negativos que a atuação do homem vem provocando no meio ambiente durante anos.

Apesar da grande necessidade de preservação dos recursos naturais, é sabido que estes são de extrema utilidade para a vida humana, motivo pelo qual o desenvolvimento econômico deve ser integrado à tutela ambiental, o que resulta na busca pelo desenvolvimento sustentável, em que a exploração econômica respeita a capacidade de renovação dos recursos naturais.

Dentre os instrumentos econômicos utilizados pelo Estado moderno para a preservação do meio ambiente está o tributo. Esse instrumento pode ser utilizado tanto no seu aspecto fiscal como em seu aspecto extrafiscal. O tributo configura, assim, um mecanismo eficaz na busca pela preservação ambiental, quando empregado em seu aspecto extrafiscal, vindo a ser um meio indutor de comportamentos ambientalmente desejados aos sujeitos passivos. 

Com a possibilidade legal da criação de incentivos fiscais, surge o ICMS Ecológico, de caráter extrafiscal, com o objetivo de estimular os municípios a preservarem a sua biodiversidade, a partir de uma compensação financeira, configurando uma espécie de “sanção premial”. 

No primeiro tópico deste trabalho, será trazida a visão constitucional acerca do meio ambiente, explicando que este foi elevado ao patamar de direito fundamental, pelo fato de ser primordial para a continuidade da existência das presentes e das próximas gerações.

No segundo tópico, será feita uma análise de como o tributo pode ser utilizado na busca pela sustentabilidade e proteção do ecossistema, contribuindo, consequentemente, para a preservação da vida humana.

E, por fim, no último tópico, o ICMS Ecológico será estudado em suas principais nuances, desde a previsão constitucional do ICMS com função arrecadatória, passando pela explicação de como se dá a utilização do ICMS Ecológico, dotado de extrafiscalidade e com caráter de incentivo fiscal, até a apresentação de dados práticos acerca da eficácia do instituto em estudo. 


2 O meio ambiente na Constituição Federal de 1988

Sabemos que por muito tempo o meio ambiente em que vivemos vem sendo degradado, ante a busca incessante do homem pelo lucro, busca esta que pode custar a continuidade da vida da própria humanidade, haja vista que os bens naturais são esgotáveis. Assim, um meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado é condição de existência para a vida, tanto das presentes, quanto das futuras gerações.

Desse modo, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado se eleva à condição de direito fundamental, por ser algo imprescindível à concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Sobre este assunto, Silva (2000, p. 65) aduz que:

O problema da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do momento em que a sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade de vida humana, senão a própria sobrevivência do ser humano. [...] o direito à vida, como matriz de todos os direitos fundamentais do homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. [...] ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade e como as de iniciativa privada.

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A proteção jurídica do meio ambiente no Brasil iniciou-se na legislação infraconstitucional. As constituições anteriores à de 1988 não se preocuparam em trazer nada pontual e específico sobre a tutela ambiental. Milaré (2007, p. 145) aponta que antes da Constituição de 1988 jamais havia sido empregada a expressão meio ambiente, demonstrando o total descaso com o próprio espaço em que vivemos.

Diversamente, na Constituição Brasileira de 1988, o direito fundamental ao meio ambiente foi previsto no art. 225, caput, in verbis: 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. (grifo nosso). 

A Constituição pátria, portanto, reconheceu expressamente o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como um meio de preservação da vida humana, tendo este, consequentemente, aplicabilidade imediata, de acordo com o art. 5º, §1º, do Texto Constitucional. (BELCHIOR, 2009, p. 38). Sobre este mesmo assunto Teixeira (2006, p. 88 e 89 apud BELCHIOR, 2009, p. 39) explica que são as próprias atitudes do homem que geram a desarmonia ambiental, o que legitima o meio ambiente como direito fundamental e justifica a sua aplicabilidade imediata, afastando definitivamente a sua classificação de norma programática.

Importante destacar que, em razão da simetria constitucional, este princípio encontra-se expressamente consagrado na Constituição do Estado do Ceará, em seu artigo 14, in verbis “O Estado do Ceará [...] exerce em seu território as competências que, explícita ou implicitamente, não lhe sejam vedadas pela Constituição Federal, observados os seguintes princípios: [...] VII – defesa do meio ambiente.”.

Ressalte-se que, a despeito da extrema preocupação do constituinte com relação à preservação do meio ambiente, não houve a criação de empecilhos ao desenvolvimento econômico, mas apenas a demonstração da real necessidade de proteção do meio natural em que vivemos. É tanto que no artigo 170 em seu inciso VI, a Constituição Federal de 1988, assegura ser viável e importante o desenvolvimento econômico, desde que se observe o cumprimento do princípio que visa à defesa do meio ambiente, de modo a evitar ao máximo, nessa busca pelo desenvolvimento, impactos negativos na natureza, conforme a dicção que transcreve-se a seguir:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). 

Em 1995, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a fundamentalidade do direito ao meio ambiente, conforme se extrai do trecho a seguir do voto do relator, o Ministro Celso de Mello: 

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – direito de terceira geração – constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao individuo identificado em sua singularidade, mas num sentido verdadeiramente mais abrangente, a própria coletividade social. Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, realçam o principio da liberdade, e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas, acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. 

Ferreira Filho (1998, p. 62) destaca que dentre os direitos de terceira geração o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é o mais elaborado, pois é um direito assegurado à pessoa humana e garantido pelo Poder Público como fundamental, sobrepondo-se, inclusive, aos direitos de natureza privada. 

Como visto, cabe ao Estado e à coletividade a proteção do meio ambiente, de modo a torná-lo saudável e equilibrado, o que pode ser feito tanto pelo exercício do poder de polícia do Estado, quanto por meio de incentivos, benefícios e políticas públicas. (REIS, 2011, p. 26).

Destaque-se que nessa tarefa de defesa do meio ambiente, além do papel repressivo, o Estado assume, segundo BOBBIO (2007, p. 43 a 45 apud BELCHIOR, 2009, p. 46) o papel de encorajador (e premiador) ou desencorajador de condutas. 

Assim, diante da imprescindibilidade de defesa e proteção do meio ambiente, de modo a assegurar a preservação da vida, e por ser este um direito e princípio fundamental amparado pela Constituição pátria, há a necessidade da ocorrência de transformações no Estado e na ordem jurídica ambiental, de forma que haja o estímulo a condutas ambientalmente desejáveis, seja por meio de incentivos financeiros, econômicos ou de mercado. (BELCHIOR, 2009, p. 49). A tributação ambiental surge, portanto, como um importante instrumento para o alcance desse objetivo, de modo a minimizar os impactos negativos no meio ambiente.  


3 Tributação ambiental

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 23, nos incisos VI e VII, que é competência material comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios a proteção do meio ambiente, o combate à poluição em todas as suas formas, e a preservação das florestas, da fauna e da flora brasileiras.

Assim, se ao Estado foi dado o dever de promover a defesa e proteção do meio ambiente, o ordenamento jurídico também deve proporcionar os meios para tanto, ou seja, os recursos jurídicos e financeiros necessários para fazer face às despesas que o cumprimento dessa tarefa demanda. (BADR, 2009, p. 132).

Nesse cenário, a tributação pode ser utilizada como meio de defesa e proteção do meio ambiente, não apenas com finalidade arrecadadora, fiscal, mas, e, principalmente, com função extrafiscal – quando o Estado se utiliza da tributação para intervir na economia, ou quando tem interesses de cunho social, político ou econômico, além da mera arrecadação (ALEXANDRE, 2012, p. 68) -, de modo a inibir aos agentes econômicos escolhas econômicas ambientalmente indesejáveis ou incentivar aquelas que sejam desejáveis.

Para Hely Lopes Meirelles (1999, p. 45), a extrafiscalidade deve ser interpretada da seguinte forma: 

A extrafiscalidade é a utilização do tributo como meio de fomento ou desestímulo a atividade reputada conveniente ou inconveniente à comunidade. È ato de polícia fiscal, isto é, de ação do governo para o atingimento de fins sociais através da maior ou menor imposição tributária.

 Por meio da tributação extrafiscal, o Poder Público pode, aumentando ou diminuindo o valor das alíquotas ou bases de cálculos dos tributos, induzir determinadas práticas ou desestimular outras. Sobre esse assunto DOMINGUES (2007, p. 49-50, grifos originais apud BADR, 2009, p. 137) acrescenta que: 

A extrafiscalidade, esclareça-se, não visa a impedir uma certa atividade (para isso existem as multas e as proibições), mas tem por fim condicionar a liberdade de escolha do agente econômico, através da graduação da carga tributária, em função, por exemplo, de critérios ambientais. Portanto, a tributação extrafiscal, fundada na teoria kelseniana da sanção premial [...] nada tem a ver com uma dita tributação punitiva (como a incidente sobre a distribuição disfarçada de lucros), que pretende “impedir diretamente um ato que a lei proíbe”, por isso mesmo caracterizada por RUBNES GOMES DE SOUSA como uma penalidade e não como um vero tributo.

 Importante explicar que o poder de tributar pode ser efetivado por meio de normas de direção - aquelas que prescrevem fatos imponíveis -, ou por meio de normas indutoras de comportamentos desejáveis. No campo ambiental tem-se optado pelo uso de normas tributárias indutoras, visto que elas constituem mecanismos mais sutis e, por muitas vezes, mais eficazes.

Segundo BADR (2009, p. 142) a análise do perfil dos contribuintes brasileiros permite concluir que a tributação indutora é a mais interessante nesse propósito, tratando-se de um artifício que os leva a crer que estão conduzindo seus negócios livremente, já que lhes permite a escolha do comportamento a ser adotado. A tributação ambiental, ressalte-se, não tem por fim punir atitudes, mas orientar a conduta do agente econômico e sujeito passivo da obrigação tributária, no sentido de que este aja em conformidade com os objetivos estatais constitucionalmente legitimados.

No mesmo sentido é o entendimento adotado por Fernando Magalhães Modé (2003, p. 114 e 118): 

A tributação ambiental, por intermédio da internalização dos custos ambientais, busca a correção das distorções de mercado, que, pela dinâmica disposta pelas externalidades negativas, proporciona ao agente econômico poluidor uma subvenção de toda sociedade aos custos ambientais por ele gerados. De outro lado, a proposta da tributação ambiental é a de funcionar como instrumento de indução do comportamento dos agentes econômicos (potencialmente poluidores) de modo a que suas ações se realizem, sempre, de maneira menos custosa ao meio ambiente. Trata-se de um mecanismo de regulação econômica e não proibitivo/autorizativo de condutas.

 As externalidades, no campo ambiental, podem ser entendidas como os custos de determinada atividade privada de produção ou consumo que, em razão de falhas de mercados, são sofridos por toda a coletividade, e não só por aquele que lhes deu origem. Os tributos ambientais, portanto, vão compensar tais externalidades por meio da internalização dos custos causados ao meio ambiente, ou seja, embutem no valor do tributo aqueles custos da atividade ecologicamente indesejada. (BADR, 2009, p. 146).

Desse modo, a tributação ambiental é um mecanismo capaz de conciliar o uso racional dos recursos naturais, promovendo a defesa e proteção do meio ambiente, com manobras de desenvolvimento econômico, em conformidade com os ditames dos arts. 225 e 170 do Texto Constitucional.   

No Brasil, a tributação ambiental foi instituída por via do Imposto de Renda, com o advento da Lei nº 5.106 de 02 de setembro de 1966, onde aquelas pessoas, físicas ou jurídicas, que fizessem investimentos ambientais, tais como o reflorestamento, seriam beneficiadas quando do pagamento do referido imposto, conforme se extrai da leitura do art. 1º da lei ora em comento, o qual se transcreve a seguir: 

Art 1º. As importâncias empregadas em florestamento e reflorestamento poderão ser abatidas ou descontadas nas declarações de rendimento das pessoas físicas e jurídicas, residentes ou domiciliados no Brasil, atendidas as condições estabelecidas na presente lei.

Outros impostos, diante do seu caráter extrafiscal, também podem exercer a função de defesa e proteção ambiental, como é o caso do IPI, no qual o princípio da seletividade pode prevalecer, bem como do IPVA, ITR e IPTU. Alguns Estados brasileiros, tendo como precursor o Paraná, adotaram o ICMS ecológico como um grande aliado na busca de soluções ambientais.  (REIS, 2011, p. 68).

Cabe ressaltar, por fim, que a criação dos tributos ambientais tem como finalidade dificultar o crescimento econômico de atividades e produtos que interfiram negativamente na conservação do ecossistema e beneficiar aqueles que, de alguma forma, contribuírem para a sua preservação e manutenção. 

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORTEZ, Larissa Chagas. A tributação como mecanismo de defesa e proteção do meio ambiente: o caso do ICMS ecológico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4805, 27 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51370. Acesso em: 24 nov. 2024.

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