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Tatuagem não é motivo de eliminação em concurso público.

Supremo Tribunal Federal decide que proibição de tatuagem a candidato de concurso público é inconstitucional

Agenda 28/08/2016 às 11:23

STF decide que editais de concurso público não podem conter restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em que o conteúdo da tatuagem viole valores constitucionais.

Nos dias atuais a tatuagem vem se tornando cada vez mais comum entre os brasileiros, bastando ir ao shopping, andar pelas ruas, ou ainda, ligar a televisão para observar o repleto número de pessoas que apreciam e aderem à arte.

Geralmente busca-se, por meio da tatuagem, expressar algum sentimento, valor, homenagem, significado ou, até mesmo, demonstrar a sua individualidade. A evolução desta arte é tamanha que atores famosos, esportistas renomados, ícones da música, dentre outros, têm seus corpos tatuados pelos mais variados motivos.

Programas de televisão relacionados ao tema, em especial, os norte-americanos, a exemplo, Ink Master e Miami Ink, exibidos em TV de sinal fechado, levam a tatuagem muito a sério. Alguns deles são uma espécie de torneio, razão pela qual forçam os competidores a desenvolver trabalhos brilhantes que, na maioria das vezes, desencadeiam belíssimas obras de artes pitadas em telas humanas.

No aspecto econômico, registra-se o notável crescimento dos estúdios de tatuagem a partir dos anos 90. Muitos deles inovadores, com equipamento de ponta, tornando o mercado da indústria de design corporal altamente competitivo.

Assim, é inegável que esta moda vem se tornando uma forte tendência mundial, despertando nas pessoas o desejo de ter uma tatuagem.

Daí, não raras vezes, surge a seguinte questão: ter o corpo tatuado influência na busca do emprego?

A polêmica, sem dúvida, é enorme, e as contradições, maiores ainda. Na iniciativa privada, para muitas empresas, a imagem dos colaboradores é essencial, e isso inclui o fator tatuagem. Já para outras, não há problema algum, e, a depender do seguimento, é até recomendável que se contrate pessoas tatuadas e mais despojadas.

Mas, e no serviço público, que, normalmente, ingressa-se mediante concurso público, a tatuagem pode ser um empecilho para o candidato não assumir o cargo ou prosseguir no certame?

O Supremo Tribunal Federal parece ter finalmente respondido a questão. No dia 17 de agosto de 2016, o Plenário do STF, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 898450, cuja repercussão geral fora reconhecida em 28/08/2015, decidiu, por maioria de votos (7x1), declarar inconstitucional a proibição de tatuagens a candidatos a cargo público estabelecida em leis e editais de concurso público.

O caso concreto tratava de um candidato que concorria ao cargo de soldado da Polícia Militar de São Paulo, que foi eliminado do concurso público em razão de ter sua perna tatuada.


ARGUMENTOS SUSTENTADOS NA DECISÃO

Inicialmente, o ministro Luiz Fux, relator do RE, mencionou em seu voto que “qualquer restrição para o acesso a cargo público constante em editais de concurso dependeria da sua específica menção em lei formal.”.[1]

Continuou, baseando-se em jurisprudência pretérita do próprio STF, sustentando que:

(...) o entendimento de que a exigência de altura mínima para o cargo de policial militar é válida, desde que prevista em lei em sentido formal e material, bem como no edital que regulamente o concurso (...) somente ser legítima a cláusula de edital que prevê altura mínima para habilitação para concurso público quando mencionada exigência tiver lastro em lei, em sentido formal e material (...) ALTURA MÍNIMA – EXIGÊNCIA PREVISTA APENAS NO EDITAL – AUSÊNCIA DE PREVISÃO EM LEI FORMAL – OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA LEGALIDADE E DA RAZOABILIDADE (...)[2]

Nesse sentido, a jurisprudência da Corte prevê que, se o limite de altura fosse previsto em lei, seria constitucional, desde que justificável em relação à natureza das atribuições do cargo a ser exercido.

Assim, segundo o ministro, o legislador não poderia criar barreiras arbitrárias a fim de impossibilitar o acesso de candidatos aos cargos públicos, de modo que a diminuição do número de possíveis competidores impossibilitaria, por parte da Administração Pública, a escolha do melhor candidato. Por tais razões, impedir o acesso de candidatos aos cargos públicos, baseando-se em critérios não legais, feriria os princípios da proporcionalidade e da isonomia, sem contar que seria prejudicado o que, de fato, espera-se de um certame público: a escolha dos melhores candidatos.

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No que diz respeito à tatuagem, destacou que a opção pela arte estaria ligada às liberdades de manifestação do pensamento e de expressão, contempladas no art. 5°, incisos IV e IX, da Constituição Federal. Nesse sentido, ninguém poderia ser punido por tal fato, salvo raríssimas exceções, sob pena de flagrante insulto aos princípios constitucionais.

Segundo o ministro Fux:

(...) o fato de uma pessoa possuir tatuagens, visíveis ou não, não pode ser tratado pelo Estado como parâmetro discriminatório quando do deferimento de participação em concursos de provas e títulos para ingresso em uma carreira pública (...). Dito de outro modo, inexiste qualquer relação de pertinência entre a proibição de possuir tatuagem e as características e peculiaridades inerentes à função pública a ser desempenhada pelo candidato. Um policial não é melhor ou pior nos seus afazeres públicos por ser tatuado.[3]

No entanto, fez uma ressalva ao mencionar que deveriam ser coibidas as tatuagens que simbolizassem apologia a crimes, incitação à discriminação ou violação aos bons costumes, tento em vista que exorbitariam os limites do aceitável de quem é remunerado para servir a uma sociedade.

Em razão dos argumentos exarados, ao final de seu voto, o ministro Luiz Fux deu provimento ao RE e propôs as seguintes teses à Corte:

1. Os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal e material.

2. Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de conteúdo que viole valores constitucionais.[4]

Diante das teses trazidas pelo ministro, observou-se que o critério para a seleção de candidatos deveria estar de antemão previsto em lei. Já que, para haver distinções entre os candidatos, buscar-se-ia empregar critérios objetivos, exatamente para se evitar discriminações e arbitrariedade na escolha destes.


PARECER DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA (MPF)

O parecer do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, foi no sentido de reputar inconstitucional a cláusula de edital que limita a participação em concurso público ou o acesso a cargo público de candidato que possua tatuagem, por violação aos princípios da igualdade e da razoabilidade.

Logo, o parecer do Ministério Público Federal seguiu a mesma linha sustentada pelo ministro relator Luiz Fux, que, inclusive, mencionou o parecer em seu voto. Segue o trecho do parecer:

O fato de um candidato possuir, na pele, marca ou sinal gravado mediante processo de pigmentação definitivo não inviabiliza nem dificulta minimamente o desempenho de qualquer tipo de função, pública ou privada, manual ou intelectual, de modo a incidir, na hipótese, a vedação expressa no artigo 3º da Constituição Federal. Pensar contrariamente seria o mesmo que admitir que uma mancha ou sinal geneticamente adquirido poderia impedir alguém de seguir a carreira militar. O que poderia ocorrer, em tese, seria a inadequação do candidato cuja tatuagem implicasse ofensa à lei (e não aos “bons costumes” ou à moral).[5]

Assim, para o MPF, o fato de um candidato possuir sinal ou marca gravada na pele, mediante processo de pigmentação definitivo, não seria suficiente para inviabilizar ou dificultar, ainda que minimamente, o desempenho de qualquer tipo de função, pública ou privada, manual ou intelectual. Segundo o PGR, “pensar contrariamente seria o mesmo que admitir que uma mancha ou sinal geneticamente adquirido poderia impedir alguém de seguir a carreira militar.”[6].


CASO CONCRETO (RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 898.450)

O caso prático surgiu ainda em 2008, em decorrência de um candidato que concorria às vagas de soldado da Polícia Militar do Estado de São Paulo, que, muito embora tivesse sido aprovado nas provas escrita e de condicionamento, foi considerado inapto na fase de exames médicos e, consequentemente, excluído do certame público, em razão de possuir uma tatuagem com desenho de um mago, em sua perna direita.

Em face deste ato, o candidato impetrou um mandado de segurança obtendo êxito em primeira instância. Todavia a sentença restou reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mencionando, no acórdão, que o edital seria a lei do concurso e a restrição em relação à tatuagem se encontrava expressamente prevista nele. Diante disso, o candidato inscrito deveria ter ciência das regras trazidas no edital, estando sujeito a este tipo de limitação. Ademais, mencionou o Egrégio TJSP que a disciplina militar obedecia, rigorosamente, às regras, e o descumprimento da proibição a tatuagens não seria um bom início na carreira.

Chegando ao Supremo Tribunal Federal, por um placar de 7x1, o Plenário da Corte deu provimento ao RE nº 898450, a fim de impedir que o candidato fosse eliminado do certame por ostentar tatuagem.

O único voto vencido foi do ministro Marco Aurélio, que entendeu não haver inconstitucionalidade no acórdão proferido pelo TJSP, aduzindo que o edital do concurso previa que os candidatos tatuados fossem submetidos à avaliação preliminar da tatuagem.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando fizemos uma abordagem geral destacando a procura pela tatuagem e a popularidade desta na sociedade, foi de maneira proposital. Isso porque, segundo informações extraídas do voto do ministro relator e do próprio site do Supremo, curiosamente, após ter sido reconhecida a Repercussão Geral deste tema, em 28/08/2015, o site do Supremo Tribunal Federal, só nos últimos meses de 2015, teve o acesso de 49.440 internautas, sendo a segunda matéria mais acessada no ano. Veja-se, então, que, diante de todos os casos importantes que o STF vem decidindo, este, em especial, foi um dos mais acompanhados.

Muito embora a tatuagem tenha sido considerada marca de marginalidade e da delinquência no passado, no cenário atual, está intimamente ligada à liberdade de manifestação do pensamento e à liberdade de expressão, direitos de primeira dimensão, que estão consagrados pela Constituição da República.

Agora, seguindo para a decisão da Corte, no que tange aos argumentos sustentados pelo relator do RE, ministro Luiz Fux, entendeu-se que, para haver diferenciação entre os candidatos, é imprescindível que os requisitos estejam previstos no edital para o ingresso em cargo, emprego ou função pública, somados ao fator legal, leia-se, estar de acordo com a lei, tanto em sua vertente formal, como material.

No quesito tatuagem, a decisão vigorou no sentido de que os editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pessoas com tatuagem, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais, como é o caso de pessoas com tatuagens que ofendam a dignidade humana, bem como causem o incentivo ao ódio, à discriminação, ao racismo, ao sexismo etc.

Assim, a decisão do Supremo está normalmente dentro do que se esperava, pois, vivendo em uma sociedade pluriétnica, é justificável que surjam várias culturas, as quais merecem respeito e reconhecimento por parte de todos.

Opiniões a parte, a discussão quanto ao tema tatuagem ainda pode dar um bom e longo debate, eis que pessoas conservadoras e tradicionalistas defenderam opiniões diversas das pessoas mais “modernas”, sendo infinitos os argumentos.

Por fim, quanto aos candidatos que ocultavam suas tatuagens sob suas vestes, podem finalmente ficar despreocupados e passarem a exibi-las, pois, pela atual jurisprudência do STF, os editais de concurso público não podem mais estabelecer restrição às pessoas com tatuagens, salvo situações excepcionais, em razão de conteúdo que viole valores constitucionais.


REFERÊNCIAS

Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 898.450 São Paulo. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898450.pdf> Acesso em 21 de agosto de 2016.

Ministério Público Federal. Parecer Recurso Extraordinário nº 898.450. Disponível em: <www.mpf.mp.br/pgr/documentos/RE898450tatuagem.pdf> Acesso em 21 de agosto de 2016.


Notas

[1] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/RE898450.pdf (2016, p. 3)

[2]  Idem. (2016, p. 4/5)

[3] Idem. (2016, p. 15/16)

[4] Idem. (2016, p. 34)

[5] Idem. (2016, p. 24)

[6] www.mpf.mp.br/pgr/documentos/RE898450tatuagem.pdf

Sobre o autor
Willion Matheus Poltronieri

Delegado de Polícia. ex-Analista Judiciário. ex-Advogado. Pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil. Pós-graduado em Direito Constitucional. Pós-graduado em Direitos Humanos Internacionais. Bacharel em Direito. Bacharel em Administração.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POLTRONIERI, Willion Matheus. Tatuagem não é motivo de eliminação em concurso público.: Supremo Tribunal Federal decide que proibição de tatuagem a candidato de concurso público é inconstitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4806, 28 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51594. Acesso em: 7 nov. 2024.

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