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A livre concorrência e a função repressiva do CADE

O presente artigo busca dispor acerca do histórico do Conselho Administrativo de Defesa Econômico, explorar sua estrutura e funções, com foco na sua função repressiva, bem como realizar uma correlação com a livre concorrência .

 

Resumo

O presente artigo busca dispor acerca do histórico do Conselho Administrativo de Defesa Econômico, explorar sua estrutura e funções, com foco na sua função repressiva, bem como realizar uma correlação com a livre concorrência e analisar sua influência com base em um caso concreto.

Palavras-chave: Ordem Econômica. CADE. Livre Concorrência. Função Repressiva do Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

ABSTRACT

The aim of this paper is to discuss about the Administrative Council for Economic Defense, explore its structure and capacities, focused mainly on its repressive role, and make a correlation with the free market and analyse its influence based on a concrete case study.

Key-words: Economic Order; CADE; Free Market; Repressive Role of the Administrative Council for Economic Defense.

ÍNDICE: 1 Introdução – 2 O Conselho Administrativo de Defesa Econômica – 2.1 Histórico – 2.2 Funções – 3 A Livre Concorrência e a Função Repressiva do CADE – 4 Caso Concreto – 5 Conclusão - Referências

1       INTRODUÇÃO

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica tem relevante função na ordem econômica, ganhando forma através da Lei 12.529/11 que regula o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.

Sua importância é visível ao analisar o histórico, a estrutura do Conselho e suas funções perante o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, bem como sua atuação frente a livre concorrência e ainda o seu impacto perante os ato de concentração, como por exemplo no caso Nestlé/Garoto de grande repercussão midiática.

2       O CONSELHO ADMINISTRATIVO DE DEFESA ECONÔMICA – CADE

2.1      Histórico

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica foi criado em 1962, no governo de João Goulart, pela Lei 4.137, num momento de complexidade e incerteza político-econômica do país. O Presidente anterior Jânio Quadros se atentou para a situação de abuso do poder econômico por algumas empresas e criou um projeto de lei que tratava sobre o assunto. Porém seu projeto era extremamente radical, propunha que o judiciário punisse os culpados e a título de exemplo, que caso o estrangeiro fosse considerado culpado, esse teria decretada sua expulsão do país. No entanto já havia no Legislativo um projeto anterior originado no governo de JK, o qual resolveu a casa Legislativa aprovar em lugar do proposto pelo presidente Jânio Quadros, o qual fato deu origem à Lei 4.137/62. Tal lei instituiu o CADE nos termos do seu art. 8º e seguintes.

Art. 8º E criado o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), com sede no Distrito Federal e jurisdição em todo o território nacional, diretamente vinculado à Presidência do Conselho de Ministros, com a incumbência de apurar e reprimir os abusos do poder econômico, nos termos desta lei.

O CADE então foi criado sendo parte da estrutura do Poder Executivo, e tinha como missão, a princípio, fiscalizar a gestão econômica e regime de contabilidade das empresas.

Em 1994 foi criada a Lei 8.884, no governo do presidente Itamar Franco, o qual vale lembrar, implantou o Plano Real, e uma das medidas foi a implantação do Real como a nova moeda do país. Tal lei demonstrou que o governo passaria a focar na defesa da livre concorrência e não mais na defesa da economia popular. A lei 8.884/94 converteu o CADE de órgão do Poder Executivo em autarquia federal com poder judicante, vinculada ao Ministério da Justiça. Nesse contexto o Conselho tinha como objetivo, de forma geral, decidir processos administrativos relacionados a condutas que lesariam a ordem econômica, tal como as anticompetitivas, e também apreciar os atos de concentração, que deveriam ser submetidos à sua aprovação. Sendo assim, o Conselho passou a ter um papel mais significativo, sendo autoridade com autonomia administrativa e financeira.

A partir de 1995 então se consolidou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – SBDC com três constituintes: A SDE, a SEAE e o CADE. A SDE – Secretaria de Direito Econômico era órgão do Ministério da Justiça, a SEAE – Secretaria de Acompanhamento Econômico era órgão do Ministério da Fazenda e o CADE como autarquia federal autônoma vinculada ao Ministério da Justiça. Tanto a SDE e a SEAE receberam funções de emitir pareceres a respeito das condutas anticoncorrenciais levadas à suas apreciações, os quais não tinham caráter vinculativo no posterior julgamento que era realizado pelo CADE. O CADE tinha papel judicante finalista, não cabendo recurso de suas decisões, podendo apenas leva-las para apreciação do judiciário. Vale lembrar que o Conselho dava decisões no âmbito administrativo apenas, e não penais, como ressalta Fabiano Del Masso:

O Cade na condição de autarquia não realiza função jurisdicional, é bom lembrar que o nosso sistema não é o francês. Quando lemos “jurisdição” devemos pensar em aplicação administrativa da legislação contra o abuso de poder econômico, o que não veda a apreciação judicial quando for o caso.

Em 2012 veio uma lei que trouxe uma reestruturação ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, durante o governo da presidente Dilma Rousseff. A nova lei extinguiu a SDE, mantendo apenas o CADE e a SEAE. O CADE se tornou competente tanto para julgar processos contra as praticas anticoncorrenciais quanto para analisar os atos de concentração de empresas. A realização mais importante desta lei foi o fato de que a aprovação dos atos de concentração não mais se daria após serem concluídos os acordos. A partir da sua publicação os atos de concentração devem ser submetidos ao Conselho antes de se consumar, o que trouxe uma maior segurança e rapidez a estes atos.

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Por fim, é válido ressaltar que o CADE possui papel de defesa da livre concorrência dentro do território nacional, e não um papel regulador. O Conselho funciona com o objetivo de manter o pleno funcionamento da ordem econômica, defendendo-o da selvageria concorrencial, entre outras práticas abusivas, que atingem os agentes econômicos que influenciam o país.

2.2      Funções

Atualmente a lei que regula as competências do CADE é a de 2012. Em geral, o Conselho exerce três importantes funções no âmbito da defesa econômica. Essas são: a preventiva, repressiva e educativa.

A preventiva diz respeito à função que ele tem de analisar e depois decidir quanto aos atos de concentração, tais como fusões e incorporações de grandes empresas, que podem gerar problemas à livre concorrência. Decidindo que a prática colocaria em risco tal princípio, o CADE tem autoridade para impor multas e/ou obrigações às empresas envolvidas no processo.

O papel repressivo está relacionado ao fato de que esta autarquia tem competência para investigar e julgar condutas que tem potencial lesivo à concorrência. Como exemplo destas condutas está a formação de cartéis, contratos de exclusividade e venda casada.

Já o papel educativo é exercido pelo CADE em apoio à órgãos do governo, institutos e associações ligados ao assunto, incentivando estudos e instruindo a sociedade sobre a importância da livre concorrência e da negatividade das condutas que a ofendem.

Para exercer todas essas funções, o CADE foi estruturado dividindo-se em órgãos, conforme previsto na Lei 12.529/11: Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, Superintendência-Geral e Departamento de Estudos Econômicos. 

 

3       A LIVRE CONCORRÊNCIA E A FUNÇÃO REPRESSIVA DO CADE

            O sistema econômico brasileiro é regulamentado pela Constituição Federal que dispõe acerca de pilares orientadores, capazes de estabelecer princípios e diretrizes fundamentais para a atividade econômica.

            Segundo o constitucionalista José Afonso da Silva, “a livre concorrência está configurada no art.170, inciso IV, como um dos princípios da ordem econômica. Ela é uma manifestação da liberdade de iniciativa, e, para garanti-la, a Constituição estatui que a lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art. 170, § 3°da CF). (SILVA,2005, p.795)

Um dos princípios fundamentais para a ordem econômica, a livre concorrência, encontra-se previsto no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IV – livre concorrência

(...)”

            Como forma de assegurar o bem estar e a justiça social, o princípio da livre concorrência é integrado a ordem econômica produzindo condições suficientes para permitir a competitividade e a concorrência,

            Assim, para garantir esse princípio e ao mesmo tempo delimitar a gerir os agentes econômicos que detém o poder de mercado, cabe ao Estado realizar o controle para que nenhum destes agentes cometam excessos de forma a impedir a concorrência que deve ser livre.

            Dessa forma, O CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia federal, tem como um de seus objetivos orientar, fiscalizar e apurar as práticas de abuso do poder econômico que lesam a livre concorrência do mercado, juntamente com os demais órgãos instituídos pela Lei 12.529/11 que dispõem sobre o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e sobre a prevenção e repressão de infrações contra a ordem econômica.

            Tem, portanto, o CADE além da função preventiva e educativa, a função repressiva de decidir sobre a existência ou não de práticas dos agentes econômicos que apresentem ofensa à livre concorrência frente ao mercado competitivo e julgar os processos sobre matéria concorrencial.

            Tal função repressiva é expressa no artigo 36 da Lei 12.529/11 que exemplifica atos considerados como infrações à ordem econômica.

“Art. 36.  Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: 

I - limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; 

II - dominar mercado relevante de bens ou serviços; 

III - aumentar arbitrariamente os lucros; e 

IV - exercer de forma abusiva posição dominante. 

(...)

            Verifica-se que tal artigo enumera condutas meramente exemplificativas que configuram ato ilícito podendo ser ampliadas caso os agentes econômicos pratiquem atos considerados lesivos a ordem econômica e ainda ao interesse do consumidor.

            Importante ressaltar que aqueles monopólios e oligopólios, estruturas concentradas encontradas no mercado, construídas de forma espontânea, não são para o CADE consideradas infrações a ordem econômica e a concorrência. Devendo ser punida apenas quando identifica a atuação abusiva do poder de mercado que ameacem a livre concorrência como no caso de formação de cartéis.

            Em resumo, o CADE é um importante aliado da economia por meio do qual é possível controlar os possíveis excessos cometidos pelos agentes econômicos e permitir a livre concorrência no mercado de forma a alinhar a economia brasileira com o principio da livre concorrência dando ao consumidor opções de preços e produtos, bem como concedendo ao empresário de microempresas e empresas de pequeno porte a possibilidade de se inserir no mercado.

4       CASO CONCRETO

            O CADE em conjunto com o Ministério Público Federal e a Procuradoria do Estado do Espírito Santo, vem atuando no caso de fusão da Nestlé com a Garoto.

            Conforme já tratado, o CADE é o responsável por analisar as circunstâncias e possíveis impactos que os atos de concentração podem trazer na economia.

            O Regulamento Interno do CADE prevê os critérios a serem analisados que devem vedar as práticas anticoncorrenciais e garantir a pluralidade de serviços e produtos fornecidas ao consumidor.

            O Conselho após ser notificado do ato de concentração e realizar a análise dos critérios, deve proferir decisão a favor ou contra, estabelecendo restrições ou não a operação.

            No caso Nestlé/Garoto, em fevereiro/2002 o CADE através do Ato de Concentração nº 08012.001697/2002-89 reprovou a compra da Garoto pela Nestlé que se sentindo prejudicada ajuizou a ação n° 2005.34.00.015042-8 perante o Tribunal Regional da 1ª Região.

            Em 16.12.2015 a Nestlé na tentativa de apresentar uma solução extrajudicial para o caso, peticionou uma proposta de acordo frente a possível ineficácia da decisão judicial da ação ajuizada na Justiça Federal frente ao lapso temporal e diante das mudanças de mercado havidas desde 2004.

            Neste giro, após o peticionamente apresentado pela Nestlé, a Procuradoria Federal Especializada do CADE requereu que aquela apresentasse a proposta sugerida para análise pelo ProCade que foi juntada em 29/01/2016. O ProCade se manifestou de forma favorável a proposta oferecida pela Nestlé, no entanto relatou a necessidade de uma teste de mercado que conforme a eficácia desta.

            Neste caso verifica-se um exemplo de uma importante atuação do CADE, tendo em vista que se tratava de uma operação em que a Nestlé compraria a Garoto, duas empresas de grande importância dentro do mercado brasileiro de chocolate. Tal ação geraria uma maior concentração de mercado, prejudicando a concorrência dentro do mercado interno e diminuindo o poder de escolha ao consumidor final, que se depararia com ainda menos opções dentro deste setor que já tem uma rivalidade baixa, alta barreira a entrada e onde as importações são em quantidades inexpressivas.

5       CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, pode se concluir que órgãos de defesa da economia, tal como o CADE, são de grande importância para conservar o funcionamento saudável do mercado. O Estado precisa de meios que o auxiliem dentro da atual economia, que atinge níveis cada vez mais complexos, para garantir à sociedade o funcionamento livre da concorrência. Quando se permite uma economia totalmente sem tal controle, chega-se a um mercado de concorrência selvagem, com preços altos e práticas abusivas, o que é prejudicial tanto para os consumidores, quanto para as empresas, principalmente as pequenas e micro-empresas.

Sendo assim, no Brasil temos o CADE exercendo tal papel, evitando empresas usem de seu potencial econômico para agir de forma a controlar e monopolizar algum setor da economia, atentando contra a livre concorrência, princípio previsto em nossa Constituição Federal.

 

REFERÊNCIAS

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SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. 924p.

Sobre as autoras
Larissa Carneiro Silva

Graduanda do 10º período da Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

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