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A inertia deliberandi do poder legislativo e suas implicações no trâmite do projeto de lei de criminalização da homofobia e transfobia

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Agenda 22/01/2017 às 19:06

3 DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Como já anteriormente mencionado, no mesmo contexto da morosidade na deliberação do PL 122/2006, o Partido Popular Socialista (PPS) ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 (ADO 26), contra o Congresso Nacional.

Embora tal instrumento em muito se pareça com o mandado de injunção já analisado, há importantes pontos que os diferenciam, como o fato de ser a ADO forma de controle de constitucionalidade abstrato e concentrado, o que impõe seja ela legitimamente proposta somente por aqueles que se encontram listados no rol do art. 103 da Constituição Federal de 1988 (SILVA, 2014).

Como aduz Mendes, “o processo de controle abstrato de omissão (ADO) não tem outro escopo senão o da defesa da ordem fundamental contra condutas com ela incompatíveis” (MENDES, 2012,p. 1329), e sua necessidade se justifica pelas razões já expostas e bem resumidas no seguinte fragmento:

Compete às instâncias políticas e, precipuamente, ao legislador, a tarefa de construção do Estado constitucional. Como a Constituição não basta em si mesma, têm os órgãos legislativos o poder e o dever de emprestar conformação à realidade social.  A omissão legislativa constitui, portanto, objeto fundamental da ação direta de constitucionalidade em apreço (MENDES, 2012, p.1333).

Por muito assemelhar-se quanto à forma e ao objeto com o Mandado de Injunção 4733 já mais detalhadamente examinado, não cumpre, por ora, adentrar nas mesmas questões de mérito anteriormente expostas.

Fato é que recentemente a ADO 26 veio novamente à tona quando o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, protocolou no dia 19 de junho de 2015 um parecer – sobre o mesmo tema de criminalização da homofobia e transfobia - em análise à ADO 26, inovando mais uma vez em seu entendimento e fazendo surgir novas polêmicas quanto às possibilidades aventadas por esse instrumento de controle constitucional.

Ao presente estudo interessa tão somente analisar o pedido - constante na Ação direta de inconstitucionalidade por omissão em comento - referente à estipulação, pelos membros do Supremo Tribunal Federal, de prazo razoável para o Congresso Nacional aprovar legislação no sentido de criminalizar a homofobia e a transfobia, equiparando-as aos demais crimes decorrentes de preconceito de raça.

Janot faz um exame de cada ponto proposto pelos requerentes e conclui pelo conhecimento parcial da ação direta e, no mérito, pela procedência do pedido, rejeitando apenas o que pretende obter do Estado indenização às vítimas dos crimes ainda não criminalizados em razão da flagrante inertia deliberandi.   Em seu parecer defende que:

Dado o entendimento recente da Suprema Corte brasileira no que se refere às omissões inconstitucionais, é cabível estabelecer prazo razoável (...) para que o Congresso Nacional conclua a deliberação acerca das leis apropriadas (BARROS, 2015, p.28).

Mostra-se favorável, ainda, a que, em caso de não observância desse prazo estipulado, a omissão legislativa possa ser suprida pela própria Corte (BARROS, 2015).

Tal medida, todavia, não é ponto pacífico na doutrina e, segundo Gilmar Mendes, a orientação ainda hoje dominante no Tribunal é no sentido de que “a decisão proferida em sede de ADI por omissão limita-se a reconhecer a inadimplência de dever constitucional de legislar” (MENDES, 2012, p.1346). Ele próprio, no entanto, afirma que essa posição não parece corresponder à complexa natureza da omissão (MENDES, 2012).

Ao contrário do que ocorre nos casos de omissão por parte de órgãos administrativos, em que há previsão expressa para estipulação de prazo limite para superação da mora inconstitucional - conforme se lê na Constituição Federal de 1988, cujo artigo 103, § 2º se transcreve abaixo

Art. 103, § 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias (grifo nosso),

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não previu o poder constituinte igual tratamento às omissões oriundas dos órgãos legiferantes. Nessa esteira de pensamento é que cumpre questionar se não era da própria vontade do constituinte que tal interpretação extensiva, que permite fixação de prazo limite também para a atuação legislativa, fosse defesa, de modo que apenas ao Legislativo cumpriria conhecer da razoabilidade do prazo de que dispõe para propor uma norma ainda não existente ou sobre seu projeto de lei deliberar.

Já é cediço que a inertia deliberandi enseja, de fato, a declaração de inconstitucionalidade por omissão, não eximindo a já existência de projeto de lei em tramitação da responsabilidade imputável aos membros do Congresso, que, por puro jogo de interesses, se esquivam da aprovação de projeto de lei de fundamental importância para a concretização de certos preceitos constitucionais. É claro que temas como o da criminalização da homofobia e da transfobia, exatamente por tratar de criminalização em um contexto em que muito se fala em um Direito Penal mínimo, devem ser intensamente debatidos, vez que há muitos interesses conflitantes mesmo dentro de um mesmo grupo. O arrastar desses debates por catorze longos anos, entretanto, não parece se compatibilizar com a proporcionalidade e a razoabilidade que informam todo o ordenamento constitucional e que devem reger todos os atos que emanam das principais fontes do Poder.

Que fazer, então, diante desse impasse? Tem-se, de um lado, o texto normativo supratranscrito que prevê expressamente a viabilidade de estipulação de prazo em sede de decisão proferida em ADO somente em caso de mora inconstitucional de órgão da administração, bem como o muito invocado princípio da separação dos poderes. De outro lado, tem-se o flagrante descaso do Congresso quanto a um projeto de lei que propõe proteção mais eficiente a direitos tutelados pela Magna Carta e que, caso aprovado, a tornaria mais próxima de sua pretendida concretização. O caráter puramente mandamental de uma sentença que viesse a declarar a inconstitucionalidade da mora do Congresso, sem dar-lhe prazo cabal para superar tal estado, far-se-ia suficiente para que esta Casa se preocupasse em responder aos apelos da sociedade?

Tendo em vista os inúmeros interesses políticos em jogo, mormente quando se vislumbra o patente conservadorismo da atual conformação do Congresso Nacional, crê-se estar diante de uma situação muito mais complexa e que não pode ser discutida focando-se apenas em mandamentos constitucionais de cunho puramente procedimental. Uma conduta nesse sentido, em que se sobreporia a forma à matéria, acabaria por impedir que o objetivo precípuo do Texto Magno, qual seja o de

assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social

constante já no Preâmbulo da Constituição de 1988, fosse alcançado.

O mais recente parecer do Procurador Geral da República demonstrou estar atento a essa necessidade de se fazerem concretizar os mandamentos constitucionais atinentes aos valores ditos supremos de igualdade, segurança, liberdade e bem-estar. Sua proposta de se obter uma resposta mais contundente do Judiciário brasileiro – no que concerne à fixação de prazo para superação da lacuna e, em última instância, à superação da omissão inconstitucional pelo proferimento de sentença moderadamente aditiva e de cunho normativo - possibilitaria o exercício pleno das prerrogativas inerentes à cidadania por parte da comunidade que sofre inegável e inaceitável discriminação e limitação de seus direitos puramente em razão de preconceito por conta da orientação sexual e da identidade de gênero manifestada por seus membros.

As preditas práticas ainda não se mostram eficazmente combatidas – não obstante a existência de uma Lei de Racismo e de tipos legais que punem certas condutas atentatórias a direitos – de modo que o ativismo judicial no sentido de coibir a prática de atos atrozes motivados pelo ódio contra um grupo específico de pessoas não se desarmoniza com a Constituição Federal.


4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Analisaram-se, aqui, dois importantes institutos utilizados no controle de constitucionalidade, quais sejam, o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Fez-se, para melhor compreensão da matéria, o exame de tais remédios constitucionais em sede do polêmico e tormentoso debate sobre a criminalização da homofobia e da transfobia, trazendo o foco para a patente morosidade do Poder Legislativo em deliberar sobre o Projeto de Lei 122/2006, já em trâmite há mais de uma década.

A pertinência e a atualidade de tal questão se justificam pelo parecer apresentado em junho deste ano pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, ao se posicionar sobre a Ação de inconstitucionalidade por omissão nº 26 (ADO 26). Por muitos motivos foi o parecer relevante, tanto por alterar posicionamentos anteriores de sua própria casa ministerial, quanto por trazer à tona importante discussão sobre o alcance da eficácia dos institutos do mandado de injunção e da ação direta de inconstitucionalidade por omissão.

Essa discussão girou em torno da possibilidade trazida por Janot de o Poder Judiciário ultimar prazo aos legisladores para que deliberem sobre o PL da criminalização da homofobia e da transfobia e, em caso de insistente omissão inconstitucional do Poder Legislativo, o próprio STF apontar, ainda que provisoriamente, a solução normativa que se deve utilizar para superar insidiosa lacuna legal.

A constitucionalidade desse posicionamento encontra supostas barreiras nos princípios da reserva legal penal, da separação dos poderes e na indefinição doutrinária do alcance das sentenças obtidas em sede de mandado de injunção e de ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Neste artigo demonstrou-se, no entanto, que o caminho jurisprudencial que vem sendo adotado e a marcha civilizatória que se pretende traçar abrem espaço para que a rigidez de certas normas constitucionais se afrouxem para a viabilizar a experimentação, na realidade fática, de preceitos como os de igualdade, segurança, proteção e liberdade, de igual superioridade normativa.

Diante do exposto, cumpre destacar a relevância da atuação do Procurador-Geral da República, que, indo na contramão de tudo que já havia sido suscitado pelas principais entidades governamentais, cumpriu seu papel de, ao menos, fomentar o debate a respeito de tema tão fundamental na atual conjuntura social e de tentar promover a fruição, por parte de uma minoria tão esquecida e oprimida, dos direitos de que já gozam a maior parte da população.           


REFERÊNCIAS                                                                      

BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 9. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

_____. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em http://www.oab.org.br/editora/revista/users/revista/1235066670174218181901.pdf. Acesso em 29 jun. 2015.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26, de 2013. Disponível em http://www.academia.edu/10150155/A%C3%A7%C3%A3o_Direta_de_Inconstitucionalidade_por_Omiss%C3%A3o_ADO_26. Acesso em 24 jun. 2015.

BRASIL. Ministério Público Federal. Parecer do Procurador-Geral da República à ADO 26/DF, de 2015.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25. ed. São Paulo, Atlas, 2010.

SILVA, Camila Magalhães. Mandado de injunção e ativismo judicial. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4280, 21 mar. 2015. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/32048>. Acesso em: 27 jun. 2015.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Hannah. A inertia deliberandi do poder legislativo e suas implicações no trâmite do projeto de lei de criminalização da homofobia e transfobia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4953, 22 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54681. Acesso em: 23 dez. 2024.

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