1. Introdução
Temos aqui dois temas interessantes. De um lado a tutela antecipada, hoje denominada tutela provisória[1]. Do outro, o efeito suspensivo. No primeiro, polêmicas doutrinárias e jurisprudências. No segundo um consenso conceitual da doutrina.
O que torna o debate ainda mais interessante é a conjunção dos temas. Alguns pontos já são velhos conhecidos do meio acadêmico, outros, em especial sob o ponto de vista do novo Código de Processo Civil, trazem salutar reflexão, que abordaremos ao longo desse trabalho.
Para elaboração de um precioso estudo, seria necessário esmiuçar os dois assuntos: “tutela provisória” e “efeito suspensivo”. Para essa árdua tarefa contar-se-ia com a melhor doutrina sobre os temas, brasileira e estrangeira. Por sua vez, na proposta que já adiantamos, o foco está no confronto dos temas, sob o risco de estender em conceitos, história e dogmas e perder o foco, que é o confronto dos temas. Por isso, sem a pretensão esgotar o conceito, não podemos deixar de citar que a antecipação de tutela é compreendida como a técnica direcionada a antecipar de formar provisória mediante cognição sumária a tutela jurisdicional do direito à parte visando à distribuição isonômica do ônus do tempo no processo parte da teoria da tutela cautelar[2].
É dessa premissa, aliás, que nosso trabalho partirá. O confronto entre a efetividade da entrega tutela jurisdicional entregue por meio de cognição sumária, ao passo que, do outro lado, temos o efeito suspensivo, que presta a garantir a segurança jurídica.
2. Perigo da demora e probabilidade do direito
A história da tutela antecipada remonta à história da cautelar. Contá-la não é tarefa simples, principalmente por existir várias posições doutrinárias – até de forma exagerada, diríamos.
Ademais, o que dizer de cautelar? É aquele Processo Cautelar concebido por Ovídio Baptista da Silva? Ou seria aquele exposto por Galeno Lacerda; ou ainda seria aquele divisado por Calmon de Passos?[3]
Numa visão ligeira e apenas introdutória[4], talvez o operador do direito menos atento tenha a falsa sensação que distinguir a “cautelar” de “antecipação de tutela” é tarefa fácil. Já alertamos que não é! Aliás, quem melhor traz esse aviso é Daniel Mitidiero:
“Não é possível confundir a técnica antecipatória com a tutela cautelar. A primeira consubstancia-se essencialmente em uma inversão procedimental e constitui uma técnica processual. É um meio para realização de uma finalidade. A segunda é um dos fins possíveis resultantes do emprego do meio – é uma espécie de tutela jurisdicional do direito. Dito de maneira clara, a antecipação é tão somente uma técnica processual que visa à concessão de tutela satisfativa ou de tutela cautelar aos direitos. A técnica antecipatória é o meio que visa à obtenção do fim tutela jurisdicional do direito”[5].
No sistema do Código de Processo Civil de 1973 (com as diferentes alterações legislativas que experimentou), a tutela cautelar era concedida com base nos tradicionais requisitos da aparência do bom direito e do perigo da demora (artigos 798, 799, 801, III e IV e 804). Já a tutela antecipada era deferida diante de maior grau de certeza, traduzida na expressão “prova inequívoca” que conduza à “verossimilhança da alegação”, do caput art. 273; ou na locução “relevante fundamento”, empregada pelo § 3º do art. 461 – e encontrada na legislação extravagante, como nos casos de mandado de segurança, de tutela do consumidor e outros. Na tutela antecipada, ainda pensando no CPC 1973, o perigo da demora também era requisito da lei (art. 273, II), mas se afigura dispensável nos casos de abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu (art. 273, II); ou, ainda, no caso de parcela incontroversa da demanda (art. 273, § 6º) [6].
No Código de Processo Civil de 2015 não há previsão de requisitos genéricos para a concessão da tutela provisória. O que existe, de um lado, é a regra segundo a qual, para a tutela provisória de urgência, são exigíveis “a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo” (art. 300, caput)[7]. E, de outro lado, há previsão dos requisitos para concessão da tutela de evidência, com a expressa dispensa, nesse caso, do perigo (art. 311, caput).
Acrescenta Humberto Theodoro Jr. [8] que “o novo Código acolheu a doutrina em questão, deixando bem claro que medidas cautelares e medidas antecipatórias são mesmo espécies de um só gênero, qual seja, a tutela de urgência”[9].
Há também a tutela de evidência, concedida sem o perigo, como destaca Marinoni[10]: “o legislador procurou caracterizar a evidência do direito postulado em juízo capaz de justificar a prestação de "tutela provisória" a partir de quatro situações arroladas no art. 311[11]. O denominador comum capaz de amalgamá-las é a noção de defesa inconsistente. A tutela pode ser antecipada porque a defesa articulada pelo réu é inconsistente ou provavelmente o será[12]”.
Feitas as considerações para a concessão da tutela provisória, devemos agora analisar o efeito suspensivo e suas peculiaridades.
2. Efeito Suspensivo
Não há duvida que o melhor ensinamento sobre recursos – sem desmerecer qualquer outro – vem de José Carlos Barbosa Moreira. Na elaboração de nosso trabalho todos os livros consultados usaram seus termos ipsis litteris ou o parafrasearam, sempre com honrosa citação. Com o mesmo prestígio e complementando a doutrina do mestre Barbosa Moreira encontra-se também as lições de Nelson Nery Jr. Feitas as devidas homenagens vamos às lições.
Para Barbosa Moreira[13] “todos os recursos admissíveis produzem, no direito pátrio, um efeito constante e comum, que é o de obstar, uma vez interpostos, o transito em julgado da decisão impugnada”. E continua o mestre: “ao lado desse, que ocorre sempre, dois são os efeitos em geral mencionados como produzíveis pela interposição de recurso: o suspensivo e o devolutivo”.
Desse ponto façamos duas análises, até porque, como dito no início do trabalho, o objetivo principal não esgotar conceitos, mas provocar à reflexão. Barbosa Moreira destaca que:
“Diz que o recurso tem efeito suspensivo quando impede a produção imediata dos efeitos da decisão. Seria impróprio aludir, em termos restritos, ao fato de não se poder promover a execução; esse é o traço mais saliente, mas não esgota o conceito, pois as decisões meramente declaratórias e as constitutivas, que não comportam execução (no sentido técnico do direito processual), também podem ser impugnadas mediante recurso de efeito suspensivo”[14].
Portanto, como conclui o mestre, “a suspensão é de toda a eficácia da decisão, não apenas de sua possível eficácia como titulo executivo”.
A outra reflexão a ser feita é a interpretação usual de que o efeito suspensivo está associado ao recurso, como destaca Barbosa Moreira: “a expressão ‘efeito suspensivo’ é, de certo modo, equívoca, porque se presta a fazer supor só com a interposição do recurso passem a ficar tolhidos os efeitos da decisão, como se até esse momento estivessem eles a manifestar-se normalmente”. E, assim conclui o autor[15]: “na realidade, o contrário é que se verifica: mesmo antes de interposto o recurso, a decisão, pelo simples fato de estar-lhe sujeita, é ato ainda ineficaz, e a interposição apenas prolonga semelhante ineficácia, que cessaria se não se interpusesse o recurso”.
Como bem aclara Nelson Nery Jr.[16], a suspensividade diz respeito mais propriamente à recorribilidade do que ao recurso propriamente dito, eis que, na prática, o efeito suspensivo tem início com a publicação da decisão (quando previsto este efeito) e perdura no mínimo até que se esgote o prazo para a parte ou interessado recorrer (o que o processualista denomina de condição suspensiva). Caso haja a interposição do recurso, mantem-se a suspensividade, prolongando-se até o julgamento do recurso.
Reforça Flávio Cheim Jorge, com mais objetividade, “a ineficácia da decisão recorrida não decorre propriamente do recurso. O que existem são decisões que admitem eficácia imediata e outras que não admitem eficácia imediata (ineficazes)” [17].
Reitera-se que o equívoco terminológico “efeito suspensivo” vem do próprio legislador, que, ao editar o Código de Processo Civil em vigor (de 2015) trouxe no caput artigo 1.012 e no seu § 3º a expressão efeito suspensivo, quando melhor seria ter falado em eficácia da decisão recorrida, como o fez no artigo 995: “os recurso não impede a eficácia da decisão (...)”, e não se referir ao recebimento do recurso no efeito suspensivo[18].
Essas premissas que até agora se mencionou sobre o efeito suspensivo estão evidentemente relacionadas aos recursos que a lei lhes atribuiu tal efeito. O efeito suspensivo previsto em lei, que de nada depende para ser gerado, é chamado de efeito suspensivo próprio, como explica Daniel Amorim Assumpção Neves[19], enquanto o efeito suspensivo obtido no caso concreto, a depender do preenchimento de determinados requisitos, porque em regra o recurso o tem, é chamado de efeito suspensivo impróprio[20].
Há os recursos que possuem efeitos suspensivos automáticos[21], por determinação legal. É o que acontece com a apelação (art. 1.012, CPC) e o recurso especial ou extraordinário interposto contra decisão que julga incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 987, § 1, CPC)[22].
Fredie Didier Jr. pontua assertivamente que “no direito brasileiro, todo recurso pode ter efeito suspensivo” [23]. E continua: “Mas a regra é a de que o recurso não possua efeito suspensivo automático por determinação legal (art. 995, CPC). Cabe ao recorrente pedir o efeito suspensivo ao relator do recurso, preenchido os pressupostos legais (art. 995, par. único, CPC, p. ex.)” [24].
Para os recursos previstos na lei sem efeito suspensivo, o raciocínio não se aplica, e a decisão, tão logo é publicada, passa a produzir efeitos, ensejando inclusive sua execução provisória, já destacava Luiz Orione Neto[25] quando ainda vigorava o Código de Processo Civil de 1973[26].
Não podemos nos esquecer de que se a decisão[27] contiver mais de um capítulo[28], é possível que o recurso tenha efeito suspensivo em relação a um e não tenha em relação ao outro[29]. Exemplifica Fredie Didier Jr.: “basta pensar no caso de sentença que confirma tutela provisória parcial (art. 1.012, § 1º, V, CPC); nesse caso, em relação a parte da sentença em que houve tutela provisória ( art. 1.013,§5º,CPC), a apelação não terá efeito suspensivo automático; em relação a outra parte, terá”[30].
Outra ponderação relevante é feita por William Santos Ferreira[31]:
“Alguns doutrinadores entendem que o efeito suspensivo é o responsável por obstar a formação da coisa julgada. Todavia, assim concluem por confundir coisa julgada com eficácia executiva da decisão, que são realidades distintas. O que adia a formação da res judicata é o efeito devolutivo, ou mais propriamente, é a consequência deste. Tanto isso é verdade que mesmo o recurso desprovido de efeito suspensivo impede a formação da coisa julgada, embora se possa desde logo promover a execução provisória da sentença (art. 521, do CPC 1973)”[32].
Ademais, outro ponto interessante que se deve haver certa reflexão entre o nosso estudo e a prática no dia-a-dia é a nova sistemática da admissibilidade recursal, uma vez que antes, pelo Código de Processo de 1973, cabia ao juízo de primeiro grau admitir ou não o recurso, inclusive atribuindo-lhe o efeito suspensivo. Por sua vez, o novo Código alterou substancialmente a rotina forense, passando a atribuição da admissibilidade ao tribunal. Quando há previsão expressa em lei, como na hipótese da apelação[33] (art. 1.012, caput)[34] e do recurso especial ou extraordinário interposto contra decisão que julga incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 987, § 1, CPC) [35], “a concessão (rectius: reconhecimento) do efeito suspensivo aos recursos é matéria de ordem publica”, destaca Flávio Cheim Jorge[36]. Dai porque o autor conclui que “por ser matéria de ordem pública, o juiz terá ampla liberdade, sem qualquer provação das partes, para reconhecer a existência ou não efeito suspensivo”.
Dessa forma, não há óbice se um magistrado de primeira instância declarar o efeito suspensivo, mesmo que, pela nova dinâmica do Código de Processo Civil, o juízo de admissibilidade incumba ao Tribunal ad quem; isso numa das hipóteses de efeitos decorridos da lei. Flávio Cheim Jorge[37] não acredita que a atuação de ofício do juiz[38] quanto aos efeitos dos recursos possa ser atribuída a uma possível relação daqueles com o juízo de admissibilidade[39].
Fato é que o efeito suspensivo retarda a solução do feito para, no mínimo, um segundo momento, normalmente a segunda instância, mas o faz por uma questão de segurança jurídica, justamente para permitir a reanalise do caso por outro(s) julgador(es). Por sua vez, a tutela provisória, como hoje é chamada a tutela antecipada pelo novo Código de Processo Civil, está associada à imediatidade da tutela jurisdicional, ou seja, ao acesso pleno à Justiça. Entretanto, essa discussão merece análise mais profunda, em tópico próprio.
3. A segurança jurídica e o acesso à Justiça
Feitos os esclarecimentos sobre o efeito suspensivo, começamos a adentrar ao estudo específico, no qual há um confronto do direito do jurisdicionado em obter o quanto antes a sua tutela e, do outro lado, a segurança jurídica, em dar a melhor tutela, com a proteção ao contraditório e a ampla defesa às demais partes do processo.
Quem melhor fala sobre o tema, respeitadas as demais posições, é Luiz Guilherme Marinoni:
“Em termos de política legislativa, é preciso notar que o chamado efeito suspensivo deve ser pensado como algo que deve conciliar dois polos: o da segurança jurídica- evitando que a decisão impugnada produza efeitos na pendência de recurso que pode revertê-la, com o que visa a prestigiar a certeza jurídica - e o da tempestividade - que objetiva impedir que o tempo do processo prejudique a parte que tem razão, estimulando a interposição de recursos sem qualquer fundamento. Se o efeito suspensivo privilegia a segurança, sua não previsão serve para dar ênfase à necessidade de tempestividade. São as circunstâncias do direito material debatido em juízo que devem iluminar a eventual dispensa do efeito suspensivo. Porém, como muitas vezes é necessário considerar as particularidades do caso concreto, costuma-se também deixar ao juiz a possibilidade de conferir efeito suspensivo ao recurso. Nesse caso, o efeito suspensivo é denominado ope iudicis (por exemplo, a possibilidade de o juiz dar efeito suspensivo ao agravo de instrumento - art.1.019,I), em oposição ao efeito suspensivo que é atribuído pela lei a determinado recurso (efeito suspensivo ex lege, por exemplo, o efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação - art. 1.012)”[40].
Aliás, igual brilhantismo é a crítica do autor, a respeito da edição do novo Código de Processo Civil mantendo o efeito suspensivo automático na hipótese de apelação, vejamos:
“Nessa perspectiva, é preciso perceber que o novo Código perdeu uma oportunidade importante: poderia ter tolhido o efeito suspensivo da apelação, tornando-o sempre atribuível ope judicis. Isso sem dúvida outorgaria maior coerência ao nosso sistema, na medida em que decisões provisórias fundadas em cognição sumária têm eficácia imediata (tutelas provisórias, arts. 294 e ss.), ao passo que decisões definitivas fundadas em cognição exauriente não contam em regra com a mesma eficácia. Vale dizer: o processo civil brasileiro atribui maior peso em termos de efetividade e tempestividade a decisões provisórias do que a decisões definitivas - nada obstante o juízo que alicerça as primeiras seja evidentemente menos seguro que o juízo que embasa as segundas. O ideal é que todas as decisões judiciais tivessem eficácia imediata, contrabalanceando-se com a possibilidade de sua suspensão opejudicis. Nesse particular, o legislador inadimpliu com o seu dever de desenhar um processo capaz de viabilizar tutela jurisdicional tempestiva (art. 5.°, LXXVIII, da CF)”[41].
Não obstante o art. 995, caput, do Novo CPC prevê que, salvo quando houver disposição legal ou decisão judicial em sentido contrário, o recurso não impede a geração de efeitos na decisão impugnada, ou seja, no primeiro caso tem-se o efeito de suspensivo próprio e no segundo o impróprio[42], o caput artigo 1.012 traz a concessão do efeito suspensivo automático, respeitadas as hipóteses do parágrafo primeiro.
Enquanto o paragrafo único do artigo 995 do novo Código de Processo Civil prevê os requisitos para concessão do efeito suspensivo pelo relator no caso concreto, condicionando o risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação gerado pela reparação imediata de efeitos da decisão (periculum in mora e o perigo do tempo para que o órgão jurisdicional reconheça o direito do requerente) e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso (fumus boni iuris ou a probabilidade de o requerente ter razão). Ainda que o dispositivo não o preveja explicitamente, o pedido expresso do recorrente continua a ser requisito para a concessão de efeito suspensivo pelo relator[43].
Situação interessante vem da pequena, mas salutar diferença entre o parágrafo único do artigo 995 e o § 4º do artigo 1.012 do Código de Processo Civil, no qual o primeiro impõe ao jurisdicionado ao preenchimento dos dois requisitos, enquanto, na segunda hipótese, basta um ou outro, pelo menos é o que defende parte da doutrina, que citamos Daniel Amorim Assumpção Neves[44]:
“Segundo o dispositivo legal a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade do provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação. Como se pode notar da leitura do dispositivo legal, a concessão de efeito suspensivo não está exclusivamente condicionada ao requisito da tutela de urgência, como ocorre no art. 995, paragrafo único do Novo CPC, mas também aos requisitos da tutela de evidencia, já que basta ao apelante provar a probabilidade de provimento do recurso para que o efeito suspensivo seja concedido”.
Com base nessa diferenciação, o autor destaca que “o dispositivo capta de uma forma a mais adequada a nova realidade inaugurada pelo novo Código de Processo Civil quanto às diferentes espécies de tutela provisória”, e, por isso, propor que “não deve ter a sua aplicação limitada ao recurso de apelação”, entendendo que “mesmo que haja previsão genérica de efeito suspensivo ope iudicis no art. 995, caput, do Novo CPC, o art. 1.012,§ 4º do Novo CPC deve ser considerada norma na teoria geral dos recursos”, pois, assim conclui o autor: “não chegaria a ser uma novidade considerada a natureza de recurso padrão da apelação que tem vários dispositivos aplicáveis a todas as espécies recursais”[45].
Vale aqui ponderar o que já dizia Cassio Scarpinella Bueno[46] a respeito do efeito suspensivo, nesse confronto efetividade da tutela jurisdicional e segurança jurídica, ainda sob a ótica do Código de Processo Civil de 1973, sem, entretanto, ficar ultrapassado:
“Não há como sustentar que, em um Código de Processo Civil, forte na concretização do “principio da efetividade do processo’’ e do “principio da economia e da eficiência processuais’’, possam conviver decisões proferidas com base em cognação sumária – as que antecipam os efeitos da tutela jurisdicional com base no art. 273, por exemplo –, que tem, por isso mesmo, efeito imediatos e decisões que posto serem proferidas com base em cognição exauriente, não tem quaisquer efeitos até o instante em que confirmadas ou rejeitadas pelos tribunais, mercê de eventual segmento recursal, como se dá, em regra, na apelação e, a partir de uma leitura presa ao texto da lei, nos casos em que incide o reexame necessário do art. 475. A “segurança jurídica”, que dá sustentação, não há por que duvidar disto, ao “efeito suspensivo”, deve ceder espaço, consoante as peculiaridades de cada caso concreto, a outros princípios do “modelo constitucional do direito processual civil”, tais como os destacados”.
E assim o nobre autor igualmente propunha, ainda com os olhos para o Código anterior, a solução de que “em todos os casos, contudo, a previsão legal ou sistemática do efeito suspensivo – a ‘regra’, por assim dizer – pode e deve ser alterada pelo magistrado a luz das necessidades e das circunstancias de cada caso concreto que lhe é apresentado para solução”.
Há de se ponderar, no entanto, que a solução proposta pelo autor parecia distante do contexto do Código de Processo Civil anterior (talvez mais próxima desse Código de Processo Civil, como veremos adiante), mesmo assim é interessante ver que “a aplicação ope judicis no caso do efeito suspensivo tem o condão de alterar, casuisticamente, a previsão abstrata daquele efeito realizada pelo legislador, que iniciativa que se sintoniza perfeitamente com o ‘modelo constitucional do direito processual civil’. É o momento estático do ordenamento processual civil convertendo-se em sua dinâmica” [47].
A oportunidade perdida[48] reforça uma velha análise, sustentada, em especial, por Marinoni que uma tutela sumária não há efeito suspensivo em seu recurso enquanto a tutela exauriente, cuja cognição fora mais profunda, tem sobre si um efeito suspensivo de forma automática. A aparente incongruência legislativa gera espaço para a doutrina.
Antes mesmo da edição do Código de Processo Civil de 2015, o tema já era polêmico[49]. Agora, com o advindo da tutela de evidência (que prescinde do critério urgência para a sua concessão) o debate parece ter se fortalecido.
Há quem se preocupe com a possibilidade de uma sentença poder ser cumprida de imediato, “argumentando que não é possível confiar na sentença do juiz singular” [50], como destaca Marinoni. Contudo, “o conflito entre o direito à tempestividade da tutela jurisdicional e o direito à adequada cognição da lide deve ser solucionado a partir da evidência do direito do autor”.
E assevera a crítica: “Se o autor deseja obter o bem que postula o quanto antes, é certo que nem sempre o juiz pode vislumbrar a verossimilhança do direito no curso do processo para conceder a tutela antecipatória. Entretanto, quando é proferida a sentença e declarada a existência do direito, não há razão para o autor ser obrigado a suportar o tempo do recurso. Ora, a sentença, até prova em contrário, é um ato legítimo e justo. Assim, não há motivo para a sentença ser considerada apenas um "projeto" da decisão de segundo grau, nessa perspectiva a única e verdadeira decisão. A sentença, para que o processo seja efetivo e a função do juiz de primeiro grau valorizada, deve poder realizar os direitos e interferir na vida das pessoas.
Nessa esteira, somados os argumentos já mencionados, a respeito da distribuição do ônus do tempo do processo entre as partes, perceba-se, ademais, que o recurso, na hipótese de sentença de procedência, serve unicamente para o réu tentar demonstrar o desacerto da tarefa do juiz. Assim, por lógica, é o réu, e não o autor, aquele que deve suportar o tempo do recurso interposto contra a sentença de procedência. Se o-recurso interessa apenas ao réu, não é possível que o autor – que já teve seu direito declarado – continue sofrendo os males do tempo do processo”[51].
O efeito suspensivo próprio da apelação encontra exceções no § 1º do art. 1.012 do novo Código de Processo Civil, no qual prevê, ao ver de Daniel Amorim Assumpção Neves, um rol exemplificativo de hipóteses em que a apelação não terá efeito suspensivo:
“O rol é exemplificativo porque, apesar de exaurir as hipóteses de apelação sem efeito suspensivo próprio previstas no novo Código de Processo Civil, há normas em legislação extravagante no mesmo sentido: art. 14 da Lei 7.347/1985, na ação civil pública ( na ação popular o Superior tribunal de justiça prefere a aplicação do art. 19 da Lei 4.717/ 1965, de apelação no duplo efeito ( STJ, 2ª turma, REsp.. 1.188.564/SP, rel. min. Mauro Campbell Marques, J. 10/08/2010, DJe 10/09/2010; informativo 501/STJ, 3.ª REsp 1.280.171- SP, rel. Min. Massami Uyeda, j. 02.08.2012, SJe 15.08.2012), art. 14, § 3ºda Lei 12.016/2009, no mandado de segurança, art. 58, v, da Lei 8.245/1991, nas ações regidas pela Lei de locações e art. 14 da lei 5.478/1968 ( ação de alimentos, também aplicável à ação exoneratória ( informativo 501/ STJ), 3º turma, Resp 1.280.171- SP, rel. Min. Massami Uyeda, j. 02.08.2012,Dje 15.08.2012)”[52].
E acrescenta:
“Além disso, a previsão do art. 1.012,§ 1.º, V do novo CPC tem um potencial de aumentar consideravelmente a quantidade de apelações sem efeito suspensivo. E isso porque a sentença que confirma ou concede a tutela de evidencia passa a ser recorrível por apelação sem efeito suspensivo. Caso a aposta do legislador em aumentar significativamente a eficácia vinculante de precedentes criados com essa exata finalidade pelos tribunais, será extremamente comum a concessão de tutela da evidencia nos termos do art. 311, II, do Novo CPC, com o que as sentenças que a venham a confirmar serão impugnadas por apelação sem efeito suspensivo.
Por fim, cabe uma observação quanto a apelação que impugna decisão interlocutória nos termos do art. 1.009, §1º do CPC. Nesse caso, apesar da omissão legal, parece correto concluir que quando as decisões interlocutórias impugnadas por sentença a apelação não terá efeito suspensivo. Realmente não teria qualquer sentido suspender os efeitos de uma decisão que já vem gerando normalmente seus efeitos desde sua prolação em razão da apelação. Ademais, mesmo que recorrida em apelação, o tratamento procedimental destinado a essa situação deve ser o do agravo de instrumento, que não tem efeito suspensivo legal”[53].
Naturalmente quando há a concessão da tutela provisória, pela probabilidade do direito e o perigo de dano é possível, pode-se efetivar a tutela no curso do procedimento de primeiro grau de jurisdição (tutela antecipatória). Portanto, conclui Marinoni: “a grande contradição do nosso sistema processual está em se poder obter antecipação da tutela no curso do procedimento de 1ºGrau e não se poder executar a sentença[54] na pendência da apelação” [55].
Na verdade, um sistema que trabalha com a antecipação da tutela e não admite a execução imediata da sentença, ao menos nos casos em que a tutela antecipatória é aceita[56], é, no mínimo, contraditório[57], alerta o autor[58].
Viabilizando uma solução, diga-se: um tanto criativa, Marinoni sugere que “na mesma folha de papel e no mesmo instante, o juiz deve proferir a decisão interlocutória e a sentença, a primeira concedendo a antecipação da tutela e a segunda confirmando a tutela concedida. Neste caso, porque concedida antecipação de tutela na sentença, então, e só por isso, a apelação será recebida no efeito só devolutivo. Do contrário, ter-se-ia uma sentença que, embora reconhecendo razão ao autor, não se presta para praticamente nada”[59] eis que, para o autor é a única saída racional, e reitera a tese, em outros termos que é necessário “admitir a tutela antecipatória ao final do processo – quando o juiz está pronto para proferir sentença –, por meio de decisão interlocutória, recorrível através de agravo de instrumento, que não deve ser recebido no efeito suspensivo, e, assim, não pode suspender os efeitos da decisão e da tutela”[60].
Não à toa, a proposta engenhosa de Marinoni sofre críticas, no qual citamos a de Daniel Amorim Assumpção Neves:
“Há problemas a resolver a respeito do recurso cabível ao réu, que, além de perder a demanda, tem contra si concedida uma tutela antecipada na sentença. Esses problemas, entretanto, jamais poderão servir de desculpa ou impedimento para que o juiz não conceda a tutela antecipada na sentença, ou, como preferem alguns doutrinadores, monte uma pequena encenação, com a concessão por decisão interlocutória momentos antes da prolação da sentença, ainda que numa mesma folha de papel. Funcionaria assim o engodo: estando o processo pronto para julgamento, o juiz chama os autos à conclusão e prefere antes uma conclusão e profere antes uma decisão interlocutória concedendo a tutela antecipada e depois uma sentença julgando procedente o pedido do autor. Quem sabe abre até duas decisões diferentes e autônomas. O problema recursal estaria resolvido, mas à custa de uma encenação, uma simulação que não pode ser saudavelmente admitida”[61].
E assevera a crítica:
“Ainda pior a opinião doutrinária a defender que mesmo que o juiz tenha materialmente proferido somente uma decisão, que naturalmente, será uma sentença com um capitulo de concessão da tutela antecipada, deve-se imaginar que existem duas decisões, uma de natureza interlocutória e outra de natureza sentencial. Afirma-se que formalmente há somente uma decisão, mas materialmente existem duas. Nesse verdadeiro exercício de ficção jurídica o problema recursal estaria novamente resolvido, mas enxergar duas decisões onde só existe uma não parece ser a técnica mais apropriada para a solução de problema de qualquer natureza”[62].
O §5º do art. 1.013, do novo CPC, prevê expressamente que o capitulo da sentença que confirma, concede ou revoga a tutela antecipada é impugnável por apelação[63], como já vinha decidindo o Superior Tribunal Federal na vigência do CPC/1973(STJ, 2ª TURMA, AgRg NO AREsp 394.257/SP, rel. Min. Herman Benjamin, j. 18/03/2014, DJe 27/03/2014)[64].
Outra situação bastante peculiar ocorre no julgamento parcial de mérito, recorrível por meio de agravo de instrumento[65]. Nesse contexto, nota-se que, não obstante seja uma decisão de cognição exauriente, o seu recurso não é dotado de efeito suspensivo, ao contrário da apelação cabível na sentença que julga todos os pedidos[66].
Respeitados todos os posicionamentos, há de convir que a existência de uma incongruência legislativa, no qual, uma decisão sumária (tutela provisória) é eficaz de imediato e a sentença, cuja análise fora mais profunda, tem seus efeitos automaticamente suspensos.
Pensamos que a melhor solução seria a análise caso a caso, com a adoção do critério ope judicis para concessão dos efeitos. Entretanto, o novo Código de Processo Civil já está em vigor e, ainda que o critiquemos, o efeito automático da apelação está previsto no caput do 1.012.
Por sua vez, outra solução, justamente no equilíbrio entre os litigantes, está na possibilidade que há diante da evidência do direito do autor em conceder uma das tutelas provisórias, se houver urgência, caberá a aplicação do artigo 300, e caso não haja, poderá ser aplicada as hipóteses do artigo 311, ainda que no corpo da sentença, eis que não há impedimentos, como vimos.