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Operação Lava Jato

Agenda 08/01/2017 às 11:10

Explica-se como surgiu a investigação do maior esquema de corrupção da história brasileira, de forma objetiva e didática.

 

Inicialmente, cumpre registrar que este articulista não pertence à força-tarefa do Ministério Público Federal, emitindo opiniões, com base em convicções jurídicas (artigo 5º, IV, da Constituição Federal).

 

A origem do nome “ lava jato” decorre do fato de as investigações terem sido iniciadas em um posto de gasolina, no qual supostamente funcionaria um lava jato, mas que, na verdade, apenas existia uma lavanderia, e uma casa de câmbio clandestina (sem autorização do BACEN) dentro de uma loja de conveniência.

 

Um dos grupos envolvidos no esquema fazia uso de uma rede de lavanderias e postos de combustíveis para movimentar o dinheiro ilícito.

 

De outro lado, a Petrobrás contratava empreiteiras por licitações fraudadas, e estas combinavam entre si qual delas seria a vencedora da licitação, superfaturando os valores da obra. O dinheiro remanescente era desviado para pagar propinas a diretores da estatal, os quais, em contrapartida, aprovavam os respectivos contratos superfaturados.

 

A Operação Lava Jato, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 17 de março de 2014, visou desmontar um esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, que movimentou centenas de milhões de reais. As investigações relevaram a existência de um grupo brasileiro especializado no mercado ilegal de câmbio, com envolvimento de funcionários do primeiro escalão da Petrobras. O modus operandi ocorria, mediante o pagamento de propina, envolvendo executivos de empreiteiras, que assinavam contratos com a companhia de petróleo e políticos. Entre os crimes cometidos, constavam o de sonegação fiscal, evasão de divisas, desvio de recursos públicos e corrupção (ativa e passiva) de agentes públicos.

 

Nas primeiras fases da apuração, uma rede de doleiros (chamados de operadores do esquema) atuava em várias regiões do Brasil, por intermédio de empresas de fachada, contas em paraísos fiscais e contratos de importação fictícios.

 

 Com efeito, foram executados mandados de busca e apreensão, mandados de prisão e mandados de condução coercitiva, figurando entre os presos o ex-diretor da Petrobras e doleiro “A. Y”, que realizaram um acordo de delação premiada, isto é, fizeram contribuições com as investigações em troca do benefício da redução da pena.

 

Com o aprofundamento das investigações, favorecido pelas delações premiadas, descobriu-se um grande esquema de corrupção envolvendo a Petrobrás (maior empresa pública do país), vários políticos do país, e as maiores empreiteiras brasileiras (Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS, Camargo Correia, Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, Mendes Júnior, Engevix e UTC), além de diversas empresas de outros ramos (redes de postos de combustíveis e lava jato, rede de hotéis etc). O esquema envolvia ainda grandes obras públicas de infraestrutura, tais como, a construção da Usina Nuclear Angra 3, a Ferrovia Norte-sul, além das obras realizadas para a Copa do Mundo (reforma do Maracanã).

 

A “engenharia” criminosa funcionava a partir da cobrança de propina para facilitar as negociações das empreiteiras com a Petrobrás e aquisição de licitações para a construção das grandes obras públicas.

 

Por seu turno, os contratos entre as empreiteiras e demais empresas que faziam parte do acordo eram superfaturadas para facilitar o desvio de dinheiro público, que era recebido pelos doleiros e outros operadores responsáveis por repassá-lo a políticos e funcionários envolvidos no sistema. A rede de beneficiários que recebiam o dinheiro desviado englobava diretores da Petrobras, políticos e partidos políticos, os quais teriam direito a 2% do valor do contrato em propina.

 

Outra linha da investigação começou em março de 2015, quando o Procurador-Geral da República apresentou ao Supremo Tribunal Federal  pedidos para  abertura de inquéritos criminais destinados a apurar fatos atribuídos a titulares de foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”). Nesse ponto, trata-se de pessoas que integram ou estão relacionadas a partidos políticos responsáveis por indicar e manter os diretores da Petrobrás, tendo sido citadas em colaborações premiadas feitas na primeira instância, mediante delegação do Procurador-Geral da República.

 

A operação revelou o maior caso de corrupção na história brasileira. O esquema ocorria, mediante concessão de propina, por parte de grandes empreiteiras para Diretores da Petrobrás, o qual foi desbaratado no ano 2014, embora já existisse há certo tempo.

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Vale salientar que a mídia ( telejornais, imprensa escrita) conferiu ampla publicidade à operação, incluindo matérias veiculadas no imprensa eletrônica (http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1548049-entenda-a-operacao-lava-jato-da-policia-federal.shtml).

 

As licitações eram efetivadas de forma fraudulenta, de modo que as empresas faziam parte de uma espécie de “clube”, onde existiam regras de quem sairia vencedor, tudo abastecido à base de propinas pagas pelas empreiteiras aos diretores e agentes da Petrobrás.

 

Estima-se que em torno de R$ 20(vinte) bilhões de reais circulou entre a corrupção, envolvendo crimes de corrupção ativa, passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa, entre outros.

 

No caso da evasão de divisas, empresas offshore eram criadas com a finalidade de embasar a simulação de contratos de câmbio fraudulentos, nos quais eram realizados simulados de importações (fictícias), a fim de que o dinheiro ilícito fosse remetido ao exterior, dando aparência de uma suposta operação de importação, tudo baseado em dados ideologicamente falsos, e com empresas criadas para tal finalidade.

 

Os eventos ocasionaram a queda nas ações da Petrobrás, perda do grau de investimento do Brasil, o que ocasionou uma sucessão de atos e projetos de lei, visando retaliar a ação do Ministério Público e da Magistratura.

 

Por outro lado, indaga-se acerca da possibilidade de as instituições bancárias serem acionadas judicialmente, por suposta corresponsabilidade em atos ilícitos de gerentes de bancos, que teriam sido cooptados pelo esquema de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção coordenado pelos doleiros na operação lava jato.

 

Segundo as investigações da operação "Lava-Jato", gerentes de instituições financeiras teriam sido cooptados, a fim de permitir, com a omissão, os respectivos atos voltados à consumação do crime de evasão e lavagem.

 

Com efeito, a força-tarefa da operação Lava-Jato tem analisado transações bancárias suspeitas de irregularidades, as quais teriam contribuído de modo significativo para o sucesso do esquema de envio ilegal de dinheiro ao exterior, sobretudo por intermédio de importações fictícias (subterfúgio largamente empregado para a movimentação de recursos sem origem).

 

Devido ao fato de não haver “fechamento” entre o contrato de câmbio de importação e a entrada da mercadoria no país (modalidade simulada de importações conhecida como "back to back"), caberia aos bancos e ao Banco Central (BC) parcela de responsabilidade por eventual omissão fiscalizatória.

 

Nesse diapasão, instituições financeiras têm a obrigação legal de informar ao COAF, órgão de inteligência do Ministério da Justiça, acerca de determinada operação financeira “suspeita”. Se não fizerem, poderão ser taxadas de coniventes, porquanto detêm condições logísticas para acompanhar, rastrear, identificar, notificar e monitorar qualquer tipo operação, principalmente aquelas envolvendo quantias volumosas, clientes de grande porte ou sob investigação. Contudo, os bancos, cientes da dificuldade da autoridade monetária na respectiva fiscalização do Sistema Financeiro, resultam por não obedecer às normas de regência.

 

Não se pode, contudo, generalizar tal situação, apontando que a falha sempre foi a do banco, uma vez que estes, não raro, efetivam comunicações atípicas (que fogem ao padrão normal de renda do correntista) ao COAF, quando incide suspeita de lavagem de capitais dinheiro ou evasão de divisas.

 

Deve-se, contudo, investigar se o gerente do banco, por exemplo, omitiu-se, de forma consciente e voluntária, a fim de propiciar a atuação comissiva por parte dos agentes responsáveis pela consumação dos crimes alvos da operação lava jato.

 

No rumoroso caso “Eduardo Cunha”, as autoridades Suíças autorizaram que o PGR (Procurador-Geral da República) propusesse denúncia pelo crime de evasão de divisas em detrimento do indigitado então Parlamentar, sendo a referida autorização necessária, em razão de o delito sub examine  não ser considerado infração criminal na Suíça.

 

Diversos clientes, por intermédio do HSBC, fraudaram o Fisco em inúmeros países, atuando em duas etapas: na primeira, foi criado um perfil numerado para o cliente, que corresponderia a uma ou várias contas bancárias. Na segunda, as contas estariam ligadas a um perfil que não seria o de uma pessoa física, e sim jurídica – como, por exemplo, o de uma empresa registrada na América Central.

 

Esse novo sistema teria sido criado após a implementação de uma nova regulamentação na Europa (em 2005), a qual fora criada para combater a prática de contas não declaradas.

 

Posteriormente, os bancos suíços passaram a ser obrigados a recolher um imposto de contas de cidadãos europeus, e repassá-lo ao Fisco dos países de origem dos clientes.

 

Considerando, porém, que a norma tinha como alvo contas de pessoas físicas, a estratégia de transferir os recursos para contas de empresas de fachada foi a medida adotada pelos integrantes da organização criminosa.

 

A Justiça suíça chegou a “congelar” milhões de dólares em contas atribuídas à família de determinado ex-prefeito paulistano, sob suspeita de o dinheiro ter sido desviado de verbas públicas.

 

No famigerado “ caso Eduardo Cunha”, a Procuradoria-Geral da República mandou para a Suíça um pedido de autorização para denunciar o então presidente da Câmara dos Deputados, pelos crimes de evasão de divisas e sonegação fiscal em razão de movimentação irregular nas contas atribuídas a ele na Suíça.

 

Por seu turno, o Ministério Público brasileiro precisou da autorização para denunciar o ex- Deputado, uma vez que o delito de evasão de divisas não é considerado crime pela legislação suíça, tendo o então Parlamentar sido acusado do recebimento de propina decorrente de contratos firmados pela Petrobrás, além de um contrato de exploração de determinado campo de petróleo em Benin, na África.

 

Em sua defesa, o então Parlamentar (atualmente preso e com mandato cassado), argumentou que as contas pertenciam a um "trust" (tipo de investimento administrado por terceiros), não sendo de sua titularidade, figurando apenas como beneficiário; contudo, foi comprovado que detinha o domínio funcional do fato, sendo, além do beneficiário dos frutos do rendimento aplicado, o efetivo “senhor das decisões” sobre a mencionada conta, detendo o poder de efetivar seu respectivo resgate ou transferência, conforme seu livre alvedrio.

 

Destarte, como real proprietário do dinheiro (fruto de origem ilícita), não poderia alegar o desconhecimento dos fatos, tampouco ausência de domínio do fato sobre a circunstância de poder, a qualquer tempo, efetivar o resgate ou transferência dos valores para si ou terceiro, conforme sua indicação, isto é, detinha plena disponibilidade econômica.

 

A incidência do crime de evasão ocorreu, em razão de o então Parlamentar ter mantido no exterior valor superior a cem mil dólares, sem a respectiva declaração ao BACEN, por meio da conhecida declaração de capitais de brasileiros no exterior (DCBE).

 

Por fim, estima-se que R$ 42 bilhões foram desviados da Petrobras a partir de superfaturamentos de contratos, tendo a força-tarefa anunciado em março de 2016 que já havia recuperado R$ 2,9 bilhões.

 

Contudo, o dinheiro recuperado não volta imediatamente aos cofres públicos, indo inicialmente para uma conta judicial.

 

Destarte, a destinação dos recursos só é definida no final do processo, já que, em casos de desvio de dinheiro público, o montante recuperado pela Justiça Federal volta para os cofres da Estatal ou é destinado a órgãos federais de prevenção e combate à corrupção.

 

Considerando que a Petrobrás é o sujeito passivo dos crimes perpetrados pela organização criminosa investigada na lava jato, o produto do delito repatriado deve ser direcionado à Estatal lesada, para fins de restituição dos prejuízos sofridos, porquanto o art. 91, II, do CPP, ressalva expressamente o direito do lesado, para fins de restituição dos prejuízos sofridos.

 

Por seu turno, a operação lava jato envolveu o maior caso de evasão de divisas já descoberto no Brasil, envolvendo a simulação de contratos de importação, com o fim de remeter dinheiro (fruto da corrupção) ao exterior, notadamente em contas offshore de empresas de fachadas ( “fantasmas”).

 

O referido esquema de corrupção revelou a importância não só da manutenção do tipo penal, mas também a necessidade de alteração legislativa para incluir sanções mais rígidas (penas e multa mais altas), sob pena de deterioração da função intimidatória da sanção penal alusiva ao crime sub examine.

 

Por tais razões, afigura-se de extremo interesse público o controle, pelo BACEN, das contas de brasileiros no exterior, as quais, não raro, quando não declaradas à referida autarquia, revestem-se de ilegalidade em sua origem. Do contrário, se a maioria dos recursos fossem de origem lícita, haveria um incremento substancial no número de declarações fornecidas ao BACEN, o que, porém, não se constata na prática, em razão da ínfima quantidade de informações recebidas pelo Banco Central do Brasil.

 

Destarte, em que pese a existência de entendimento favorável à sua descriminalização, pensamos que o tipo penal sub examine detém relevância em nosso sistema jurídico, o que foi corroborado, mediante a sua manutenção no projeto do novo código penal (atualmente sob discussão no Congresso Nacional).

 

REFERÊNCIAS:

 

Caso Lava Jato. Disponível em lavajato.mpf.mp.br. Acesso em 02 de jan/2017.

Entenda a operação lava jato, da Polícia Federal. Disponível em 
http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1548049-entenda-a-operacao-lava-jato-da-policia-federal.shtml. Acesso em 16 de fev/2017.

 

 

 

Sobre o autor
Leandro Bastos Nunes

Procurador da República. Ex-Advogado da União. Especialista em direito penal e processo penal. Articulista. Autor da obra "Evasão de divisas" (Editora JusPodivm). Professor da pós-graduação em direito penal econômico da FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências), e em cursos do Ministério Público da União. Palestrante em crimes financeiros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Leandro Bastos. Operação Lava Jato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4939, 8 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54880. Acesso em: 2 nov. 2024.

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