6 O NÚCLEO ESPECIAL CRIMINAL COMO INSTRUMENTO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS PELA POLÍCIA CIVIL DE SÃO PAULO
Na esteira do Delegado de Polícia Dr. Clóves Rodrigues da Costa, o Dr. Licurgo Nunes Costa, Delegado de Polícia Diretor do DEINTER – 4 (Bauru), criou o Núcleo Especial Criminal. Trata-se de uma unidade de polícia especializada em Termos Circunstanciados (BLAZECK, 2013, p. 156). Fê-lo por meio da Portaria n° 06/DEINTER-4, de 15 de dezembro de 2009. Os principais motivos desta iniciativa foram minorar os efeitos na dificuldade de se aplicar a Lei n° 9.099/95, bem como ofertar à sociedade um serviço público mais adequado no que se refere às infrações penais de menor potencial ofensivo. (BLAZECK, loc. cit.) Vale dizer, mencionada iniciativa relaciona-se à conciliação realizada pelo delegado de polícia no que tange às referidas infrações penais.
Ressalte-se que a contribuição do Dr. Clóves Rodrigues da Costa advém da criação do Termo de Composição Preliminar. Esta autoridade policial realizava conciliações no âmbito da Delegacia Seccional de Polícia de Franca e do DEINTER3 – Ribeirão Preto (BLAZECK, loc. cit.).
Quando da criação do Núcleo Especial Criminal, o Dr. Licurgo Nunes Costa adotou o Termo de Composição Preliminar da lavra de sua Excelência o Dr. Clóves Rodrigues da Costa. Sobre esta peça de polícia judiciária, registre-se a fala do professor Blazeck:
O Termo de Composição Preliminar recebeu essa denominação, marcada por ampla aceitação no cenário jurídico, inspirada numa interpretação analógica e ao mesmo tempo “administrativamente extensiva” do Art. 72, da Lei 9.099/95, que estabelece a possibilidade de composição de danos entre as partes, como primeira fase da audiência preliminar. (2013, p. 157).
Consoante ensinamento de Luiz Maurício de Souza Blazeck:
O NECRIM é órgão especializado da Polícia Civil do Estado de São Paulo que, primando pela pacificação social, promove a adequada solução de conflitos de interesses, decorrentes de crimes de menor potencial ofensivo, que dependam de representação ou de oferecimento de queixa, através de autocomposição pré-processual, consubstanciada em Termos de Composição Preliminar (TCP), presidida pelo Delegado de Polícia, com a participação da OAB, apreciação do Ministério Público e homologação do Poder Judiciário. (2013, p. 157).
Fundamental a compreensão de que os trabalhos desenvolvidos pelo NECRIM tem natureza jurídica de prevenção especializada (BLAZECK, 2013, p. 157). Saliente-se, igualmente, que a Polícia Civil de São Paulo, ao atuar como “polícia pacificadora tem evitado grandes problemas sociais.” (MELO; BERTOLI, 2015, p. 12).
O trabalho do NECRIM norteia-se pelos princípios da filosofia de Polícia Comunitária, “destacando-se como prática de Justiça Restaurativa” (BLAZECK, 2013, p. 157)
Neste trabalho acadêmico, analisaram-se os fundamentos epistemológicos que arrimam a atividade de polícia. No que se refere especificamente à atuação dos NECRIMs, é oportuno transcrevermos o magistério de Luiz Maurício de Souza Blazeck sobre aspectos práticos desta atividade, na medida em que se coaduna com os pressupostos jurídico-científicos aludidos. In verbis:
A atuação policial comunitária da polícia judiciária, através das composições preliminares presididas pelo Delegado de Polícia, possibilitará a redução do crescente volume de feitos dos cartórios das Delegacias de Polícia e dos Fóruns, contribuindo com a prevenção criminal, ao evitar reincidências e agravamento de conflitos anteriores. (BLAZECK, 2013, p. 158, grifo nosso).
A fala do professor Blazeck focaliza todos os aspectos de uma atividade de polícia interdisciplinar, possivelmente transdisciplinar, que materializa efetivamente os escopos de uma polícia contemporânea, quais sejam, a prevenção criminal voltada à pacificação social.
No mesmo sentido, afirma Vagner Bertoli que a atividade de polícia desenvolvida pelos NECRIMs
Concretamente, traz a pacificação social a todos os cidadãos que buscam o amparo do Estado e contribui com a diminuição dos feitos nas delegacias de polícia. Como desdobramento, colabora também para a desobstrução do Poder Judiciário, cada vez mais sobrecarregado de processos. (MELO; BERTOLI, 2015, p. 14).
Saliente-se também que, no âmbito dos NECRIMs, o delegado de polícia pode, imediatamente após a ocorrência do fato, proceder à mediação ou intimar as partes para atendimento em momento posterior (MELO; BERTOLI, 2015, p. 12).
Atualmente, existem mais de 35 NECRIMs instalados em diferentes cidades. Isto é uma demonstração de sintonia com a política pública de tratamento adequado de conflitos adotada pelo Conselho Nacional de Justiça. As estatísticas são inspiradoras na medida em que as conciliações frutíferas ultrapassam os 90% (MELO; BERTOLI, 2015, p. 12; BARALDI; FRAZÃO, 2013, p. 269). Esta realidade levou o jurista Luiz Flávio Gomes a proferir as seguintes palavras: “Que todas as polícias civis do Brasil se inspirem nesse exemplo de criatividade para o bem.” (GOMES, 2013, p. 150).
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto da sociedade globalizada, caracterizada pelas incertezas dos tempos atuais, bem como por um modo de vida extremamente competitivo, surge o Núcleo Especial Criminal. Órgão da Polícia Civil de São Paulo responsável tecnicamente pela utilização de métodos adequados de solução de conflitos, máxime, a mediação.
Nestes tempos, a judicialização de conflitos tem sido a regra, sendo inacreditável o número de processos judiciais tramitando nos Fóruns, não sendo muito diferente a realidade das Delegacias de Polícia. Isso conduz a demora excessiva na entrega da prestação jurisdicional e também para a impossibilidade de oferta de um serviço de excelência por parte da Polícia Civil.
A interpretação adequada da Lei n° 9.099/95 constitui o esteio para a atuação do Delegado de Polícia na mediação de conflitos. E a estrutura existente na Polícia Civil de São Paulo permite que estes serviços sejam ofertados à população com menor dispêndio financeiro, tornando eficiente a atuação do poder público. Este quadro permite que a polícia e, consequentemente, o Poder Judiciário atendam mais rapidamente a população.
De se registrar, também, o advento da Lei nº 12.830/13 que reconheceu a doutrina que confere caráter jurídico à carreira de Delegado de Polícia. Esta autoridade, consoante disposição da lei, possui autonomia técnica no que se refere às atividades de polícia judiciária. Referida autonomia viabiliza que o Delegado de Polícia dirija os trabalhos de polícia judiciária atento à falibilidade da razão humana, enquanto pressuposto epistêmico da atividade de polícia. Naturalmente, delineia-se um contexto de prestação de serviço policial de excelência em atendimento às pessoas, sendo sempre possível reorientar os trabalhos na melhor direção teleologicamente pensada.
O Delegado de Polícia do NECRIM não desempenha atividade jurisdicional. Desempenha atividade policial interdisciplinar eminentemente jurídica.
Conforme ficou demonstrado a utilização da conjunção aditiva entre as expressões polícia judiciária e apuração de infrações penais no parágrafo 4º do artigo 144 evidencia o intento legislativo de se referir, necessariamente, a duas entidades distintas, quais sejam, funções de polícia judiciária e investigação criminal.
No Estado de São Paulo, vale ressaltar, ambas as atividades de polícia são atribuições da Polícia Civil. Esta pode ser entendida como a corporificação do órgão de polícia criminal que concretiza, por um lado, as atividades de polícia judiciária como, v.g., a mediação de conflitos, por outro, a polícia investigativa, esclarecendo a autoria dos delitos.
Através da investigação criminal, a Polícia Civil atua preponderantemente na repressão. A esta atividade de polícia a doutrina denomina prevenção criminal em sentido estrito. A mediação de conflitos criminais, como demonstrado, consubstancia instrumento de prevenção especializada na medida em que evita o surgimento de infrações penais mais graves. Compõe, juntamente com outras formas de policiamento, o que a doutrina denomina prevenção criminal em sentido amplo.
A mediação de conflitos pode ser entendida como atividade de polícia judiciária, observando-se, também, outras características. Na medida em que auxilia o poder judiciário na distribuição de efetiva justiça e pacificação social, pois, reduz o volume de feitos nos cartórios das delegacias de polícia e, consequentemente, dos fóruns. Trata-se de atividade essencialmente distinta da investigação criminal, uma vez que o delegado de polícia mediador atua em conjunto com vítima e ofensor nos casos de infrações penais de menor potencial ofensivo cuja ação penal seja pública condicionada ou privada, sendo conhecida a autoria delitiva.
Na mediação de conflitos, o delegado de polícia utiliza as chamadas perguntas restaurativas, com o objetivo de levar as pessoas, geralmente num quadro de profunda dor emocional, a se manifestarem verbalmente sobre os seus reais interesses, necessidades e sentimentos, enformando uma prática policial eminentemente prospectiva. Vale dizer, com vistas ao não desfazimento de vínculos, verificando se é possível a continuidade das relações humanas afetadas pelo conflito, facilitando a comunicação das partes para que consensualmente alcancem um acordo justo.
Diferentemente, na investigação criminal, são utilizadas perguntas mais objetivas, o que, naturalmente, conduz a respostas mais sucintas, com enfoque predominante sobre circunstâncias fáticas da ofensa.
De se observar que estes traços distintivos acerca das funções de polícia judiciária desvelam a mudança paradigmática pela qual passa o conhecimento científico de maneira geral e, especificamente, os múltiplos conhecimentos que embasam as atividades de polícia. Noutros termos, o respeito incondicional à dignidade da pessoa humana legitima o atuar policial conferindo-lhe caracteres de cientificidade, pois o chamado pensamento sistêmico, enquanto novo paradigma da ciência, desloca o olhar do objeto voltando-o para o sujeito cognocente, considerado em sua subjetividade.
A realidade é construída através do contato do homem com o mundo.
Por isso, a existência de múltiplas verdades válidas, pois as pessoas são diferentes. No que se refere especificamente ao trabalho policial de mediação, percebe-se, então, a necessidade de se compor sempre levando em consideração as diferenças das pessoas humanas.
Para isso, se torna fundamental reconhecer a necessidade de o trabalho policial se valer não apenas das ciências jurídicas como o direito penal, processual, administrativo ou constitucional mas, ainda no universo jurídico, também da teoria geral do direito policial, da filosofia do direito, e de todos os outros ramos do conhecimento humano, como a psicologia, a economia, a comunicação, a semiótica, a antropologia cultural, numa perspectiva de trabalho interdisciplinar, rumo a uma atuação, quiçá, transdisciplinar.
A Polícia Civil sempre foi incansável defensora da lei. No entanto, como se observou, a legalidade deve sempre pautar a atividade de polícia na medida em que permite a consecução de serviços mais adequados. Isso refuta a ideia de legalidade absoluta.
A doutrina é robusta no sentido de se contrapor à oposição do Ministério Público ao trabalho desenvolvido pelos Núcleos Especiais Criminais, pois todo o procedimento conta com a participação do membro da ordem dos advogados do Brasil. Sempre o Termo de Conciliação Preliminar é remetido para o Poder Judiciário homologar após apreciação do Parquet. A conciliação só é feita se as partes aderirem livremente ao procedimento. São objeto de mediação pelo delegado de polícia dos NECRIMs apenas as infrações referentes a direitos disponíveis.
Esta atuação permite que a Polícia Civil de São Paulo, por intermédio dos Núcleos Especiais Criminais, oferte cada vez mais serviços públicos de excelência, buscando a harmonia social, mostrando para todos os envolvidos a necessidade de se buscar resolver problemas pacificamente. O delegado de polícia conciliador permite que as partes visualizem a necessidade de elas se separarem do problema. Posteriormente, juntas, elas atacam as causas dos problemas, chegando a raiz do conflito. Isso as conduz a ganhos mútuos. Portanto, com auxílio do Delegado de Polícia as partes devem desestruturar o conflito e construir a solução.
Num terceiro aspecto, faz-se mister lembrar que a mediação de conflitos é atividade de polícia que se desenvolve com observância da filosofia de Polícia Comunitária e dos princípios da Justiça Restaurativa. É dizer que o trabalho policial de mediação de conflitos criminais pode ser entendido como uma nova função de polícia que ressemantiza o mandato policial na contemporaneidade, pois contribui de maneira concreta para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, onde são reafirmados valores e exigidos novos direitos para as pessoas. Observe-se, igualmente, o fato de esta atividade de polícia diminuir a estigmatização dos autores das referidas infrações penais, se afirmando como contraponto à cultura do punitivismo, sem olvidar os direitos das vítimas às devidas reparações.
A atuação do delegado de polícia na resolução de conflitos por intermédio de técnicas de conciliação pode ser entendida como adequada estratégia de policiamento, na medida em que efetivamente voltada para a prevenção de riscos, de perigos e de danos em seara criminal. Exige da autoridade policial constante aperfeiçoamento.
Saliente-se, igualmente, os resultados obtidos pelos trabalhos dos mais de 35 NECRIMs instalados no Estado de São Paulo. Ultrapassam 90% os procedimentos onde se observa o alcance do acordo entre as partes.
Lembre-se novamente Goethe, no aspecto em que as pessoas podem ter dificuldades para o cumprimento das regras estabelecedoras de obrigação. Será sempre possível que se socorra do direito, da lei e da jurisdição, sobretudo em casos singulares. Por outro lado, a polícia, por meio da utilização de métodos adequados de solução de conflitos impele à decência toda a coletividade, cumprindo, como se demonstrou, novas e importantes funções, com o objetivo de proteção das liberdades de todos, assegurando aumento da qualidade de vida das pessoas.