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A validade da colaboração premiada na hipótese de investigado ou réu preso envolvido em organização criminosa

Agenda 30/03/2017 às 11:22

Analisa-se a colaboração premiada, a validade do pacto firmado com colaborador preso, além dos precedentes do STF relacionados ao tema.

A Colaboração Premiada.

 

A colaboração premiada é gênero, do qual destaca-se a espécie “delação premiada”, sendo esta uma modalidade de pacto voluntário entre o Ministério Público e investigado (ou Réu), e constitui negócio jurídico personalíssimo e consensual, onde são indicados o nome completo e a localização dos outros “comparsas” (partícipes ou coautores) envolvidos na organização criminosa, dentre outros requisitos previstos no artigo 4º da Lei n.º 12.850/2013.

 

 Enquanto a colaboração tem, como uma de suas finalidades, a indicação do local onde a vítima poderá ser encontrada (ou possibilitar a recuperação total ou parcial do produto ou proveito do crime), a "delação" visa identificar os demais membros de uma organização criminosa (coautores e partícipes) até então desconhecidos na investigação, possibilitando seu desbaratamento e a respectiva cessação da atividade ilícita.

 

Em contrapartida, o colaborador recebe determinados benefícios previstos em lei (redução da pena, perdão judicial etc.), condicionados, porém, à efetiva produção de efeitos em relação à descoberta e localização dos demais investigados (“delatados”) na organização criminosa.

 

O acordo gera obrigações e direitos entre as partes (Ministério Público e investigado), sendo, porém, válido e eficaz, apenas se posteriormente homologado pelo magistrado, e será considerado um meio de obtenção de provas, porquanto permitirá identificar outros envolvidos na empreitada criminosa, coligindo elementos probatórios aos autos de uma investigação ou processo criminal.

 

A validade do Pacto quando o Investigado (ou Réu) estiver Preso:

 

Discute-se se o acordo de colaboração seria válido, quando formalizado com investigado ou réu preso. Nesse ponto, cabe distinguir a situação, na qual o pacto é firmado com liberdade psíquica para transigir (mesmo estando preso), e quando a restrição da liberdade é decretada para fins de coagir o investigado a delatar os outros envolvidos na organização criminosa.

 

Com efeito, na primeira hipótese (acordo firmado por custodiado, mediante manifestação livre de vontade), não há que se argumentar acerca de sua invalidade, haja vista a ausência de qualquer vício substancial no livre exercício do direito de manifestação.

 

Nesse sentido, um dos requisitos de validade, a ser aferido pelo magistrado na ocasião da homologação da avença, será a observância da voluntariedade por parte do colaborador, a qual se configurará na consciente manifestação de vontade direcionada à obtenção dos benefícios legais (redução de pena, perdão judicial, entre outros), em troca de informações prestadas ao Membro do Ministério Público ou à autoridade policial, no bojo de uma regular investigação criminal.

 

Ademais, a ausência de concessão da aludida "sanção premial" em prol do  agente colaborador preso afrontaria o princípio constitucional da isonomia, na medida em que permitiria a fruição de benefícíos intitulados "sanções premiais" aos investigados soltos (pertencentes a uma mesma organização criminosa), em detrimento dos que estivessem com restrição no direito à liberdade, criando tratamentos diferenciados, sem quaisquer critérios de razoabilidade.

 

Nesse ponto, vale salientar que a colaboração premiada tem natureza mista, uma vez que, além de configurar meio de obtenção prova, constitui estratégia de defesa, por meio do qual o investigado (ou réu) poderá optar, por questões estratégicas, em revelar fatos revevantes ao desbaramento de uma complexa organização criminosa, obtendo-se, em troca, redução significativa na respectiva sanção penal.

 

De outra parte, caso a restrição da liberdade (prisão) seja decretada com a finalidade de obtenção de uma delação por parte do investigado, o respectivo acordo não será válido, por incidir um vício substancial na sua manifestação de vontade, a teor do patente desvio de finalidade no negócio jurídico firmado.

 

Além disso, referido compartamento, caso ocorra, configurará uma nítida violação à boa-fé objetiva, a qual se apresenta como vetor de interpretação e validade dos negócios jurídicos (artigo 113 do Código Civil).

 

In casu, não incidirá um dos requisitos de validade do negócio jurídico formalizado no termo do acordo de delação premiada, que é a livre manifestação de vontade por parte do colaborador, constituindo uma espécie de constrangimento ilegal na sua liberdade psíquica, resultando na consumação de um ato viciado no seu nascedouro, afrontado um direito fundamental constitucional (exercício da liberdade de manifestação do pensamento - art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal).

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 O aludido direito fundamental (inerente à dignidade da pessoa humana) está previsto na  ordem constitucional vigente, estando incluído entre os direitos humanos de primeira dimensão, por meio do qual se exige do Estado a não intervenção sobre a liberdade dos cidadãos.

 

Por outro lado, o cidadão (no caso em estudo o colaborador) tem o direito, por exemplo, de expressar seu arrependimento por ter participado de uma organização criminosa, que resultou em danos sociais até então não cogitados.

 

Nesse ponto, pode alterar sua anterior "forma de pensar e agir",  e atuar com pensamento voltado a uma nova ideologia e finalidade de vida, redirecionando sua  conduta  e " estilo de vida" para propósitos distintos dos que anteriormente acreditava.


Precedente do Supremo Tribunal Federal (STF):

 

Em decisão oriunda do plenário, o STF manifestou-se no sentido da vedação de se presumir, por si só, a invalidade do acordo de delação firmado com colaborador preso, devendo tal vício ser aferido no caso concreto, apenas incidindo se a livre manifestação da vontade não tiver sido observada.

 

Nesse diapasão, cumpre trazer à baila o seguinte excerto extraído da decisão do Pretório Excelso:

 

“...Quanto ao plano subsequente da validade, o acordo de colaboração somente será válido se: i) a declaração de vontade do colaborador for a ) resultante de um processo volitivo; b) querida com plena consciência da realidade; c ) escolhida com liberdade e d) deliberada sem má-fé; e ii) o seu objeto for lícito, possível e determinado ou determinável. Nesse sentido, aliás, o art. 4º, caput e seu § 7º, da Lei nº 12.850/13 exige, como requisitos de validade do acordo de colaboração, a voluntariedade do agente, a regularidade e a legalidade dos seus termos. Destaco que requisito de validade do acordo é a liberdade psíquica do agente, e não a sua liberdade de locomoção . A declaração de vontade do agente deve ser produto de uma escolha com liberdade (= liberdade psíquica), e não necessariamente em liberdade, no sentido de liberdade física. Portanto, não há nenhum óbice a que o acordo seja firmado com imputado que esteja custodiado, provisória ou definitivamente, desde que presente a voluntariedade dessa colaboração. Entendimento em sentido contrário importaria em negar injustamente ao imputado preso a possibilidade de firmar acordo de colaboração e de obter sanções premiais por seu cumprimento, em manifesta vulneração ao princípio da isonomia...” (STF, HABEAS CORPUS 127.483, Rel. Dias Toffoli, plenário, 27/08/2015).

 

No caso concreto, caso comprovada a incidência de coação física irresistível, incidirá nulidade absoluta ou, conforme alguns civilistas, inexistência do negócio jurídico, em razão de ausência de manifestação livre de vontade; na hipótese de coação moral, o defeito gerará a nulidade relativa do acordo de colaboração (artigo 171 do CC).

 

Contudo, em ambas as situações, deve ser comprovado mediante robusta prova produzida, não se podendo, conforme inúmeras teses hipergarantistas, propalar a tese de que "a prisão nas colaborações são efetivadas para forçar o acordo de colaboração premiada".

 

Com efeito, parafraseando o então Ministro da propaganda nazista Goebbels,  "reiteradas mentiras  podem se tornar supostas verdades". Logo, sem comprovação da coação (absoluta ou relativa), o negócio jurídico sub examine manterá sua validade, na condição de meio de obtenção de prova.

 

A fortiori, deverão ser considerados válidos os acordos de colaboração premiada, quando firmados por ocasião de regular decretação da medida cautelar de condução coercitiva (art. 218 do CPP), caso a avença seja efetivada mediante a observância da liberdade psíquica do agente, e diante da observância das garantias e direitos fundamentais previstos na Lei Maior.

Conclusão:

 

O acordo de colaboração premiada será válido, caso seja efetivado mediante o regular exercício do direito fundamental de manifestação do pensamento, não constituindo causa de invalidade o mero fato de o investigado (ou réu) encontrar-se com o seu direito de liberdade restringido (preso).

 

Por decorrência lógica, também serão válidos os acordos de colaboração firmados no bojo do regular cumprimento da medida cautelar de condução coercitiva, desde que incida o regular exercício do direito à manifestação de vontade pelo agente colaborador( voluntariedade).

 

Destarte, a manifestação de vontade externada no termo de colaboração premiada deverá ser objeto de criteriosa análise, por ocasião da aferição do requisito de validade do negócio jurídico consensual.


Referências:

 

 

VASCONCELOS, Clever. A livre manifestação do pensamento e sua responsabilidade. Disponível em http://www.conjur.com.br/2015-fev-05/clever-vasconcelos-livre-manifestacao-responsabilidade. Acesso em 02 defev. 2017.

 

 

 

 

Sobre o autor
Leandro Bastos Nunes

Procurador da República. Ex-Advogado da União. Especialista em direito penal e processo penal. Articulista. Autor da obra "Evasão de divisas" (Editora JusPodivm). Professor da pós-graduação em direito penal econômico da FTC (Faculdade de Tecnologia e Ciências), e em cursos do Ministério Público da União. Palestrante em crimes financeiros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NUNES, Leandro Bastos. A validade da colaboração premiada na hipótese de investigado ou réu preso envolvido em organização criminosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5020, 30 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55586. Acesso em: 23 dez. 2024.

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