1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por escopo apresentar uma visão geral das seguintes entidades: Consórcios Públicos, Agências Reguladoras, Serviços Sociais Autônomos, Entidades de Apoio, Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Tal tema demonstra-se relevante à medida que, cada vez mais, o Estado, com o fim de implementar a prestação dos serviços públicos tende a formar alianças entre seus entes políticos, e entre estes e o setor privado, a regular a atuação privada quando, a cargo desta, reste as aludidas prestações.
Ao longo da análise será abordado conceito, finalidade, legislação, principais atividades, regime jurídico e estrutura organizacional das pessoas jurídicas acima citadas.
Ademais, no intuito de expor o conteúdo de maneira clara e ilustrativa, faremos menção de oportunos comentários doutrinários e à jurisprudência dos tribunais superiores que guardam relação com a discussão tratada ao longo deste trabalho.
2. CONSÓRCIOS PÚBLICOS
Com esteio no artigo 241 da Constituição Federal, emanou a Lei nº 11.107/2005, a qual regulou o referido preceito constitucional e estabeleceu normas para contratação e/ou constituição de pessoa jurídica1 denominada Consórcio Público, que nos moldes do Decreto nº 6.012/2007, é definido como pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos.2
Convém ressaltar que anteriormente a promulgação da supracitada lei, os consórcios públicos se assemelhavam a convênios, contudo, com o advento da Lei nº 11.107/2005, os consórcios públicos tornaram-se uma nova modalidade de negócio jurídico com regulamentação própria, todavia, por tratar-se de uma legislação relativamente recente, muito se discute doutrinariamente a respeito das suas normas, sobretudo no que tange a autonomia dos entes envolvidos.
2.1. Conceito
Em face do exposto acima, depreende-se que o consórcio público consiste em um contrato firmado entre diversos entes públicos (exclusivamente à União, Estados, Distrito Federal e Municípios) com o objetivo de atingir interesses comuns referentes à gestão associada de serviços públicos por meio da conjugação de recursos (materiais, financeiros e humanos) de cada um dos consorciados para o desenvolvimento de ações em conjunto.
2.2. Regime jurídico
Como já assinalado, os consórcios se assemelhavam aos convênios, os quais consistem em mero instrumento pelo qual pessoas públicas ou privadas ajustavam seus direitos e obrigações com o propósito de atingir metas de interesse recíproco, portanto, os consórcios públicos possuíam a natureza de negócio jurídico, com a diferença de serem despidas de fundamentação normativa.
Com a chegada da nova legislação, os consórcios públicos adquiriram um status de nova modalidade de negócio jurídico de direito público, com espectro mais amplo do que os convênios administrativos, muito embora se possa considerá-los como espécie destes3, por conseguinte, sua natureza jurídica é de negócio jurídico plurilateral, por admitir a presença de vários pactuantes na relação jurídica. É também considerado de direito público cujo conteúdo é a cooperação mútua, posto que os interesses são paralelos e não antagônicos entre os pactuantes, podendo considerá-lo até mesmo como um contrato multilateral e como ato complexo.
A personalidade jurídica adquirida pelo consórcio público pode ser de direito público, na hipótese de constituir associação pública, bem como poderá ser de direito privado, sem fins lucrativos, mediante o atendimento dos requisitos da legislação civil. De acordo com a lei supracitada, o consórcio público quando adquire personalidade jurídica de direito público passa a integrar a Administração Indireta, ao lado das autarquias, das fundações públicas e outras, tal interpretação é decorrente do art. 41, inciso IV do Código Civil, que englobou as associações públicas como integrantes das pessoas jurídicas de direito público. Em contrapartida, quando a personalidade é de direito privado nada diz a lei a respeito da integração à Administração Indireta, porém afirma que o consórcio deverá observar as normas de direito público referentes à realização de licitação, celebração de contratos, prestação de contas e admissão de pessoal, os quais são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho- CLT, bem como se submete ao controle do Tribunal de Contas.
No tocante aos requisitos formais para a formação do consórcio, este dar-se-á a partir da prévia subscrição de protocolo de intenções, que é uma espécie de contrato preliminar pelo qual os partícipes definem as diretrizes da associação, que deve prever, a exemplo, as seguintes cláusulas:
I – a denominação, a finalidade, o prazo de duração e a sede do consórcio;
II – a identificação dos entes da Federação consorciados;
III – a indicação da área de atuação do consórcio;
IV – a previsão de que o consórcio público é associação pública ou pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos;
O referido protocolo de intenções deve ser publicado na imprensa oficial e posteriormente deverá ser objeto de ratificação por lei, podendo esta ser dispensada quando a entidade pública na subscrição do protocolo já tiver editado lei disciplinadora de sua participação, frisa-se que a ratificação realizada depois de dois anos da subscrição do protocolo de intenções, dependerá da assembléia geral do consórcio público. Este contrato preliminar deve ainda ter a definição do número de votos que cada ente da federação consorciado tem na assembléia geral, sendo assegurado 1 (um) voto a cada partícipe.
Considere-se nula a cláusula de contrato de consórcio que preveja determinadas contribuições financeiras ou econômicas de ente da federação ao consórcio público, salvo a doação, destinação ou cessão do uso de bens móveis ou imóveis e as transferências ou cessões de direitos quando operadas por força de gestão associada de serviços públicos. Ademais, é possível ainda que os entes envolvidos façam ao consórcio público a cessão de servidores, com a devida observância a forma e as condições legais de cada ente consorciado.
No que diz respeito a retirada de um ente do consórcio público, esta irá depender de ato formal de seu representante na assembléia geral, de acordo com a forma prevista em lei. Em se tratando dos bens daquele que se retira, estes só poderão ser revertidos ou retrocedidos na hipótese de expressa previsão no contrato de consórcio público ou no instrumento de transferência ou alienação. Em relação a alteração ou a extinção de contrato de consórcio público, estas dependerão de instrumento aprovado pela assembléia geral, ratificado mediante lei por todos os entes envolvidos. Vale ressaltar que a retirada do consorciado ou a extinção do contrato não prejudicará as obrigações já constituídas, incluindo os contratos de programas. De resto, os bens, direitos, encargos e obrigações decorrentes da gestão associada de serviços públicos, custeados por tarifas ou outra espécie de preço público, serão destinadas aos respectivos serviços.
O entendimento abaixo ilustra algumas decisões que envolvem os consórcios públicos e a responsabilidade solidária pelas obrigações remanescentes que cabe dos entes consorciados conforme dispõe o art. 9º do Decreto nº 6.017/2007, sendo possível ainda, o direito de regresso em face dos entes beneficiados ou dos que deram casa à obrigação. Nesse sentido, vejamos:
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONSÓRCIO PÚBLICO. CONVÊNIO ADMINISTRATIVO. A condição do Município como beneficiário do trabalho prestado por empregado de Consórcio Público, mero intermediador de mão de obra para atividade fim de prestação de serviços de saúde, lhe atribui a responsabilidade sobre os créditos reconhecidos ao empregado, uma vez constada a culpa in vigilando do ente público quanto ao efetivo cumprimento das obrigações trabalhistas do empregador formal. Nesta hipótese é aplicável por semelhança o entendimento contido nos itens IV e V da Súmula 331 do Eg. TST, o que impõe ao Município tomador dos serviços prestados a responsabilidade subsidiária sobre as obrigações trabalhistas não cumpridas pelo empregador. Além disso, as normas que regem o convênio firmado entre entes públicos consorciados atribuem expressamente ao Município a responsabilidade subsidiária pelas obrigações do consórcio público (Art. 9o do Decreto nº 6.017/2007 - Os entes da Federação consorciados respondem subsidiariamente pelas obrigações do consórcio público).
(TRT-4 - RO: 00004896720115040211 RS 0000489-67.2011.5.04.0211, Relator: MARIA DA GRAÇA RIBEIRO CENTENO, Data de Julgamento: 29/05/2013, Vara do Trabalho de Torres)4
2.3. Finalidade
Em conformidade com o art. 3º do Decreto nº 6.017/2007 e com o art. 2ª da Lei nº 11.107/2005, são os entes da federação que determinam os objetivos dos consórcios públicos, os quais se destinam sempre a prestação de serviços públicos de interesse em comum e respeito aos limites constitucionais, insta destacar que os consórcios podem ter uma ou mais finalidades e os entes poderão se consorciar em relação a todos ou somente parcela deles. Para atingir seus objetivos, a Lei de Consórcios Públicos estabelecem algumas formas de atuação, entre elas:
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Firmar convênios, contratos, acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de outras entidades e órgãos do governo;
Nos termos do contrato de consórcio de direito público, promover desapropriações e instituir servidões nos termos de declaração de utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder Público;
Ser contratado pela administração direta ou indireta dos entes da Federação consorciados, dispensada a licitação;
Outorgar concessão, permissão ou autorização de obras ou serviços públicos mediante autorização prevista no contrato de consórcio público, que deverá indicar de forma específica o objeto da concessão, permissão ou autorização e as condições a que deverá atender.
2.4. Principais atividades exercidas
A constituição dos consórcios públicos pode ocorrer de duas diferentes espécies de contratos, sendo todos submetidos ao regime jurídico-administrativo, destarte, a primeira forma refere-se ao contrato de rateio, que consiste em um instrumento contratual, pelo qual os entes consorciados comprometem-se a fornecer recursos financeiros para realizar as despesas do consórcio público, tal contrato é formalizado em cada exercício financeiro e com prazo de vigência igual ao das dotações orçamentárias, salvo se o projeto estiver previsto em plano plurianual ou se as ações forem custeadas por tarifas ou preços públicos, cabe ressaltar que as obrigações previstas no contrato poderão ser exigidas pelos demais consorciados, isolada ou conjuntamente. O consorciado que não consignar, em sua lei orçamentária, ou em créditos adicionais, as dotações necessárias para atender às despesas assumidas no contrato de rateio ficará sujeito à exclusão. Em se tratando de consórcio sob a forma de associação, será aplicável o disposto no art. 5º da Lei nº 11.107/2005, que dispõe a instauração de procedimento próprio, assegurado o direito de defesa e de recurso, na forma estipulada no estatuto. Ademais, a formalização do consórcio e do contrato de rateio, sem que haja suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem as formalidades legais, constituirá ato de improbidade administrativa (Lei n. 8.429/92, art. 10, XV).
A segunda forma de contratar é por meio do contrato de programa, que consiste em um instrumento contratual que operacionaliza as obrigações assumidas por cada um dos consorciados, podendo ser celebrado entre um ente da Federação e um consórcio público e, se previsto no contrato de consórcio, poderá ser celebrado com entidades da Administração indireta de qualquer dos consorciados, devendo observância à legislação pertinente às concessões e permissões de serviços públicos.
2.5. Legislação geral e especial
É imperioso tecer breves comentários a respeito da criação da Lei nº 11.107/2005, uma vez que nela estão os dispositivos que regulamentam o instituto sob comento, nesse passo, o projeto de lei chegou ao Congresso Nacional em 30 de junho de 2004 com status de regime de urgência constitucional com o prazo de 45 para ser analisado, tal projeto tinha por escopo regulamentar o artigo 241 da Constituição Federal, que prevê a possibilidade de contratação por meio de consórcios públicos, surge então em 2005, a Lei nº 11.107 e em 2007, nasce o Decreto nº 6.017 com o objetivo de regulamentar a referida lei.
Conforme já registrado, o dispositivo constitucional que prevê os consórcios públicos é o art. 241. da Constituição Federal, cuja redação foi dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, a qual dispõe:
A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos5
Nos ensinamentos de Di Pietro, a redação deste artigo gerou certa perplexidade ao estabelecer que os entes federados disciplinarão por meio de lei os consórcios e os convênios de cooperação6, visto que tal previsão deu a impressão de que cada qual terá competência própria para legislar sobre a matéria, porém é cediço a impossibilidade de que cada pessoa jurídica estabeleça suas próprias normas, sem que haja uma legislação de âmbito nacional regulando os pontos comuns, certamente, por essa razão que foi promulgada a Lei nº 11.107/2005, a qual estabeleceu parâmetros para a constituição de pessoa jurídica por entes federativos em conjunto.
A respeito desta lei, a doutrina majoritária disserta comentários negativos quanto a sua redação, Di Pietro afirma que a lei é sob todos os aspectos lamentável e não deveria ter sido promulgada nos termos em que o foi. Mais do que resolver problemas, ela os criou, seja sob o ponto de vista jurídico, seja sob o ponto de vista de sua aplicação prática, 7 nos dizeres de Fernanda Marinela, muitas críticas já haviam sido feitas desde a tramitação do projeto de lei, entre elas, a afirmação de que os consórcios públicos acabam dando um novo sentido à organização federativa no país, pondo em risco a autonomia dos entes públicos, uma vez que cria uma associação que pode alterar o sentido do federalismo pátrio, o qual se distingue pela existência de entes com competências distintas, cujo relacionamento recíproco é disciplina pela própria constituição federal.
Interessante notar que Lei dos Consórcios Públicos trouxe à baila importantes alterações em outros textos legais, a exemplo, o Código Civil, a Lei de Licitações e a Lei de Improbidade Administrativa, posto que no Código Civil passou o art. 41, IV, a prever a existência de mais uma espécie de pessoa jurídica de direito público — as associações públicas. No tocante a Lei n. 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos) foram alterados os artigos 23, 24, 26 e 112, e ainda a Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), nesta foram acrescidos dois incisos ao art. 10, que trata dos atos de improbidade administrativa que causam lesão ao patrimônio público.
Reitera-se que, a Lei nº 11.107/2005 como tentativa de regular o artigo constitucional deixou margens para interpretações incertas no que diz respeito ao estabelecimento das diretrizes de competência, visto que, esta gestão associada pode comprometer a autonomia dos entes, a medida que a União, que atua no órgão máximo (Assembleia Geral) poderá interferir em questões que deveriam envolver apenas os Estados e Municípios, destarte, poderá por em risco a organização federativa do país.
3. AGÊNCIAS REGULADORAS
O Liberalismo, como política econômica, apresenta o postulado nuclear do Estado-mínimo, ou seja, não-interventor, o qual deixe ao Mercado e sua mão invisível a autorregulação. Adotado pelo governo pátrio, o neoliberalismo (nova fase do liberalismo) retirou das mãos do Estado a prestação de diversos serviços públicos passíveis de produção de lucro, sustentando-se sobre a tese da superior eficiência da atividade privada, destinando ao Poder Público apenas as tarefas cuja atuação do mesmo seja imprescindível e/ou intransferível, como se faz função regulatória da economia. De tal modo, com o fim de proteger o interesse público e, simultaneamente, proporcionar uma adequada prestação de serviços, fixou-se o Estado em um meio caminho, entre a indiferença e a intervenção, por intermédio da criação de entidades responsáveis pela regulação e fiscalização das atividades econômicas lato sensu. Nesse sentido, a lição de ALEXANDRINO e PAULO8:
Não é novidade o fato de se reconhecer a necessidade de intervenção do Estado no domínio econômico (em sentido amplo). O interesse que as atuais agências reguladoras despertou, quando começaram a ser aqui implantadas (a partir de 1996), decorre principalmente do fato de que a retirada do Estado Brasileiro das atividades de produção direta de bens de prestação de serviços – redução do papel de “Estado-empresário” – ampliou sobremaneira a relevância da atuação estatal regulatória nos setores que passaram a ser explorados pela iniciativa privada.
Observe-se que a função reguladora, própria do Estado, sempre existiu, sobre serviços estatais e privados, fortificando-se em decorrência do intenso processo de privatização ocorrido na década de 90 do século XX, época de adoção, pelo ordenamento pátrio, das chamadas agências reguladoras, termo este importado e adaptado do agency do sistema norteamericano, para designar uma categoria de pessoas Jurídicas que, na prática, já pertenciam e atuavam em território nacional, como bem leciona CELSO DE MELLO9:
Em rigor, autarquias com funções reguladoras não se constituem em novidade alguma. O termo com que foram ora batizados é que é novo no Brasil. Apareceu ao ensejo da tal “Reforma Administrativa”, provavelmente para dar sabor de novidade ao que é muito antigo, atribuindo-lhe, ademais, o suposto prestígio de ostentar uma terminologia norte-americana (“agência”).
3.1. Conceito
Devido à inexistência de lei nacional geral para as agências reguladoras e em virtude do fato de cada uma dessas pessoas apresentar características próprias, ausenta-se do ordenamento e da doutrina precisa definição do que sejam elas. Com efeito, seu conceito, em sínteses, constrói-se a partir de especificação do conceito geral de autarquias (categoria a qual integram), mantendo-se, entretanto, elevado grau de abstração em relação às agências individuais. Na tentativa de condensar seus principais elementos, conceituaram-nas ALEXANDRINO e PAULA10, como:
[...] entidades administrativas com alto grau de especialização técnica, integrantes da estrutura formal da administração pública, instituídas como autarquias sob regime especial, com a função de regular um setor específico de atividade econômica ou um dado serviço público, ou de intervir em certas relações jurídicas decorrentes dessas atividades, que devem atuar com a maior autonomia possível relativamente quanto ao Poder Executivo e com imparcialidade perante as partes interessadas (Estado, setores regulados e sociedade).
3.2. Finalidades
As agências reguladoras visam, respeitadas as especificidades individuais, precipuamente, o controle (regulação e fiscalização) sobre pessoas da iniciativa privada responsáveis pela execução de serviços púbicos e atividades econômicas de relevância social – não obstante voltarem-se, em acréscimo, ao fomento do setor regulado. Trata-se de forma indireta da intervenção estatal na economia.
Em face de seus fins, tais autarquias, inevitavelmente, enveredam-se pela imprescindível prática de atividades exclusivas do Estado, à primeira vista, passíveis de classificação como típicas dos Poderes Legislativo ou Judiciário, desencadeando controvérsias doutrinárias. Tal ocorre em virtude da capacidade de dessas pessoas de lançar mão não apenas do poder de polícia, mas também do poder normativo e autonomia decisória.
O poder de polícia concretiza-se, em especial, pela fiscalização e aplicação de sanção administrativa, ao passo que o processo administrativo consubstancia a autonomia decisória das agências reguladoras, respeitada a inafastabilidade da jurisdição estatal.
O poder normativo, envolto de controvérsias, manifesta-se pela edição de regulamentos, previamente autorizados por lei, a qual define também seus parâmetros e limites. Referidos atos administrativos normativos restringem-se, ainda, à matéria delimitada e à natureza puramente técnica. No viés de CARVALHO FILHO, entendemos que o direito novo do regulamento, por si só, não fere a ordem jurídica se exercido nos limites e moldes que lhe fora autorizado, haja vista não representar transmissão do poder legisferante. Para parte da doutrina, apesar do circunscrito espaço de atuação, a dificuldade encontra-se nos limites voláteis e subjetivos entre a autorização e a delegação legislativa, esta ofensa à Constituição Federal.
Note-se que, embora o universo jurídico preze pela abstração e generalidade, diante de um mundo dinâmico e de relações sócias complexas, a efetividade de uma norma pode depender, substancialmente, de sua especificação técnica, quando esta obste que a abstração esvazie a totalidade do conteúdo normativo e torne-lhe mera letra sem vida ou anacrônica.
Com efeito, restam afastados da legalidade regulamentos que ultrapassem o círculo autorizado e insiram normas autônomas no mudo jurídico. Nesse sentido, decidiu a segunda turma do STJ, em AgRg no REsp 1326847 RN 2012/0115210-8, com relatoria do ministro Humberto Martins, que a resolução nº 207/06 da ANEEL exorbitava o poder regulamentar a Lei n. 10.438/2002 ao estabelecer requisito não previsto na lei para se fazer jus ao benefício nela disposto, o que o tornava ilegal.
2.3. Regime Jurídico e Estrutura Organizacional
As agências reguladoras, por consistirem em autarquias – por preferência e não obrigatoriedade –, sujeitam-se, como é possível inferir, à disciplina legal regente destas, figurando, pois, como pessoas jurídicas do direito público (o que lhes permite titularidade das tarefas estatais), com função exclusivamente administrativa, participantes da Administração descentralizada. Diferem, entretanto, das autarquias ordinárias por serem dotadas de características legais que lhe concedem maior grau de autonomia perante a Administração Pública, com o escopo de bem executar suas finalidades, adequando-se, por isso, à categoria denominada sob regime especial
O aludido regime especial, nas palavras de CARVALHO FILHO11: “se caracterizaria pelas regalias que a lei conferisse à autarquia, houvesse ou não referência em dispositivo legal”. Tais regalias nada mais são do que elementos responsáveis pela ampliação da autonomia das agências, a exemplo de rol taxativo das hipóteses de exoneração de seus dirigentes e dos mandatos por tempo fixo.
O elevado grau de autonomia que apresentado em relação ao Poder Público, cabe ressaltar, consiste em elemento primordial das agências reguladoras, manifesta-se por meio de autonomia econômica, financeira e administrativa. Bem justifica a razão de tal medida ALEXANDRINO E PAULA12:
Desejava-se, entretanto, transmitir ao setor privado uma ideia de exercício técnico e “independente” da atividade regulatória, livre de ingerências de natureza política. É claro que tal desiderato não teria credibilidade se as competências pertinentes fossem atribuídas a um órgão da administração direta [...]. Das entidades da administração indireta apenas as autarquias e fundações autárquicas têm personalidade jurídica de direito público
[...]
Com isso podem exercer atribuições típicas do poder público, uma vez que possuem personalidade jurídica de direito público. Entretanto, sendo autarquias, integram formalmente a administração pública, estando sujeitas a todos os controles constitucionalmente previstos. Para conferir maior autonomia para as agências reguladoras [...], o legislador tem atribuído a elas o status de “autarquia sob regime especial”, o que se traduz, nos termos de cada lei instituidora, em prerrogativas especiais, normalmente relacionadas à ampliação de sua autonomia orçamentária, gerencial e financeira.
Como as autarquias em geral, as agências reguladoras são criadas por meio de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, conforme dispões a Constituição Federal em seu artigo 37, XIX, ressaltando-se que, pelo princípio da simetria, os estados, DF e Municípios devem reproduzir, em seus sistemas jurídicos, a forma adotada pela esfera federal para criação dessas entidades (que atuarão conforme a competência do ente político). A extinção, a seu tempo, remetendo-se ao princípio da harmonia das formas, dependerá de edição de nova lei.
Corolário do exposto, a personalidade jurídica da agência inicia com a entrada em vigor da lei instituidora, findando com sua revogação. Contudo, a organização da entidade é, diversamente, delineada por ato administrativo, normalmente decreto do Chefe do Executivo.
No que tange ao patrimônio, conforme dicção do artigo 98 CC, os bens das autarquias são públicos, protegidos, assim, pela impenhorabilidade e imprescritibilidade. Gozam, ademais, de imunidade tributária, prazos especiais e demais prerrogativas ofertadas pela lei.
No diapasão do exposto, como membros da Administração Pública, sujeitam-se ao controle legislativo e judicia, além do administrativo finalístico (alcance das metas legalmente traçadas).
3.4. Principais Atividades Exercidas
Segue-se algumas das principais agências reguladoras atuais:
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL): criada pela lei 9.472/97, está vinculada ao Ministério das Comunicações, regula as telecomunicações, possuindo sede no Distrito Federal, podendo estabelecer unidades regionais.
Agência Nacional do Cinema (ANCINE): criada pela MP2228-1,está vinculada ao Ministério da Cultura, objetiva o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado audiovisual e de cinema brasileiros, com sede no Distrito Federal
Agência Nacional das Águas (ANA): criada pela lei 9.984/00, está vinculada ao Ministério do Meio Ambiente, tendo finalidade de implementar a política nacional de recursos hídricos.
3.5. Legislação
No âmbito constitucional, apenas duas agências reguladoras encontram-se previstas, quais sejam as responsáveis pela fiscalização dos serviços de telecomunicação (art. 21, I, CF/88) e do monopólio da União sobre o petróleo (art. 177, § 2º, III, CF/88), sendo referidas pela Carta Política como órgãos reguladores. A criação por meio de lei proporciona a cada agência reguladora substrato normativo central específico, complementado pelas disposições gerais relativas às autarquias e à Administração Pública.
Insta consignar, no que tange aos servidores que, conforme dispões a lei 10.871/04, estes serão regidos pelo regime estatutário constante na lei 8.112/90. É salutar, por fim, a denominada quarentena, imposta pela lei 9986/00 aos ex-dirigentes de agências reguladoras na esfera federal.
3.6. Jurisprudência
AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANIPULAÇÃO DE FÓRMULAS POR FARMÁCIAS E DROGARIAS. PORTARIAS Nos 344/98 E 058/2007. AGÊNCIA REGULADORA (ANVISA). ESPÉCIE LEGISLATIVA ADEQUADA AO REGIME CONSTITUCIONAL, UMA VEZ QUE LANÇADA DENTRO DO BALIZAMENTO LEGAL. 1. As mencionadas portarias mais não fizeram do que esclarecer a impossibilidade de se manipular alguns elementos químicos, no seio do Poder de Policia, que a lei conferiu à agência reguladora, não destoando, inclusive, do seu eixo de excelência. 2. Apelação Cível provida. Sentença reformada em sede de Reexame Necessário. Maioria.
(TJ-PR , Relator: Rosene Arão de Cristo Pereira, Data de Julgamento: 01/06/2010, 5ª Câmara Cível)