1 – Introdução
É inegável que desde os primórdios dos tempos homem e animal estão intimamente ligados, relacionando-se entre si. É fato incontestável que atualmente o animal ocupa, cada vez mais, papel essencial na atual composição familiar, onde cada vez mais casais afeiçoam-se a seus animais como se seus próprios filhos fossem, insurge-se daí a grande celeuma jurídica: sobrevindo o divórcio ou a dissolução da sociedade conjugal e não restando acordo entre os divorciandos, como deve o Ordenamento Jurídico enfrentar a questão da custódia e o destino desse animal de estimação do casal? Na ausência de regras sobre a problemática o Direito pátrio deve continuar definindo a guarda desse integrante da família como um bem semovente?
Justamente por estar o animal inserido no âmbito de convivência e proteção de uma entidade familiar, vez que ocupa status de verdadeiro “membro da família” e assim é por esta considerado, não raras vezes sendo tratados como filhos, posto que a própria ciência já provou ser o animal um ser sensiente[1], vale dizer, dotado de consciência, capaz de sentimentos de toda espécie assim como os animais humanos, o Direito se viu na necessidade de acompanhar as atuais mudanças sociais e adequar-se à nova contextualização de formação familiar, abarcando os diversos tipos de famílias que foram se formando e se solidificando ao longo do tempo, em decorrência da evolução social.
Assim, diante da modificação dos padrões de vida em sociedade e da ausência de regulamentação legislativa, o presente artigo tem por escopo trazer ao leitor, de maneira objetiva, as reflexões e o posicionamento do Ordenamento Jurídico pátrio sobre o tema de animais de estimação envolvidos em disputa de guarda em processo de divórcio litigioso.
De tal modo que o presente artigo tem por finalidade abordar tal problemática, colacionando, para tanto, decisões proferidas pelos Tribunais brasileiros acerca do tema.
2 – O animal e as relações humanas
É notório que desde os primórdios dos tempos seres humanos e animais possuem uma estreita ligação, mantendo entre si uma relação, pode-se dizer, indissociável. É bem verdade que no princípio este relacionamento se dava – tão somente – pelo instinto de sobrevivência do homem, sendo o animal simplesmente seu objeto de caça e pesca cuja finalidade era saciar-lhe a fome, garantindo sua própria vida, ainda que para isto, a vida do animal não humano devesse ser sacrificada.
De modo que o animal não humano era tido pelo homem como mero objeto, utilizado para atender as suas mais variadas necessidades, desde biológicas (por exemplo, a fome) até as necessidades mais fúteis como, por exemplo, o interesse comercial, no qual o animal é fruto financeiro, utilizado para gerar renda e aumento de lucros ou, ainda, simplesmente para satisfazer a necessidade de ego, relacionado ao bel prazer do homem ocupando o animal simples condição de adorno, causando prazer e satisfação ao ser humano.
Era, pois, o animal simples objeto, sendo, inclusive, considerado pelo respeitado filósofo René Descartes no século XVII[2] como seres comparados às máquinas, reproduzindo – tão somente – comandos e comportamentos de seu dono.
Contudo, não se pode negar a evolução social e as significativas mudanças no que tange não só ao conceito do animal não humano, mas àquelas ligadas ao relacionamento dos animais e dos seres humanos.
E diante desse novo cenário o Poder Judiciário se vê enfrentando enorme problemática, no âmbito do Direito Familiar, posto que com o advento da separação dos casais e consequente falência da sociedade conjugal, os conflitos recorrentemente submetidos ao Judiciário transcendem a decisão sobre patrimônio, guarda de filhos, visitas e pensão, estando, não raras vezes, o conflito do casal restrito na custódia e destino do seu animal de estimação gerando enorme celeuma jurídica na disputa de quem ficará com o “pet”.
Estudos e pesquisas realizados nos campos científico e biológico comprovaram que os animais não humanos são dotados de senciência, vale dizer, capazes de sentimentos, tais como, de dor, de alegria, de carinho, de afeto, de fome, de tristeza, de abandono, restando claro à humanidade sua sensibilidade e consciência do mundo.
Atrelado à essa consciência da humanidade, atualmente, dados do IBGE apontam que as famílias brasileiras já possuem mais cachorros e gatos do que crianças, sendo, em especial, os animais de estimação, parte da grande maioria dos lares brasileiros. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para animais de estimação Abinpet[3], em 2014, no Brasil, havia cerca de 106,2 milhões de animais de estimação. Diante desse número expressivo, o país tem a quarta população mundial.
Isto se deve ao fato de que os seres humanos têm estabelecido, cada vez mais, fortes laços afetivos com os animais de estimação, sendo pois, indiscutível, que os animais – há muito – deixaram de ser vistos como mera propriedade, passando a ser parte integrante da família, pautando-se a relação entre homem e animal nos laços afetivos, nos motivos sentimentais, em verdadeiro sentimento de companheirismo, amor, lealdade e fidelidade.
Não se pode olvidar que as relações afetivas se apresentam como um dos mais importantes sentimentos que o homem desfruta ao longo de toda a sua vida.
Estes sentimentos estão intimamente ligados às questões de relação que reproduzem o carinho, cuidado e até mesmo respeito que se tem por alguém próximo, pessoa conhecida e querida ou mesmo a afeição a uma coisa ou animal de estimação.
De modo que os animais de estimação ganham cada vez mais espaço nos lares familiares em que impera o amor sem preconceito, não raro os animais ostentam a condição de filhos, de netos, de irmãos.
3 – O Animal sob a ótica da Lei Brasileira
É cediço que não há no Direito pátrio regulamentação legislativa dispondo sobre a questão do animal de estimação na situação de um divórcio litigioso. Mas nesse novo cenário, como ficaria o “pet”?
A afetividade dispensada pelo casal ao seu animal de estimação não diminui ou desaparece com a dissolução do relacionamento conjugal, a revés, caracteriza ponto comum de interesses dos humanos, motivo pelo qual, frequentemente, esse animal vira objeto de disputa e litígio nos Tribunais brasileiros.
Entretanto, o nosso Ordenamento Jurídico, seguindo a tradicional definição adotada no mundo jurídico, considera os animais não humanos como coisas, bens móveis ou semoventes.
Tanto é que a Lei Civil dispõe em seu artigo 82 que são “móveis os bens suscetíveis de movimento próprio ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social”[4]. Nesse interim, portanto, assim como os objetos de direito, os animais pertencem, segundo a Lei Civil, ao seu proprietário e por este podem ser vendidos ou doados, consoante preceitua o artigo 1.232, do Diploma Civil[5].
De tal sorte que para se auferir quem é o proprietário de um animal de estimação ou doméstico, tais como, cães, gatos, etc, basta analisar o seu documento de registro “pedigree” ou, na falta deste, sua carteira de vacinação[6]. Assim sendo, o animal de estimação é considerado – à luz da Lei – como sendo uma propriedade privada, cabendo ao seu dono, literalmente, decidir o seu futuro.
Isto porque, repita-se, na Lei Civil brasileira, os animais ainda são classificados como “coisas, bens móveis”, estando, porém, tal entendimento obsoleto; tal pensamento é ainda mais atrasado se comparado ao Direito existentes em outros países europeus, como por exemplo, o Direito Francês, que enfrentando a questão dos animais de estimação, teve significativa evolução, eis que através de “Projeto de Lei que modernizou o Código Civil Francês alterando o status jurídico dos animais no país, atualizando a legislação penal vigente e reconhecendo os animais como seres sensientes (novo artigo 515-14) e não como propriedade pessoal como o antigo artigo 528”[7] Diante desse novo contexto social, o tratamento dispensado ao animal pelo Código Civil brasileiro, há muito, já se encontra ultrapassado, trazendo em seu bojo, uma conceituação muito arcaica e limitada, a qual não mais se coaduna com a realidade social em que se encontram os animais.
De tal sorte que o conceito de propriedade trazido pelo Código Civil brasileiro não se dá de forma absoluta. Isto porque a Constituição Federal de 1988, em seu Título VIII “Da Ordem Social”, Capítulo VI “Do Meio Ambiente”, preceitua em seu artigo 225, inciso VII[8] a normativa de que todos possuem direito ao meio ambiente equilibrado disciplinando à coletividade e ao Poder Público a incumbência no que tange ao dever de preservação e defesa do meio ambiente.
Desse modo a ordem constitucional brasileira, “em seu art. 225, inciso VII, reconhece que os animais são dotados de sensibilidade, (...) proibindo expressamente as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a sua extinção ou os submetam à crueldade[9]”.
Portanto, ainda que tenha o animal o status de objeto, são expressamente vedadas as práticas de crueldade e maus-tratos, reconhecendo a lei a vulnerabilidade desses seres lhes garantindo o direito fundamental à vida, à integridade física e à liberdade, direitos dos quais os animais são detentores.
Assim sendo, tem-se o inegável amparo jurídico dos animais pelo mandamento constitucional, expandindo-se a visão de proteção ao meio ambiente, outrora restrita ao tradicional antropocentrismo; muito embora a estrutura jurídica ainda se fundamente no ser humano.
Não obstante, importante ressaltar a evolução trazida pelo universo científico e biológico que, compartilhando mesmo entendimento do mandamento constitucional, atesta e reconhece os animais não humanos não só meros objetos, conforme aponta taxativamente a Lei estatuída no Código Civil.
Face a atual necessidade social, vale ressaltar sobre a existência, aqui no Brasil, do Projeto de Lei do Senado Federal nº: 351/2015[10], o qual tem por finalidade acrescentar parágrafo único ao artigo 82 e inciso IV ao artigo 83, da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), determinando que os animais não serão mais considerados coisas.
Importante destacar, também o Projeto de Lei nº: 1.058/2011[11], de autoria do Deputado Marco Aurélio Ubiali, que tem por finalidade buscar tutelar “a guarda de animais de estimação em caso de separação litigiosa do casal”, o qual, encontra-se arquivado desde 31/01/2015, conforme consulta ao Portal Eletrônico da Câmara dos Deputados.
Portanto, ainda que ante a ausência de regulamentação legislativa, o conceito tradicional clássico engessado pelo Direito brasileiro está, de forma branda e gradativa, passando por processo de mudanças a fim de acompanhar a evolução expressiva que surge no atual contexto social, elevando o animal de estimação ao status de parte da família e, muito embora, em um processo litigioso de divórcio os casos que envolvam a custódia e o destino do “pet”, tenham como base o bem estar do ser humano, é inegável o reconhecimento, mesmo que moroso, da alteração de paradigma e o papel social ocupado pelos animais de estimação.
4 – A Guarda dos animais de estimação nos casos de dissolução litigiosa da sociedade conjugal do casal
Conforme já explicitado, a Lei Civil brasileira, classifica os animais com o status jurídico de bem, coisa ou objeto, não considerando o Direito qualquer tipo de relação afetiva, quando da aplicação normativa.
Por certo que a natureza jurídica dos animais está relacionada ao bem móvel, eis que são “suscetíveis de movimento próprio, são os também chamados de semoventes, todavia, sendo um bem, está sujeito a partilha na ocasião da dissolução da sociedade conjugal”[12].
Consoante preceito legal disposto a partir da redação esculpida no artigo 1.575, do Diploma Civil brasileiro, têm-se que a separação judicial importa na separação de corpos e partilha de bens, podendo, assim, ser feita mediante iniciativa das partes e homologada pelo magistrado.
Já o artigo 1.581 do referido Diploma Civil, a fim de garantir celeridade ao processo de divórcio, dispõe que este poderá ocorrer sem a partilha de bens, que poderá ser resolvida posteriormente. Na hipótese de um cônjuge que estiver na posse de bem conferido ao outro pela partilha e se recuse a entregá-lo, comete esbulho possessório. Nessa situação o cônjuge infrator pode ser instado judicialmente a devolvê-lo.[13]
Diante desse raciocínio jurídico, a aplicação positivista da Lei Civil dispõe que a partilha de bens deve ser aplicada no caso de titularidade do animal de estimação, conferindo ao juiz, conforme o caso que lhe é submetido, decidir a lide ou homologar o acordo, resolvendo o conflito de com quem ficará o então “objeto”.
Importante destacar, contudo, que o pensamento de que os animais de estimação são meros “objetos”, há muito, já se encontra superado, sendo esses seres dotados de sensiência, vale dizer, dotados de consciência, detentores de sentimentos de toda espécie, tal como os animais humanos, sendo considerados atualmente como “parte integrante da família”.
Muito embora nos processos de divórcio os magistrados tendem a aplicar o Código Civil na solução do conflito, tratando os animais de estimação como “bem móvel”, não se pode negar que os animais domésticos alcançaram o status de “membros da família”, não raras vezes assumindo o papel de filhos, netos, irmãos, situação que perdura e permanece, ainda que sobrevenha a dissolução do vínculo matrimonial.
Nesse aspecto, mesmo ante a ausência de regulamentação legislativa, o Poder Judiciário, deverá, pelos mecanismos da analogia ao Direito de família, em especial no que tange a guarda, direito de visitas e alimentos, solucionar o impasse que envolve os casos envolvendo disputa judicial do animal de estimação, pelo casal.
Isto porque, quando se tratar de relação familiar, o afeto deverá se sobrepor às demais normas jurídicas que deverão ser deliberadas, ao invés de engessadas, para que tais regramentos atendam à sua finalidade social.
A própria redação esculpida no artigo 226 da Constituição Federal[14], preceitua o afeto como sendo o elemento principal na formação familiar, garantindo, por conseguinte, o direito à dignidade da pessoa humana. Por razão, pode-se inferir que as regras do Direito de Família são sedimentadas em normas que visam efetivar o afeto.
Portanto, inexistindo o afeto o interesse na mantença da sociedade conjugal resta rompido, possibilitando a lei brasileira o desfazimento dessa união por meio do divórcio, de forma direita. O divórcio direito, ou seja, sem a exigência do requisito temporal e da prévia separação do casal, foi incluído no Ordenamento Jurídico pátrio pela Emenda Constitucional nº: 66, de 14 de julho de 2010, alterando a redação do §6º, do artigo 226, da Constituição Federal[15]
Desfeito o casamento, havendo bens a ser partilhados pelo casal e não restado consenso por este, surge a problemática jurídica, vez que, corriqueiramente, magistrados e Tribunais se deparam com a celeuma envolvendo, no momento do divórcio, a disputa pelos animais de estimação.
Diante desse no quadro, à falta de regulamentação legislativa adequada aos casos submetidos à apreciação do Poder Judiciário, magistrados e Tribunais vem proferindo julgamentos engessados com base na visão arcaica do Direito e que – há muito – não se coadunam com a atual realidade social, posto que não é considerado o interesse do animal, mas sim o título de propriedade.
Por outro lado há julgamentos de ações onde magistrados e Tribunais, por meio da analogia, vem aplicando o Direito de Família, valendo-se das regras que disciplinam a guarda compartilhada das crianças, previstas nos artigos 1.583 a 1.590, do Código Civil[16] para ofertar a tutela jurisdicional. Nesse caso têm-se observado e considerado o status de sensiência dos animais de estimação, que dotados de consciência são detentores de sentimentos de várias espécies e, por isso mesmo, a tutela jurisdicional acaba por considerar, ainda que de forma indireta, o bem-estar do animal e não só o bem-estar do ser humano.
Portanto, à vista de buscar solucionar a problemática que acomete o Poder Judiciário, face ao grande volume de ações judiciais de divórcio litigioso envolvendo a disputa de animais de estimação pelo casal, pondera-se pela tentativa de criação legislativa, a fim de disciplinar a guarda de animais de estimação, norteando a solução de inúmeros conflitos.
5 – Das Decisões Judiciais
Inegável que a questão acerca da disputa pela guarda de animais de estimação, em processos de divórcios litigiosos, constitui algo desafiador e problemático ao Poder Judiciário, buscando, contudo, a tutela jurisdicional proferir decisões equânimes e que mais se aproximem do ideal de justiça.
É que se observa no julgamento proferido pela Sétima Câmara Cível do Tribunal do Rio Grande do Sul, que ao apreciar a apelação cível interposta pelo marido recorrente com vistas a modificar a sentença de primeira instância, sendo que, passando a analisar a argumentação do marido recorrente, decidiram os Desembargadores negar provimento, eis que na caderneta de vacinação do animal constava como proprietária o nome da mulher, concluindo o Tribunal que esta era quem dispensava todos cuidados ao animal de estimação, devendo ser mantida a sua guarda. Vejamos.
Animal de Estimação.Mantém-se o cachorro com a mulher quando não comprovada a propriedade exclusiva do varão e demonstrado que os cuidados com o animal ficavam a cargo da convivente. Apelo desprovido.
... Igualmente não merece acolhida o recurso no que diz com o pedido do varão de ficar com o cachorro que pertencia ao casal. Alega que este foi presente de seu genitor, mas não comprova suas assertivas. E, ao contrário, na caderneta de vacinação consta o nome da mulher como proprietária (fl. 83), o que permite inferir que Julinho ficava sob seus cuidados, devendo permanecer com a recorrida.[17]
No mesmo sentido:
Decisão agravo regimental – modificação de guarda. Inconformismo contra decisão que determinou a entrega do cão de estimação do casal à mulher, no prazo de 48 horas, sob pena de multa. Em recurso de agravo de instrumento anterior foi autorizada a guarda do animal pela agravada, no entanto, entre junho de 2012 e fevereiro de 2013, a agravada não deu mostras de possuir interesse em ficar com o animal, evidenciado pela ausência de diligência. Autorizada a manutenção da situação fática. Recurso provido. Agravo regimental improvido.
O comportamento evidenciado pela agravada, portanto, não demonstra o efetivo interesse em reaver o animal de estimação, que conforme já restou consignado pelo recurso de agravo de instrumento fora doado para ambos, uma vez constante no título de propriedade do animal o nome, não só da agravada, como também do agravante, ainda que em menor destaque, podendo-se inferir sua igual titularidade para o domínio. Verificados elementos que demonstram a ausência de interesse da agravada em reaver o animal de titularidade do casal, justifica-se sua manutenção sob a titularidade do agravante que dele tem cuidado desde a separação fática dos litigantes. [18]
Já em outra decisão, proferida pela magistrada Gisele Silva Jardim, juíza da 2ª Vara da Família, do Fórum Regional de Jacarepaguá, Estado do Rio de Janeiro, o julgamento possibilitou a guarda compartilhada do animal de estimação do casal, considerando a magistrada nessa decisão os argumentos de cunho sentimental trazidos pelo ex-marido, sobretudo seus inúmeros sofrimentos e angústias, tais como distanciamento e problemas em seu desempenho profissional e pessoal, em razão de sua ex-mulher ter impedido qualquer tipo de contato com seu cão.
Para tanto o recorrente colacionou ao autos fotos publicadas em rede social demonstrando que o animal havia sido adquirido ainda à época do noivado, razão pela qual possuía o direito em vê-lo, reportando-se, ainda, para outro julgado recente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Nesse diapasão, assim proferiu a magistrada:
Assim, presentes os requisitos legais, defiro a posse alternada provisória do cachorro, da raça Bulldog Francês, nominado Braddock, entre os requerentes, cabendo ao requerente a primeira metade de cada mês e à requerida a segunda metade, autorizando, desde logo, a busca e apreensão, caso não haja entrega voluntária, devendo o requerente acompanhar a medida. Designo Audiência Especial para o dia 11/05/15 às 14:00 hs. Cite-se/intimem-se, sendo certo que o prazo para apresentar defesa começa a fluir da referida audiência, na hipótese de não ser alcançado um acordo.[19]
Outro julgamento que merece destaque, também ocorrido no Estado do Rio de Janeiro, refere-se a um casal que decidiu se separar após diversos anos juntos; não houve contestação sobre a partilha de bens, exceto a reivindicação do animal de estimação. Vejamos:
DIREITO CIVIL - RECONHECIMENTO/DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL - PARTILHA DE BENS DE SEMOVENTE -SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL QUE DETERMINA A POSSE DO CÃO DE ESTIMAÇÃO PARA A EX-CONVIVENTE MULHER–RECURSO QUE VERSA EXCLUSIVAMENTE SOBRE A POSSE DO ANIMAL –RÉU APELANTE QUE SUSTENTA SER O REAL PROPRIETÁRIO – CONJUNTO PROBATÓRIO QUE EVIDENCIA QUE OS CUIDADOS COM O CÃO FICAVAM A CARGO DA RECORRIDA - Direito do apelante/varão em ter o animal em sua companhia – animais de estimação cujo destino, caso dissolvida sociedade conjugal é tema que desafia o operador do direito – semovente que, por sua natureza e finalidade, não pode ser tratado como simples bem, a ser hermética e irrefletidamente partilhado, rompendo-se abruptamente o convívio até então mantido com um dos integrantes da família –cachorrinho “Dully” que fora presenteado pelo recorrente à recorrida, em momento de especial dissabor enfrentado pelos conviventes, a saber, aborto natural sofrido por esta – vínculos emocionais e afetivos construídos em torno do animal, que devem ser, na medida do possível, mantidos – solução que não tem o condão de conferir direitos subjetivos ao animal, expressando-se, por outro lado, como mais uma das variadas e multifárias manifestações do princípio da dignidade da pessoa humana, em favor do recorrente – parcial acolhimento da irresignação para, a despeito da ausência de previsão normativa regente sobre o thema, mas sopesando todos os vetores acima evidenciados, aos quais se soma o princípio que veda o non liquet, permitir ao recorrente, caso queira, ter consigo a companhia do cão dully, exercendo a sua posse provisória, facultando-lhe buscar o cão em fins de semana alternados, das 10:00 hs de sábado às 17:00hs do domingo. Sentença que se mantém.[20]
Diante do acervo de tais decisões, é possível perceber que embora o Poder Judiciário não tenha reconhecido por si só os direitos dos animais, restou evidente que o sentimento de fato existe, efetivando a existência dos direitos impostos aos homens, respeitando a dignidade da pessoa humana, refletindo as decisões diretamente no animal, ainda que este continue sendo considerado como um bem semovente, um objeto.
Portanto, mesmo não reconhecendo os sentimentos próprios dos animais e os transtornos que a separação de seus donos pode ocasionar, é inegável o avanço nas decisões, vez que a determinação da guarda, seja da forma compartilhada, seja da forma unilateral, nesse último caso estabelecido o direito de visitas, atinge diretamente o “pet”, mesmo que a finalidade seja a preservação da dignidade da pessoa humana.
6 – Conclusão
Mesmo diante da falta de regulamentação legislativa adequada para solucionar os conflitos submetidos ao Poder Judiciário em casos que envolvam a custódia e o destino do animal de estimação, quando da dissolução litigiosa da conjugabilidade.
O Ordenamento Jurídico pátrio caminha, ainda que de forma paulatina e a lentos passos, a exemplo do que já é normativa em muitos países europeus, para a evolução no que concerne a classificação dos animais, sendo certo que o conceito arcaico ainda hoje trazido pela Lei Civil brasileira, fatalmente será modificado, elevando-se o status dos animais, de “bem semovente” ou “objeto” à seres sensientes.
Assim, o Direito coaduna com a atual realidade social brasileira, na qual, em inúmeros lares familiares, o animal de estimação é tido como “parte integrante da família”, ostentado a condição de filhos, irmãos, netos, necessitando de cuidados, zelo, amor, atenção carinho, respeito, tal como uma criança.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS