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A exigência da CID em atestados médicos:

violação ao direito à intimidade do empregado ou um mal necessário para um bem maior?

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Agenda 12/03/2017 às 19:27

3. CID, O QUE É? QUAL A POSIÇÃO ADOTADA PELO CONSELHO DE MEDICINA SOBRE A SUA INDICAÇÃO NOS ATESTADOS MÉDICOS?

De acordo com Renato de Mello Silveira (apud Jorge Allan Daniel Giordani da Silveira)[13], “atestado é o documento que se realiza a atestação, afirmação, testemunho e/ou declaração escrita de determinado fato ou obrigação com presunção de veracidade” e segundo § 3º, do art. 6º, da Resolução CFM n.º 1.658/2002, “o atestado médico goza da presunção de veracidade, devendo ser acatado por quem de direito, salvo se houver divergência de entendimento por médico da instituição ou perito”, ou seja, somente pode haver recusa ao seu recebimento pela junta médica da empresa e nos casos em que este apresentar indícios de falsidade, o que inclusive é crime.

O atestado médico tem por finalidade atestar o estado de saúde do indivíduo, declarando sua saúde, além certificar a existência de uma doença, justificando a ausência de atividade laboral.

Em que pese o atestado médico gozar de veracidade, algumas empresas vêm exigindo o CID em atestados como requisito para sua aceitação e posterior abono da falta, o que caracteriza total violação ao direito à privacidade do empregado.

O CID, por sua vez, consiste no código da Classificação Internacional de Doenças, em que a grande maioria dos diagnósticos médicos pode ser encontrada e associada a um número, cuja função é uniformizar os diagnósticos e permitir análises estatísticas necessárias para a saúde pública.[14]

Considerando a função do CID, o atestado médico expedido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelo médico não necessita contê-lo, já que não foi elaborado com a finalidade de controle das doenças. Dessa forma, somente por meio de lei o médico estará obrigado a revelar o código ou a doença em atestados médicos, ou quando a pedido do empregado.

Tal vedação esta, inclusive, positivada, na Resolução CFM n.º 1.658/2002, em seu Art. 5º, o qual dispõe: “Os médicos somente podem fornecer atestados com o diagnóstico codificado ou não quando por justa causa, exercício de dever legal, solicitação do próprio paciente ou de seu representante legal”.

O desrespeito das empresas ao direito fundamental à privacidade e intimidade é condenado pela melhor doutrina que diz o seguinte:

Esta é uma medida ética do médico [art. 5º, Resolução CFM n.º 1.658/2002] e uma garantia de privacidade do paciente. A não revelação ou a revelação do CID ou do diagnóstico não é, portanto, uma decisão do médico e sim do paciente. Desta forma, a empresa não poderá obrigar o médico a colocar o diagnóstico ou o CID nos atestados, sem autorização do paciente, podendo o médico incorrer em violação de segredo profissional (art. 154 do Código Penal).[15]

Sobre a intimidade e a privacidade nas relações de trabalho, é imperioso trazer a posição de Amauri Mascaro Nascimento[16], que diz o seguinte:

O trabalhador e o empregador devem guardar sigilo quanto à intimidade da vida privada. O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange o acesso, a divulgação de aspectos da esfera íntima e pessoal e da vida familiar, afetiva e sexual, o estado de saúde e as convicções políticas e religiosas. (...) O empregador não pode exigir do candidato a emprego ou dos empregados que prestem informações relativas à sua vida privada, à sua saúde, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem ou forem estritamente necessárias e relevantes para a avaliação da sua aptidão para o trabalho. (Grifo nosso)

É cristalina a posição do Conselho Federal de Medicina quanto a indicação do CID em atestados médicos, o que inclusive está disposto no supracitado art. 5º, da na Resolução CFM n.º 1.658/2002. Sua posição fica mais nítida com a comemoração da decisão do TST que suspendeu a validade de cláusula coletiva que exigia a indicação da Classificação Internacional de Doenças em atestados médicos. Vejamos trecho de informação constante no site do CFM:

"A decisão baseada em preceitos éticos da Medicina foi comemorada pelo 1º secretário da autarquia, Hermann Alexandre Vivacqua von Tiesenhausen. Na avaliação do diretor, a “decisão vai ao encontro de tudo o que o CFM tem defendido há longa data, de que a privacidade é um direito constitucional e que essa relação de confiança entre o médico e o paciente é uma cláusula pétrea”.

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4. A POSIÇÃO DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO SOBRE A INDICAÇÃO DO CID EM ATESTADOS MÉDICOS

Em que pese o TST já ter se posicionado sobre o assunto, não é possível apontar com total firmeza qual entendimento restou cristalizado na Corte Trabalhista, visto que consoante Informativo nº 115 do TST, a Corte, acertadamente, decidiu pela nulidade de cláusula de convenção coletiva de trabalho que prevê a obrigatoriedade da inserção do CID (Classificação Internacional de Doenças) no atestado médico do empregado. Entretanto, em recente decisão, de forma contrária, admitiu a indicação do CID, sustentando que não há violação do direito fundamental à intimidade/privacidade, cláusula constante de convenção coletiva de trabalho que exija a inserção do CID nos atestados médicos apresentados pelos empregados (Informativo nº 126 do TST).

De acordo com o primeiro posicionamento do Tribunal, a apresentação do CID obriga o empregado a informar acerca de seu estado de saúde, o que viola o direito fundamental à sua privacidade e intimidade. Vejamos trecho do Voto proferido no Processo: TST-RO-268-11.2014.5.12.0000:

A exigência da CID nos atestados estipulada por norma coletiva obriga o trabalhador a divulgar informações acerca de seu estado de saúde sempre que exercer o seu direito - garantido pelo art. 6º, § 1º, "f", da Lei nº 605/1949 - de justificar a ausência no trabalho por motivo de doença comprovada.

Essa exigência, por si só, viola o direito fundamental à intimidade e à privacidade do trabalhador, sobretudo por não existir, no caso, necessidade que decorra da atividade profissional.

A Resolução nº 1.685/2002 do CFM, que normatiza a emissão de atestados médicos, preceitua no art. 3º, II, alterado pela Resolução nº 1.851/2008 do CFM, que a previsão do diagnóstico no documento em questão depende de autorização expressa do paciente.

O art. 5º da mencionada Resolução reforça essa disposição ao afirmar que os médicos só podem fornecer atestados com a previsão do diagnóstico em três hipóteses: justa causa, dever legal e solicitação do paciente. Entretanto, o caso em tela não evidencia a configuração de nenhuma dessas hipóteses.

[...]

No próprio âmbito da Medicina, a obrigatoriedade da previsão da CID em atestado é vista como prejudicial ao trabalhador. Nesse sentido, Genival Veloso de França, ao analisar a figura do atestado médico oficial:

(...) é nosso entendimento que a obrigatoriedade do "diagnóstico codificado", no atestado médico oficial, em vez de proteger o trabalhador, cria-lhe uma situação de constrangimento e, ao ser relatado o seu mal, mesmo em código, suas relações no emprego são prejudicadas, pela revelação de suas condições de sanidade, principalmente se é ele portador de uma doença cíclica que o afastará outras vezes do trabalho. (...) Concluindo, podemos afirmar que a indicação do diagnóstico em atestados ou outros documentos médicos, de forma declarada ou pelo CID, constitui infração aos princípios éticos que orientam o exercício profissional, a não ser que expressamente autorizada pelo paciente, por justa causa ou por dever legal.

Há que se ressaltar que esta não foi a primeira decisão que proibiu a indicação do CID em atestados médicos apresentados pelo empregado, vejamos ementa abaixo:

RECURSO ORDINÁRIO. MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. (...) CLÁUSULA VIGÉSIMA SEGUNDA. ATESTADOS MÉDICOS E ODONTOLÓGICOS. EXIGÊNCIA DE PREENCHIMENTO DO CID. A Constituição Federal elegeu a intimidade e a vida privada como bens invioláveis. Trata-se, pois, de direito fundamental albergado no art. 5.º, X, da Constituição Federal. A exigência de indicação expressa do CID nos atestados médicos vai de encontro à referida diretriz constitucional, por se tratar de ingerência na vida privada do cidadão. A cláusula 22.ª, tal como redigida, não se coaduna com o Precedente Normativo n.º 81 desta Corte Superior, pois, além de conter obrigação à margem da lei e da Constituição Federal, não contempla a necessidade de convênio com a Previdência Social, no que se refere aos serviços ofertados pelos sindicatos da categoria profissional. (...) (RO-20238-58.2010.5.04.0000, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, SDC, DEJT 19/10/2012)

De forma totalmente contrária às decisões supra mencionadas, o TST decidiu o seguinte:

Ação anulatória. Atestado Médico. Exigência da inserção da Classificação Internacional de Doenças (CID). Validade da cláusula de convenção coletiva de trabalho. Não violação do direito fundamental à intimidade e à privacidade.

Não viola o direito fundamental à intimidade e à privacidade (art. 5º, X, da CF), cláusula constante de convenção coletiva de trabalho que exija a inserção da Classificação Internacional de Doenças (CID) nos atestados médicos apresentados pelos empregados. Essa exigência, que obriga o trabalhador a divulgar informações acerca de seu estado de saúde para exercer seu direito de justificar a ausência ao trabalho por motivo de doença, traz benefícios para o meio ambiente de trabalho, pois auxilia o empregador a tomar medidas adequadas ao combate de enfermidades recorrentes e a proporcionar melhorias nas condições de trabalho. Sob esse entendimento, a SDC, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário e, no mérito, pelo voto prevalente da Presidência, deu-lhe provimento para julgar improcedente o pedido de anulação da cláusula em questão. Vencidos os Ministros Mauricio Godinho Delgado, relator, Kátia Magalhães Arruda e Maria de Assis Calsing. TST-RO- 480-32.2014.5.12.0000, SDC, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, red. p/ o acórdão Min. Ives Gandra Martins Filho, 14.12.2015. (Informativo nº 126 do TST)

Apesar das decisões divergentes do TST, neste trabalho, a posição adotada foi no sentido da não indicação do CID nos atestados apresentados pelo empregador, pois a justificativa que a indicação do código traria benefícios para o meio ambiente de trabalho, pois auxilia o empregador a tomar medidas adequadas ao combate de enfermidades recorrentes e a proporcionar melhorias nas condições de trabalho, vai contra o direito fundamental à intimidade/privacidade. Ademais, tal justificativa não encontra guarida em nenhum dos motivos ensejadores à restrição do direito à privacidade, que seria quando:

I) adequadas para fomentar outros princípios constitucionais;

II) necessárias, por não haver outro meio similar com igual eficácia; e

III) proporcionais em sentido estrito, por fomentarem princípios constitucionais que, diante das circunstâncias do caso concreto, fornecem razões mais fortes que as oferecidas pelo direito à privacidade.

Até que haja uma posição definitiva do TST, tais decisões servem para alicerçar tanto a parte hipossuficiente da relação, quanto o empregador. Assim, é necessário aguardar uma posição definitiva do TST a respeito do tema. Até lá, vários embates serão propostos nas Varas Trabalhistas para que os trabalhadores não tenham o seu direito fundamental à privacidade violado.

Sobre o autor
Michael Rodrigues Vasconcelos

Graduado em Direito pelo Centro Universitário do Distrito Federal -UDF. Advogado. Atua em demandas que envolvem Direito de Família, Consumidor, Previdenciário e Criminal.

Informações sobre o texto

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