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Art. 15 do NCPC: a integração do processo do trabalho na perspectiva da teoria das lacunas do sistema jurídico

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Agenda 22/03/2017 às 14:38

5. A MÁXIMA CONCRETIZAÇÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

A interpretação histórica e teleológica do art. 15 do NCPC não é o único fundamento em prol da posição que associa o dispositivo à colmatação de todas as espécies de lacunas do sistema jurídico.

O critério da natureza da lacuna sistêmica também atende à necessidade de interpretar a legislação infraconstitucional a partir da Constituição, em consonância com o fenômeno da filtragem constitucional.

De fato, tal parâmetro interpretativo confere ao artigo maior compatibilidade com a Constituição de 1988, ao permitir a máxima concretização do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CRFB e art. 3º do NCPC) e dos princípios da duração razoável do processo e da efetividade (art. 5º, LXXVIII da CRFB e 4º do NCPC).

Extraídos a partir da cláusula geral do devido processo legal, estes princípios, compreendidos em conjunto, estabelecem a exigência de um processo que confira efetiva tutela ao direito material, produzindo decisões justas e eficazes.

Em uma visão moderna, estabelecem que o processo deve ir além da mera garantia formal de acesso ao Poder Judiciário, para assegurar ao jurisdicionado o acesso à ordem jurídica justa, de modo a promover ativamente a dignidade da pessoa humana também no âmbito processual.

Ao viabilizar o preenchimento de lacunas ontológicas e axiológicas, a aplicação supletiva prevista no art. 15 do NCPC, na acepção aqui defendida, evita a manutenção de soluções jurídicas ultrapassadas e geradoras de injustiça, a exemplo daquelas que negam ao hipossuficiente credor trabalhista o acesso a instrumentos processuais mais eficazes oferecidos aos demais credores.

A previsão do novo dispositivo, portanto, possibilita a utilização do novo Código de Processo Civil como medida de incremento da tutela jurisdicional trabalhista, no que promove a desejada "sintonia fina"[26] com a Constituição.

Além disso, a expressa previsão da aplicação supletiva no ordenamento jurídico confere maior transparência e segurança jurídica na heterointegração do processo do trabalho, ao oferecer aos operadores deste subsistema processual argumento legal para fundamentar a solução de lacunas ontológicas e axiológicas.


6. A COMPATIBILIDADE COM O ART. 769 DA CLT

A necessidade de ajustar o processo do trabalho aos ditames constitucionais já vinha orientando uma mudança na interpretação da CLT.

Antes do advento do novo código, a solução para as lacunas do processo do trabalho tinha como únicas fontes os arts. 769 e 889 da CLT, notadamente o primeiro, de polêmica interpretação.

Em relação àquele, a cizânia doutrinária se formou entre as correntes restritiva (conservadora) e evolutiva (sistemática ou ampliativa).

A posição restritiva encontra no dispositivo celetista uma rígida cláusula de contenção, permitindo a aplicação subsidiária do processo comum ao processo trabalhista apenas em casos de lacuna normativa absoluta, respeitado o princípio da compatibilidade ideológica.

A segunda corrente, impulsionada pela necessidade de obter máxima concretização dos princípios da efetividade e do acesso à Justiça,  defende a aplicação do processo comum mesmo quando inexistente lacuna normativa, quando "a norma do processo trabalhista apresenta manifesto envelhecimento que, na prática, impede ou dificulta a prestação jurisdicional justa e efetiva deste processo especializado"[27].

Assim, os adeptos da corrente ampliativa passaram a sustentar a existência de lacunas ontológicas e axiológicas no sistema processual trabalhista, de modo que a "omissão" prevista no art. 769 da CLT deveria receber nova interpretação para abarcar tais espécies de lacunas, ensejando uma aplicação mais profícua do processo comum.

Dentre os juristas que embasavam sua posição evolutiva no reconhecimento de lacunas secundárias, cita-se, por todos, a lição de Carlos Henrique Bezerra Leite, exposta no contexto das reformas processuais ocorridas sob influência da Emenda Constitucional nº 45/2004.

Atualmente, porém, a realidade é outra, pois o processo civil, em virtude das recentes alterações legislativas, passou a consagrar, em muitas situações, a otimização do princípio da efetividade da prestação jurisdicional, de modo que devemos, sempre que isso ocorra, colmatar as lacunas ontológicas e axiológicas das regras constantes da CLT e estabelecer a heterointegração do sistema mediante o diálogo das fontes normativas com vistas à efetivação dos princípios constitucionais concernentes à jurisdição justa e tempestiva.[28]

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Neste cenário, a corrente evolutiva alcançou proeminência, sendo, por exemplo, incorporada pelo Enunciado n. 66 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual, promovida em novembro de 2007 pela ENAMAT, ANAMATRA, CONEMATRA[29].

O Novo Código de Processo Civil não rompeu o panorama normativo que ensejou a posição evolutiva. Muito pelo contrário, a Lei 13.105/15, ao consolidar avanços anteriores e instituir outras inovações, robustece o distanciamento entre os ramos processuais, evidenciando ainda mais a incômoda posição retardatária do processo do trabalho no que tange à efetividade de alguns dos seus institutos e procedimentos.

Por tal motivo, os processualistas que já defendiam o reconhecimento das lacunas secundárias reiteraram seu posicionamento após a publicação do novo código, desta feita com o valioso reforço argumentativo embasado no art. 15 do NCPC e sua aplicação supletiva.

Veja-se, nessa linha, a atualizada manifestação de Carlos Henrique Bezerra Leite, associando a ideia de “complementação” presente na aplicação supletiva prevista no art. 15 do NCPC à colmatação de lacunas secundárias:

Lexicamente, o adjetivo "supletivo" significa "que completa ou serve de complemento", "encher de novo, suprir", enquanto o adjetivo "subsidiário" quer dizer "que auxilia", "que ajuda", "que socorre", "que contribui".

Poderíamos inferir, então, que o Novo CPC não apenas subsidiará a legislação processual trabalhista como também a complementará, o que abre espaço, a nosso ver, para o reconhecimento das lacunas ontológicas e axiológicas, máxime se levarmos em conta a necessidade de adequação do Texto Consolidado, concebido em um Estado Social, porém, ditatorial, ao passo que o novel CPC foi editado em um Estado Democrático de Direito[30].

Em suma, a posição que já despontava como majoritária entre os juslaboralistas vem sendo confirmada e enriquecida a partir do Novo Código de Processo Civil[31].

O critério interpretativo fundado na diferenciação entre lacunas primárias e secundárias, aplicado ao art. 15 do CPC/15, permite uma compatibilização entre os dispositivos regentes da heterointegração do processo do trabalho. Mais que isso: enseja a manutenção de um diálogo entre  as fontes normativas[32], permitindo uma troca enriquecedora de influências que sedimenta a interpretação evolutiva dos dispositivos celetistas, ao tempo em que estabelece limites ao ímpeto dominador identificado por alguns no NCPC.  

Quanto a este último aspecto, alude-se ao fato de que tanto a aplicação supletiva quanto a subsidiária se submetem às balizas principiológicas impostas pelo ramo processual que recepciona as regras complementares.

Isso em razão da premente vinculação ao princípio da isonomia, já que as normas especiais buscam oferecer tratamento diferenciado àqueles que necessitam, atrelado às particularidades do próprio direito material que busca tutelar. A simples e indiscriminada aplicação do NCPC às disciplinas específicas implicaria em extinguir o tratamento diferenciado, igualando jurisdicionados em situação de desigualdade, em inaceitável retrocesso.

Portanto, a barreira imposta pelo art. 769 da CLT, ao vetar a importação de normas do processo comum “naquilo em que for incompatível com as normas” do processo trabalhista, ainda remanesce como o principal parâmetro para a heterointegração entre os sistemas.

Os arts. 769 e 889 da CLT não foram revogados pelo art. 15 do NCPC, pois a relação existente entre estas normas não é de exclusão.  O que há é uma interação dialética que permite contribuições mútuas: enquanto o art. 15 deixa expresso que a aplicabilidade do NCPC ao processo do trabalho objetiva não apenas suprir lacunas normativas, mas oxigenar e otimizar o sistema laboral a partir do enfrentamento das lacunas secundárias, os dispositivos celetistas (notadamente o art. 769 da CLT) fixam o critério da compatibilidade entre os sistemas e esclarecem que todo o direito processual comum pode ser fonte de aplicação subsidiária na fase de conhecimento (e não apenas o CPC/2015).


7. O INCREMENTO DA AUTONOMIA DO PROCESSO DO TRABALHO

No período anterior à vigência da Lei 13.105/15, a autonomia do processo laboral no Brasil vinha sendo reconhecida pela maior parte da doutrina trabalhista com base em cinco pilares: a) autonomia científica, diante da presença de princípios, finalidades e institutos próprios; b) autonomia jurisdicional, em decorrência da existência da Justiça do Trabalho, órgão especializado do Poder Judiciário com competência material particular (art. 114 da CRFB); c) autonomia legislativa, já que, mesmo na ausência de um Código de Processo do Trabalho, a CLT possui título próprio dedicado às normas processuais, que juntamente com a legislação esparsa conformam um sistema legislativo especial; d) autonomia doutrinária, tendo em vista que a ciência do processo do trabalho é desenvolvida por rica doutrina, responsável pela produção de numerosa e variada bibliografia. e) autonomia didática, por ser objeto de disciplina específica nos currículos dos cursos jurídicos.

Em relação à autonomia científica, calha referir que, para a corrente monista, as particularidades do processo do trabalho não se revelam suficientes para descolá-lo do processo civil, já que os institutos básicos (jurisdição, ação, defesa e processo) são comuns. Além disso, pesa em desfavor da autonomia a verificação do compartilhamento de princípios constitucionais, métodos de aplicação e interpretação, assim como da própria finalidade do sistema, voltada para a tutela jurisdicional.

A corrente dualista, em suas variadas vertentes, não ignora a comunhão quanto à teoria geral do processo. Entretanto, afirma que a autonomia do direito material do trabalho reflete-se na particularização do instrumento (processo) que busca concretizá-lo, conferindo-lhe feições voltadas para a promoção do equilíbrio entre partes que, na relação material original, ocupam os polos desiguais de uma relação de poder.

O advento do art. 15 do NCPC reavivou o debate por abrir espaço para um maior influxo das normas do processo comum no microssistema processual trabalhista (ou, pelo menos, por consolidar uma abertura que já existia). Esta inovação, segundo algumas interpretações, poderia levar à aniquilação da autonomia do processo laboral.

Contudo, adotado o critério interpretativo baseado na teoria das lacunas, entende-se que o novo código, ao contrário de promover o esmaecimento da autonomia do processo trabalhista, a consagra e resguarda, na medida em que:

1) confere ao subsistema processual trabalhista o status de norma principal no seu âmbito de aplicação, relegando a incidência das normas do NCPC à condição de subsidiariedade ou supletividade. Deste modo, reconhece expressamente que a aplicabilidade da Lei 13.105/15 ao processo do trabalho ocorre apenas em hipóteses específicas, ao prever uma incidência meramente oblíqua dos dispositivos daquela. Há reforço, pois, da autonomia legislativa do processo do trabalho[33].

2) estabelece um "diálogo virtuoso"[34]  com os arts. 769 e 889 da CLT, clarificando o significado e alcance destes últimos, sem extirpar a exigência dos dispositivos celetistas quanto à compatibilidade entre as normas importadas e o sistema normativo receptor. Assim, atualiza o sistema laboral ao mesmo tempo em que evita que normas do processo civil stricto sensu inundem o processo do trabalho sem qualquer filtro de adequação principiológica e ideológica. Avigora-se a autonomia legislativa e, também, a autonomia científica, evidenciando-se diferenças ideológicas entre os ramos;

3) Possibilita o arejamento e a renovação do processo laboral, o que preserva a sua efetividade e compatibilidade com o direito material que busca concretizar, acompanhando-o em sua evolução dinâmica. Obsta, portanto, a superação da sistemática trabalhista pelo renovado processo civil comum, hipótese que significaria teratológica inversão do ordenamento jurídico, já que o crédito de natureza privilegiada dos trabalhadores seria tutelado de forma menos eficaz que o crédito comum. O engessamento do processo do trabalho, quando comparado ao dinamismo do direito material subjacente, tornaria a lei adjetiva laboral inútil ou até mesmo indesejada, esmaecendo o próprio sentido da busca por autonomia.

Além disso, os demais elementos configuradores da singularidade deste ramo processual não foram afetados pelo novo código. Os institutos e princípios próprios não sofreram qualquer influência, o que garante a incolumidade da autonomia científica.Também a estrutura da Justiça do Trabalho e suas instituições mantém-se inalteradas.

Já a riqueza do tratamento doutrinário em relação à matéria não apenas subsiste, como foi incrementada pela inovação legislativa, sendo perceptível na doutrina a proliferação de obras recentes que defendem a resistência da autonomia do processo do trabalho.

Sobre o autor
Bruno Ítalo Sousa Pinto

Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG, em Direito do Trabalho e Previdenciário na Atualidade pela PUC-MG e em Direito Civil e Processual Civil pela UCDB-MS. Bacharel em Direito (UFPI). Analista Judiciário, desempenhando a função de Assistente de Juiz no TRT da 16ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Bruno Ítalo Sousa. Art. 15 do NCPC: a integração do processo do trabalho na perspectiva da teoria das lacunas do sistema jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5012, 22 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56587. Acesso em: 22 nov. 2024.

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