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A participação do Ministério Público em pedidos de falência

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Agenda 16/04/2017 às 11:00

4 – O Posicionamento das Procuradorias Regionais

O Ministério Público é uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, não estando subordinada a nenhum dos poderes, o que não significa que possa ir de encontro com o ordenamento jurídico vigente ou em desrespeito à lei e a constituição.

O processo falimentar é conduzido e processado quase que exclusivamente perante a Justiça Comum do estado a qual se encontra a sede da requerida. Por sua vez, a atuação do ministério público estadual se dá por meio de leis orgânicas com base na constituição e na Lei Ordinária nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público).

Considerando tais premissas e, apesar da origem em comum e da vocação constitucional do parquet, cada órgão estadual se distingue por suas leis orgânicas e atos interpretativos das procuradorias gerais em âmbito regional.

Cabe aqui, no avançar do artigo a seguinte pergunta: as procuradorias regionais têm se reservado a atuar apenas após a instauração do dito concurso universal de credores?

4.1. Minas Gerais

Em 2007 o Ministério Público de Minas Gerais divulgou o relatório final da Comissão Especial Designada para a Apresentação de Proposta de Otimização da Intervenção do Ministério Público no Processo Civil, opinando de forma conclusiva sobre a desnecessidade de sua intervenção na fase pré-falimentar:

“Cabe indagar, contudo, qual seria o momento inicial de intervenção: quando do pedido pré-falimentar ou apenas após a decretação da quebra?       Muito embora haja entendimento em sentido oposto, a intervenção do Ministério Público deve-se dar tão-somente a partir da existência da execução concursal. Com efeito, o pedido de falência não se confunde com o processo de falência – este, sim, de execução coletiva, quando emerge o interesse público e a obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, por expressa disposição legal. Desse modo, entende-se que o órgão do Ministério Público deve atuar no processo falimentar somente após a decretação da quebra. Registre-se que 71% dos membros da instituição pesquisados concluíram pela desnecessidade dessa intervenção”.

Tal posicionamento encontra-se em consonância os avanços do seu modelo institucional, merecendo aplausos pela iniciativa do parquet quanto a elaboração de uma proposta de otimização da intervenção de sua intervenções em meio ao processo civil.

4.2. São Paulo

Logo em seguida, em meados do ano de 1998 o então Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo proferiu o despacho 72.873/97 que servia como base para orientar a atuação dos demais membros do ministério público de sua alçada, já questionando a necessidade de atuação do ministério público, na mesma linha a qual foi posteriormente adotada pelo legislador:

“Hoje, entretanto, o quadro é outro, com normas constitucionais expressas e expressivas quanto à missão institucional do Ministério Público e de seu verdadeiro papel na defesa dos interesses efetivamente públicos, coletivos ou homogêneos, sobejando, inclusive, atribuições extrajudiciais na condução de enorme feixe de investigações e/ou medidas, visando ao cumprimento desses misteres. Descabe, pois, nesse superior contexto, permanecer o órgão ministerial intervindo em meros pedidos de falência. Além de tudo isso, na atualidade o frequente uso desses pedidos de falência como forma indisfarçável de ação de cobrança, e a elevação abrupta de seu número total, lembre-se, a todo tempo indo e vindo à Promotoria, tem consumido precioso e muitas vezes até inexistente tempo dos membros do Ministério Público, de forma a prejudicar a prestação do efetivo serviço naquilo em que, nesta ou noutras áreas, deve, legalmente, ocorrer a sua intervenção."

São Paulo seguiu a mesma linha adotada por Minas Gerais, reforçando a otimização do tempo dos poucos e sobrecarregados procuradores e multiplicidade de atribuições.

4.3. Rio de Janeiro

Contudo, a Procuradoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro publicou a Recomendação 01/2005 – recomendando que seus membros desconsiderassem o comando claro da Lei 11.101/05 no que diz respeito a não intervenção do Ministério Público em meio a pedidos de falência. Logo em seguida, em 2008, o mesmo órgão colegiado por meio da Deliberação 20-A de 18 de Novembro de 2008 de forma taxativa determinou como essencial a atuação do parquet na fase pré-falimentar, demonstrando que não abriria mão do modelo institucional anteriormente adotado:

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“Art. 1º - Além das hipóteses previstas nos artigos 127 e 129 da CRFB e na legislação infraconstitucional, existe interesse público a justificar a intervenção ministerial nos seguintes casos:

VIII - requerimento de falência, na fase pré-falimentar”

Tal posicionamento além de ser diametralmente contrário a lei e ao entendimento dos tribunais superiores, em dissonância aos demais estados, lança um alto grau de incerteza para as relações jurídicas, que deveriam ser dotadas de suficiente grau de previsibilidade. Seguir aplicando tal entendimento acarreta riscos processuais que facilmente gerariam a nulidade de processos futuros, atrapalhando mais ainda os processos falimentares.

Justificar a atuação com base apenas no interesse público como pretende o ministério público do Estado do Rio de Janeiro é medida que não se sustenta e que se distancia a realidade do novo modelo institucional adotado tanto do ministério público quanto da nova lei de falências. Caso exista um interesse tão relevante que obrigue e justifique o interesse público da sua atuação em meio a defesa da fé pública, do comércio e da economia, teríamos um homo juridicus de Jhering, que faria com que o ministério público participasse até de execuções de títulos extrajudiciais, caso a urgência de sua intervenção em defesa da economia fosse convincente e bastasse por si própria.

Cabe repisar que o texto original submetido a sanção da presidência da república do projeto de Lei 4.376/93, que posteriormente se tornou a Lei 11.101/05, O eloquente veto ao art. 4º da Lei nº 11.101/05 por parte da Presidência da República– historicamente a contar do ano de 2005 eliminaram-se quaisquer hipóteses de participação do Ministério Público na fase pré-falimentar, estamos diante de interesses disponíveis, inclusive, este assunto já foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça:

“FALÊNCIA. MINISTÉRIO PÚBLICO. FASE PRÉ-FALIMENTAR. DESNECESSIDADE DEINTERVENÇÃO. LEI N. 11.101/05. NULIDADE INEXISTENTE. I - A nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101/05) não exige a atuação geral e obrigatória do Ministério Público na fase pré-falimentar, determinando a sua intervenção, apenas nas hipóteses que enumera, a partir da sentença que decreta a quebra (artigo 99, XIII). II - O veto ao artigo 4º daquele diploma, que previa a intervenção do Ministério Público no processo falimentar de forma genérica, indica o sentido legal de reservar a atuação da Instituição apenas para momento posterior ao decreto de falência. III  Ressalva-se, porém, a incidência da regra geral de necessidade de intervenção do Ministério Público antes da decretação da quebra, mediante vista que o Juízo determinará, se porventura configurada alguma das hipóteses dos incisos do artigo 82 do Código de Processo Civil, não se inferindo, contudo, a necessidade de intervenção pela natureza da lide ou qualidade da parte (artigo 82, inciso III, parte final) do só fato de se tratar de pedido de falência. IV - Recurso Especial a que se nega provimento. (STJ - REsp: 996264 DF 2007/0241453-4, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/08/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/12/2010)”.

A Merítissima Juíza Maria da Penha Nobre Mauro, titular da 5ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro traçou linhas importantes sobre o assunto com base em anos de vivência, reagindo também em relação ao posicionamento adotado no Rio de Janeiro e suas raízes: o movimento dos seus membros de ampliar de forma incansável as hipóteses da sua atuação. Reputamos como de grande relevância o referido artigo o qual nos remetemos em sua integralidade, citando-o também em sua conclusão:

Entretanto, para ser admitida essa intervenção sem o respaldo da Lei nº 11.101 é imprescindível que demonstre nos autos, cabal e objetivamente, perante o juiz do processo, a existência do interesse público invocado, da violação ou descumprimento da lei ou de conduta delituosa, não bastando a simples alegação da natureza falencial da ação, consoante já decidiu o STJ, convindo esclarecer, quanto ao ponto, que a expressão “nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade das partes”, encontradiça na 2ª parte do inciso III do artigo 82 do CPC de 1973, não foi repetida na redação do dispositivo correspondente do CPC de 2015, o artigo 178, inciso III.

Há também até que se relativizar a sua atuação em meio a determinados atos processuais relativos a Recuperações Judiciais, quando o que se têm como objeto eventual deliberação pontual do comitê de credores, considerando que ainda o parquet poderia se posicionar de forma conclusiva após as diversas deliberações ou manifestações individuais.

Com isso, vê-se, claramente, que a intenção do Poder Executivo, ao vetar o art. 4º, foi a de ajustar a Lei n.º 11.101/05 ao novo perfil institucional do Ministério Público, privilegiando a sua atuação como órgão agente.


5 - Conclusão

Os diversos órgãos que integram o ordenamento jurídico não podem se acastelar face a evolução do seu próprio modelo. Dia após dia a advocacia e a magistratura têm se adaptado aos novos modelos urgentes de sua ordem institucional, como por exemplo a criação do Conselho Nacional de Justiça e a sua boa recepção em meio aos Tribunais de todo país. Deve o Ministério Público fazer o mesmo, como visto - exceto posições isoladas -, as próprias procuradorias reagiram de forma positiva as inovações trazidas pela Lei 11.101/05, o que demonstra a maturidade das instituições brasileiras e da tão antiga e prestigiada instituição do Ministério Público.

Com o reconhecimento pelos Tribunais Superiores da nulidade, caso comprovado prejuízo, em meio aos casos em que o Ministério Público tenha atuado na fase pré-falimentar, sua atuação passou a ser vista como um elemento certo de insegurança jurídica e contestação de todo o processo. Não devem os juízes remeter os pedidos de falência ao Ministério Público ou se permitir a sua atuação espontânea e, caso isso ocorra, deve o membro do parquet emitir nota de competência negativa, justificando-a com base nos próprios entendimentos já consolidados.        

 


Referências

 

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REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2007.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de Direito Empresarial - Teoria Geral e Direito Societário. Vol. 1. São Paulo: Atlas, 2008.

STJ - REsp: 996264 DF 2007/0241453-4, Relator: Ministro SIDNEI BENETI, Data de Julgamento: 19/08/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/12/2010

STJ, REsp 136.565/RS , Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgado em 23/02/1999, DJ 14/06/1999

Recomendação 01/2005 emitida pela Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro

Lei  4.376/93

Lei nº 11.101/05

DL 7.661/45                                                       

 

 

 

 

 

 


Notas

[1] JUNIOR, Mario Moraes Marques.  O Ministério Público na nova lei de falências. Revista da Associação do Ministério Púbico do Estado do Rio de Janeiro. Website: http://amperj.temp.w3br.com/artigos/view.asp?ID=86, acesso em 19/03/2017.

[2] COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à nova lei de falências e de recuperação de empresas. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 29.

Sobre o autor
Matheus dos Santos Buarque Eichler

Graduado em Direito pela Universidade Cândido Mendes Centro. Sócio Fundador do escritório Eichler e Eichler. Diretor Jurídico de Empresas de Energia. E-mail: matheus@eichler.adv.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EICHLER, Matheus Santos Buarque. A participação do Ministério Público em pedidos de falência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5037, 16 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56904. Acesso em: 15 nov. 2024.

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