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Lobby das incorporadoras quer que o Governo Federal regulamente distrato de imóvel na planta em prejuízo do consumidor

Agenda 16/04/2017 às 13:00

Expõem-se as propostas absurdas do SECOVI, ABRAINC e outras entidades de incorporadoras e construtoras que querem impor sua vontade ao governo para prejudicar ainda mais o consumidor na rescisão do compromisso de compra e venda.

Pode parecer mentira, mas não bastasse a sociedade brasileira já estar capenga o suficiente com uma crise econômica desenfreada nos últimos anos e que promete produzir seus nefastos efeitos por mais um bom tempo ainda, agora é o comprador de imóvel na planta quem pode vir a ser humilhado perante o Governo Federal.

Explica-se.

Em abril de 2016 foi firmado no Estado do Rio de Janeiro um documento chamado “pacto para o aperfeiçoamento das relações entre incorporadoras e consumidores”, tendo como partes envolvidas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, a OAB do RJ e uma entidade chamada ABRAINC, através do qual foi estipulada uma multa ao consumidor desistente equivalente a 10% (dez por cento) do preço GLOBAL DO CONTRATO, o que deixaria os compradores à míngua em termos da justa restituição dos valores pagos.

A imprensa imediatamente divulgou o tal pacto carioca como uma espécie de LEI, embora não fosse, dando a impressão de que o Rio de Janeiro teria regulamentado a questão dos distratos. Não durou muito o pacto, pois no dia 12 de agosto de 2016 foi publicado no DJU a Portaria nº 10 de 11/08/2016, através da qual o Ministério da Justiça e Cidadania a SUSPENSÃO do pacto carioca, suspensão essa que prevalece até o presente momento.

Agora o leitor talvez pergunte: a imprensa comentou com a mesma intensidade a suspensão do pacto carioca? Não. Nada foi divulgado sobre o assunto.

Mas as entidades que defendem os interesses das incorporadoras e construtoras não se deram por vencidas e agiram mais uma vez entre o final do ano de 2016 (porque notícia ruim no Brasil vem sempre no final dos anos?) e começo de 2017.

No começo do ano de 2017 alguns órgãos de imprensa com presença na internet começaram a divulgar um aparente boato, no sentido de que entidades representativas dos interesses de incorporadoras e construtoras estariam fazendo lobby perante o Palácio do Planalto, a fim de convencer a Presidência da República a editar uma medida (provisória?) para regulamentar a questão dos distratos de imóveis na planta, uma vez que o pacto carioca tinha sido enterrado pelo Ministério da Justiça, ante a gritante abusividade de seus elementos e por não se tratar de algo com força legal.

Só para relembrar: distrato é o término do contrato de promessa de compra e venda de imóvel na planta perante a incorporadora, quando o comprador não têm mais condições ou mesmo interesse na continuidade do negócio ANTES do recebimento das chaves, isto é, antes do financiamento bancário do saldo devedor ou do efetivo recebimento das chaves para quem pagou o preço à vista ou durante a fase de obras.

Claro que quem adquire um imóvel na planta não pretender desistir do negócio, pelo mesmo, não em regra e para quem o adquire em estrita boa-fé. Porém, às vezes a desistência do negócio pode acontecer por inúmeros fatores, dentre os quais os mais comuns são: a) impossibilidade econômica na continuidade do pagamento das parcelas; ii) doença; iii) desemprego; iv) mudança de endereço, dentre outras circunstâncias.

Até o presente momento, o comprador que desiste da continuidade do contrato perante a incorporadora tem assegurado por milhares de decisões judiciais em primeira e em segunda instância o direito à restituição do equivalente a 90% dos valores pagos, podendo chegar a pelo menos 80%, à vista (vide súmula 543 do STJ), com correção monetária desde o desembolso de cada parcela, além de juros legais de 1% ao mês a partir da citação até a data da efetiva restituição.

Ocorre que a má-fé com que agem as entidades que defendem os interesses de incorporadoras e construtoras em nosso tão debilitado país não têm escrúpulos, quiçá um mínimo de bom senso.

No mês de janeiro de 2017 a ABRAINC (associação brasileira de incorporadoras imobiliárias), localizada no endereço da Rua Iguatemi, em São Paulo, apresentou uma proposta perante o Governo Federal no mínimo esdrúxula: querem que o Palácio do Planalto, via medida provisória (e pode isso?), regulamente o mercado imobiliário, impondo àqueles que vierem a desistir do imóvel adquirido na planta perca o equivalente a injustificáveis 10% sobre o valor global do contrato, limitado a 90% sobre os valores pagos, ou seja, querem inverter completamente o que o Poder Judiciário sistematicamente vem decidindo para situações como essa e na base do “tapetão”!

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Ora, o consumidor já não sofreu com a perda absurda da devolução dos valores pagos a título de comissão de corretagem, através de decisão no mínimo estranha vinda do STJ, em Brasília, no dia 24 de agosto de 2016 e agora querer humilhar o coitado do comprador que adquire a duras penas um imóvel na planta? Não dá! É ora de a sociedade brasileira se posicionar e dizer NÃO a essa manobra das incorporadoras.

Em janeiro de 2017 o Governo Federal não se posicionou sobre o assunto, tampouco o fez nos meses de fevereiro e março, mas isso só não aconteceu por conta da atuação digna de nota da SENACON (Secretaria Nacional do Consumidor), órgão ligado ao Ministério da Justiça, que se posicionou firmemente contra a ingrata tentativa da ABRAINC.

Para quem não conhece, a SENACON é o órgão que reúne os PROCONS do país e outras entidades de defesa do consumidor. Para a SENACON, a “proposta” apresentada para regulamentar a questão dos distratos perante o Governo Federal era absurda e feria de morte o Código de Defesa do Consumidor (CDC), que proíbe ao consumidor a perda dos valores pagos, através do artigo 53, mas isso foi sistematicamente ignorado pela ABRAINC.

No mês de março de 2017 foi a vez do SECOVI entrar em cena e não poderia ter feito pior. Considerando que a questão dos distratos não teve acordo entre a ABRAINC e o Governo Federal no início do ano, propôs então que em caso de desistência, o consumidor perderia TUDO o que foi pago (!) e a incorporadora ficaria com os valores pagos, sem nenhuma restituição.

 Na infeliz fundamentação apresentada pelo presidente da entidade, Flávio Amary: “queremos que o distrato tenha um rito de solução através do mercado e que não traga para a empresa a obrigatoriedade de indenizar o consumido”.

Se o consumidor não concluir a compra por qualquer motivo quando a obra ficar pronta, o empresário sugere a revenda a terceiros ou o leilão. “Ele terá que vender o imóvel para um terceiro em vez de obrigar o incorporador a devolver o dinheiro”, disse. “Se ficar inadimplente ou não achar um comprador, o imóvel pode ir para um leilão”, acrescentou.

Ora, isso é uma piada. Era melhor o SECOVI não ter se manifestado sobre o assunto, pois só alguém com um entendimento completamente deturpado sobre o assunto poderia se posicionar publicamente com uma fundamentação dessas. Será que alguém lá no SECOVI lembrou que o artigo 53 do CDC proíbe isso? Departamento jurídico pra que, não é mesmo?

Para piorar a “fundamentação”, o presidente do SECOVI citou, a título de exemplo, que em países (todos de primeiro mundo!) como Estados Unidos, Portugal, Itália, Espanha, França, Austrália e no Reino Unido, o comprador que desiste de um empreendimento, fica sem um centavo de volta.

Comparar o Brasil (3º mundo) com países desenvolvidos é covardia! O Brasil está anos luz desses países, motivo pelo qual a equiparação é no mínimo sem critério algum, seja pelo IDH, pela inflação, pelos índices de criminalidade e corrupção, só para ficar aqui em termos comparativos.

O problema é que no Brasil contemporâneo é conveniente ignorar a Lei, os bons costumes e a jurisprudência, especialmente quando esses elementos vão contra o desejo de entidades de classe, como é o caso aqui tratado, por exemplo.

Sem acordo, a questão dos distrato segue como sempre seguiu: através do efetivo controle do Poder Judiciário, através da análise caso a caso apresentada pelos consumidores. Mas a pergunta que resta é: até quando?

Afinal, o imóvel é da incorporadora e mesmo em caso de distrato motivado por ato do comprador, o bem fica com a vendedora, que poderá comercializá-lo no mercado pelo preço e condições que bem desejar praticar, não podendo, apenas por essa simples constatação, reter integralmente ou grande parte dos valores pagos pelo consumidor.

Fato é que a sociedade brasileira está cansada de ser humilhada por entidades poderosas e inescrupulosas e deve frear essa infeliz tentativa do SECOVI e da ABRAINC em pretender reter grande parte dos valores pagos daqueles que pretendem desistir do imóvel na planta.

Se por acaso a proposta apresentada pelo SECOVI ou pela ABRAINC vingar, nem que seja um amálgama das duas propostas, o mercado imobiliário no Brasil para empreendimentos na planta estará enterrado, pois só alguém muito ingênuo ou desinformado para adquirir um imóvel na planta, pois além de ser obrigado no pagamento de valores destinados a uma comissão de corretagem que simplesmente não existe (e que não terá de volta), se vier a desistir do negócio, perderá grande parte ou até mesmo todos os valores pagos em benefício da incorporadora.

Sobre o autor
Ivan Mercadante Boscardin

OAB/SP 228.082Advogado especialista em Direito Imobiliário e Consumidor • São Paulo (SP). Advogado atuante há mais de dez anos no Estado de São Paulo Formado pela Universidade São Judas Tadeu Especialista em: Direito Civil com ênfase em Direito Empresarial (IASP) Direito Processual Civil (PUC SP) Direito Imobiliário e Registral (EPD) Arbitragem nacional e estrangeira (USA/UK) Autor do livro: Aspectos Gerais da Lei de Arbitragem no Brasil Idiomas: Português e Inglês. E-mail: mercadante@mercadanteadvocacia.comSite: www.mercadanteadvocacia.com - Telefones: 11-4123-0337 e 11-9.4190-3774 (cel. Vivo) - perfil também visualizado em: ivanmercadante.jusbrasil.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOSCARDIN, Ivan Mercadante. Lobby das incorporadoras quer que o Governo Federal regulamente distrato de imóvel na planta em prejuízo do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5037, 16 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56907. Acesso em: 23 nov. 2024.

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