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Impossibilidade jurídica de sentença mandamental da Justiça Trabalhista para adequar condutas funcionais de autoridades da Inspeção do Trabalho e do Ministério do Trabalho

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Agenda 08/04/2017 às 10:00

7. Ilegitimidade passiva do Secretário de Inspeção do Trabalho

Outro ponto a ser considerado é que o art. 628 da CLT impõe deveres aos auditores-fiscais, e não ao secretário de Inspeção do Trabalho.

As competências do secretário estão ditadas nos artigos 14 e 28 do Anexo ao Decreto n.º 5.063/2004[28] (Regimento Interno do MTb). Essas competências são primordialmente de formular e propor diretrizes para a Inspeção do Trabalho (Dec. 5.063/2004, Anexo, art. 14, incisos I, II, VI, e VIII). Não consta o dever de controlar as ações fiscais. Esse dever de controle é exercido pelos diretores do Departamento de Fiscalização do Trabalho (idem, art. 15, III) e do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho (idem, art. 16, II), subordinados ao secretário.

Certamente será levantada a objeção de que a falta de expressa previsão legal para que o secretário de Inspeção do Trabalho exerça o controle das ações fiscais não o exime desse dever, pois isso lhe é ínsito em face da hierarquia ascendente sobre os diretores obrigados a esse dever, e que, indiretamente por meio da cadeia hierárquica, alcança todos os AFTs individualmente. Estar-se-ia argumentando com base na responsabilidade hierárquica ascendente, significando que o superior hierárquico deve controlar os atos de seus subordinados. Além disso, como autoridade hierárquica superior, o secretário tem o poder de expedir ordens aos seus subordinados.

Tal entendimento não merece reparos, não fosse o fato de que a ACP que versa sobre a imposição de regras de negócio no sistema Sfit esbarra em duas impropriedades legais.

A primeira delas é que o secretário de Inspeção do Trabalho não possui competências em matéria de informática no âmbito do MTb. Essa matéria específica está subordinada ao secretário-executivo conforme art. 4º, inciso III, do Anexo ao Decreto n.º 5.063/2004, tomado por referência em razão da contemporaneidade da proposição e julgamento da ACP.

No plano orgânico da Secretaria Executiva, as atividades relacionadas à área de informática perpassam as competências da Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração – Spoa (Portaria n.º 483/2004, anexo II, art. 23, I e II). E subordinada à SPOA está a Coordenação-Geral de Informática – CGI, a quem compete, em caráter especial para o contexto aqui analisado, orientar o desenvolvimento das ações de informática e “co-gerenciar tecnicamente contratos e convênios relativos à tecnologia da informação” (Port. 483/2004, Anexo II, art. 24, inc. I e VI, sem o destaque inserido). Vale lembrar que o sistema Sfit é desenvolvido e mantido pelo Serpro com base em contrato administrativo.

Diante dessas competências regimentais, qualquer alteração a ser feita no sistema Sfit exige a manifestação técnica da CGI. E se a CGI não aprovar as medidas, a questão será decidida por outra autoridade, de modo que o secretário de Inspeção do Trabalho não é competente para “implementar” as medidas de inserção de Regras de Negócio no sistema Sfit, ou em qualquer outro que venha a substituí-lo.

Tanto se assevera quanto à procedência desse argumento que a Recomendação Ministerial n.º 2.294/2014 expedida a autoridades do então MTE pelos procuradores do Trabalho anteriormente à propositura da ACP foi dirigida ao secretário de Inspeção do Trabalho e ao subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do MTE. Eis a transcrição do trecho da aludida Recomendação, com a ênfase agora acrescentada:

“RESOLVE recomendar ao Ministério do Trabalho e Emprego, através (sic) de sua Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração e de sua Secretaria de Inspeção do Trabalho, que adote as seguintes medidas:”

Se os procuradores do Trabalho entenderam necessário recomendar o subsecretário, é porque reconheceram a sua competência na matéria. Mas ele não foi incluído no rol das autoridades demandadas na ACP. Isso, em tese, inquinaria de ilegalidade a determinação judicial para que o secretário de Inspeção do Trabalho, que não tem competências legais na área de informática do MTb, implemente regras de negócio ao gosto dos procuradores do Trabalho.

A segunda impropriedade legal envolve as responsabilidades do ministro do Trabalho. Conforme art. 4º, inciso II, do Anexo I ao Decreto n.º 5.063/2004, compete ao secretário-executivo “assistir ao Ministro de Estado na supervisão e coordenação das atividades das Secretarias integrantes do Ministério e da entidade a ele vinculada” (g.n.). Se o secretário-executivo deve apenas assistir ao ministro nessa supervisão e coordenação, é porque  não pode exercer diretamente essa supervisão e coordenação. E não se poderia concluir de forma diferente, porquanto essa competência ministerial tem origem na Constituição Federal, art. 87, parágrafo único, inciso I. Na hipótese de negativa da CGI em face de questões técnicas, o conflito será decidido pelo ministro de Estado.

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Ao fim dessa trilha de competências legais devemos então retomar a análise da objeção que possa surgir em torno da responsabilidade hierárquica ascendente. Ou seja, a falta de expressa previsão legal para o dever de controlar não exime o secretário de Inspeção do Trabalho desse dever, pois lhe é ínsito em face da hierarquia ascendente em relação aos diretores sobre os quais recai esse dever de controle. Ora, se essa objeção for procedente, e dado que o secretário de Inspeção não tem competências em matéria de informática, então não seria ele a figurar como autoridade demandada na ACP aforada pelo MPT, mas sim o então ministro do Trabalho e Emprego à época. Com efeito, a implantação das “regras de negócio” descritas no pedido da ACP exige a coordenação de dois órgãos do MTb: a Secretaria de Inspeção do Trabalho e a Secretaria Executiva. Nenhum de seus titulares tem poder hierárquico sobre o outro. E nos termos da CF, quem coordena, orienta e supervisiona os órgãos do Ministério é o ministro de Estado. Como autoridade máxima do Ministério, o ministro exerce o poder de controle sobre seus subordinados hierárquicos. Logo, o destinatário dos provimentos judiciais requeridos pelo MPT deveria ser o ministro de Estado, não o secretário de Inspeção do Trabalho. Na hipótese de o coordenador-geral de Informática, na condição de co-gestor do contrato administrativo com o Serpro, manifestar-se pela inviabilidade técnica ou econômica das medidas e o agora ministro do Trabalho decidir acolher a manifestação, o titular da SIT não poderia ser condenado por descumprimento de determinação judicial.


8 – Da tese da inaplicabilidade dos efeitos da ADI 3.395 nos casos examinados

Conforme deduzido na inicial, a ACP ajuizada em Anápolis/GO está voltada para um cumprimento de um dever, mas esse dever não está previsto na norma geral (Lei n.º 8.112/90), mas em lei especial (CLT). Logo, não se aplicam os efeitos da ADI 3.395. Com base no raciocínio exposto os autores impugnaram a contestação da União afirmando que não se aplicam os efeitos da ADI n.º 3.395, pois a “ACP não cuida de qualquer direito, vantagem, obrigação ou dever previsto na norma geral (Lei 8112/90) que rege as relações estatutárias existentes entre os Auditores-Fiscais do Trabalho e a União” (g.n.).

Se esse raciocínio estiver correto, então se pode concluir, a contrário senso, que se o dever reclamado está previsto na Lei estatutária, então incidem os efeitos da ADI 3.395. Demonstrar-se-á que esse é o caso nas duas ACPs.

Por sua vez, o desembargador do Trabalho Daniel Viana Júnior, relator do RO da União na ACP sentenciada pelo juiz da 2ª Vara do Trabalho de Anápolis/GO, do TRT-18ª Região, ao fundamentar seu voto, sustentou que não se aplicam ao caso os efeitos da ADI 3.395, pois a questão não envolve litígio entre servidores e órgãos públicos regidos por relações estatutárias.

O posicionamento do desembargador do Trabalho procede quando se examina o inciso I do art. 114 da CF, que confere à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar ações oriundas das relações de trabalho. A ADI diz que as relações estatutárias não estão incluídas no conceito de relações de trabalho que se submetem à competência da Justiça especializada.

Mas a interpretação que se extrai da ADI 3.395 não fica limitada ao sentido semântico da expressão “relações de trabalho” contido no inciso I do art. 114 da CF. Tal leitura implicaria em dizer que somente as ações movidas por servidores contra a União para reclamar direitos é que estariam sujeitas à Justiça Federal.  Ou da União contra seus servidores.

Argumenta-se, porém, que a razão de decidir que se pode extrair do julgamento do STF é que os litígios que envolvam relações jurídicas no serviço público são próprios da Justiça comum, e não da Justiça do Trabalho. Os litígios em que servidores reclamam direitos são apenas um dos fatos que são abarcados por essa razão de decidir, mas não os únicos.

Esse efeito ampliado das decisões da Corte Suprema foi tema no voto do  ministro Gilmar Mendes, relator na Reclamação n.º 4.335. O ministro mencionou uma postura significativamente ousada do Tribunal nas hipóteses de declarações de inconstitucionalidade de leis municipais, “conferindo efeito vinculante não só à parte dispositiva da decisão de inconstitucionalidade, mas também aos próprios fundamentos determinantes.” Não há razão para que esse efeito fique restrito à inconstitucionalidade de leis municipais. Confira-se ementa do acórdão proferido no julgamento da Reclamação mencionada, com a ênfase agora acrescentada:

Reclamação. 2. Progressão de regime. Crimes hediondos. 3. Decisão reclamada aplicou o art. 2º, § 2º, da Lei nº 8.072/90, declarado inconstitucional pelo Plenário do STF no HC 82.959/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1.9.2006. 4. Superveniência da Súmula Vinculante n. 26. 5. Efeito ultra partes da declaração de inconstitucionalidade em controle difuso. Caráter expansivo da decisão. 6. Reclamação julgada procedente. (STF, Pleno, Recl. 4.335, rel. min. Gilmar Mendes).

Na ADI 3.395, o STF, aplicando a interpretação conforme a Constituição, decidiu que a expressão “relações de trabalho” do inciso I do art. 114 d CF não abarca as relações jurídico-estatutárias ou jurídico-administrativas próprias do serviço público. Pelo caráter expansivo da decisão, seus efeitos alcançam toda e qualquer situação em que a causa de pedir e os pedidos devem ser decididos na matriz jurídico-estatutária.

Nesse sentido, como as causas de pedir e os pedidos das ACPs analisadas envolvem obrigações de fazer voltadas para o controle de servidores públicos civis federais (AFTs), e tendo em vista que tal controle só é possível por meio de normas jurídico-estatutárias, conclui-se que os efeitos vinculantes da ADI 3.395 se projetam sobre essas  ACPs, afastando, por conseguinte, a competência da Justiça do Trabalho.

Há indicativo nesse sentido no próprio STF, embora se trate de medida precária ainda sujeita a julgamento.

O município de Salvador/BA, por meio de seu procurador-geral, promoveu representação junto ao STF[29], com pedido de medida cautelar, contra o processamento de ACP ajuizada pelo MPT na 28ª Vara do Trabalho de Salvador/BA. Segundo o Município, “a pretensão do MPT é imiscuir-se no modo como deve ser gerida a máquina pública”. O principal pedido da ACP é que o Município de Salvador seja condenado a adotar todos os procedimentos administrativos necessários à preservação dos direitos laborais dos trabalhadores terceirizados, quando forem efetuadas licitações e contratações de obras e serviços promovidos por todos os órgãos e instâncias administrativas da Prefeitura mediante uma séria de medidas de cunho administrativo elencadas na peça inicial.

O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, em análise superficial própria no julgamento de uma liminar, entendeu que “o processamento da referida reclamação [ACP] na Justiça do Trabalho afronta a decisão desta Corte [STF] proferida na ADI 3.395/DF, Rel. Min. Cezar Peluso.” Em face disso, o presidente do Tribunal concedeu liminar determinando a suspensão da ACP até o julgamento final da reclamação constitucional e sem prejuízo de melhor exame da questão pelo Relator sorteado (min. Dias Toffoli).

A ACP afetada pela decisão monocrática do min. Ricardo Lewandowski não envolve servidores públicos municipais e a Prefeitura. E processos licitatórios e contratos administrativos não resultam de relações de trabalho. São atos tipicamente administrativos. Mesmo assim o presidente do STF viu, na ocasião, indícios da violação dos efeitos da ADIN 3.395.

Esse quadro litigioso é análogo ao que cerca as ACPs do MPT contra a União: procuradores do Trabalho querem que a Justiça do Trabalho imponha obrigação de fazer de natureza administrativa à União para determinar modos de atuação das autoridades da Inspeção do Trabalho com vistas a, supostamente, garantir direitos trabalhistas aos empregados, os quais não têm vínculo com a União.

Se o presidente do STF, ainda que em análise superficial próprio da decisão de medidas liminares, entendeu que se aplicam os efeitos da ADI 3.395 no caso de Salvador, é lícito admitir que incidam também nos casos das ACPs movidas pelo MPT contra a União.

A Primeira Seção do STJ oferece outro exemplo elucidativo em matéria que envolve litígios entre sindicatos de servidores públicos e o Poder Público que se circunscreve nos efeitos da ADI 3.395.

Antecipa-se, para efeito de contextualização e para afastar eventual entendimento de contradição, que o STJ firmou entendimento de que as ações envolvendo sindicatos e servidores para cobrança da contribuição sindical previsto no art. 578 da CLT é da competência da Justiça do Trabalho, sendo “desinfluente, para fins de definição do juízo competente, aferir a natureza do vínculo jurídico existente entre a entidade pública e os seus servidores” (STJ, Primeira Seção. CC 147.099. Rel. min. Assusete Magalhães, julgamento em 10/08/2016, DJe de 22/08/2016). Ou seja, não se aplica a ADI 3.395. A votação foi unânime, dela participando o min. Mauro Campbell.

No entanto, ao julgar o Conflito de Competência (CC) 145.847/RJ com caso semelhante em novembro de 2016, mas dessa feita envolvendo a cobrança da contribuição sindical facultativa, a mesma Primeira Seção do STJ aplicou os efeitos da ADI 3.395.

Eis trecho da ementa do acórdão, em que foi relator o min. Mauro Campbell:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. MANDADO DE SEGURANÇA. CONTRIBUIÇÃO FACULTATIVA DEVIDA POR SERVIDOR PÚBLICO FILIADO À ENTIDADE SINDICAL. DISCUSSÃO DE ATO DO PREFEITO DA MUNICIPALIDADE QUE IMPEDIU DESCONTO EM FOLHA AUTORIZADO PELOS   SERVIDORES FILIADOS. RELAÇÃO JURÍDICO-ESTATUTÁRIA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

1.  A demanda adjacente ao presente conflito de competência não discute a sujeição passiva dos servidores públicos à contribuição sindical compulsória, de natureza tributária, nem  trata da representatividade do referido  sindicato para receber os repasses das  referida contribuição. Antes, discute tão somente ato do Prefeito da municipalidade que impediu o desconto em folha de CONTRIBUIÇÕES FACULTATIVAS devidas pelos servidores que se filiaram voluntariamente ao sindicato impetrante.

2.  A atuação do sindicato impetrante na hipótese não veicula apenas interesse da entidade sindical, mas também dos servidores a ele filiados e que já autorizaram de antemão o desconto em folha das contribuições facultativas previstas no estatuto da entidade.

3.  O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nos autos da Medida Cautelar  na  ADI  3395  MC/DF  para,  em relação ao art. 114, I, da CF/88,  suspender  a  "...  apreciação  ...  de causas que ... sejam instauradas   entre  o  Poder  Público  e  seus  servidores,  a  ele vinculados  por  típica  relação  de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo",   razão  pela  qual,  em  casos  que  tais (contribuição  sindical  facultativa  e  não  imposto  sindical),  a competência   para   julgamento   de  tema  circunscrito  à  relação jurídico-estatutária  entre  os  servidores  e  o  Poder  Público em relação ao qual possuem vínculo foi atribuída à Justiça Comum.

(...).

(STJ, Primeira Seção. CC 145.847/RJ. Rel. min. Mauro Campbell Marques. Julgamento em 23/11/2016. DJe de 01/12/2016. Julgamento unânime).

No caso julgado, tratou-se de um ato administrativo do prefeito para restringir direito dos servidores municipais, caracterizando um litígio de natureza jurídico-administrativa.

Considerando que as ACPs objeto deste estudo versam sobre o cumprimento de deveres por parte de autoridades da Inspeção do Trabalho, e dado que esses deveres fazem parte da matriz normativa de natureza jurídico-estatutária ou jurídico-administrativa, então incidem os efeitos da ADI 3.395, de modo que a causa de pedir e os pedidos devem ser julgados pela Justiça Federal.

Sobre o autor
José Adelar Cuty da Silva

Auditor-Fiscal do Trabalho, aposentado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, José Adelar Cuty. Impossibilidade jurídica de sentença mandamental da Justiça Trabalhista para adequar condutas funcionais de autoridades da Inspeção do Trabalho e do Ministério do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5029, 8 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56979. Acesso em: 22 nov. 2024.

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