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As diretivas antecipadas de vontade na jurisprudência brasileira

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Agenda 15/04/2017 às 10:00

III – Entendimento jurisprudencial

Para a efetivação deste estudo, a pesquisa realizada abrangeu 26 (vinte e seis) Tribunais Estaduais do Brasil, além daquele do Distrito Federal, totalizando 27 (vinte e sete) Tribunais Estaduais. Também foram verificados os 5 (cinco) Tribunais Regionais Federais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, implicando na pesquisa em 34 (trinta e quatro) Tribunais brasileiros, inferiores e superiores, de pequeno, médio e grande porte.

Os verbetes que foram pesquisados, sempre utilizando as ferramentas de busca específicas dos sites de cada Tribunal, compreenderam: “diretivas antecipadas de vontade”, “testamento vital”, “mandato duradouro”, “ortotanásia”, “resolução 1805 Conselho Federal de Medicina” e “resolução 1995 Conselho Federal de Medicina”, sendo que a pesquisa ocorreu entre os meses de abril e outubro de 2016.

Considerando todo o sistema jurídico informatizado disponível para consulta, a quantidade de decisões que contemplaram o objeto desta pesquisa é ínfima. Além daquelas duas decisões já relacionadas, ambas da Justiça Federal de Goiás, foram encontrados somente outras 3 (três) decisões, todas provenientes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e em todas as medidas judiciais a instituição de saúde promoveu a demanda judicial, com o intuito de fazer valer seus direitos, pois tinha em seu leito paciente que, cientificado de sua situação, decidiu pela recusar em submeter-se a tratamento e/ou procedimento, optando apenas por cuidados paliativos, deixando os profissionais de saúde inseguros e inquietos quanto às possíveis implicações jurídicas consequentes pela não aceitação de tratamento e/ou procedimento. A busca, pela via judicial, da chancela do Estado, se deveu à necessidade de se precaver ante eventual responsabilização criminal, administrativa e, por consequência, indenizatória.

Com a análise das decisões encontradas, pode-se constatar que as ações propostas versavam sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, manifestadas na modalidade verbal, com o paciente no leito hospitalar, embora enquanto os pacientes ainda se encontravam lúcidos e conscientes. Necessário, então, assegurar a verossimilhança da declaração, para evitar a insegurança jurídica e a responsabilização do profissional da saúde.

As questões centrais, de forma genérica, diziam respeito à inexistência de Diretivas Antecipadas de Vontade expressas, na modalidade testamento vital ou na legitimidade do representante no mandato duradouro. Em nenhum caso houve a contestação de algum documento prévio formalizado.

Ao que tudo indica, o Poder Judiciário reconheceu a autonomia da vontade de cada paciente, desde que em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Na discussão de mérito, foi reconhecido o testamento vital expressado, mesmo que de forma verbal, pelo paciente e confirmado e relatado pelo profissional médico, uma vez que nas medidas judiciais foram juntadas provas documentais que demonstravam a plena capacidade de autodeterminação do paciente, acolhida e respeitada pelo Poder Judiciário.

Assim sendo, mesmo que de forma sucinta, são expostos os únicos 3 (três) Acórdãos prolatados pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande de Sul, onde houve o reconhecimento da autonomia da vontade do paciente em suas Diretivas Antecipadas de Vontade.

A primeira decisão, da qual ainda pende um Recurso Extraordinário, trata, in concreto, de paciente do sexo feminino que deu entrada em entidade hospitalar, com quadro severo de descompensação secundária e insuficiência renal, edema agudo de pulmão, apresentando-se como responsável o neto, o qual foi cientificado da necessidade de realização de hemodiálise.

Ocorre que o filho da paciente se apresentou posteriormente como responsável e negou a realização do procedimento arguindo que seria a vontade de sua mãe.  Diante do descompasso entre o filho e o neto, a entidade hospitalar pleiteou autorização judicial para realizar o procedimento de hemodiálise sob pena de morte da paciente.

Em primeira instância o pedido foi negado, havendo Recurso de Apelação da entidade, com manutenção da negativa, sob o argumento de que o princípio da dignidade da pessoa humana é princípio soberano e se sobrepõe até aos textos normativos, seja qual for sua hierarquia, além do que o desejo de ter a “morte no seu tempo certo”, evitados sofrimentos inúteis, não pode ser ignorado. In casu, a vontade da paciente em não se submeter à hemodiálise, de resultados altamente duvidosos, afora o sofrimento que lhe impõe, traduzida na declaração do filho, há de ser respeitada. Ademais, não se constatou, nos autos, nenhum impedimento que deixasse de validar a manifestação de vontade do filho, por sua mãe.

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Perceba-se que o filho manifestou a vontade da mãe, embora primariamente o neto acompanhava a paciente (avó). Tal precedência foi observada em virtude das disposições do Código Civil, no que tange à sucessão, haja vista que o filho é o primeiro na linha de sucessão, enquanto o neto seria o segundo na ordem sucessória.

Embora neste caso concreto ainda não havia entrado em vigor o código de ética médica atual, já estava em vigor a Resolução n. 1805, do Conselho Federal de Medicina, que não tratava especificamente sobre diretivas antecipadas de vontade, mas sobre ortotanásia. A fundamentação da decisão, conforme se verifica com a transcrição da ementa[27], se pautou no princípio da autonomia da vontade da paciente:

CONSTITUCIONAL. MANTENÇA ARTIFICIAL DE VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PACIENTE, ATUALMENTE, SEM CONDIÇÕES DE MANIFESTAR SUA VONTADE. RESPEITO AO DESEJO ANTES MANIFESTADO. Há de se dar valor ao enunciado constitucional da dignidade humana, que, aliás, sobrepõe-se, até, aos textos normativos, seja qual for sua hierarquia. O desejo de ter a "morte no seu tempo certo", evitados sofrimentos inúteis, não pode ser ignorado, notadamente em face de meros interesses econômicos atrelados a eventual responsabilidade indenizatória. No caso dos autos, a vontade da paciente em não se submeter à hemodiálise, de resultados altamente duvidosos, afora o sofrimento que impõe, traduzida na declaração do filho, há de ser respeitada, notadamente quando a ela se contrapõe a já referida preocupação patrimonial da entidade hospitalar que, assim se colocando, não dispõe nem de legitimação, muito menos de interesse de agir. (Apelação Cível Nº 70042509562, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 01/06/2011).

Passados pouco mais de dois anos, o tribunal gaúcho novamente decidiu uma demanda judicial similar, na qual um paciente do sexo masculino, com 79 anos de idade, se encontrava com severas complicações, como emagrecimento progressivo e anemia acentuada, resultante do direcionamento da corrente sanguínea para a lesão tumoral, motivo pelo qual necessitava amputar um membro inferior, sob pena de morte por infecção generalizada.

Ocorre que o paciente se recusava a prestar-se ao procedimento amputatório e, assim, o médico da entidade hospitalar buscou auxílio do Ministério Público para ingressar com medida judicial, requerendo a expedição de alvará autorizando a amputação do membro. Em primeira instância o pedido foi negado, tendo o Ministério Público recorrido ao Tribunal de Justiça.

Em segunda instância, com decisão já transitada em julgado, os Desembargadores confirmaram a negativa, sob o fundamento de que, conforme laudo psicológico, o paciente desejava morrer para aliviar seu sofrimento. Além disso, havia laudo comprovando que o paciente estava em pleno gozo de suas faculdades mentais, asseverando, a decisão, que o Estado não pode invadir o corpo da pessoa e realizar procedimento mutilatório impositivo. O direito à vida deve ser combinado com o da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição Federal, em consonância com o já mencionado art. 15, do Código Civil, que assegura ao paciente não ser submetido a procedimento com risco de vida.

Os Desembargadores, por unanimidade, entenderam, de acordo com a norma posta e com a Resolução n. 1995, do Conselho Federal de Medicina, que a autonomia da vontade da pessoa deve ser levada em consideração, mesmo com o risco da própria vida, em consonância com o que prescreve o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, pois de nada adianta a vida com sofrimento, haja vista que a pessoa deve gozar de sua vida apenas se houver dignidade para tanto.

Na questão sub examen houve novamente a ratificação judicial do testamento vital. Embora em se tratando de pessoa idosa, que tem tratamento diferenciado em norma especial – Lei n. 10.741, de 1º de outubro de 2003, isso não lhe retira a personalidade e a legitimidade, sendo-lhe vedada a manifestação de sua autonomia da vontade somente se for declarado incapaz em procedimento judicial adequado.

No Acórdão, houve o reconhecimento do testamento vital do paciente, em consonância com a Resolução n. 1995, do Conselho Federal de Medicina, no sentido de assegurar-lhe o direito de não ser submetido a tratamento indesejado, garantindo-se-lhe o procedimento da ortotanásia para que tivesse uma morte natural, conforme se verifica da ementa[28]:

APELAÇÃO CÍVEL. ASSISTÊNCIA À SAÚDE. BIODIREITO. ORTOTANÁSIA. TESTAMENTO VITAL. 1. Se o paciente, com o pé esquerdo necrosado, se nega à amputação, preferindo, conforme laudo psicológico, morrer para "aliviar o sofrimento"; e, conforme laudo psiquiátrico, se encontra em pleno gozo das faculdades mentais, o Estado não pode invadir seu corpo e realizar a cirurgia mutilatória contra a sua vontade, mesmo que seja pelo motivo nobre de salvar sua vida. 2. O caso se insere no denominado biodireito, na dimensão da ortotanásia, que vem a ser a morte no seu devido tempo, sem prolongar a vida por meios artificiais, ou além do que seria o processo natural. 3. O direito à vida garantido no art. 5º, caput, deve ser combinado com o princípio da dignidade da pessoa, previsto no art. 1º, III, ambos da CF, isto é, vida com dignidade ou razoável qualidade. A Constituição institui o direito à vida, não o dever à vida, razão pela qual não se admite que o paciente seja obrigado a se submeter a tratamento ou cirurgia, máxime quando mutilatória. Ademais, na esfera infraconstitucional, o fato de o art. 15 do CC proibir tratamento médico ou intervenção cirúrgica quando há risco de vida, não quer dizer que, não havendo risco, ou mesmo quando para salvar a vida, a pessoa pode ser constrangida a tal. 4. Nas circunstâncias, a fim de preservar o médico de eventual acusação de terceiros, tem-se que o paciente, pelo quanto consta nos autos, fez o denominado testamento vital, que figura na Resolução nº 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina. 5. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70054988266, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em 20/11/2013).

Por fim, no ano de 2015, uma unidade hospitalar interpôs Recurso de Agravo de Instrumento, também com decisão já transitada em julgado, tendo em vista a negativa de liminar que negou provimento a autorização de procedimento cirúrgico em paciente do sexo masculino que se recusou a passar por procedimento cirúrgico com urgência, o que foi ratificado por sua madrasta.

O paciente necessitava realizar uma laparotomia[29], que segundo o corpo médico, se não fosse realizada com urgência, causaria a morte do paciente devido à gravidade do quadro. Ocorre que o paciente se recusava a passar para a maca do centro cirúrgico e manifestou-se pela não realização do procedimento. Em decisão monocrática, o magistrado manteve a decisão de primeira instância e negou provimento ao Recurso de Agravo de Instrumento, fundamentando a decisão na lucidez, orientação e consciência do paciente, bem como no total conhecimento da gravidade do quadro e das consequências em não se submeter ao procedimento cirúrgico.

Além disso, a madrasta do paciente assinou termo de responsabilidade e recusa do procedimento, embora a esposa do paciente discordasse. O julgamento também considerou a Resolução n. 1995, do Conselho Federal de Medicina, esclarecendo que o direito à vida não é absoluto e que deve prevalecer a vontade consciente do paciente, observando-se o já mencionado art. 15, do Código Civil.

Verifica-se, no caso concreto, o respeito do Poder Judiciário ao reconhecimento das Diretivas Antecipadas de Vontade, uma vez que entendeu-se que, in casu, foi realizado o testamento vital, embora no leito hospitalar, em prontuário médico, na forma verbal, além da utilização do mandato duradouro, onde a madrasta do paciente se manifestou pelo paciente, subscrevendo termo de compromisso, eximindo a entidade hospitalar e seus profissionais de qualquer eventual responsabilidade. Importante salientar que o profissional médico ficou resguardado e não infringiu seu código de ética, pois houve o respaldo da vontade do paciente em se recusar a receber tratamento, estando no uso e gozo de suas faculdades mentais.

Uma problemática que deve ser levada em consideração na discussão acerca do mandato duradouro, diz respeito ao interesse da parte outorgada em relação a interesses secundários em detrimento da morte do paciente. Em outras palavras, trata-se de situação peculiar na qual pode haver conflitos de interesses de ordem patrimonial, em caso de sucessão. Por isso, ressalta-se a importância em se fazer um testamento vital de forma adequada, quando o testamentário – ou paciente – demonstra sua livre e espontânea vontade.

No decisum, verifica-se que a autonomia da vontade do paciente foi a tônica, em conjunto com preceitos constitucionais e a Resolução n. 1905, do Conselho Federal de Medicina, conforme ementa[30]:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. DIREITO À SAÚDE. AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. NEGATIVA DO PACIENTE. NECESSIDADE DE SER RESPEITADA A VONTADE DO PACIENTE. 1. O direito à vida previsto no artigo 5º da Constituição Federal não é absoluto, razão por que ninguém pode ser obrigado a se submeter a tratamento médico ou intervenção cirúrgica contra a sua vontade, não cabendo ao Poder Judiciário intervir contra esta decisão, mesmo para assegurar direito garantido constitucionalmente. 2. Ademais, considerando que "não se justifica prolongar um sofrimento desnecessário, em detrimento à qualidade de vida do ser humano", o Conselho Federal de Medicina (CFM), publicou a Resolução nº 1.995/2012, ao efeito de dispor sobre as diretivas antecipadas de vontade do paciente, devendo sempre ser considerada a sua autonomia no contexto da relação médico-paciente. 3. Hipótese em que o paciente está lúcido, orientado e consciente, e mesmo após lhe ser explicado os riscos da não realização do procedimento cirúrgico, este se nega a realizar o procedimento, tendo a madrasta do paciente, a seu pedido, assinado termo de recusa de realização do procedimento em questão, embora sua esposa concorde com a indicação médica. 4. Por essas razões, deve ser respeitada a vontade consciente do paciente, assegurando-lhe o direito de modificar o seu posicionamento a qualquer tempo, sendo totalmente responsável pelas consequências que esta decisão pode lhe causar. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (Agravo de Instrumento Nº 70065995078, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sergio Luiz Grassi Beck, Julgado em 03/09/2015).

Verificou-se na pesquisa somente estas três decisões envolvendo as Diretivas Antecipadas de Vontade, além de outras duas, decorrentes de Ações Civis Públicas promovidas pelo Ministério Público Federal, estando clara a observância da autonomia da vontade de cada paciente, bem como a constitucionalidade das Resoluções ns. 1805 e 1995, do Conselho Federal de Medicina.

Sobre os autores
Fabio Massaroli

Graduado Direito pela Unoesc - Joaçaba; Tecnologo em Serviços Jurídicos e Notariais, pelo Centro Universitário Internacional - UNINTER,

Roni Edson Fabro

Mestre em Direitos Fundamentais Civis pela Universidade do Oeste de Santa Catarina de Chapecó; Mestre em Relações Internacionais para o Mercosul pela Universidade do Sul de Santa Catarina; Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade do Contestado; Especialista em Direito Civil pela Universidade do Oeste de Santa Catarina; Professor e Pesquisador do Curso de Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC Joaçaba(SC); Advogado; Orientador da pesquisa efetuada com bolsa de pesquisa proveniente dos recursos do art. 170, da Constituição do Estado de Santa Catarina, conforme Edital n. 06/UNOESC-R/2016 (Abre processo de seleção para a concessão de bolsas de pesquisa do Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina – UNIEDU), de 17 de fevereiro de 2016.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASSAROLI, Fabio; FABRO, Roni Edson. As diretivas antecipadas de vontade na jurisprudência brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5036, 15 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57045. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Pesquisa efetuada com bolsa de pesquisa proveniente dos recursos do art. 170, da Constituição do Estado de Santa Catarina, conforme Edital n. 06/UNOESC-R/2016 (Abre processo de seleção para a concessão de bolsas de pesquisa do Programa de Bolsas Universitárias de Santa Catarina – UNIEDU), de 17 de fevereiro de 2016.

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