IV – Considerações finais
A pesquisa envolveu a persecução das Diretivas Antecipadas de Vontade e suas implicações jurisprudenciais em 34 (trinta e quatro) Tribunais brasileiros, utilizando-se verbetes específicos, com ferramentas próprias de busca.
Foram encontradas 5 (cinco) decisões sobre o tema, sendo duas decisões decorrentes de questionamentos acerca da constitucionalidade e legalidade das Resoluções ns. 1805 e 1995, do Conselho Federal de Medicina, ambas da Justiça Federal de Goiás e do Tribunal Federal Regional da 1ª Região, além de outras três, todas do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Considerando-se a importância das Diretivas Antecipadas de Vontade, especialmente por envolver a vida humana, também entendeu-se a necessidade de sua definição e conceituação, incluída a ortotanásia, o testamento vital e o mandato duradouro.
A percepção é que ainda há poucas demandas judiciais que versem sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, pois se trata de instituto inovador, que vem emergindo paulatinamente. Nas decisões encontradas e estudadas, verificou-se que o Poder Judiciário vem assegurando com veemência o direito constitucional da dignidade da pessoa humana no que se refere à autonomia da vontade do(a) paciente, uma vez assegurada a manifestação de vontade do(a) paciente em detrimento do direito à vida, podendo o(a) paciente dispô-lo, como bem entender, desde que não interfira no direito de outrem.
Observou-se também que as demandas judiciais foram propostas, se não pelo Ministério Público Federal – Ações Civis Públicas, por entidades hospitalares que buscaram a chancela do Estado para realizar determinado procedimento, necessário para salvar a vida do(a) paciente, buscando com isso eximir-se de eventual responsabilidade penal, administrativa e de reparação civil.
O tema proposto é instigante, pois se trata de uma lacuna no ordenamento jurídico brasileiro, pois não há legislação específica. Há, desta forma, certa insegurança jurídica, uma vez que se questiona qual seria a relevância e a prevalência do instituto da autonomia da vontade, quando confrontado com os demais princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, o direito à liberdade e à vida, tal qual os arts. 1º, III e 5º, caput, incisos II e III, ambos da Constituição Federal.
Assim, pode-se afirmar que a Constituição Federal assevera o princípio da proteção à vida, como sendo o preponderante em relação aos demais. Contudo, o que fazer quando o(a) paciente opta por testar sua vontade e abreviar seu sofrimento? A Constituição Federal, em conjunto com o Código Civil, assevera que o direito à vida não é absoluto, conforme dicção do já mencionado art. 5º, II e III, da Constituição Federal e também dos art. 11 e 15, ambos do Código Civil.
Percebe-se, então, uma certa antinomia entre normas, mesmo que observada a hierarquia legal, uma vez que a Constituição Federal em vigor assegura a vida enquanto no Código Civil se encontra assegurado o direito à disposição sobre o próprio corpo, restando demonstrado que as normas facultam, em tese, o respeito à autonomia da vontade, garantindo que ninguém será obrigado a fazer o que não estiver previsto em lei. Neste sentido, não haveria motivos para se rejeitar as Diretivas Antecipadas de Vontade, haja vista que sua aceitação está assentada nos princípios da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade.
A Resolução n. 1995, de 9 de agosto de 2012, do Conselho Federal de Medicina, determina que a autonomia da vontade do(a) paciente deve ser respeitada e, embora garantidos constitucionalmente os institutos que assegurem a liberdade, dignidade, vida e autonomia da vontade, é necessária uma compreensão jurisdicional que demonstre qual princípio deve prevalecer, uma vez que no caso concreto, em determinados casos, poderá ocorrer a busca jurisdicional requerendo assegurar o direito de exercício de um direito e a análise, no mais das vezes, não poderá aguardar o trâmite judicial, sob pena de se estar ferindo o princípio da dignidade humana, uma vez que o paciente estará refém de sua própria doença e, no mais das vezes, em fase final de vida.
Portanto, verifica-se possível dispor do próprio corpo com a utilização das Diretivas Antecipadas de Vontade, conforme a pesquisa jurisprudencial efetuada, em que pese não haver norma específica no ordenamento jurídico brasileiro, excetuando-se as Resoluções ns. 1805 e 1995, ambas do Conselho Federal de Medicina, observantes dos preceitos constitucionais, que possibilitam ao profissional médico que acate à vontade do(a) paciente.
As decisões que foram trazidas à colação não trataram de medidas judiciais destinadas a validar a autonomia da vontade do paciente em não se submeter a tratamento considerado indigno ou que provocasse mais sofrimento ou, ainda, questionando a validade ou legalidade de algum documento específico, mas de ações judiciais promovidas por entidades de saúde com o intuito de evitar futuras demandas judiciais de cunho criminal e reparatório, além daquela do âmbito administrativo.
O entendimento dos tribunais, até então, assegura ao(à) paciente o direito ao exercício da autonomia da vontade, legitimando o(a) paciente para que faça uso de sua autonomia, via Diretivas Antecipadas de Vontade, uma vez que não se afigura razoável a aplicação de sanção ao profissional médico e à entidade de saúde que realizar tratamento e/ou procedimento requerido (ou não) pelo(a) próprio(a) paciente.
V – Referências
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