Sumário: 1. Introdução. 2. O julgamento justo como garantia fundamental individual. 2.1. Princípios do processo penal e o alcance de um julgamento justo. 2.2. Ponderação de princípios: publicidade e privacidade. 3. Julgamentos midiáticos. 3.1. Exposição dos casos concretos. 3.2. O poder de persuasão midiática no júri. 4. Ativismo judicial penal e o direito a um julgamento justo – fair trial. 5. Considerações finais. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A massificação e a midiatização dos casos criminais, expostos em jornais, em sítios eletrônicos e em redes sociais da rede mundial de computadores, despertou a indagação acerca da influência da mídia no Estado-Juiz.
Indagar-se-á se há critérios seguros de ponderação hermenêutica para a solução do conflito aparente entre o interesse público primário na publicidade processual penal e o princípio do devido processo legal, especialmente o princípio da imparcialidade, da presunção de inocência, da privacidade e outros correlatos que se constituem em garantias fundamentais individuais. Discorrer-se-á acerca das possíveis consequências para o processo e para o réu decorrentes de julgamentos midiáticos ou, por outro lado, da restrição à irrestrita e ampla publicidade.
É notória a crise de credibilidade ética e jurídica das instituições e órgãos estatais, desde o legislativo, passando pelos órgãos de investigação e de acusação, até o judiciário e os órgãos encarregados da execução das penas, o que contribui para a fragilização do devido processo legal e para o aumento do voluntarismo institucional – não só por parte do judiciário, mas também do Ministério Público e dos órgãos de Polícia – caracterizando um verdadeiro ativismo dos órgãos encarregados da persecução penal como meio de defesa da eficiência e combate à impunidade.
Por essa razão, serão expostos os princípios norteadores do Processo Penal, precipuamente do princípio do devido processo legal e da publicidade. Nesse ponto, realizar-se-á um estudo acerca da ponderação de princípios, à luz do garantismo penal integral, teoria decorrente da Constituição Federal de 1988.
Notadamente em relação a julgamentos realizados pelo júri, serão expostos alguns dos instrumentos por meio dos quais o ordenamento jurídico brasileiro realiza a tentativa de neutralizar a influência de fatores extraprocessuais na imparcialidade do corpo de jurados.
2. O JULGAMENTO JUSTO COMO GARANTIA FUNDAMENTAL INDIVIDUAL
A partir do momento em que o Poder Legislativo elabora leis de conteúdo penal, por meio das quais descreve uma conduta considerada criminosa e a ela comina uma pena, surge para o Estado, contra aquele que praticou essa conduta, o dever de investigar e punir (persecutio criminis) o agente infrator da lei.
É necessária, para tanto, a existência de meios, os quais se encerram no processo penal.
Não obstante, a fim de limitar o poder estatal, evitando abusos eventualmente praticados pelo Estado-Acusador, permeiam o processo penal diversos princípios garantidores de direitos ao réu, os quais devem ser sopesados com aqueles instituídos para a garantia da efetivação da pretensão punitiva do Estado.
Importante salientar, desde já, que o direito a um julgamento justo não se confunde com impunidade. O referido direito se consubstancia, essencialmente, na observância dos limites impostos pelo Estado Democrático de Direito, dentre os quais, destacam-se: o princípio da legalidade e seus subprincípios – taxatividade, anterioridade e reserva legal.
Desse modo, segundo o modelo normativo de direito, assentado nos princípios fundantes do garantismo penal integral, o julgamento justo resulta da equivalência entre a hipótese e a consequência normativamente previstas. Outros efeitos que não estejam previstos no ordenamento jurídico extrapolam as bases de um julgamento justo, à medida que violam direitos sem previsão normativa.
2.1 Princípios do Processo Penal e o Alcance de Um Julgamento Justo
Dentre uma série de princípios norteadores do processo penal, destaco, nesta oportunidade, os princípios da presunção de inocência, do devido processo legal, da publicidade, da privacidade e da imparcialidade do julgador.
O princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, previsto no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, garante que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Consoante Renato Brasileiro de Lima, referido princípio não era expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro até a promulgação da Constituição Federal de 1988, antes disso, era decorrência do princípio do devido processo legal1. Oportuniza-se, assim, ao acusado, a produção de todos os meios de provas para a viabilização de sua defesa, para, só então, ser julgado, garantindo-se a ele também o julgamento por um juiz imparcial e o duplo grau de jurisdição.
O princípio da não culpabilidade, conforme lições doutrinárias de Renato Brasileiro de Lima, pode ser desdobrado em duas regras: a regra probatória ou in dubio pro reo e a regra de tratamento. Segundo a regra probatória, cabe ao órgão acusador o ônus de demonstrar a culpabilidade do acusado, comprovando a existência dos fatos e que o acusado é o seu autor. Havendo dúvida razoável, a sentença deverá favorecer o imputado. Já consoante a regra de tratamento, é vedado ao Estado agir em relação ao investigado ou acusado como se condenado fosse, até que sobrevenha sentença penal condenatória transitada em julgado2.
Logo, em um Estado Democrático de Direito, deve prevalecer a incerteza e, consequentemente, a absolvição do acusado, pautada na máxima efetividade dos direitos fundamentais, vedando-se, assim, excessos de poder.
O devido processo legal, previsto no artigo 5º, LIV, da Constituição Federal possui supedâneo no Direito anglo-saxão e estava previsto na Magna Carta, de 1215, outorgada por João Sem Terra, na Inglaterra. Era nominado, inicialmente, segundo Antonio Scarance Fernandes, como law of the land e, em textos posteriores, passou a ser taratado como due process of law3.
O devido processo legal forma a base principiológica do Direito Processual e é manifestado nos princípios do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural, dentre outros.
Ainda consoante Scarance, em um primeiro momento, predominou uma visão individualista no devido processo legal, o qual objetivava assegurar os direitos subjetivos das partes. Já em um segundo momento, passou o devido processo legal a assumir uma ótica publicista, passando-se a entendê-lo como garantia e não apenas como princípio4.
Ainda, referida garantia não somente possui uma faceta processual, mas também possui cunho substancial, exigindo-se que a produção de normas pelo Poder Legislativo atenda à razoabilidade, evitando-se o abuso do poder pelo Estado e a proteção deficiente dos bens jurídicos.
Fala-se ainda, mais especificamente, no devido processo penal, “que examina as mesmas garantias do devido processo legal em face do processo penal”5.
O princípio da publicidade encontra lugar na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, LX. Referida garantia, também prevista no artigo 792 do Código de Processo Penal, assegura a transparência dos atos jurisdicionais, possibilitando-se a fiscalização pelas partes e pela sociedade, como decorrência do princípio democrático6. Da mesma forma, prevê a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Decreto 678/92, artigo 8º, §5º).
Não obstante, como toda garantia, a publicidade não possui caráter absoluto e, no caso concreto, pode ser relativizada, para a proteção da intimidade ou quando o interesse social o exigir, bem como para a defesa da intimidade, à segurança da sociedade ou para evitar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, exceções essas previstas nos artigos 5º, XXXIII e LX, e 93, IX, da Constituição Federal e 792, §1º, do Código de Processo Penal.
Conforme Antonio Scarance Fernandes:
Deve-se evitar a publicidade sensacionalista, como as transmissões de julgamentos por rádio ou televisão. Expõe demasiada e desnecessariamente os protagonistas da cena processual ao público em geral e causa constrangimento ao acusado, à vítima e às testemunhas.7
Já o princípio da privacidade, previsto no artigo 5º, X, da Constituição Federal, trata-se de um conjunto de informações acerca do indivíduo, de sua vida privada e da personalidade. Cabe a ele decidir se dará ou não publicidade a essas informações.
Consoante José Afonso da Silva, o direito à privacidade possui um conceito amplo, genérico, abarcando todas as manifestações da esfera íntima. Da mesma forma, conforme o autor, sua inviolabilidade também é ampla, abrangendo a imagem, pensamentos, vida doméstica, bem como o direito de estar só (Right to be alone)8
De outro lado, pelo princípio do juiz natural, garante-se que o indivíduo seja julgado por autoridade cuja competência já tenha sido, previamente ao fato, fixada na Constituição, evitando-se os tribunais de exceção9
Já o princípio da imparcialidade do juiz, conforme Eugênio Pacelli de Oliveira, é consequência da adoção pelo Brasil de um sistema processual penal acusatório, em oposição a um modelo processual inquisitivo, revelando-se, assim, uma preocupação com as condições pessoais do magistrado e a influência destas no ato de julgar determinado caso concreto. Surgem, para tanto, os impedimentos, incompatibilidades e suspeições.
Logo, para o alcance de um justo processo, necessária a observação do devido processo legal, garantia que traz em seu arcabouço princípios norteadores do processo penal, como forma de assegurar não só um julgamento transparente para as partes e para a sociedade em geral, mas também como garantia ao réu de que seus direitos individuais fundamentais sejam estritamente observados, evitando-se abusos pelo Estado.
2.2 Ponderação de Princípios: Publicidade e Privacidade
Consoante acima narrado, o princípio da publicidade objetiva conferir à sociedade e às partes do processo um julgamento transparente, evitando-se a realização de julgamentos sigilosos, como ocorria na época do regime militar e em Estados autoritários, os quais não se submetem ao escrutínio da opinião pública.
De outro norte, encontra-se previsto também na Constituição Federal o princípio da privacidade, garantindo ao indivíduo que seja mantida em segredo sua vida privada.
Tratando-se de dois princípios, os quais são dotados de abstração e plasticidade, não raro, no caso concreto, estes se entrechocam, apesar de válidos, cabendo a realização de uma ponderação de valores, a fim de averiguar-se naquele caso concreto qual seria preponderante.
Consoante Walter Claudius Rothenburg: “(...) uma dada situação, cuja tese suscita a incidência de mais de um princípio, pode desafiar a aplicação de apenas um (o preponderante, o mais importante no caso), determinando o afastamento somente circunstancial dos demais.10”
Assim, no caso concreto, a ampla publicidade conferida ao processo poderá atingir a vida privada do acusado ou mesmo da vítima, notadamente considerando a modernização dos meios de comunicação, principalmente por meio da rede mundial de computadores, através dos quais a notícia é levada à sociedade com toda a rapidez que demanda o mundo moderno.
Não se deve olvidar ainda os princípios da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, os quais também são expressões do Estado Democrático de Direito, previstas no artigo 220 da Constituição Federal.
Insta salientar neste ponto, a necessidade de conscientização reflexiva a respeito do modelo garantista de Direito Penal existente e difundido no Brasil, bem como a percepção social entre juristas e sociedade em geral acerca do conceito deste modelo. Isto é: a atividade de ponderação conciliatória em relação a conflito aparente de direitos fundamentais, neste caso, exige a consciência do ponto de partida e do ponto aonde se pretende atingir. Ou seja, a consciência clara das premissas e conclusões, antecedente e conseqüente.
A Constituição Federal de 1988, fruto do movimento de redemocratização no país, após a experiência amarga de longo período autoritário, cuja marca maior foi a violação a direitos fundamentais individuais, tal como ocorrido na Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, Argentina e Chile, trouxe, assim, um modelo de Direito Penal e Processual Penal garantista.
Diante desse cenário, difundiu-se uma teoria de garantismo penal voltada exclusivamente ao réu – garantismo monocular hiperbólico – justificada sob a premissa equivocada de que do Estado Democrático de Direito deflui o referido modelo de garantismo, como se fosse inerente a sua natureza.
Entretanto, esta mesma Constituição previu direitos individuais, sociais e coletivos lato sensu, de modo que aquela é, na mesma medida, garantista em relação a estes últimos direitos.
Nesse sentido, esclarece Douglas Fischer.
É importante pontuar claramente que garantismo penal não é simplesmente legalismo, pois a teoria está calcada numa visão teórica de um direito próprio de um Estado Social e Democrático. É dizer: ao tempo em que também o investigado ou réu não pode ser mais visto como um objeto na instrução processual, e sim como um sujeito de direitos (referido aqui unicamente por esse prisma inicial do garantismo), a submissão do juiz à lei não mais é - como sempre foi pela visão positivista tradicional e ilustrada – à letra da lei (ou mediante sua interpretação meramente literal) de modo acrítico e incondicionado, senão uma sujeição à lei, desde que coerente com a Constituição (validade) vista como um todo. Sem exarar considerações críticas ou valorativas de nossa parte, ressalta-se que talvez por isso é que Prieto Sanchís defenda que a justiça constitucional verdadeiramente indispensável (especialmente em sede penal) não é do tribunal constitucional, mas da jurisdição ordinária.11
Ainda consoante Douglas Fischer, tanto os direitos fundamentais quanto os deveres do Estado e dos cidadãos devem ser observados. Assim:
Integralmente aplicado, o garantismo (positivo e negativo) impõe que sejam observados rigidamente não só os direitos fundamentais (do Estado e dos cidadãos), previstos na Constituição. O Estado não pode agir desproporcionalmente: deve evitar excessos sem a devida justificativa e, ao mesmo tempo, não incorrer em deficiências na proteção de todos os bens jurídicos, princípios, valores e interesses que possuam dignidade constitucional, sempre acorrendo à proporcionalidade quando necessária a restrição de algum deles. Qualquer pretensão à prevalência indiscriminada apenas de direitos fundamentais individuais implica – ao menos para nós – uma teoria que denominamos de garantismo (penal) monocular: evidencia-se desproporcionalmente (hiperbólico) e de forma isolada (monocular) a necessidade de proteção apenas dos direitos fundamentais individuais dos cidadãos, o que, como visto, nunca foi e não é o propósito do garantismo (penal) integral. 12
3. JULGAMENTOS MIDIÁTICOS
Na senda da ponderação dos princípios da publicidade do processo, da privacidade do acusado e da liberdade de imprensa, resta imperiosa a apresentação de casos criminais julgados no Brasil e que foram amplamente divulgados pela mídia, realizando-se a verificação das consequências para o julgamento do réu em face dessa irrestrita publicidade.
3.1 Exposição dos Casos Concretos
A modernização dos meios de comunicação e o fácil acesso à notícia, por meio não mais somente de jornais e revistas, mas também por sítios eletrônicos, blogs, redes sociais e aplicativos de smartphones, somados à existência de uma sociedade mais interessada nos acontecimentos de sua cidade, do país e do mundo, podem induzir ao denominado julgamento pela mídia.
A exploração pela imprensa de casos emblemáticos do Direito, tais como o maníaco do parque, Suzane Von Richthofen, o bandido da luz vermelha, Daniela Perez, o maníaco da cruz, Isabella Nardoni e Elisa Samúdio leva à árdua tarefa de se viabilizar uma conciliação entre a ampla publicidade e as consequências para um julgamento justo.
Nos referidos casos, os acusados dos crimes foram submetidos a julgamento pelo júri popular, notadamente nessa situação, indaga-se se seria possível a garantia de um julgamento que obedeça ao devido processo legal por seus pares, possivelmente influenciados pela própria mídia.
A questão debatida vai muito além de um mero debate teórico, o que se comprova pela existência de casos concretos, midiatizados, cujos efeitos endoprocessuais e extraprocessuais muitas vezes ultrapassam os limites da razoabilidade e os efeitos jurídicos que são próprios e inerentes ao devido processo legal.
Exemplo disso é o caso Isabella Nardoni. Trata-se do caso de uma menina de 5 (cinco) anos, Isabella de Oliveira Nardoni, a qual foi jogada do sexto andar de um edifício, e que teve o pai e a madrasta da vítima condenados por homicídio doloso qualificado13.
Referido caso foi amplamente divulgado pela imprensa, e os telejornais divulgaram, inclusive, simulações da forma como teria ocorrido o crime. Naqueles dias sombrios, os olhos da sociedade estavam voltados e intrigados com o caso, causando uma ampla comoção social.
Tendo em vista esse clamor popular, o advogado de defesa dos réus, Roberto Podval, teceu comentários acerca da missão que lhe foi dada, ponderando toda a cobertura dada pela mídia ao caso e a possibilidade de tal fato relativizar a neutralidade do corpo do júri14.
Para Podval, a solução seria a divulgação da sessão do julgamento pelo júri pela televisão, assim como ocorre nos julgamentos do Supremo Tribunal Federal. Para o advogado, caso a sessão houvesse sido televisionada, a população poderia ter tido a real impressão do julgamento. Segundo o mesmo causídico: “Quanto mais prejulgados forem os acusados, mais efetiva defesa merecerão”.15
Nessa esteira, acerca da liberdade de expressão e de imprensa e a colisão com o direito a julgamento justo, assim pontuou Simone Schreiber, também acerca do caso Nardoni:
Há assim possibilidade de que a liberdade de expressão sofra restrições, em situação de colisão com outros direitos fundamentais de igual hierarquia, como é o direito a um julgamento justo e imparcial. A colisão free press v. fair trial ocorre quando se verifica uma campanha midiática pela condenação da pessoa acusada, que impeça que o julgamento se dê em um ambiente de serenidade, com respeito ao devido processo legal. O julgamento do casal Nardoni é, sem dúvida, um bom exemplo de publicidade opressiva, dados a intensidade e o caráter prejudicial da cobertura jornalística do fato e o risco potencial de que tais reportagens possam interferir no resultado do julgamento.16
Ainda, Juarez Tavares, Geraldo Prado e Ademar Borges, tratando acerca da construção midiática de casos criminais, assim dispuseram:
A sensação gerada por um tal contexto é a de que se vive sempre um permanente estado de exceção, a justificar a cada dia uma nova e drástica medida capaz de controlar o incontrolável. E assim as garantias constitucionais do acusado podem correr grave risco de corrosão. A jurisdição criminal, especialmente quando desempenhada pelo STF, guardião da Constituição, deve resistir à tentação de ampliar seu apoio difuso por meio do alinhamento à opinião pública — geralmente correspondente à opinião publicada —, reafirmando a ideia de que um verdadeiro Estado Democrático de Direito é feito não só de responsividade aos anseios populares, mas também do respeito aos direitos e garantias fundamentais.17
Outro caso célebre e de grande repercussão na imprensa foi o caso Suzane von Richthofen. Trata-se do homicídio dos pais de Suzane, pelos irmãos Cravinhos, arquitetado por Suzane, juntamente com os Cravinhos. Suzane foi condenada a 39 (trinta e nove) anos de prisão em regime fechado.18
Nesse caso, atualmente, vê-se que, mesmo já em fase de execução da pena, a mídia permanece causando transtornos à condenada, consoante notícia divulgada em julho de 2016. Em virtude da excessiva publicidade conferida a sua vida e, a pedido da condenada, foi decretado o sigilo dos autos19.
No tocante ao caso do Maníaco do Parque, consoante Edilson Mougenot Bonfim, de acordo com pesquisas realizadas pelo IBOPE, é o mais conhecido caso criminal e, quando se fala em justiça criminal, seria o caso mais emblemático. Tratou-se do caso de um serial killer, a ele lhe tendo sido imputados os crimes de roubo, ocultação de cadáver, estelionato, estupro e atentado violento ao pudor e diversos homicídios qualificados20.
Assim narra Edilson Mougenot Bonfim acerca da massificação e divulgação do caso pela imprensa:
Meados de 1998. Jamais um caso fora tão glamourizado e nunca o imaginário popular estivera tão mobilizado e ávido por sensações. O tiroteio midiático, a superexposição de imagens, até a intimidade de quantos eram os protagonistas, atores ou testemunhas da história, rapidamente se devassava, tornando-se público. O suspeito dos crimes, de profissão “motoboy”, um patinador de talento, don juan de bairro, de fala fácil e sedutora, provocava o orgulho da polícia brasileira, escapando em fuga por diversos Estados. De São Paulo fora ao Mato Grosso do Sul, de lá ao Paraguai, rumando depois até Buenos Aires, na Argentina. Até que, dirigindo-se ao Sul do Brasil, foi identificado pelo pescador João Acrlos Dornelles Villaverde, de Itaqui – Rio Grande do Sul na fronteira com a Argentina – onde foi preso no dia 4 de agosto daquele ano.
Uma edição extraordinária da Rede Globo interrompia a programação e uma apresentadora do Jornal Nacional dava a notícia: “acaba de ser preso na cidade de Itaqui o motoboy Francisco de Assis Pereira, o homem mais procurado do Brasil” (...)21
Assim, vê-se que é realidade a massificação de diversos casos criminais, os quais são divulgados aos indivíduos que compõem a sociedade. Trata-se do exercício da liberdade de imprensa e do direito à informação, não só do direito de informar, mas também de um direito da sociedade de ser informada. Por isso, mais uma vez, deverão ser ponderados no caso concreto os interesses em voga, a fim se verificar o prevalente.
3.2 O Poder de Persuasão Midiática no Júri
Especificamente no caso de julgamentos realizados pelo júri, em casos de grande apelo popular, difícil seria para o jurado não se deixar influenciar pela mídia, geradora de apelo popular em crimes clamorosos.
A instituição do júri encontra previsão constitucional, no artigo 5º, XXXVIII, sendo assegurados a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Não se está aqui a defender o sigilo absoluto e inafastável de todo e qualquer caso, mas sim, de perquirir-se a busca de parâmetros que norteiem a decisão ponderadora dos interesses em conflito.
Vladimir Aras pondera, ao tratar acerca da possibilidade de renúncia ao julgamento pelo júri, tendo em vista a necessidade de conciliação entre o princípio da publicidade e garantia de um fair trial, que:
Sou plenamente favorável ao princípio da publicidade nas ações penais e julgamentos judiciais (art. 93, IX, da CF). No entanto, não estou seguro de que essa seria a solução para garantir julgamento justo (art. 8º, §1º, do Pacto de São José da Costa Rica) para acusados de crimes clamorosos. Ao contrário, nos Estados Unidos é comum que nos casos midiáticos haja restrição da publicidade, com a imposição de gag orders, a fim de que as partes e os jurados não relatem à imprensa fatos do julgamento.22
Acerca do duplo grau de jurisdição e do desaforamento do júri, institutos que estão previstos no ordenamento jurídico brasileiro justamente para robustecer o almejado fair trial, estes não são bastantes à plenitude da garantia de um julgamento justo.
No caso do desaforamento, em casos nos quais a comoção social quanto a determinado caso tomou proporções continentais, como nas situações acima citadas, não há garantia qualquer de que os jurados não se tenham influenciado pela comoção causada pelo show midiático.
Especificamente no que concerne ao duplo grau de jurisdição, a competência dos tribunais cinge-se, como regra, à cassação do veredicto, dando ensejo à submissão a novo júri, não podendo o tribunal, portanto, impor novo resultado de julgamento, cabendo ao novo júri o mister, mais uma vez, de condenar ou absolver o acusado.
Ao tecer comentários acerca da existência ou não de alternativas para se garantir o fair trial em júris midiáticos,Vladimir Aras traz algumas opções que são adotadas nos Estados Unidos:
No Brasil, esse tema é pouco estudado. Nos Estados Unidos, onde a tradição dos julgamentos pelo tribunal do júri é bastante arraigada, há uma série de medidas previstas em lei e inerentes ao próprio procedimento e outras que podem ser adotadas pelo juiz presidente (presiding judge) para evitar vícios no julgamento.
O primeiro desses procedimentos é o voir dire, expressão hoje entendida como to see them say, mas que na origem significava verum dicere (dizer a verdade). Trata-se de investigação preliminar sobre eventuais preconceitos ou pré-compreensões dos potenciais jurados, que habilitam as partes a realizar recusas motivadas. (...) No Brasil, não há nada semelhante. Entre nós, vigora o sistema de recusas peremptórias ou imotivadas, que podem ser de até três para o Ministério Público e a Defesa. Complementarmente ao voir dire, o direito dos EUA também admite essas recusas, lá chamadas de peremptory challenges.
Uma opção do juiz togado é impor sigilo absoluto sobre o processo, impedindo a acusação e a defesa de prestarem qualquer informação a quem quer que seja sobre o caso em julgamento. Esse é o propósito das gag orders, que não constituem censura.23
A fim de evitar colisão entre a garantia a um julgamento justo e a liberdade de imprensa, o autor Vladmir Aras conclui pela possibilidade de renúncia ao julgamento pelo tribunal do júri, apesar de tal opção não estar prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Ressalta que apesar de o tema ainda estar em discussão, nos casos em que os jurados possam ter sido influenciados pela mídia, relativizando a imparcialidade dos jurados, o acusado deve ter o direito a renunciar o julgamento feito pelo júri.24