3. AVALIAÇÃO AMBIENTAL ESTRATÉGICA.
Ao lado das estratégias de conscientização, orientação e auditoria, a responsabilidade ambiental precisará ser exercida desde o momento do planejamento estratégico dos governos. Assim, a implantação de um programa de Avaliação Ambiental Estratégica – AAE parece-nos o instrumento de planejamento capaz propiciar a avaliação de impactos ambientais, com visão estratégica para subsidiar o processo de tomada de decisão, auxiliando a integração ambiental e a avaliação de riscos e oportunidades de ação associadas, associadas ao desenvolvimento sustentável.
Consistira, na verdade, na avaliação da qualidade do meio ambiente, por meio de um procedimento sistemático e contínuo de alternativas de desenvolvimento com a elaboração de diagnósticos de referência, cenários tendenciais e propositivos – com análises e considerações estratégicas das alternativas para atingir os objetivos propostos, proposição de diretrizes de planejamento, monitoramento, gestão e avaliação concretizados diretamente pelo Poder Público ou em parcerias com a sociedade, nos casos de delegação da execução de serviços.
Embora timidamente tratada em nosso país, a AAE, que é aplicada com assaz regularidade fora das cercanias nacionais, mais do que prever a integração efetiva de considerações biofísicas, econômicas, sociais e políticas nos processos públicos e institucionais pode ser pensada como instrumento de política ambiental e, assim, auxiliar, antecipadamente, tomadores de decisões, a identificação de impactos e efeitos sinérgicos entre os setores envolvidos e a formular uma ação estratégica em prol da qualidade ambiental.
Por conseguinte, as atividades de planejamento ambiental e desenvolvimento dos setores econômicos, terão de instituir uma visão estratégica na elaboração de políticas públicas, apropriada ao ponto de auxiliar os setores e empreendedores na elaboração de projetos e, consequentemente, nos estudos ambientais e no processo de licenciamento ambiental, de modo a avaliar sistematicamente os impactos de suas ações nas múltiplas dimensões integradas (econômicas, sociais, ambientais, de infraestruturas, de informação, de ordenamento territorial, político institucionais, entre outras) e propor que ações sejam analisadas conjuntamente.
4. RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DO GESTOR PÚBLICO.
O gestor público deve atentar para sua responsabilidade ambiental, a ecoresponsabilidade. Ecoresponsável é o gestor que observa a tríplice legalidade, economicidade e eficiência na condução da atividade administrativa compatibilizando o atendimento ótimo às necessidades públicas com os impactos ambientais mínimos.
Portanto, a tutela do meio ambiente merece controle por parte dos tribunais de contas por se tratar, há tempos, não mais de proposta de determinados governos, mas de efetiva política dos estados nacionais, contemplada pelo ordenamento jurídico pátrio. A ideia hoje de um ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável não pode mais ser vista como uma opção aos gestores públicos.
Tanto as políticas direcionadas ao meio ambiente quanto a contabilização de ativos e passivos ambientais são de relevante interesse em matéria de controle de contas públicas. As atividades fiscalizadoras, além da eficiência, eficácia e economicidade da arrecadação e utilização dos recursos públicos, também irá averiguar suas consequências ambientais.
Nesse contexto, uma auditoria ambiental periódica, enquanto necessidade social, caminha para se tornar item obrigatório dos trabalhos de fiscalização exercidos pelos tribunais de contas. Porém, guardadas exceções, os trabalhos de fiscalização desenvolvidos na área, embora venham evoluindo, ainda se mostram bastante acanhados.
A par da regulamentação, a consciência ambiental, no Brasil, ainda precisa ser provocada, não sendo irrelevante dizer que essa provocação insere-se na seara da relevante atuação realizada pelos tribunais de contas (prévia, concomitante e posterior à prática da conduta administrativa).
Vale pontuar que a auditoria ambiental exige, certamente, que a equipe multidisciplinar de fiscalização detenha conhecimentos contábeis, financeiros, econômicos (tradicionais), aliados àqueles ambientais (específicos). Quando concretizada no âmbito da Administração Pública, esta auditoria nada mais é do que a verificação da compatibilidade da atividade estatal com a melhoria constante dos padrões ambientais desejados e prescritos pela legislação.
Algumas providências de efeitos imediatos, capazes de aperfeiçoar e amplificar a qualidade e a transparência das boas práticas ambientais, que poderiam passar a ser adotadas de modo padronizado pelas cortes de contas, são:
a) a exigência gradual da constituição de um sistema de gestão ambiental em cada esfera de governo;
b) a veiculação de informações sistemáticas sobre o impacto ambiental das atividades estatais (o que poderia ser integrado com os sistemas normalmente utilizados pelas próprias cortes de contas);
c) a evidenciação de informações ambientais em relatórios fiscais periódicos, a previsão de indicadores de impacto ambiental e de ecoeficiência em contratos e ajustes firmados;
d) a renovação da consciência legislativa e decorrente renovação e atualização da regulamentação, a posição pela implementação de certificações ambientais nos produtos e serviços adquiridos pelo Poder Público;
e) a permissão a incentivos fiscais a empresas ecoconscientes que apresentem preocupações e práticas sustentáveis, o licenciamento ambiental efetivo e o treinamento de jurisdicionados, bem como
f) a elaboração de manuais de boas práticas a serem fiscalizadas.
Nessa vereda, não se desconhece algumas práticas tão bem-vindas, como a do Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, no âmbito da auditoria ambiental preventiva, com a fiscalização no âmbito de aterros e da exigência de licenciamento ambiental em obras.
Afora isso, os tribunais de contas certamente dispõem de instrumentos para efetivação de uma política de fiscalização ambiental formal e material, contando com a possibilidade de composição de grupos de trabalho e de auditoria especializados; com a possibilidade de padronização e instituição de quesitos de fiscalização obrigatórios; e contando com órgãos técnicos como o Ministério Público de Contas que, a exemplo do Ministério Público extramuros – talvez uma das instituições sólidas mais ativas na defesa do meio ambiente que se conhece –, é perfeitamente qualificado para, no âmbito do controle de contas públicas, promover, desenvolver e intensificar o atendimentos à exigências legais sustentáveis.
Assim, de convir que a ação dos tribunais de contas se mostra capaz de contribuir decisivamente para dispersão do aprendizado ambiental e para o alcance do almejado desenvolvimento sustentável. Além disso, uma postura ativa e estruturada destes órgãos permitirá identificar e reduzir, ou mesmo prevenir, danos ambientais.
Como a fiscalização ambiental externa envolve todas as fases: orçamentária, financeira, patrimonial, contábil e operacional, a nosso ver, a percepção ambiental deve se iniciar desde o momento do orçamento, em sentido amplo.
Quando da formulação das leis orçamentárias o gestor público precisa atentar para a previsão de programas específicos voltados ao meio ambiente e para que os demais programas em geral estejam amoldados à percepção ambiental, seja por meio de ações ambientalmente corretas, seja por meio de previsão de indicadores que também admitam a mensuração dos impactos dessa natureza.
Formular a concessão de isenções e benefícios fiscais e financeiros também seria possível, desde que ocorra mediante um exame ponderado dos custos e benefícios sociais, além da legislação de regência, especialmente no âmbito da respetiva esfera de governo.
5. LICITAÇÕES AMBIENTALMENTE CORRETAS.
A interpretação conferida pelas Cortes de Contas à Lei de Licitações tem sido direcionada à garantia da ampla participação de interessados, de modo a promover a saudável disputa a culminar na escolha da melhor proposta para a coletividade. É uma posição imprescindível, calcada em decisões sempre bem fundamentadas.
No entanto, percebe-se que a sociedade e o meio ambiente clamam, cada vez mais, pela utilização de recursos públicos de modo sustentável, prestigiando a realização de licitações ambientalmente corretas.
Não é atoa que o artigo 3º, caput, da Lei de Licitações, passou a prescrever não apenas a seleção da proposta mais vantajosa para a administração, mas ainda a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. Além disso, segundo o artigo 12, inciso VII, do mesmo Diploma, o impacto ambiental é um dos requisitos a serem considerados nos projetos básicos e executivos de obras e serviços.
Aliás, pelo artigo 4º, inciso III, da referida Lei, nas licitações e contratos serão observados como diretrizes a busca da maior vantagem para a administração pública, considerando custos e benefícios, diretos e indiretos, de natureza econômica, social e ambiental, inclusive os relativos à manutenção, ao desfazimento de bens e resíduos, ao índice de depreciação econômica e outros fatores de igual relevância. A diretriz comunga do preceituado pelo artigo 170, inciso VI, da Constituição, ao ditar que um dos princípios que informa a ordem econômica é o da defesa meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.
A Lei Federal nº 12.305/2010 (Política Nacional de Resíduos Sólidos), fazendo jus à moderna perspectiva das licitações públicas, constou entre seus objetivos, conforme artigo 7º, a prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para produtos reciclados e recicláveis e para bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis. Isso sem falar na inserção, no ordenamento, do instrumento da logística reversa.
Desse modo, hoje, na formulação de editais de licitação, deve-se ponderar como admissíveis – porque não imprescindíveis –, alguns parâmetros ambientais, mesmo em fase de habilitação, como a exigência de certificados e licenças, o que indica a sensível percepção dos tribunais de contas para importância da matéria e que deverá intensificar-se nos próximos anos.
Conquanto ainda prevaleça que a inclusão do aspecto ambiental não deve ser realizada como condição de habilitação do certame, mas sim, na correta e motivada especificação do objeto, ao se incluir a variável ambiental quando da definição das características do bem a ser adquirido, descrevendo-a como qualidade do produto que a administração deseja comprar, deve-se começar a obtemperar sobre a real vantajosidade de prescrições como esta apenas da ambiência das contratações, e não das licitações propriamente ditas, e que precisam ser igualmente sustentáveis, permitindo-se exigências ambientais em etapas de participação, habilitação e classificação das propostas.
Porém, por óbvio, a inserção do aspecto ambiental nos instrumentos convocatórios deve ser realizada de forma objetiva, a torná-la passível de verificação, assim como proporcionar que o mercado a ele se ajuste, mas não pode deixar de ocorrer. Nesse sentido, a decisão monocrática no processo TC-003.405/2010-9, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler, de 24.02.2010:
“[...] Louvável a preocupação dos gestores em contratar empresas que adotem em seus processos produtivos práticas responsáveis ambientalmente. [...] a adoção dessas restrições ambientais deve se dar paulatinamente, de forma que os agentes do mercado possam se adaptar a essas novas exigências antes delas vigorarem plenamente. Caso contrário, estar-se-ia criando uma reserva de mercado para as poucas empresas que cumprirem de antemão essas exigências, implicando violação ao princípio constitucional da livre concorrência, maiores custos e reduzidas ofertas de produtos. [...]”