1. INTRODUÇÃO.
Temos que o Direito Ambiental está diretamente relacionado à vida e à saúde, dignas e com qualidade, para as pessoas das gerações presente e futura, contando com estrutura peculiar, que muitas vezes se sobrepõe a vetores ou bens jurídicos de outras searas, a fim de que estes observem a nova roupagem constitucional dada ao meio ambiente.
Mesmo porque, sendo um dos países que tem sob seu domínio territorial uma das maiores bases em biodiversidade da Terra, o Brasil não poderia estar de fora das mais recentes e relevantes discussões ambientais regionais e mundiais.
O tema meio ambiente não se tornou relevante para o Direito apenas após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, uma vez que, em verdade, sua importância e natureza diferenciadas são fruto histórico da evolução humana, assim como a própria ciência social do Direito.
O que fez a Carta Magna foi conferir-lhe uma roupagem mais consentânea, especialmente por conta do quanto dispôs em seu artigo 225, ao tratar do meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem de uso comum do povo, ou seja, pertencente a todos de uma só vez, visto que não é possível a sua individualização. Vale reproduzir seu enunciado da norma:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Por sua vez, a qualidade ambiental está diretamente ligada à vida, ou à condição de vida das pessoas, que almejam sempre, evidente, uma condição sadia, havendo de se encontrar um equilíbrio em meio a ciclos renováveis que possam tornar possível a manutenção da vida digna, especialmente a humana.
O Direito Ambiental busca este equilíbrio ou justa medida do meio ambiente, compondo regras proibitivas, permissivas e impositivas de condutas, claramente antropocêntricas. Hoje, ele impõe um efeito modificativo da realidade e dos conceitos da organização social. Para Cristiane Derani:
“O direito ambiental é em si reformador, modificador, pois atinge toda a organização da sociedade atual, cuja trajetória conduziu à ameaça da existência humana pela atividade do próprio homem, o que jamais ocorreu em toda a história da humanidade. É um direito que surge para rever e redimensionar conceitos que dispõem sobre a convivência das atividades sociais.”[1]
Na mesma medida, segundo Norma Sueli Padilha, o Direito Ambiental revigorado ou revitalizado deve atuar na reformulação e readaptação de conceitos, institutos e princípios – e, diga-se de passagem, porque não na expansão de seus domínios para tornar ainda mais eficaz a norma, com a ampliação da programática protetiva das políticas públicas ambientais –, como bem expõe:
“O Direito Ambiental, revigorado pela nova roupagem constitucional dada ao tema do meio ambiente, deve atuar sobre toda e qualquer área que envolva tal matéria, impondo a reformulação de conceitos, institutos e princípios, exigindo a adaptação e reestruturação do modelo socioeconômico atual com o necessário equilíbrio do meio ambiente, tendo em vista a sadia qualidade de vida.” [2]
A Lei Federal nº 6.938/1981, ao estabelecer a Política Nacional do Meio Ambiental, em seu artigo 2º, inciso I, considera o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente protegido, tendo em vista o seu uso coletivo.
Paralelamente a isso, como todos sabem, o direito a um meio ambiente saudável deve ser entendido de modo a se compatibilizar com o desenvolvimento econômico, nos termos do disposto no artigo 170, inciso VI, da Constituição, dentro da noção de desenvolvimento sustentável.
2. O MEIO AMBIENTE E OS TRIBUNAIS DE CONTAS.
Como dito, a preocupação com o meio ambiente tem sido alvo de discussão pelos mais diversos setores da sociedade, em busca de meios de se atingir o desenvolvimento sustentável. O artigo 225, combinado com o artigo 71, parágrafo único, da Constituição Federal, oferecem à jurisdição dos órgãos de controle, isto é, dos tribunais de contas, um cabedal constitucional perfeitamente compatível com os anseios pelo controle dos atos administrativos sobre o meio ambiente.
Como se sabe, a ideia de limite, normalmente, mostra-se intimamente relacionada à de controle. No caso, o controle dos atos estatais, que sob o prisma da legitimidade, devem observar parâmetros de sustentabilidade ambiental.
Havendo limites ao uso dos recursos do meio ambiente, evidente que se deve submeter a controle a conduta, em especial aquela atribuída ao Poder Público, seja na realização direta de atos que impactam sobre o meio ambiente, seja sobre a delegação a terceiros, em sede de licitações públicas e procedimentos congêneres.
Hodiernamente, os tribunais de contas, mais do que simples órgãos de controle, potencializaram-se como agentes qualificadores de políticas públicas, o que se deve à sua inegável capacidade técnica de promover melhorias nas ferramentas de gestão pública, dado o corpo técnico e multidisciplinar que geralmente possuem, senão as fiscalizações ordenadas ou direcionadas a assuntos de alta relevância pública, que permitem a construção de referenciais de conduta estatal.
Realidade por vezes distante daquela de muitas administrações, em especial aquelas municipais de pequeno ou médio porte, que não dispõem de meios e recursos, inclusive humanos, para tal desiderato.
Assim, o que se advoga é a possibilidade baliza das políticas públicas, concretizadas por meio de atos de governo ou de gestão que devem ser permeados por um olhar ambiental. Por isso considerar-se que a fiscalização ambiental deve ser tanto em sede de conformidade quanto de desempenho.
É preciso que seja fomentada a cultura administrativa, para que haja a prática de atos que observem, desde a fase de planejamento até a execução das despesas públicas, aspectos mínimos de prevenção e precaução com o meio ambiente. O próprio desempenho deve ser avaliado com este matiz, e não deve envolver apenas o resultado ambiental positivo; mas, quando o caso, ilidir resultados ambientais negativos.
Nesta senda, cabe aos tribunais de contas manterem uma postura ativa na apuração de irregularidades e na orientação dos atos dos fiscalizados, para que se atinja a conformidade e o desempenho ambientais almejados. Além disso, enquanto fiscais constitucionais compete a estas cortes de contas a atribuição de representação de fatos irregulares às autoridades competentes, quando tomarem conhecimento, em suas auditorias ou por provocação, de possíveis danos ambientais.
Como bem ensina CRISTIAN JOSÉ DE SOUSA DELGADO, a atuação do Tribunal de Contas na área ambiental é indispensável ao ordenamento jurídico e social, destacando-a como o primeiro contato de executivos e legisladores com a responsabilidade pela prestação de contas, que também deve abarcar a área ambiental. Assim explica o autor:
“A atuação do Tribunal de Contas na área ambiental, independentemente de ser nova e carente de total regulamentação, é imprescindível ao ordenamento jurídico e social. A jurisdição da Corte de Contas é o primeiro contato que os executivos e legislativos estaduais e municipais realmente têm com a responsabilidade contábil, fiscalizatória e orçamentária, oriundas das emanações constitucionais advindas da Constituição Federal de 1988 e da Carta Rondoniense de 1989. Outrossim, é necessário que essa prestação de contas constitucional também seja consolidada na área ambiental, pois os jurisdicionados têm a obrigação e o dever constitucional de implementar e preservar o meio ambiente, sempre na expectativa de lograr êxito na jornada governamental em todos os campos de atuação do Poder Público. O artigo 225, combinado com o artigo 71, parágrafo único da Constituição Federal oferecem à jurisdição da Corte de Contas um cabedal constitucional extenso na área ambiental e a possibilidade de positivá-lo, regulamentando o aparato legal com as Decisões, Acórdãos e Jurisprudências que estão sendo construídas após a Constituição de 1988.”[3]
2. AUDITORIA AMBIENTAL PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS.
Seria limitar demais a relevante função dos tribunais de controle entender que sua jurisdição abrangeria apenas erário. Ela certamente vai além. Envereda pela tutela do patrimônio público, mais amplo; conceito em que se inclui o meio ambiente, enquanto direito difuso, direito humano fundamental de terceira geração. Os recursos naturais, que antes eram considerados res nullius, hoje são vistos como patrimônio público.
Destarte, enquanto bem de uso comum do povo, patrimônio público sujeito a proteção estatal, o meio ambiente também deve ser foco do controle externo. Convém alumiar que a Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), em seu Capítulo VIII, trata da gestão patrimonial, estabelecendo na Seção II, nos artigos 44, 45 e 46, normas acerca da obrigatória preservação do patrimônio público, no qual, como dito, inclui-se o meio ambiente.
Outrossim, já se vislumbrava o poder jurisdicional dos tribunais de contas nas decisões que envolviam os dispositivos da Lei nº 8.666/1993, em especial quando envolvam o EIA e o RIMA, pois a ausências desses estudos e relatórios por vezes maculam o ato fiscalizado. Notória, ademais, a possibilidade de atuação direta dos órgãos de controle na exigência do cumprimento da licença ambiental, que advém do artigo 10, da Lei nº 6.938/1981.
Na verdade, o controle deve ser exercido sobre os órgãos auditados tanto na etapa do planejamento quanto da execução ou realização das políticas públicas, devendo incidir, pois, não apenas sobre os recursos incorporados ao processo produtivo, mas também àqueles que ainda não o foram.
Quando se diz respeito à proteção do meio ambiente contra ações ou omissões danosas do Poder Público, não há que se pensar exclusivamente no Poder Judiciário. A relevância do bem protegido exige a somação de esforços e, se quisermos raciocinar em termos de “vantagens competitivas”, os tribunais de contas têm a seu favor alguns fatores insondáveis, quais sejam:
a) dispõem de atribuições e recursos para conformar a atividade da Administração Pública que ultrapassam o critério da legalidade e adentram na economia, eficiência e eficácia dos atos administrativos;
b) vocação para agir de ofício e promover avaliação sistemática de políticas públicas, ao contrário da atuação pontual e provocada do Poder Judiciário, dentro das balizas para a qual foi conclamado, geralmente voltada à solução de conflitos específicos, em que danos normalmente já se consumaram, e dependente de solicitação do interessado legal;
c) inexistência, no âmbito dos tribunais de contas, de um rígido ritualismo processual, enraizado nos cânones do processo civil, os quais com frequência – não obstante as recentes ondas de modernização – obstruem a prestação jurisdicional e limitam o acesso à Justiça, por razões meramente formais (como restrições à legitimidade para agir, um intrincado sistema recursal e de repartição de competências entre os órgãos judiciários, diversificadas regras de ônus da prova, inexeqüibilidades das decisões, custas processuais etc.);
d) capacidade de valoração econômica do dano ambiental, inclusive para fins de responsabilização do agente público.
Afora isso, a intenção de intensificar os trabalhos na área pode ser expandida:
a) por meio de acordos técnicos de cooperação com outros órgãos de fiscalização especializados na área ambiental;
b) através da criação e até compartilhamento de um banco de dados, quer porque conterá informações sobre os entes fiscalizados pelos tribunais de contas e seus históricos ambientais, quer porque seriam alimentados por dados originários de outros órgãos, inclusive quanto aos prestadores privados que manejam recursos públicos no desempenho das atribuições que lhes são delegadas.
Esses acordos também podem se voltar a cunhar indicadores a serem empregados, notadamente, nas auditorias ambientais com enfoque no desempenho.
Percebe-se, pois, que o controle da atividade estatal sobre o meio ambiente trará inúmeros benefícios, que vão desde contribuição com a preservação ambiental até, agindo para evitar as omissões em geral, que haja omissão específica capaz de engendrar a responsabilidade objetiva do Estado, e subjetiva de seus representantes, pelos danos ocasionados.
Além disso, os tribunais de contas podem atuar promovendo recomendações e determinações que estimulem à adoção de medidas ambientalmente corretas pelos entes fiscalizados, como a tributação ecológica (mediante vetores como extrafiscalidade e seletividade e calcada em princípios como o do poluidor-pagador, da prevenção e mesmo da precaução) e o fomento à repartição de receitas (conformada a critérios ambientais).
Isso, evidente, deve ser feito de modo conciliado com as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal, postura que implicará em controle sobre as contas tanto do Poder Executivo quanto do Poder Legislativo, responsável pela edição de leis direcionadas à restruturação do sistema fiscal, para contemplar o elemento ambiental.
São igualmente bem vindas orientações sobre a constituição e gestão de fundos de recursos voltados ao meio ambiente, bem como quanto a formatação de Conselhos de Política Pública do Meio Ambiente.
As auditorias a serem realizadas pelas cortes de contas brasileiras observariam, em regra, os mesmos preceitos manifestados nas auditorias de regularidade (financeira e de conformidade) e de desempenho usuais, acrescidos da variável ambiental. Tem vez a realização de auditoria propriamente operacional dos atos administrativo em sede de matéria ambiental. É importante salientar que os relatórios técnicos que abordam esse tipo de auditoria, geralmente, contemplam não somente avaliação da eficiência e da eficácia, mas também recomendações para aperfeiçoamento de algumas atividades ou de um programa específico.
A atuação dos tribunais de contas na área ambiental, pois, independentemente de ser nova e carente quase que de total regulamentação específica, é imprescindível ao ordenamento jurídico e social. Claro que a auditoria ambiental externa, realizada pelos órgãos de controle reclama equivalente desenvolvimento junto aos próprios órgãos fiscalizados e ensejará gradual necessidade de estruturação de uma auditoria ambiental interna pelos mesmos.
Com isso terá início um processo de reorganização orgânica, que tenderá a alocar, dentro da estrutura dos governos, equipes em condições bem mais propícias para a tutela do meio ambiente. E o agente capaz de promover a geração deste movimento é, com certeza, o tribunal de contas.
Não se perde de vista que o meio ambiente é um bem e, por isso, os recursos naturais podem e devem ser valorados nos sistemas de contas públicas tanto com relação ao que incorporaram ao patrimônio, quanto com relação às perdas e custos gerados pela depredação e uso inadequado. Os ativos e passivos ambientais precisam ser alvo de uma contabilidade que tenha visão ambiental, incluindo-a no controle de contas públicas, a fim de que se tenha a inafastável preocupação com a prevenção do dano ambiental.
O objetivo da contabilidade ambiental é evidenciar a posição ambiental de uma entidade, observados os parâmetros de divulgação. Todavia, nos últimos tempos vimos acorrerem normas bastante tímidas a tratarem da matéria, como a NPA 11 – Balanço e Ecologia do Instituto de Auditores Independentes do Brasil, a NBC T 15 de 2004 do Conselho Federal de Contabilidade, a CPC 25 de 2009 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, a NBC T 19.7 de 2009 do Conselho Federal de Contabilidade, a Deliberação CVM nº 594 de 2009 e a NBC TE – Interação da Entidade com o Meio Ambiente.
Um melhor aproveitamento, aliado ao desenvolvimento de novas normas de contabilidade e auditoria ambiental, buscaria instigar a que entes e entidades potencialmente poluidoras venham a elaborar projetos de proteção ambiental e velem de modo mais rigoroso pela obtenção de licenças prévias de instalação e operação, a mitigar seu passivo ambiental, mesmo porque, com meios hábeis de se auscultar e revelar a posição ambiental de órgãos públicos, com base nos parâmetros de divulgação das demonstrações contábeis modernos, seja nas peças seja em notas explicativas, a maior transparência e intelecção destas informações, hoje simplesmente olvidadas, seria alvo de diuturno controle social.
Por seu turno, as cortes de contas podem contar com relevantes iniciativas, tais quais a criação de departamentos próprios em sua estrutura (veja-se, por exemplo, a criação do Departamento de Controle Ambiental, logo após a publicação da lei complementar 467/2008, que modificou a estrutura do Tribunal de Contas Rondoniense), ou valer-se de acordos de cooperação técnica (como o Acordo de Cooperação Técnica nº 006/2008, realizado entre o Tribunal de Contas de Rondônia, para a cooperação entre entes do Poder Público e treinamento, aperfeiçoamento e troca de informações), ou da constituição de comissões ambientais internas para promover e dispersar a matéria entre seus membros e servidores (assim o fez o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, que criou comissões ambientais, responsáveis por toda a programação de cursos, palestras, seminários e especializações com o intuito de capacitar os seus servidores na área ambiental e realizar projetos e auditorias mais eficientes), ou ainda pelo exame específico de ações governamentais (como o trabalho de fiscalização de natureza operacional realizada consoante plano anual aprovado pelo Conselheiro Relator das Contas do Governador de São Paulo, do Exercício de 2011, com objetivo de avaliar a Ação Governamental 1359 – Financiamento de Projetos Ambientais pelo FECOP, pertencente ao Programa 2604 – Gestão e Controle da Qualidade Ambiental, da Secretaria de Estado do Meio Ambiente), dentre outras medidas.
Essas ações, no universo do controle estatal, podem ser utilizadas para a melhor fiscalização até mesmo junto a outras Cortes de Contas, visando materializar melhores condições de enfrentar dificuldades ambientais que, muitas vezes vencem as fronteiras estaduais ou municipais, apresentando-se como verdadeiros problemas regionais brasileiros, quando não nacionais.