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Convênios e contratos de patrocínio celebrados por empresas estatais

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Processualização da atividade administrativa pública e gestão consensual são paradigmas do controle jurídico do Estado democrático de direito. Convênios e contratos de patrocínio são ferramentas que se podem manejar para servir a esses paradigmas.

Sumário: 1. Introdução. 2. Convênio. 3. A ideia de lucro é alheia ao convênio. 4. Prévia licitação para a celebração de ajuste com entidade privada sem fins lucrativos. 5. Inaplicabilidade de prévia licitação para a celebração de convênio com ente público. 6. Ajustes celebrados com organizações da sociedade civil. 7. Processo seletivo para a escolha de organização da sociedade civil. 8. Ajustes celebrados com Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP. 9. Análise do histórico de envolvimento com corrupção ou fraude na celebração de convênio. 10. Adoção de controles e políticas de integridade. 11. Vedações à celebração de convênios e contratos de patrocínio. 12. Vedação à celebração de convênio e contrato de patrocínio com dirigente de partido político. 13. Vedação à celebração de convênio e contrato de patrocínio com titular de mandato eletivo. 14. Vedação à celebração de convênio e contrato de patrocínio com empregado ou administrador de empresa estatal, ou com seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau, e também com pessoa jurídica cujo proprietário ou administrador seja uma dessas pessoas. 15. Restrições à concessão de patrocínio. 16. Inaplicabilidade de licitação prévia para a concessão de patrocínio. 17. Conclusão


1. Introdução

A Lei nº 13.303/16, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, em seu art. 28, §2º, remete aos convênios e aos contratos de patrocínio a incidência de suas disposições “no que couber”. Significa que as normas previstas nesse diploma (processo administrativo, realização de prévia licitação, publicidade e transparência, formalização e controle de despesas e outros requisitos) são aplicáveis às hipóteses em que normas específicas que regulamentarem esses ajustes (convênios e contratos de patrocínio) não dispuserem a respeito da matéria. E, bem entendido, sem apagar a ontológica distinção entre convênio e contrato quanto à natureza jurídica de cada qual.

Celebra-se o primeiro (convênio) com vistas à realização de objetivos de interesse comum, ou seja, os partícipes têm interesses compartilhados e coincidentes. Celebra-se o segundo (contrato) para conciliar interesses diversos e opostos. No contrato há sempre duas partes (cada qual podendo desdobrar-se em mais de um signatário): uma pretende o objeto do ajuste e a outra almeja a contraprestação correspondente. No convênio não há partes, mas partícipes com as mesmas pretensões.  

A natureza jurídica do patrocínio é a de negócio jurídico bilateral atípico (art. 425 do Código Civil). A atipicidade decorre da inexistência de moldura delineada em lei para sua contratação em razão do exercício da autonomia de vontade dos sujeitos na consecução de finalidades lícitas, contudo, distintas e opostas. A parte denominada patrocinada se obriga a veicular a marca da outra parte, denominada patrocinadora, em determinado projeto/evento que se encarregará de promover para atender a objetivos culturais, esportivos, educacionais, sociais ou de inovação tecnológica. O patrocínio materializa-se por meio de apoio financeiro, que entidade, pública ou privada, destina a ações de terceiros para agregar valor à marca e/ou divulgar produtos, serviços, programas, projetos, políticas e ações do patrocinador.

De acordo com o art. 44, §4º, do Decreto nº 8.945/16, que regulamenta, no âmbito da União, a Lei nº 13.303/16, no contrato de patrocínio, assim como no convênio, devem ser observados os seguintes parâmetros cumulativos para sua celebração: (a) destinação para promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais ou de inovação tecnológica; (b) vinculação ao fortalecimento da marca da empresa estatal; e (c) a aplicação, no que couber, da legislação de licitações e contratos. O interesse da entidade patrocinadora é o de vincular sua marca ao projeto/evento para o efeito de potencializar e maximizar o exercício de sua atividade. O interesse da parte patrocinada, pessoa física ou jurídica, é obter apoio à promoção de evento (cultural, esportivo, educacional etc.) ou projeto de fim específico, como, por exemplo, a realização de um campeonato esportivo, feira do livro ou espetáculo cultural.

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Esquadrinhar os principais aspectos jurídicos que distinguem o convênio e o contrato de patrocínio é o objetivo deste estudo.


2. Convênio

De acordo com o art. 44, § 3º, do Decreto nº 8.945/16, a empresa estatal poderá formalizar instrumentos de convênio quando observados os seguintes parâmetros cumulativos: (a) convergência de interesses; (b) execução em regime de mútua cooperação; (c) alinhamento com a função social de realização do interesse coletivo; (d) análise prévia da conformidade do convênio com a política de transações com partes relacionadas; (e) análise prévia do histórico de envolvimento com corrupção ou fraude, por parte da instituição beneficiada, e da existência de controles e políticas de integridade na instituição; (f) destinação para promoção de atividades culturais, sociais, esportivas, educacionais e de inovação tecnológica; (g) vinculação ao fortalecimento da marca da empresa estatal; e (h) a aplicação, no que couber, da legislação de licitações e contratos.

No convênio, reitere-se, predomina o interesse comum dos partícipes, diversamente do que ocorre com o contrato, cuja premissa é a disputa entre sociedades empresárias que visam o lucro, para o fornecimento, a prestação ou a execução de determinado objeto necessário à administração pública, por isso que apresentarão propostas de preços e condições aferidas em face das práticas de mercado. No convênio não há partes, mas partícipes com as mesmas pretensões, daí a impropriedade do art. 44, §3º, I, do Decreto nº 8.945/16, que regulamenta, no âmbito da União, a Lei nº 13.303/16, ao aludir que a empresa estatal poderá celebrar instrumentos de convênio quando observada, dentre outros requisitos cumulativos, a convergência de interesses entre as “partes”.


3. A ideia de lucro é alheia ao convênio

Quando o poder público (concedente) transfere recursos a outro ente ou entidade, de índole pública ou privada (convenente), para que este execute determinado objeto, pressupõe-se que o único propósito que a ambos anima é o de realizar o objeto conveniado, de forma a implementar determinada política pública, em regime de parceria. A ideia de lucro, pois, é estranha ao convênio, tornando inapropriada a celebração desse ajuste com entidades empresariais. O convenente, por isso, pode ser um ente público ou entidade privada, desde que sem fins lucrativos.


4. Prévia licitação para a celebração de ajuste com entidade privada sem fins lucrativos

Na celebração de ajuste com entidade privada sem fins lucrativos deve predominar o interesse comum dos partícipes. Tal característica não afasta, por absoluto, a prévia realização de um processo seletivo (licitação) para a escolha da entidade que disponha das melhores condições técnicas para tornar mais eficaz a execução de determinado programa, quando existente mais de uma possível entidade em condições de celebrar o ajuste. Isto porque a análise objetiva dessas condições é que indicará a opção que superiormente atenda ao interesse público, o que somente se viabiliza mediante confronto em processo seletivo.

Daí a propriedade do disposto no art. 28, §2º, da Lei nº 13.303/16 e do art. 44, §4º, III, do Decreto nº 8.945/16, ao aludirem, respectivamente, à aplicação, aos convênios, das normas do estatuto jurídico das empresas estatais, “no que couber”, a legislação de licitações e contratos. Ilustra-se com a aplicação da regra da realização de prévia licitação (art. 28, caput), requisitos de habilitação (art. 58) e publicidade (art. 48), úteis para a seleção, procedimento e transparência desses ajustes. Também a aplicação do art. 30 da Lei, na hipótese em que configurada a inviabilidade de seleção prévia de entidade privada sem fins lucrativos.

Tanto a decisão que adota o processo seletivo prévio como a que o dispense — por existir uma única entidade sem fins lucrativos apta a celebrar o ajuste — deve ser motivada, explicitando-se as razões de fato e de direito que lhes dão sustentação.


5. Inaplicabilidade de prévia licitação para a celebração de convênio com ente público

Em regra, não se cogita de procedimento seletivo prévio para a escolha dos parceiros, entes públicos, porque estes, por definição, estarão sempre desinteressados de qualquer contraprestação, daí o despropósito de uma competição seletiva sob as condições do mercado.

A escolha dos convenentes, entes públicos, via de regra, é pautada pela inviabilidade de competição, na medida em que o concedente e o convenente visam atingir um objetivo ou uma meta para a implementação de determinada política pública. A inviabilidade de realizar-se licitação para a escolha desses convenentes (entes públicos) reside na peculiar natureza do convênio: acordo negociado sobre os objetivos de ações públicas, por meio da apresentação de proposta de trabalho por um dos partícipes (convenente), analisado e aceito pelo outro (concedente) e, sendo necessário, ajustado por aquele; compromisso de desenvolvimento dessas ações a partir de cronograma que consulte as realidades do orçamento e o horizonte do planejamento; contribuições recíprocas (v.g., financeiras, de gestão de pessoas e técnicas) dos partícipes, visando à realização dos objetivos acordados.


6. Ajustes celebrados com organizações da sociedade civil

A Lei nº 13.019/14 dispõe sobre o regime jurídico das parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, de fomento ou em acordos de cooperação, bem como define diretrizes para a política de fomento, de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil.

Seu art. 2º, II, assim define administração pública para o efeito de sua aplicação: “União, Estados, Distrito Federal, Municípios e respectivas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, e suas subsidiárias, alcançadas pelo disposto no § 9º do art. 37 da Constituição Federal”. Anote-se desde logo, portanto, que dita lei, quando estende a sua incidência a empresas públicas e sociedades de economia mista, somente menciona as prestadoras de serviço público, silenciando quanto às que exploram atividade econômica.

De outro lado, considera organização da sociedade civil, segundo define em seu art. 2º, I: (a) a entidade privada sem fins lucrativos que não distribua entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções de qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplique integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva; (b) as sociedades cooperativas previstas na Lei nº 9.867/99, ou seja, as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social, as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda, as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social; e (c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos. Tais entidades, como se depreende, distinguem-se por não possuírem fins lucrativos.

Os ajustes podem ser formalizados por meio dos seguintes instrumentos:

(a) termo de colaboração: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, propostas pela administração pública e que envolvam a transferência de recursos financeiros;          

(b) termo de fomento: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, propostas pelas organizações da sociedade civil e que envolvam a transferência de recursos financeiros;         

(c) acordo de cooperação: instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, que não envolvam a transferência de recursos financeiros.          

Tem entendido o Tribunal de Contas da União que se aplica às parcerias entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil o regime jurídico estabelecido pela Lei nº 13.019/14, em substituição aos normativos de convênios celebrados apenas entre entes governamentais (Acórdão nº 3.162/2016 – Plenário, Rel. Min. Vital do Rêgo, Processo nº 023.922/2015-0).  


7. Processo seletivo para a escolha de organização da sociedade civil

A transferência de recursos financeiros, quando houver, objetivará a estrita execução do objeto da parceria, cuja formalização em nenhuma hipótese cogitará de lucro ou superávit, seja em favor da entidade administrativa, aqui incluídas as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos, seja em favor da organização da sociedade civil, pela evidente razão de que nenhuma dessas pessoas jurídicas visa lucro em seu sentido empresarial, nem ações de colaboração, fomento ou cooperação incluem o propósito de lucro. Por conseguinte, tampouco seria de admitir-se a presença de incentivos econômicos para a formalização dos respectivos termos e acordos.

Tal a ratio do art. 24 da Lei nº 13.019/14, segundo o qual, exceto nas hipóteses previstas no próprio diploma, a celebração de termo de colaboração ou de fomento será precedida de chamamento público voltado a selecionar organizações da sociedade civil que tornem mais eficaz a execução do objeto.  A regra, pois, é a realização de processo seletivo prévio para a escolha da organização da sociedade civil que melhor atenda aos requisitos previamente estabelecidos para a prestação de atividade ou execução de projeto. Não se trata de selecionar a proposta mais vantajosa, mas de avaliar condições de eficiência e eficácia na execução do objeto justificador da parceria.

Segundo a Lei nº 13.019/14, é dispensável a realização de chamamento público nas seguintes hipóteses:

a) no caso de urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público realizadas no âmbito de parceria já celebrada, limitada a vigência da nova parceria ao prazo do termo original, desde que atendida a ordem de classificação do chamamento público, mantidas e aceitas as mesmas condições oferecidas pela organização da sociedade civil vencedora do certame;

b) nos casos de guerra ou grave perturbação da ordem pública, para firmar parceria com organizações da sociedade civil que desenvolvam atividades de natureza continuada nas áreas de assistência social, saúde ou educação, que prestem atendimento direto ao público e que tenham certificação de entidade beneficente de assistência social, nos termos da Lei nº 12.101/09;

c) quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança.

Considera-se inexigível o chamamento público na hipótese de inviabilidade de competição entre as organizações da sociedade civil, em razão da natureza singular do objeto do plano de trabalho ou quando as metas somente puderem ser atingidas por uma entidade específica.

Sobre os autores
Jessé Torres Pereira Junior

Desembargador e professor-coordenador dos cursos de pós-graduação de direito administrativo da Escola da Magistratura e da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Autor, individual ou em coautoria, de livros e artigos especializados em direito público.

Marinês Restelatto Dotti

Advogada da União. Especialista em Direito do Estado e em Direito e Economia pela Universidade Federal do Estado do Rio Grande do Sul (UFRGS). Autora de livos e artigos jurídicos sobre licitações, contratos administrativos e convênios. Conferencista na área de licitações e contratações administrativas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês Restelatto. Convênios e contratos de patrocínio celebrados por empresas estatais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5186, 12 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/59344. Acesso em: 21 nov. 2024.

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