Pelos corredores dos fóruns e em discussões com colegas da área, desde o a alteração do Código Penal e da Lei de Crimes Hediondos quanto ao feminicídio, sempre me deparo com um entendimento diferente e a cada vez que escuto, uma opinião é divergente da outra.
Permitindo o trocadilho de mau gosto, façamos como o Jack e vamos por partes.
A lei 13104/2015 alterou, como sabemos o artigo 121, CP, inserindo qualificação ao homicídio nos termos do § 2º, inciso VI: “Se o homicídio é cometido (...) contra a mulher por razões do sexo feminino”, e ainda explicou o que seriam as tais condições do sexo feminino no § 2º-A, quais sejam aquelas razões que envolvam a violência doméstica e familiar e o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Por consequência tivemos à inclusão de tal homicídio qualificado no rol dos hediondos previsto no artigo 1º, I, L 8072/90 e ainda tivemos a inserção de causa de aumento de pena no § 7º do 121, CP.
Muito bem, o PL 8305/2014 antes de ser aprovado passou pela alteração minuciosa no termo violência de “gênero” para violência em “condição do sexo feminino”. A princípio – e, para alguns, mesmo depois dos meses que se seguiram – a alteração na nomenclatura passou como algo irrelevante. Mas não é!
De início precisamos lembrar que o feminicídio engloba as mulheres no geral, independentemente da orientação sexual, desde que se enquadrem nas exigências dos artigos acima expostos. Contudo, o discurso de alguns é que a tipificação trata de situação em que há dominação do homem e submissão da mulher, sendo o fator para tal classificação de sexo feminino: biológico. O crime, nesse entendimento não se estenderia à mulher travesti ou à transexual ainda que já tenha realizado mudança no registro civil e cirurgia de mudança de sexo, por permanecer sendo biologicamente homem... Oi?!
“Ah, Helena, esse raciocínio tá certo, o texto só passou depois que excluíram o termo violência de gênero”. Respira fundo e vem comigo.
Dia 09 de maio de 2017, o Superior Tribunal de Justiça, em análise a Recurso Especial, seguiu uma linha de raciocínio que já havia sido mencionada pelo Parquet lá em 2014, no RE 670422 do Rio Grande do Sul – aonde mais?! – à qual insinuou a possibilidade de alteração do registro civil quando o indivíduo se identificasse como do sexo oposto, ainda que não realizasse cirurgia de adequação sexual.
Alterando o registro civil não fica um asterisco com observação em baixo “é trans!” A informação do sexo biológico é sigilosa, como decidiu a Quarta Turma do STJ sob relatoria do ministro Luis Felipe Salomão embasada em toda uma análise a questões psicológicas sobre identidade de gênero, direito comparado e no princípio da dignidade da pessoa humana.
Daí eu é quem te pergunto, se a pessoa foi lá alterou seu registro civil que informa tratar-se de mulher, sem nenhum “P. S.”, me diga como é que vai afastar a caracterização do feminicídio, caso venha a ocorrer em face desta? E se essa pessoa é identificada como mulher na sociedade – por ser travesti ou transgênero – e a situação engloba as exigências do dispositivo penal para que se configure a conduta do 121, § 2º, VI, contudo não realizou alteração no registro civil, aonde é que ficaria a lógica em afastar a tipificação?
Assim sendo, seja por fator biológico ou identificação psicológica, fica clara a redação do dispositivo quando diz que feminicídio dá-se contra MULHER, por razões da condição do sexo feminino.
Fonte:
Eudes Quintino de Oliveira Júnior http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI248860,51045-O+transexual+e+o+crime+de+feminicidio