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Justiça do Trabalho: história, importância e desafios

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Agenda 26/08/2017 às 15:17

4 Desafios

O grande desafio da Justiça do Trabalho, não só no Brasil, mas em todos os países em que ela existe, é o de distribuir justiça nas relações de trabalho, equilibrando o escopo da justiça social com o do desenvolvimento econômico.

Entretanto, há desafios consectários e conjunturais, que se apresentam segundo a realidade de cada lugar. No Brasil, apesar de muitos, ao menos três merecem destaque e análise, quais sejam, o do procedimento, o da segurança jurídica e o da questão ideológica.

No que tange ao procedimento, é diária e crescente a necessidade de a Justiça do Trabalho prestar o serviço jurisdicional à luz de seus principais escopos, por exemplo, com celeridade, isonomia e eficácia de suas decisões.

Em 1996, o número de processos na Justiça do Trabalho brasileira chegou a números preocupantes.[19] Para tentar reduzir essa cifra, foram criados três institutos: as Comissões de Conciliação Prévia, o rito sumaríssimo e as Orientações Jurisprudenciais (OJs). (LIMA, 2015, 48), estas consistentes em enunciados destinados a promover a uniformização da jurisprudência do TST de forma mais célere, porque sua edição é menos burocrática que a das súmulas.[20]

As comissões de conciliação prévia foram criadas (artigos 625-A a 625-H, da CLT) com base nas Recomendações nº 92 e 94 da OIT, que sugeriram a criação de órgãos de consulta e colaboração entre empregados e empregadores, no âmbito da empresa. De outra face, a Recomendação nº 130 da OIT deixou claro que esses órgãos não poderiam limitar o “acesso do trabalhador ao Judiciário”. Esse mesmo argumento foi utilizado pelo STF, que decidiu não ser obrigatória a submissão prévia da demanda trabalhista às CCPs(ADI 2.160-5/DF).

Além desse fato, outro ainda mais relevante foi determinante para fazer com que as CCPs não tivessem ampla adesão dos empregados e empregadores. Trata-se da cultura brasileira de judicializar demandas, o que se pode comprovar com os números do CNJ, que alcançam índices bem maiores na Justiça do Trabalho, em relação à Justiça comum:

“O índice de conciliação, outra novidade que passou a compor o relatório a partir deste ano, resulta do percentual de senten­ças e decisões resolvidas por homologação de acordo. Observa‑se pelo Gráfico 3.33 que, em média, apenas 11% das sentenças e decisões foram homologatórias de acordo. A Justiça que mais faz conciliação é a Trabalhista, que consegue solucionar 25% de seus casos por meio de acordo, valor que aumenta para 40% quando apenas a fase de conhecimento de primeiro grau é considerada.

Na fase de conhecimento dos juizados especiais, o índice de conciliação foi de apenas 16%, sendo 19,1% na Justiça Estadual e 5,6% na Justiça Federal.” (CNJ, 2016, p. 45).

Esses números demonstram, sem desmerecer os muitos casos em que a intervenção do conciliador foi condição “sine qua non” para a conciliação, que, em boa parte, as demandas levadas à Justiça do Trabalho poderiam ser resolvidas entre as próprias partes, no âmbito da relação material de trabalho.

No que tange à isonomia, é preciso dizer que ela se comporta de forma diferente do que acontece na Justiça comum. No processo do trabalho, a mesma desigualdade da relação material afeta a relação processual. Com efeito, via de regra, apenas o empregador possui a documentação do que se passou na relação material, o que influencia na produção das provas; também é o empregador que costuma ter condições financeiras de contratar boa defesa técnica; o credor costuma ser o empregado, que já cumpriu sua prestação (trabalho), de maneira que a demora do processo costuma lhe fazer mal maior do que faz com o devedor.

Destarte, a própria Justiça do Trabalho precisa contar com procedimento que, ao mesmo tempo, prestigie o contraditório, sem colocar em risco a eficácia de suas decisões. Esta eficácia, por sinal, é outro desafio a ser enfrentado.

Com efeito, o tempo médio para prolação da sentença na fase de conhecimento é de razoáveis sete meses. Todavia, na execução, fase de materialização da eficácia da decisão, o tempo de decisão de todas as questões que a envolve é de três anos e sete meses (CNJ, 2016, p. 11). Dados do CNJ ainda dão conta de que a taxa de congestionamento[21] na execução trabalhista, no período 2009-2015, é bem maior do que no processo de conhecimento, sendo de 70%, contra 48%.

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Esses números demonstram que, por mais célere e isonômica que a Justiça do Trabalho seja, a eficácia da decisão ainda depende de elementos externos, com os quais o processo tem que lidar com ferramentas que nem sempre são suficientes. Não se pode deixar de enaltecer conquistas, como a penhora on-line e os convênios com serviços de proteção ao crédito.

Outro importante desafio é o da segurança jurídica. Aqui a referência é feita às decisões conflitantes. É que, estando o Direito do Trabalho no centro do modo de produção capitalista, é muito importante, ainda mais do que em alguns outros ramos do Direito, que as decisões sejam o mais uniforme possível, sob pena de gerar desequilíbrio na economia. Seria o caso de uma grande empresa ser condenada a pagar determinadas parcelas a seus empregados em uma região do país, enquanto sua concorrente, adotando a mesma prática, ficasse isenta de qualquer responsabilidade. Em outras palavras, é preciso, até certo ponto (ao menos nos casos repetitivos), que as decisões sejam previsíveis, a ponto de estimular o cumprimento espontâneo da lei, do modo como ela é interpretada pelos tribunais.

A serviço da superação desse desafio estão o CPC de 2015 e a Lei nº 13.015/14, que trouxeram para o processo do trabalho a cultura de precedentes vinculantes, obrigando aos Tribunais Regionais a uniformizarem sua jurisprudência e transformando o TST em uma instância superior de uniformização nacional, o que certamente contribuirá em muito para a segurança jurídica.

Por fim, já tecendo comentários sobre a questão ideológica, o bom rendimento da Justiça do Trabalho também passa pelo cumprimento espontâneo das obrigações trabalhistas na relação material. No Brasil, a cultura ainda é do descumprimento, tanto por empregados quanto por empregadores. Ocorre que o descumprimento das obrigações do empregado é tutelado pelo próprio empregador, que dispõe do poder diretivo, que o autoriza a punir o infrator. Todavia, quando a vítima é o empregado, só lhe resta procurar a Justiça do Trabalho, o que seria razoável em se tratando de questões polêmicas, mas não no que se refere a pretensões incontroversas, como é o caso do recolhimento do FGTS ou do pagamento de verbas rescisórias. Demandas dessa espécie revelam que a Justiça do Trabalho acaba sendo utilizada como um instrumento de combate à ideologia do descumprimento, finalidade para a qual ela não foi originariamente pensada.

A ideologia também opera no sentido de minar a Justiça do Trabalho e relegar ao oblívio sua importância. Ao invés de debater a legislação trabalhista, no ponto em que lhe diz respeito, convém ao capital levantar bandeiras de intensa publicidade negativa, na tentativa de diminuir a Justiça do Trabalho enquanto Justiça, tomando a exceção de seus equívocos para construir uma imagem que lhe é desfavorável.

Como é cediço, em 2016, a Justiça do Trabalho conviveu com um corte orçamentário sem precedentes, baseado em questões explicitamente ideológicas,[22]que comprometeu drasticamente a sua atuação.

A prova de que a questão é puramente ideológica está no próprio conteúdo da crítica: a imprensa divulga que a Justiça do Trabalho “entregou” aos reclamantes um montante menor do que a própria Justiça custou aos cofres públicos! Ora, é preciso lembrar e considerar que o Poder Judiciário não tem finalidade lucrativa e o custo da justiça que promove não tem ligação como a natureza de suas pretensões. Para usar um exemplo simplório, se mais ações fossem julgadas improcedentes (como certamente desejam explicitamente os críticos), a Justiça do Trabalho “entregaria” menos ainda e, com mais clamor, não se justificaria. Como se isso não bastasse, é preciso considerar que boa parte do custo de funcionamento da Justiça do Trabalho decorre justamente da conduta ilícita daqueles que, por hábito, descumprem direitos incontroversos, aumentando o número de demandas, de forma totalmente desnecessária.

Sobre o futuro da Justiça do Trabalho no Brasil, do ponto de vista político-institucional, o momento é de extrema incerteza, dada a alta potência do desafio ideológico. Em relação a isso, não é possível examinar tendências.

De outra face, do ponto de vista jurídico, é possível dizer que a continuidade da ampliação de competência é um forte anseio da Justiça do Trabalho, mormente em relação à matéria criminal (crimes contra a organização do trabalho) e previdenciária, a exemplo do que ocorre em tantos outros países.

Outro grande anseio é a criação de um código de processo do trabalho, a fim de diminuir a dependência do processo civil e atacar os pontos de estrangulamento da jurisdição trabalhista, de forma objetiva.

Qualquer que seja o futuro da Justiça do Trabalho, é preciso que ele seja bem debatido, de forma democrática, e leve em conta os 76 anos de história dessa instituição. O ataque puro e simples, para atender apenas a sentimentos de antipatia, constitui um perigoso passo para o retrocesso social e vai na contramão dos postulados da história.


5. Conclusão

A pesquisa demonstrou que a Justiça do Trabalho não é uma criação brasileira, tampouco é exclusiva de nosso sistema jurídico. Ela cumpre papel relevante em todo o mundo, evidenciando a necessidade de oferecer tutela jurisdicional específica para as relações de trabalho.

A OIT possui, atualmente, 185 países membros, todos unidos no compromisso de concretizar cerca de 300 normas, entre convenções e recomendações. Dos 40 países examinados, mais da metade deles possui uma Justiça do Trabalho, revelando ser ela um importante instrumento internacional de proteção dos direitos trabalhistas. A outra parte dos países adota o modelo de jurisdição comum ou o de arbitragem.

Não há dúvidas de que os Estados que possuem Justiça do Trabalho preservam a memória dos julgados, gerando jurisprudência, o que dá mais segurança jurídica e transparência às decisões. Todavia, também é certo que o custo desse tipo de sistema é muito alto, o que poderia ser administrado com a adoção de meios alternativos de solução de conflitos, mas apenas de forma complementar.

De outra parte, o sistema calcado na arbitragem é mais barato, mas é menos transparente, o que pode afetar a independência e a segurança jurídica das relações. Ademais, a execução das decisões arbitrais acaba sendo direcionada para a Justiça comum, momento em que o caminho arbitral, supostamente mais vantajoso, acaba se tornando caro e moroso.

O meio termo corresponde ao tratamento da causa trabalhista como uma causa cível, pela Justiça comum, sem qualquer cuidado especial. Ocorre que esse meio também é caro e demorado e ainda tem a desvantagem de, ao equiparar as relações de trabalho às relações civis, colocar em risco o valor-trabalho, dificultando a sua diferenciação de uma mera mercadoria.

No caso brasileiro, a Justiça do Trabalho completa 76 anos de sucesso na distribuição de justiça nas relações de trabalho, equilibrando o escopo da justiça social com o do desenvolvimento econômico.

Novos desafios se apresentam, como o do aperfeiçoamento do procedimento, o da geração de segurança jurídica e, incontinentemente, o da necessidade de avançar contra os fortes ventos ideológicos.

Sobre o autor
Leonardo Tibo Barbosa Lima

Servidor Público Federal e Professor da Faculdade de Pará de Minas - FAPAM. Mestre em Direito do Trabalho pela PUCMinas e especialista em Direito Público pela UGF/RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Leonardo Tibo Barbosa. Justiça do Trabalho: história, importância e desafios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5169, 26 ago. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60059. Acesso em: 22 mai. 2024.

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