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Adoção excepcional: um confronto entre o biológico e o afetivo

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Agenda 07/09/2017 às 13:13

3   O SUPERIOR INTERESSE E A AFETIVIDADE COMO INGREDIENTES DO DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR

O primeiro documento internacional que faz referência aos direitos da criança, tratando-a como sujeito de direitos, é datado do ano de 1924, quando a Assembleia da Sociedade das Nações reconheceu os princípios elencados na Declaração dos Direitos da Criança promulgada anteriormente pelo Conselho da União Internacional de Proteção à Infância.

Esse documento ficou conhecido como Declaração de Genebra de 1924, a qual visava uma proteção especial à criança. Contudo, apenas mais tarde, após a Segunda Guerra Mundial, o melhor interesse da criança ganhou mais notoriedade. Isto é, quando a Assembleia Geral das Nações Unidas promulgou a Declaração dos Direitos da Criança, em 1959 (ALBUQUERQUE, 2015), dispondo em seu princípio 2 que:

A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta, sobretudo, os melhores interesses da criança. (Declaração dos Direitos da Criança, 1959).

Percebe-se que, desde então, esse princípio tornou-se determinante, passando a ser observado nos demais instrumentos jurídicos que visam a proteção da criança. A Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, em seu artigo 3º, é bem expressiva quando estabelece que todas as ações relacionadas às crianças devem, primordialmente, considerar o maior interesse destas. Seu artigo 9º, da mesma forma, utiliza o maior interesse do menor como orientador para busca da melhor solução nas situações de conflito entre o direito da criança em se manter junto aos pais ou afastada dos mesmos.

A origem histórica desse instituto protetivo é anterior às convenções internacionais referentes aos direitos das crianças. Mas foi a partir da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotando a doutrina da proteção integral, assim incorporada pelo artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que se adotou um novo olhar sobre a aplicabilidade desse princípio. O que antes se limitava a crianças e adolescentes em situação irregular, atualmente é aplicado a todo público infanto-juvenil, sendo entendido como o princípio que orienta tanto o legislador quanto o aplicador como critério de interpretação da lei, na solução de conflitos e, até mesmo, na elaboração de futuras normas. (AMIN, 2010, p. 27-28).

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente não se limita, portanto, à interpretação das leis, uma vez que também deve ser utilizado como orientador das políticas públicas, assim como na aplicação de medidas de proteção pela rede de atendimento ou nas ações administrativas. Nesse sentido, as decisões devem sempre se voltar para aquelas soluções que atendem melhor os interesses das crianças/adolescentes e não dos adultos ou seus responsáveis, considerando não somente o interesse imediato, como também o seu futuro. (KREUZ, 2012, p. 73-74).

Para dar início a uma análise mais atenta ao princípio da convivência familiar, é importante entender o significado dessa expressão. Paulo Lôbo (2011, p. 74) entende convivência familiar como “a relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum”. Percebe-se, nessa conceituação, a valorização do afeto com a independência de laços de parentesco, o que, de certa forma, não harmoniza com entendimento exposto por Maciel (2010, p. 75) ao conceituar convivência familiar como sendo:

[...] o direito fundamental de toda pessoa humana de viver junto à família de origem, em ambiente de afeto e de cuidado mútuos, configurando-se como um direito vital quando se tratar de pessoal em formação (criança e adolescente).

A autora, nessa oportunidade, destaca a valorização da família de origem, isto é, dos laços consanguíneos, embora ambos concordem que o afeto deve estar presente para caracterizar o ambiente familiar saudável.

A Constituição Federal faz alusão ao princípio da convivência familiar na redação do artigo 227, garantindo a proteção integral do menor, consequentemente priorizando o seu desenvolvimento saudável através da manutenção em um ambiente familiar adequado. No entanto, instrumentos normativos anteriores à nossa Constituição de 1988 já abordavam acerca da importância da família no desenvolvimento saudável dos infantes.

A Declaração dos Direitos da Criança, em 1959, já norteava, em seu princípio 6, sobre a necessidade de um ambiente afetivo e familiar, inclusive, trazendo obrigações à sociedade e às autoridades públicas para que assegurassem esses cuidados especiais às crianças sem família. Ademais, o preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, ainda que após a nossa Constituição, apresenta o reconhecimento internacional da imprescindibilidade de uma criança crescer em um ambiente familiar repleto de amor, compreensão e felicidade, para o seu desenvolvimento pleno e harmonioso.

Notável passagem do referido princípio 6 da Declaração dos Direitos da Criança orienta a necessidade do infante criar-se “sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto”. Destaque-se a utilização da expressão “em qualquer hipótese”, vez que nos remete à compreensão de que o afeto foi reconhecido como elemento primordial para o pleno desenvolvimento da criança ainda na década de cinquenta. A utilização dessa expressão, portanto, indica que uma criança, ainda que não seja possível se manter sob a responsabilidade dos pais biológicos, deverá, necessariamente, ser criada em um ambiente afetivo.

Os ensinamentos de Sindey Guerra (2013, p. 53) apontam que as declarações de direitos “têm força na medida em que os textos constitucionais erigem seus ditames como princípios informadores e de validade de toda a ordem jurídica nacional, e valem na medida em que essa mesma ordem jurídica está preparada para torna-las efetivas”.

Nesse sentido, Kreuz (2012, p. 52-53) afirma que os tratados acima referidos reconheceram expressamente o afeto como um direito fundamental da criança, e que o Brasil, ao tornar-se signatário destes, incorporou definitivamente o afeto como um princípio jurídico e um direito fundamental. Conservando o mesmo entendimento, Maria Berenice Dias (2013, p. 72) preleciona que “o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade”.  

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Interessante análise de Mônica Rodrigues Cuneo (2016) apresenta um estudo demonstrando como a presença ou a falta de afeto pode influenciar no desenvolvimento da criança:

O psicanalista René Spitz estudou as relações vinculares e a formação do apego. Em suas pesquisas realizadas junto a um orfanato, Spitz (1945) observou que os bebês institucionalizados que eram alimentados e vestidos, mas não recebiam afeto, nem eram segurados no colo ou embalados, apresentavam dificuldades no seu desenvolvimento físico, faltava-lhes apetite, perdiam peso, sofriam de insônia, tinham grande suscetibilidade a resfriados intermitentes, desenvolviam sentimentos de abandono e embotamento afetivo e, com o tempo, perdiam o interesse por se relacionar.

Esse estudo estimula uma compreensão de que os laços afetivos consubstanciados por atos de carinho, cuidado e amor, representam o elemento precípuo para o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes, independentemente desses laços afetivos originarem-se de vínculos biológicos ou não, desde que estejam em um ambiente familiar. Inegável que “a família pós-moderna ou contemporânea é a família cujos laços de união estão fundamentados no afeto”. (KREUZ, 2012, p.42)

É no seio da família natural que a criança criará os primeiros laços de afetividade, uma vez que aos pais nasce o dever de dedicar aos seus filhos os primeiros cuidados, a segurança e o afeto. Isso ocorre pela simples razão de que a família biológica, em regra, é o primeiro contato humano de uma criança. Nesse sentido, é de maior interesse desta que se mantenha junto à família com a qual tenha criado laços afetivos sólidos.

Contudo, nem sempre os laços afetivos estarão presentes entre a criança e seus pais e parentes consanguíneos. Dessa forma, sem levar em consideração demais variáveis de fatos concretos, a família adotiva se faz profundamente necessária para concretização do direito fundamental à convivência familiar em um ambiente consolidado em laços de afetividade. Como orienta Kreuz (2012, p. 97), inspirado na recomendação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, “na reintegração familiar, não se deve sacralizar os laços biológicos, especialmente quando a criança não mantém com os parentes laços afetivos importantes”.

Apesar disso, alguns doutrinadores, assim como a legislação vigente, ainda mantém forte crença na família natural como sendo a única capaz de proporcionar um verdadeiro desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, priorizando, não a afetividade existente, mas os laços consanguíneos. O que pode ser observado nas palavras de Bordallo (2010, p. 201), em comentários ao Projeto de Lei nº 1.756/03 que tratava da Lei Nacional da Adoção:

Foi bom esse projeto também ter sido arquivado. Dentre os piores problemas que este projeto trazia era o de entender a adoção como um direito da criança e do adolescente, ignorando o direito fundamental à convivência familiar (tendo-se aqui a convivência familiar não só com a família natural, mas, também, com a família extensa). 

Percebe-se, pois, dentro desse entendimento expresso por Bordallo, a omissão da família advinda da adoção também como garantidora da convivência familiar.

Todavia, não se pode ignorar todas as transformações socioculturais pelas quais o nosso país passou, principalmente àquelas relacionadas ao conceito de família, as quais levaram o Direito brasileiro à reconhecer a afetividade como um princípio.

Portanto, o direito à convivência familiar interpretado e aplicado sob a orientação do princípio da afetividade assemelha-se à conceituação apresentada por Paulo Lôbo. Isto é, independentemente de laços de parentesco, busca sempre o maior interesse da criança e do adolescente, priorizando os laços afetivos e não a consanguinidade.


4   ADOÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE

A adoção na visão de Digiácomo (2013, p. 190) “é o instituto pelo qual se estabelece o vínculo de filiação por decisão judicial, em caráter irrevogável, quando não for possível a manutenção da criança ou adolescente em sua família natural ou extensa”. Complementa Bordallo (2010, p. 205) que “a esta modalidade de filiação dá-se o nome de parentesco civil, pois desvinculado do laço de consanguinidade, sendo parentesco constituído pela lei, que cria uma nova situação jurídica, uma nova relação de filiação”.

O ECA não apresenta muitas restrições para que alguém possa adotar, salvo àquelas necessárias para proteger a criança/adolescente.

Quanto aos adotantes, de acordo com seu artigo 42, o estatuto exige a maior idade do indivíduo para que possa adotar, assim como uma diferença de idade de 16 anos entre adotante e adotando. O §1º do mesmo artigo traz impedimento total quanto à adoção por ascendentes e irmãos, uma vez que:

[...] o adotado é descendente e, na hipótese de irmãos, confundiria a relação de parentesco tão próximo (irmão e filho, ao mesmo tempo). O avô, por exemplo, pode ser detentor da guarda do neto, pode ser seu tutor, mas não pode adotá-lo como filho. Por conseguinte, não há impedimento para adoção de parentes colaterais de terceiro grau, a exemplo de sobrinhos, muito comum nos costumes brasileiros. (LÔBO, 2011, p. 277)

Em relação aos tutores e curadores, pelo que dispõe o artigo 44 do Estatuto da Criança e do Adolescente, estes são impedidos de adotar pupilo ou curatelado até que prestem contas de suas administrações. Tratando-se, pois, de impedimento parcial, tendo em vista que “ao ser superada a causa, ou seja, forem prestadas as contas, não haverá nenhum empecilho à adoção”. (BORDALLO, 2010, p. 206)

Salienta-se que, nos termos do artigo 43 do estatuto, a adoção apenas será deferida “quando apresentar reais vantagens ao adotando e fundar-se em motivos legítimos”. Tal preceito está intimamente ligado ao princípio do superior interesse da criança e da proteção integral, principalmente quando exige motivos legítimos à adoção, que, embora seja um termo bastante abstrato, impede que alguém possa adotar por motivos alheios à noção de filiação e suas responsabilidades. Deve-se ter em mente que a adoção não deve ser mais vista como solução para adultos com problemas e sim como garantia à convivência familiar de crianças e adolescentes.

O fundamental é que a adoção é uma medida de proteção aos direitos da criança e do adolescente, e não um mecanismo de satisfação de interesses dos adultos. Trata-se, sempre, de encontrar uma família adequada a uma determinada criança, e não buscar uma criança para aqueles que querem adotar. (BECKER, 2013, p. 207)

Quanto aos adotandos, tendo em vista a excepcionalidade da adoção, crianças e adolescentes apenas poderão ser adotadas quando não mais tenham qualquer possibilidade de reintegração na família de origem ou que não possuam família natural (BORDALLO, 2010, p. 207).

À vista disso, não será possível a adoção sem o consentimento dos representantes legais do adotando, em razão do que dispõe o artigo 45 do ECA. Devendo sempre ser considerada a vontade da criança e, no caso de adolescentes maiores de 12 anos de idade, estabelece o § 2º do mesmo artigo que seu consentimento será também necessário para a efetivação da adoção. Em contrapartida, o artigo 45, por meio do seu § 1º, apresenta as hipóteses em que o consentimento dos representantes legais será dispensado, o que somente ocorrerá quando os pais forem desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar.

  A intensão do legislador, nesse caso, foi evitar o prolongamento desnecessário do processo com uma tentativa fadada ao insucesso de conseguir suprimento de autorização dos pais que não têm mais qualquer ligação com seus filhos.

A criança/adolescente, todavia, somente estará apta à adoção quando ocorrer o trânsito em julgado da sentença judicial fundamentada, prevista no art. 1º, § 1º da Lei nº 12.010/09, apoiada na impossibilidade da recolocação junto à família natural. Destacando ainda, que a inclusão no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) deve ser feita logo após o trânsito em julgado da sentença e pela mesma autoridade judiciária que deixou a criança/adolescente apta à adoção. (RIO GRANDE DO SUL, 2016). De forma mais precisa, o § 8º do artigo 50 do ECA estabelece um prazo de 48 horas para que a autoridade judiciária providencie a inscrição das crianças e adolescentes em condições de serem adotadas no CNA.

Conforme aponta Bordallo (2010, p. 227):

O responsável pela alimentação dos cadastros será a autoridade central estadual (art. 50, § 9º, ECA, acrescido pela Lei 12.010/09) – o Poder Judiciário – que transmitirá estas informações para o cadastro nacional, cuja responsabilidade está a cargo do Conselho Nacional de Justiça.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, já em sua publicação original, estabelecia que em cada comarca ou foro regional deveria haver um registro de crianças e adolescentes aptas à adoção e outro de pessoas interessadas em adotar. Ocorre que no ano de 2008, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com o intuito de aprimorar a referida regra, editou a Resolução nº 54, implantando no Brasil o Cadastro Nacional de Adoção, unificando os dados existentes em cada comarca das unidades da federação. O objetivo da referida medida foi facilitar e agilizar os processos de adoção.

Entretanto, com o advento da Lei 12.010/09, acrescentando o § 1º ao artigo 39 do ECA, a adoção torna-se ainda mais excepcional, sendo recorrida somente após esgotadas todas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente na família natural ou extensa. Assim, diante dessa determinação, para que a criança/adolescente tenha a possibilidade de ser adotada, deverá caminhar por uma estrada longa e íngreme.

No caso de crianças de tenra idade abandonadas, sem qualquer informação de sua origem, o processo tende a ser mais célere, embora seja admitida a demora na hipótese desta ocorrer em razão das tentativas de descobrir a família biológica do infante. Já para as crianças maiores e adolescentes que são capazes de informar sobre sua origem, deve ser feita uma verificação da veracidade das informações prestadas, bem como uma investigação sobre os reais motivos que ensejaram no acolhimento institucional a fim de que se possa constatar a possibilidade de reintegração familiar.

Nessa situação, um dos grandes problemas se manifesta quando a criança/adolescente encontra-se abrigada, mas recebendo visitação esparsa de sua família biológica, vez que há uma grande dificuldade de identificar, nesses casos, se houve ou não o abandono. (BORDALLO, 2010, p. 224-225). 

A Lei 12.010/09, no entanto, também acrescentou o § 1º ao artigo 19 do ECA, estabelecendo que:

Toda que criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação avaliada, no máximo, a cada 6 meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta. (BRASIL, 1990).

A avaliação a cada seis meses permite à equipe multidisciplinar identificar com mais rapidez a situação das crianças e adolescentes afastadas da família natural, ou seja, se podem ser reintegradas ou não. Porém essa regra não impede que se mantenham nessa situação por longos períodos. Isso porque o § 2º do mesmo artigo, também acrescentado pela Lei nº 12.010/09, embora traga uma limitação do tempo em que uma criança/adolescente possa permanecer em programa de acolhimento institucional, o período de dois anos (que pode ser prorrogado) ainda continua sendo deveras extenso para que uma criança ou adolescente se mantenha afastada de um ambiente familiar, seja ele fundado em laços consanguíneos ou não.

Conforme expõe Bordallo (2010, p. 226):

Apesar de termos o prazo de seis meses para a avaliação de cada um dos casos, temos que ter em mente que este prazo não precisa ser de todo utilizado, podendo e devendo ser elaborado relatório de cada um dos casos em período inferior, tudo dependendo do fato em concreto. Devemos trabalhar com o conceito de razoabilidade em face de cada caso concreto para chegarmos à conclusão de estar, ou não, o menor abrigado, em condição de ser inserido no cadastro de adoção. Exemplificando, a criança/adolescente que recebe visitas esporádicas do seu pai ou parente e este, após instado a buscar meios para poder ter o filho novamente sob sua guarda, nada faz, mostrando que prefere que a medida de abrigo se mantenha, está em condições de ser adotada. [...] A pior coisa que pode acontecer para uma criança/adolescente é encontrar um profissional que fica com pena da situação apresentada pelo genitor ou parente e fica tentando manter um vínculo que, de fato, não existe. [...] Mesmo existindo norma expressa (§ 3º, do art. 19, do ECA, acrescido pela Lei nº 12.010/09) determinando que a manutenção e reintegração familiar serão medidas que terão preferência sobre qualquer outra, não podemos nos esquecer que a atuação de todos os profissionais que atuam na área da infância e juventude deverá ter em mente o que for melhor para o destinatário da medida. E o destinatário da medida é a criança/adolescente, não sua família.

Realizadas, pois, todas as medidas e constatada a impossibilidade de reintegração na família de origem, só então a criança ou o adolescente terá seu nome inserido do Cadastro Nacional de Adoção.

Ato contínuo, o artigo 46 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece o estágio de convivência como uma etapa primordial para o convencimento do juízo acerca da adoção.

Isso acontece para que tanto a equipe interprofissional quanto a autoridade judiciária possam verificar o fortalecimento dos laços afetivos, a adaptação da criança ou adolescente com a família e o novo ambiente, ou seja, se a adoção é conveniente e atende os maiores interesses do infante.

Estágio de convivência é o período no qual a criança ou o adolescente é confiado aos cuidados da(s) pessoa(s) interessada(s) em sua adoção (embora, no início, a aproximação entre os mesmos possa ocorrer de forma gradativa), para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo paterno-filial. Por força do contido no caput do dispositivo, a realização do estágio de convivência será a regra, como forma de aferir a adaptação da criança ou adolescente à família substituta e a constituição de uma relação de afinidade e afetividade entre os mesmos, que autorize o deferimento da adoção. (DIGIÁCOMO, 2013, p. 212).

Após toda a espera da criança/adolescente, a adoção, como dispõe o caput do artigo 41 do ECA, desliga o adotado de qualquer vínculo com pais e parentes biológicos, atribuindo-o a condição de filho do adotante, com os mesmos direitos e deveres que teria o filho biológico, inclusive sucessórios, sendo mantido com a família biológica apenas os impedimentos matrimoniais. A extinção do vínculo de consanguinidade, portanto, demonstra a opção do direito brasileiro pela família socioafetiva, bem como pela filiação fundada na afetividade, independentemente de sua origem (LÔBO, 2011, p. 289).

A nossa Constituição Federal, por meio do art. 227, garante à toda criança ou adolescente o direito à convivência familiar, sendo dever da sociedade, da família e do Estado, a assegurar-lhes esse direito, além de protegê-los de qualquer forma de discriminação, violência, crueldade, opressão, exploração e negligência. A adoção, pois, se configura como meio efetivo de proteção do infante diante de tais situações, bem como do abandono, sendo uma forma de garantia à convivência familiar.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBUQUERQUE, Cecília. Adoção excepcional: um confronto entre o biológico e o afetivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5181, 7 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60108. Acesso em: 22 dez. 2024.

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