7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a análise dessa problemática, é necessário ter a compreensão de que o tempo da criança e do adolescente é diferente do tempo do adulto, tendo em vista a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
De acordo com a doutrina utilizada no presente trabalho, e com a interpretação da norma, especialmente o art. 39, § 1º, do ECA, é possível afirmar que existe uma preferência pela família biológica. No entanto, não há uma explicação precisa do porquê dessa preferência, tão somente existe um entendimento dominante de que a manutenção no seio da família natural ou extensa é o melhor para o interesse da criança/adolescente.
Na adoção há o desligamento da criança/adolescente dos seus parentes de origem, bem como o nascimento do adotado em um novo contexto familiar. Como o entendimento é de que a convivência com a família natural ou extensa é o melhor para o infante, consequentemente, a adoção sofre os reflexos do privilégio oferecido à família biológica, uma vez que chegar à disponibilização de crianças e adolescentes para adoção é admitir uma falha do Estado em mantê-las na família de origem.
Ou seja, rebaixa a adoção e a família adotiva à qualidade de algo que se quer evitar. O que pode ser verificado nas conceituações de alguns doutrinadores acerca do direito à convivência familiar, onde percebe-se, nitidamente, a ausência da família substituta, principalmente a adotiva, também como garantidoras do direito em questão.
Diante de uma observação empírica, contudo, surge a compreensão de que o primeiro contato humano e social de uma criança, em regra, se dá com seus genitores e sua família biológica. Isso porque conceber um filho repercute em obrigações inerentes à parentalidade, isto é, os primeiros cuidados, a segurança e o afeto devem ser exercidos por aqueles que trouxeram a criança ao mundo, sendo com essas pessoas que a criança cria os seus primeiros laços de afetividade.
Por essa razão, a manutenção junto à família de origem é uma medida essencial e defendida, inclusive, nos instrumentos internacionais referentes à infância, devendo-se evitar o afastamento do ambiente familiar já conhecido, desde que este não apresente riscos ao desenvolvimento saudável da criança e do adolescente.
A tentativa de reintegração na família natural ou extensa, pois, deve ser a primeira dentre as alternativas tendo em vista os laços afetivos já existentes entre a criança e sua família biológica. Contudo, não deve ser a prioridade. A preferência observada, essencialmente, no § 1º do art. 39 do ECA, considera tão somente os laços consanguíneos, deixando à interpretação do aplicador da norma se a presença de laços afetivos é ou não exigência para o esgotamento de todos os recursos para a manutenção junto à família de origem.
A presença de laços afetivos entre a criança e seus pais e parentes consanguíneos não é um dado absoluto. A consanguinidade não é um pressuposto da afetividade, embora seja uma facilitadora para a criação de vínculos afetivos. Por essa razão, considerando as situações de vulnerabilidade de crianças/adolescentes em um ambiente familiar nocivo ao seu desenvolvimento saudável, é que a família adotiva se faz profundamente necessária para concretização do direito fundamental à convivência familiar.
É certo que os diversos problemas envolvendo as particularidades da adoção estão longe de uma solução milagrosa. Mas um desses problemas acontece em razão de uma supervalorização dos vínculos consanguíneos. Consequentemente, a preferência pela família biológica traz o risco de que uma criança/adolescente seja mantida ou reinserida em um ambiente familiar sem vínculos afetivos e sem condições de contribuir para o desenvolvimento saudável de seu membro.
Por outro lado, a exigência do esgotamento de todos os recursos possíveis para a manutenção da criança/adolescente junto à família de origem, sem limitação precedente, traz prejuízos quando prolonga o tempo das crianças e adolescentes em situação de acolhimento. Além de gerar uma demora arriscada para a disponibilização à adoção, já que a idade da criança/adolescente, infelizmente, ainda é uma característica que pode facilitar ou dificultar uma possível adoção.
A interpretação da norma contida no § 1º do artigo 39 do ECA deve ser feita com base no melhor interesse do menor, sendo evidente e indiscutível que o que trará mais benefícios a uma criança ou um adolescente é a afetividade existente entre eles e sua família, independentemente de se tratar de uma família fundada nos vínculos biológicos ou puramente constituída por vínculos afetivos.
Isso posto, o direito à convivência familiar deve ser visto como o direito que criança ou adolescente possui de viver e crescer acolhido em um ambiente familiar saudável, independente de se basear em laços consanguíneos, mas observando sempre se os laços afetivos estão presentes. Quando se prioriza a família natural e não há igual incentivo ao instituto da adoção também não se estará dando efetividade ao direito à convivência familiar.
Uma sociedade em que o afeto é princípio regedor do direito das famílias, manter uma criança/adolescente junto à família natural apenas em razão de um vínculo biológico é de uma contradição gigantesca. Mesmo havendo o vínculo biológico é essencial que haja afeto. Deve ser priorizada, pois, a afetividade existente, consubstanciada pelo real interesse que a família, seja ela natural, extensa ou adotiva, tem em querer fazer parte do desenvolvimento da criança ou adolescente. Afinal, nem a sociedade, nem o Estado podem obrigar uma pessoa a amar.
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