A prescrição, em qualquer ramo do Direito, sempre foi matéria tormentosa, capaz de estimular, amiúde, o debate acadêmico, doutrinário e jurisprudencial.
O prazo prescricional das sanções aplicadas pelo Tribunal de Contas da União - TCU segue, em especial, a mesma toada controvertida, inclusive na análise empreendida por meio do Acórdão nº 1441/2016 – TCU – Plenário, em que, mesmo por maioria (4 votos a 3 votos), a Corte de Contas federal deixou assente que:
9.1.1. a pretensão punitiva do Tribunal de Contas da União subordina-se ao prazo geral de prescrição indicado no art. 205 do Código Civil;
9.1.2. a prescrição a que se refere o subitem anterior é contada a partir da data de ocorrência da irregularidade sancionada, nos termos do art. 189 do Código Civil;
9.1.3. o ato que ordenar a citação, a audiência ou oitiva da parte interrompe a prescrição de que trata o subitem 9.1.1, nos termos do art. 202, inciso I, do Código Civil;
9.1.4. a prescrição interrompida recomeça a correr da data em que for ordenada a citação, a audiência ou oitiva da parte, nos termos do art. 202, parágrafo único, parte inicial, do Código Civil;
9.1.5. haverá a suspensão da prescrição toda vez que o responsável apresentar elementos adicionais de defesa, ou mesmo quando forem necessárias diligências causadas por conta de algum fato novo trazido pelos jurisdicionados, não suficientemente documentado nas manifestações processuais, sendo que a paralisação da contagem do prazo ocorrerá no período compreendido entre a juntada dos elementos adicionais de defesa ou da peça contendo o fato novo e a análise dos referidos elementos ou da resposta da diligência, nos termos do art. 160, §2º, do Regimento Interno;
9.1.6. a ocorrência desta espécie de prescrição será aferida, independentemente de alegação da parte, em cada processo no qual haja intenção de aplicação das sanções previstas na Lei 8.443/1992;
9.1.7. o entendimento consubstanciado nos subitens anteriores será aplicado, de imediato, aos processos novos (autuados a partir desta data) bem como àqueles pendentes de decisão de mérito ou de apreciação de recurso por este Tribunal;
Questão preliminar que não se pode deixar de comentar diz respeito ao quórum de votação deste Acordão específico, em que o TCU decidiu por 4 votos a 3 votos a questão fixada.
A Min. Ana Arraes, apesar de estar presente ao julgamento, não votou.
O Min. Aroldo Cedraz, presidindo a sessão e a Corte à época, também não votou, por força do disposto no art. 93[1] do Regimento Interno da Corte. Se, contudo, tivesse havido empate, poderia ter proferido o voto de minerva, na forma do inciso IX do art. 28[2] ou do art. 124[3] do mesmo Regimento.
Como o julgamento foi por maioria apertada, poderia ter ocorrido, inclusive, mudança radical de entendimento da Corte em sentido contrário, a depender do entendimento destes dois membros do Tribunal.
Ao largo desta questão processual, entende-se que, apesar de respeitável o posicionamento do TCU, não encontra guarida no ordenamento jurídico nacional.
Em primeiro lugar, há que se referir que a Corte de Contas federal, órgão de auxílio ao Congresso Nacional, tem por competências fiscalizatórias as relações regidas eminentemente pelo Direito Administrativo, com espeque no Direito Constitucional, e não pelo Direito Civil, que trata, basicamente, de relações privadas.
As sanções aplicadas pelo TCU têm, como dito, regência administrativa e é por este ramo do Direito que devem ser analisadas, tanto que a decisão da Corte de que resulte imputação de débito ou cominação de multa, torna a dívida líquida e certa e tem eficácia de título executivo,[4] ou seja, foi por meio de norma de direito público, qual seja, a Lei nº 8.443/1992 – e não de direito privado – e que se outorgou tal qualidade à decisão proferida pelo Tribunal, sem, por óbvio, olvidar o disposto na própria Constituição Federal.[5]
No caso específico da multa sancionatória, extraída do rol de sanções que o Tribunal tem competência para aplicar, pode-se afirmar que esta possui natureza jurídica de ato administrativo[6] podendo, inclusive, ser inscrita em dívida ativa da União, se assim entender a pessoa jurídica titular do crédito resultante da decisão condenatória do Tribunal, conforme já decidiu a própria Corte de Contas da União.[7]
Se tem caráter administrativo, o plexo de normas que sobre ela incide só pode ser o de Direito Administrativo, e não de Direito Civil, devendo prevalecer, na espécie, as normas de direito público em detrimento daquelas de direito privado.
No campo do direito público, há inúmeras leis – mencionadas, inclusive, no Relatório do Voto do Relator do Acórdão nº 1441/2016 de que ora se trata – regendo a prescrição administrativa em cinco anos, quais sejam, e apenas para exemplificar, as Leis nº 8.429/1992, 8.112/1990, 9.873/1999, 6.838/1980, 12.529/2011, além do Código Tributário Nacional e do Decreto nº 20.910/1932.
Não se pode olvidar que, no Direito em geral, o fator tempo é determinante para constituição ou desconstituição de direitos ou relações jurídicas, como, verbi gratia, no caso da usucapião, em que o passar do tempo, sem oposição do interessado, faz com que a propriedade de determinado bem imóvel passa de uma pessoa para outra.
O brocardo jurídico, nesse caso, de que o direito não socorre aos que dormem deve valer, também, para o caso sub examine, ou seja, se o Poder Público não agiu no tempo devido, por qualquer razão, não deve subsistir no tempo a possibilidade de apenação, sob pena de violação, principalmente, ao princípio da segurança jurídica.
O Supremo Tribunal Federal já foi conclamado a se pronunciar inúmeras vezes sobre a questão do prazo prescricional de cinco anos para o Poder Público.
Num deles, sob o manto da Fazenda Pública, o Tribunal considerou constitucional o prazo prescricional de cinco anos para as ações de indenização por danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos[8].
No recente Mandado de Segurança nº 32.201/DF, o Relator, Min. Relator Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal - STF, tratando especificamente sobre a questão de multa aplicada pelo Tribunal de Contas da União, afastou a incidência da penalidade por ter identificado a ocorrência de prescrição de cinco anos de que se comenta.
No parecer para pronunciamento do Plenário no mesmo caso, o Ministério Público Federal, sob a pena do Subprocurador-Geral da República Paulo Gustavo Gonet Branco, seguiu o mesmo entendimento, manifestando-se pela procedência da liminar deferida e do mandamus ajuizado.[9]
Quanto à data que deve ser considerada como dies a quo do marco temporal de cinco anos, tem-se como a mais justa, correta e sensata para o caso – respeitados todos os honrosos e divergentes entendimentos – a data da ocorrência do fato, pois a eventual violação do direito ali surgiu.
Se o Estado, pela ineficiência da máquina pública, não foi capaz de agir em tempo para fazer prevalecer o Direito no caso concreto, não é o agente sancionado o responsável pela situação. Não deve, pois, responder pela inércia ou burocracia excessiva do Poder Público.
Aliás, identificada situação dessa natureza, em que o Estado não conseguiu sancionar eventual infração à ordem legal por seus agentes, há que se perquirir o que ocorreu no caso concreto para, à luz do mesmo Direito Administrativo, aplicar as penalidades devidas aos agentes causadores do retardo punitivo.
Se, ao fim e ao cabo, se identificar que todos os agentes envolvidos na apuração e punição da infração agiram em tempo razoável e, mesmo assim, a pretensão punitiva estatal prescreveu, há que se promover as adequações devidas no funcionamento da máquina pública, de modo a torná-la mais eficiente, em homenagem ao art. 37, caput,[10] da Constituição Federal, inclusive, e se necessário, sob o ponto de vista normativo-legislativo, mas não para ampliar os prazos prescricionais, mas apenas e tão-somente para adequar procedimentos com vistas a tornar o processo apuratório-punitivo mais célere.
Em remate, tem-se que a aplicação de sanções pelo Tribunal de Contas da União prescreve em cinco anos a contar da data do fato, de modo a privilegiar a segurança jurídica necessária e tão cara ao sistema jurídico e, também, lançar luzes sobre a imediatidade e indispensabilidade de se dar cumprimento ao princípio da eficiência, de que o Brasil tanto precisa, seja no setor público, seja no privado.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932. Regula a prescrição quinquenal. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 08 jan. 1932. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Antigos/D20910.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011. Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei no8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, e a Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei no 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei no 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 01 dez. 2011. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 27 out. 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 6.838, de 29 de outubro de 1980. Dispõe sobre o prazo prescricional para a punibilidade de profissional liberal, por falta sujeita a processo disciplinar, a ser aplicada por órgão competente. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 30 out. 1980. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L6838.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 19 abr. 1991. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8112compilado.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 03 jun. 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8429.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 8.443, de 16 de julho de 1992. Dispõe Sobre a Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União - TCU, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 17 jul. 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8443.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 1999. Estabelece prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, direta e indireta, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 24 nov. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9873.htm>. Acesso em: 13 jun. 2017.
BRASIL. Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. Resolução-TCU nº 246, de 30 de novembro de 2011. Disponível em: <http://portal.tcu.gov.br/normativos/regimentos-internos/>. Acesso em: 13 jun. 2017.
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BRASIL. Tribunal Regional Federal da Primeira Região. Direito Administrativo. APELAÇÃO CÍVEL N. 2009.30.00.000664-0/AC, da Quarta Turma, Brasília, DF, 18 de novembro de 2014. Disponível em: <http://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo.asp?p1=200930000006640&pA=200930000006640&pN=6647220094013000>. Acesso em: 13 jun. 2017.
Notas
[1] Art. 93. As sessões do Plenário serão ordinárias e extraordinárias e, ressalvadas as hipóteses previstas nos incisos III e VII do art. 96 e observado o disposto no § 3º do art. 24 e no § 1º do art. 36, somente poderão ser abertas com o quórum de cinco ministros ou ministros-substitutos convocados, exclusive o Presidente.
[2] Art. 28. Compete ao Presidente: (…)
IX – proferir voto de desempate em processo submetido ao Plenário;
[3] Art. 124. Caberá ao Presidente do Tribunal ou ao ministro que estiver na Presidência do Plenário proferir voto de desempate.
[4] Art. 24 da Lei nº 8.443/1992.
[5] Art. 71. (omissis)
§ 3º As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
[6] TRF 1ª Região, Quarta Turma, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, AC 6647220094013000, Julgado em 10.12.2014.
[7] Acórdão nº 1658/2015 – TCU – Plenário, Rel. Min. Benjamin Zymler, julgado em 08.07.2015.
[8] STF, Plenário, Rel. Min. Teori Zavascki, ADI 2418 / DF, julgada em 04/05/2016.
[9] Não estão disponíveis, entretanto e até a data de produção deste artigo, os demais votos da Primeira Turma, que acabou por indeferir a ordem e considerar prejudicada a liminar anteriormente deferida.
[10] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: