8 CONCLUSÃO
Em função de tudo o que foi exposto, não restam dúvidas que o Poder Judiciário – junto com os demais atores judiciais – vem historicamente adentrando no mérito de atos administrativos, muito embora não tenha tido a intenção de fazê-lo. Ao permitir que se possa oficiar órgãos administrativos da forma como se faz hoje (ordenando a instauração de procedimentos disciplinares) e ao enfrentar o mérito dos atos administrativos (relegando o administrador prisional a um segundo plano, como se suas decisões não tivessem validade), o Poder Judiciário causa inúmeros transtornos e injustiças – muito embora, repita-se, não tenha sido essa jamais a sua intenção.
O acompanhamento da jurisprudência reiterada, assim como do dia-a-dia das Varas de Execuções Criminais, permite afirmar com absoluto grau de convicção que os Juízes (e os demais atores judiciais) dão tudo de si para fazer o sistema funcionar. Os agentes e serventuários envolvidos são verdadeiros guerreiros dentro do sistema público. Afinal, diferentemente de outras varas com competências mais glamorosas, a execução criminal não recebe a atenção que mereceria receber, até para implementar todas as políticas públicas que seriam necessárias. E a imagem junto à sociedade não é das melhores, pois quem atua perante a área prisional recebe olhares “duvidosos”, tendo em vista que lida com “bandidos” (fato que tem se agravado com as recentes questões envolvendo o agravamento da crise da Segurança Pública).
Nesse sentido, olha-se com parcimônia e afirma-se que, muito embora bem-intencionados, os agentes envolvidos acabaram por colaborar com uma injustiça gritante ao longo de anos de decisões “reiteradas”, sem jamais questionar os fundamentos e motivos dessas decisões. Nem mesmo Defensores, Promotores e Advogados passaram ilesos em relação a isso. A responsabilidade, decididamente, não é exclusiva do Poder Judiciário. O problema é que cabe a este a última palavra, o que acaba por deixá-lo mais em evidência, apenas isso. Mas devemos lembrar que a Magistratura decide a partir daquilo que lhe é apresentado.
Nesse passo, é importante que se dê a devida atenção aos problemas levantados neste estudo. É preciso sair daquela atuação “no automático” que o dia-a-dia impõe, para que se possa questionar o Processo de Execução Criminal com a profundidade que ele merece.
Assim, depois de tudo o que restou apresentado, algumas conclusões podem ser extraídas:
- a competência para instaurar, conduzir a instrução do PAD, reconhecer a prática de uma falta grave e aplicar sanções administrativas é do Diretor do estabelecimento prisional
- o Juízo da VEC não tem competência para determinar a instauração de PADs
- o Juízo da VEC, igualmente, não tem competência para reconhecer ou deixar de reconhecer faltas graves
- a competência do Juízo da VEC está restrita a aplicar (ou não) um ou alguns dos chamados “consectários legais” (que não são de aplicação obrigatória em qualquer caso)
- se provocado, poderá o Judiciário exercer o controle de legalidade/constitucionalidade dos atos administrativos
- Na ausência de provocação determinará (ou não) a regressão de regime, a alteração da data-base e a perda da remição (mas não poderá se imiscuir na competência do Diretor do Presídio, reconhecendo ou não a suposta falta grave).
- a audiência de justificação é prescindível
- diante da omissão na LEP, a prescrição de faltas disciplinares será aquela regrada nas legislações estaduais, quando houver essa previsão
Diante desse quadro de conclusões que o estudo impõe, e até para otimizar a atuação processual penal nos feitos atinentes à execução criminal, poder-se-ia sugerir inclusive a seguinte forma de agir, quando do aporte nos autos da notícia do reconhecimento administrativo de uma falta grave:
- vista dos documentos para o Ministério Público e a Defesa (constituída ou Pública) para analisarem o procedimento e formularem as alegações pertinentes (se as entenderem necessárias);
- na ausência de requerimentos, o Juiz apreciará se é o caso de aplicação (ou não) de uma, todas ou apenas algumas das consequências que entender cabíveis (regressão de regime, alteração de data-base e/ou perda da remição);
- no caso de haver alegações, poderá então (agora devidamente provocado) declarar a ilegalidade/inconstitucionalidade, se entender que estas existem; ou, na hipótese de entender não haver nenhum vício, apreciar se é o caso de aplicação dos efeitos referidos no item anterior.
Proceder dessa maneira parece atender de forma conciliadora e integral a todos os princípios processuais mencionados acima, tanto os constitucionais como os legais. Da mesma forma, haveria um grande incremento de agilidade na procedimentalização dos PADS e na sua apreciação judicial (que inclusive dispensaria audiências desnecessárias). De outra banda, o apenado veria o seu direito apreciado com agilidade, fato que teria como efeito direto a própria pacificação das casas prisionais (hoje superlotadas, algumas à beira de um colapso).
Pode-se inclusive dizer que é semelhante a uma negociação do tipo “ganha-ganha” (do inglês “win-win negotiation”), pois: de um lado, ganha o apenado em justiça e celeridade; ao mesmo tempo, do outro lado, ganha o Poder Judiciário que, ao não precisar realizar audiências a esmo, pode direcionar o foco do seu trabalho para questões mais práticas, como a própria fiscalização prisional ou mesmo a análise dos pedidos formulados pelos jurisdicionados. Ainda, uma consequência feliz e inesperada da solução apresentada: ganha também o Poder Executivo, pois, não havendo mais necessidade de audiências de justificação, também não há mais a necessidade de transporte de presos, o que gera uma grande economia de recursos para o Estado.
9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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