I - INTRODUÇÃO
Tendo em vista os recentes debates acerca da correta realização das famigeradas "visitas íntimas", o presente artigo visa esclarecer a importância da correta utilização deste direito como forma de auxiliar o processo de reinserção do preso ao convívio social, assim como para a manutenção da higidez psíquica dos detentos, os quais foram privados da liberdade de locomoção, mas não podem ser injustamente condenados à castração.
Visto por muitos pensadores como "luxo" desnecessário ao detento, o direito à visita íntima obviamente não pode ser realizado em todos os casos, principalmente quando for evidenciado que tais encontros íntimos acontecem com interesses escusos de fomentar a prática de crimes extramuros. Contudo, privar os condenados do direito de se relacionarem sexualmente com os seus respectivos cônjuges ou companheiros sob alegações genéricas, sem motivação adequada ao caso concreto, é atitude que fere o princípio da dignidade da pessoa humana, conforme será debatido no presente estudo.
II - DO DIREITO À VISITA ÍNTIMA - HISTÓRICO
Antes de 1984, as visitas íntimas aconteciam de maneira informal, na maior parte dos casos em barracas improvisadas nos pátios das penitenciárias, locais, estes, que permitiam aos condenados e seus respectivos cônjuges ou companheiros manterem encontros afetivos com uma privacidade extremamente questionável, em dias de visita sobre os quais os carcereiros e responsáveis pela ordem nessas instituições faziam-se de desentendidos. Obviamente, tal cenário propiciava atos de corrupção de vários carcereiros, os quais comercializavam estas "oportunidades" para a realização de encontros íntimos com os detentos.
Neste diapasão, urge salientar que o direito às visitas íntimas é recente em nosso ordenamento jurídico. Surge com a disposição expressa do artigo 41, X, da Lei 7210/84 (Lei de Execução penal), in verbis:
Art. 41 - Constituem direitos do preso:
(...)
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados.
No mesmo sentido da legislação vigente, a resolução número 1 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), publicada em 30 de Março de 1999, recomenda aos Departamentos Penitenciários Estaduais ou órgãos congêneres que seja assegurado o direito à visita íntima aos presos de ambos os sexos, recolhidos aos estabelecimentos prisionais.
Tal direito foi reforçado para as mulheres em 2001, através da Resolução de número 96 da Secretaria das Administrações Prisionais do Estado de São Paulo, com base no caput do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei.
Os menores infratores adquiriram o direito à visita íntima em 2012, com a entrada em vigor da lei 12594, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), o qual regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem atos infracionais. No artigo 68 de tal lei está expresso o direito à visita íntima:
Art. 68. É assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável o direito à visita íntima.
Destarte, tem-se que regulamentado inicialmente apenas para os presidiários do sexo masculino, pela Lei de Execução Penal (LEP) de 1984; mais tarde o direito foi também estendido às mulheres, aos jovens infratores e aos homossexuais.
II - ESTUDO ACERCA DA IMPORTÂNCIA DAS VISITAS ÍNTIMAS
De acordo com tese de mestrado denominada "A influência das visitas íntimas na vivência de reclusão feminina", realizado por Rita Pinto, em Portugal, foram constatados diversos fatores que corroboram a importância das visitas íntimas no ambiente prisional, entre eles: redução da tensão, da hostilidade e da violência entre reclusos e entre reclusos e funcionários; preservação das relações pré-prisionais etc.
Ademais, de acordo com o aludido estudo, foi comprovado que as detentas, por temerem a privação do direito aos encontros íntimos, prezam por manterem condutas zelosas dentro dos presídios, o que evidencia que a manutenção do aludido direito pode ser um valioso instrumento de gestão penitenciária.
III - LEI 13271/16 E A PROIBIÇÃO DA REVISTA ÍNTIMA FEMININA
Segundo levantamento da campanha "Pelo fim da revista vexatória", da Rede de Justiça Criminal de São Paulo, apenas 0,03% das revistas íntimas nos presídios leva à apreensão de algum material proibido, como drogas, armas e celulares. Os dados apontam também que a apreensão de objetos com parentes é quatro vezes menor do que os encontrados com os presos.
É fato notório que os procedimentos de revista íntima são extremamente vexatórios. Exames em órgãos genitais e a realização de agachamentos sobre um espelho são apenas alguns dos procedimentos adotados. Tais métodos violam claramente preceitos fundamentais, tais como a honra e a privacidade, assegurados no inciso X do respeitado art. 5º da Constituição Federal.
Neste diapasão, a Lei 13271/16, breve em seu conteúdo, dispõe de forma clara a respeito da proibição da revista íntima em mulheres.
Eis o teor da aludida norma, in verbis:
Art. 1o As empresas privadas, os órgãos e entidades da administração pública, direta e indireta, ficam proibidos de adotar qualquer prática de revista íntima de suas funcionárias e de clientes do sexo feminino.
Art. 2o Pelo não cumprimento do art. 1o, ficam os infratores sujeitos a:
I - multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) ao empregador, revertidos aos órgãos de proteção dos direitos da mulher;
II - multa em dobro do valor estipulado no inciso I, em caso de reincidência, independentemente da indenização por danos morais e materiais e sanções de ordem penal.
O artigo 4º da referida lei determinou, ainda, a entrada em vigor desta a partir do momento da sua publicação, o que ocorreu em 18 de abril de 2016. Assim, teoricamente, os órgãos da administração pública já estão sujeitos às respectivas sanções administrativas e penais.
Pela literalidade do texto da aludida norma, resta evidente sua aplicação às penitenciárias, inclusive nos momentos prévios e posteriores às visitas íntimas, objeto do presente estudo.
Vale asseverar que o legislador não teve a cautela necessária na elaboração desta Lei, uma vez que não regulamentou quais métodos devem ser utilizados para prevenir que os contatos íntimos não sejam utilizados para entrega de drogas, armas ou celulares aos detentos, por exemplo.
Neste diapasão, a prudência e o bom senso devem acompanhar os aplicadores desta norma. É necessário acabar com os procedimentos humilhantes de revista íntima. Porém, antes, é essencial que o Estado garanta aparato essencial básico de revista, tendo em vista a segurança dos próprios apenados, dos agentes de segurança e de toda a sociedade.
Uma forma eficaz de garantir o respeito à dignidade dos detentos e de seus parceiros conjugais seria a obrigatoriedade de instalação de scanners corporais nos presídios, de modo a aferir se a real intenção dos encontros íntimos seria ou não a prática de ilícitos.
IV - REVISTA ÍNTIMA EM OUTROS ORDENAMENTOS JURÍDICOS
As visitas conjugais são permitidas em cadeias de várias partes do mundo, sendo certo que cada país tem uma atitude diferente com relação a como elas devem ser conduzidas. No Qatar, por exemplo, há cerca de três anos, o governo anunciou a criação de pequenas casas privativas nas quais os presos podem se encontrar com as esposas e filhos.
Em Israel adotou postura mais liberal em relação ao Qatar, uma vez que tanto presos heterossexuais como homossexuais têm o mesmo direito garantido. No México, o sistema prisional segue o mesmo exemplo do israelense e também permite as visitas íntimas entre pessoas do mesmo sexo.
No Canadá, a cada dois meses, os prisioneiros recebem o direito a passar 72 horas com suas esposas e seus familiares em um apartamento mantido pelas penitenciárias.
Na Índia, desde 2005, o sistema legal considera que ter filhos com as esposas — seja através de métodos naturais ou por meio da inseminação artificial — é um direito fundamental dos prisioneiros.
Surpreendentemente, países desenvolvidos economicamente, tais como Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte não permitem as visitas conjugais nas prisões, mas os detentos de baixo risco podem receber licenças para ir até suas casas ver seus familiares.
Por fim, nos Estados Unidos, o privilégio existe apenas em quatro estados — Washington, Califórnia, Nova York e Connecticut — e somente em cadeias estaduais.
V - MANDADO DE SEGURANÇA COMO FORMA DE SALVAGUARDAR O DIREITO À VISITA ÍNTIMA
De acordo com o recente informativo 871 do Supremo Tribunal Federal, entendeu-se que não cabe falar em habeas corpus para tutelar o direito à visita em presídio, não existindo ofensa à liberdade de locomoção do detento ou de seu cônjuge ou companheiro.
Obviamente, sendo claro que o direito de locomoção do detento já se encontra obstado pelo Estado, não há como se entender que existe atitude arbitrária a privar este direito específico.
Contudo, conforme explanado no presente estudo, sendo certo que o direito à visita íntima está assegurado no atual ordenamento jurídico pátrio, resta evidente que ele somente pode ser restrito mediante ato devidamente motivado.
Nesta senda, vale expor o parágrafo único do já comentado artigo 41 da Lei 7210/84, o qual diz expressamente que o direito de visita do cônjuge, da companheira, de parente e amigos em dias determinados pode ser suspenso ou restringido mediante ato motivado do diretor do estabelecimento.
Portanto, como forma de salvaguardar o direito às visitas íntimas, não há dúvidas de que o adequado instrumento a ser utilizado pelas vítimas do ato arbitrário é o Mandado de Segurança.
De acordo com a Constituição Federal, "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público" (artigo 5º, LXIX).
Ora, sendo o direito às visitas íntimas assegurado pela legislação infraconstitucional, resta evidente que se trata de direito líquido e certo que merece amparo do writ of mandamus.
Atualmente, o mandado de segurança encontra-se regulamentado pela Lei 12.016/09. Esta lei revogou expressamente a Lei 1533/51 e passou a tratar do mandado de segurança individual e coletivo.
VI - CONCLUSÃO
Tendo em vista os argumentos alhures mencionados, tem-se que o direito à visita íntima é corolário do princípio da dignidade humana (artigo 1º, III, CF/88), não podendo ser arbitrariamente violado por argumentos simplórios de prevenção penal, sem que existam reais indícios de que os cônjuges ou companheiros não estão se encontrando com o fim único de nutrir a afeição que sentem um pelo outro. Não há como resguardar o interesse público afetando injustificadamente direitos elementares de seres humanos que um dia possivelmente retornarão ao convívio social.
Nas palavras do brilhante Rogério Greco “o erro cometido pelo cidadão ao praticar um delito não permite que o Estado cometa outro, muito mais grave, ao tratá-lo como um animal. Se uma das funções da pena é a ressocialização do condenado, certamente num regime cruel e desumano isso não acontecerá”.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei de Execução Penal. Vade Mecum. Saraiva – 2016.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 4ª Edição. São Paulo. Revista dos Tribunais.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 14ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Impetus.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal - volume único 4ª Edição. Salvador. Editora Juspodivm.
Resolução de número 96 da Secretaria das Administrações Prisionais do Estado de São Paulo.
BRASIL, CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, promulgada em 5 de outubro de 1988.
Saúde no sistema penitenciário, cartilha do ministério da saúde, 2010.
https://m.megacurioso.com.br/policia/100427-descubra-como-as-visitas-intimas-acontecem-pelas-prisoes-do-mundo.htm
http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2014-09/justica-global-recomendacao-sobre-revista-intima-e-um-passo-mas-nao
https://www.publico.pt/2017/08/31/sociedade/noticia/se-nao-houvesse visitaintima havia-muita-porrada-1783851