5- Pressupostos processuais
Enquanto as condições da ação dizem respeito ao exercício do direito de ação, os pressupostos processuais são condições legalmente estabelecidas para a higidez da relação processual que necessariamente advirá do direito de ação.
A relação processual, como já referido, é uma relação de direito público, qualquer que seja o direito posto em causa, não só porque o Estado participa desta relação, como, ainda, pelo fato de que há interesse público na sua regular constituição e desenvolvimento.
Urge referir que para argüirmos alguns deles há institutos específicos, que são as exceções processuais codificadas: de suspeição, de impedimento e de incompetência, conforme o artigo 304 do CPC. Mas iniciemos pelos pressupostos subjetivos, concernentes às partes e juízo.
5-1) Pressupostos subjetivos
Os pressupostos referentes às partes são a capacidade para ser parte, a capacidade para estar em juízo e a capacidade postulatória.
A capacidade para ser parte está relacionada à personalidade jurídica, que é por sua vez reconhecida como a aptidão para figurar como sujeito de direitos e obrigações juridicamente relevantes. A capacidade das pessoas físicas e jurídicas encontra-se assentada nas leis civis, administrativas e notariais. Eventualmente, porém, entes destituídos de personalidade jurídica podem ser concebidos como sujeitos de direitos, como é o caso do espólio e da massa falida.
Eventualmente a execução pode ser proposta por equívoco contra quem não tem capacidade de ser parte ou que perdeu esta capacidade. Em sendo pressuposto processual, pode a matéria ser conhecida de ofício ou por provocação do interessado, caracterizando a exceção de pré-executividade. Mas neste aspecto específico, todo cuidado é necessário para que não se perca de vista a instrumentalidade das formas. Implica dizer que se o defeito é corrigível, devera ser oportunizada a emenda à inicial, hipótese igualmente viável no processo executivo.
A capacidade da pessoa jurídica, lembremos nós, deve ser comprovada mediante juntada do contrato social ou estatuto e dos seus atos registrais.
Assim sendo, se o devedor se deparar com pessoa jurídica que não apresente constituição regular, ou com pessoa física que não mais pode ser parte (pelo falecimento, por exemplo), poderá argüir a falta de capacidade ad processum.
A capacidade para estar em juízo tem por princípio que "toda a pessoa que se acha no exercício dos seus direitos tem capacidade para estar em juízo"(CPC, artigo 7º). Todavia nem sempre ocorre coincidência entre aquele que é parte legítima e aquele que vem a juízo.
A representação vem regulada no Código de Processo Civil, artigos 8º, 9º e 12. Convém citar o artigo 12 do CPC:
"Art. 12- Serão representados em juízo, ativa e passivamente:
I - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, por seus procuradores;
II - o Município, por seu Prefeito ou procurador;
III - a massa falida, pelo síndico;
IV - a herança jacente ou vacante, por seu curador;
V - o espólio, pelo inventariante;
VI - as pessoas jurídicas, por quem os respectivos estatutos designarem, ou, não os designando por seus diretores;
VII - as sociedades sem personalidade jurídica, pela pessoa a quem couber a administração dos seus bens;
VIII - a pessoa jurídica estrangeira, pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil (art. 88, parágrafo único);
IX - o condomínio, pelo administrador ou pelo síndico".
Presente defeito de representação ou falta de capacidade processual, "o juiz, suspendendo o processo, marcará prazo razoável para ser sanado o defeito. Não sendo cumprido o despacho dentro do prazo, se a providência couber" [14]. Somente após assinalado prazo e não atendida a providência necessária, poderá o juiz tomar uma das providência cabíveis no processo de execução, decretando a revelia se for o réu, ou executado no caso, a omitir-se, ou declarando a nulidade do feito se for o exequënte.
Tal regra, a do artigo 13, representa verdadeira superfetação, visto que outra não poderia ser a solução diante uma visão instrumental do processo.
O último pressuposto processual subjetivo referente às partes respeita à capacidade postulatória, sendo a regra a representação em juízo por advogado (artigo 36 do CPC) [15].
A matéria vem regulada pelo artigo 37, parágrafo único, do CPC, que determina que a ausência de ratificação dos atos praticados por causídico que não apresentou procuração tem como consectário considerarem-se os atos como inexistentes. O mesmo ocorre com causídico que esteja suspenso quanto ao exercício da advocacia.
Uma vez deferido e expirado o prazo para juntada do mandato sem que a providência tenha sido tomada, poderá ser manejada a exceção de pré-executividade. É, porém, de todo conveniente que seja procedida intimação prévia acerca da concessão do prazo com expressa advertência das conseqüências [16].
Os pressupostos referentes ao juízo dizem respeito à competência e à ausência de impedimentos e suspeições.
A competência pode ser, como cediço, absoluta ou relativa. Em regra, as competências material e funcional são absolutas (artigo 111 do CPC), ao passo que a territorial e em razão do valor são relativas (artigo 102 do CPC).
A competência (ou incompetência) absoluta deve ser declarada de ofício pelo juiz, ao passo que a incompetência relativa demanda a argüição pela respectiva exceção (artigos 112 e 307 do CPC).
No caso da incompetência absoluta, uma vez que é conhecível de ofício, poderá, por certo, ser objeto da exceção de pré-executividade [17].
Mas a competência relativa suscita dúvida. Isto ocorre porque o artigo 742 estabelece que "será oferecida, juntamente com os embargos, a exceção de incompetência do juízo, bem como a de suspeição ou de impedimento do juiz".
A aplicação deste dispositivo deu azo a julgados do seguinte teor:
"EXECUÇÃO. CONEXÃO ENTRE AÇÃO EXECUTIVA E AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO DE PAGAMENTO. PROPOSIÇÃO OFERTADA EM INCIDENTE DE EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INADMISSIBILIDADE. MATÉRIA QUE DEVE SER SUSCITADA E APRECIADA EM SEDE DE EMBARGOS DO DEVEDOR. Descabida é a argüição de exceção de pré-executividade fundada apenas na alegação da ocorrência de conexão ou continência, considerando que a exceção de incompetência relativa, na execução, em princípio, deve ser apresentada juntamente com os embargos. Recurso conhecido e provido. (Agravo de Instrumento nº 0218121-3 (17308), 2ª Câmara Cível do TAPR, Curitiba, Rel. Edgard Fernando Barbosa. j. 26.02.2003, unânime)".
Já o artigo 741, inc. VII, do CPC determina que as matérias relativas a competência, suspeição e impedimento devem ser objeto dos embargos.
Mas as disposições legais têm origem em época onde a exceção de pré-executividade não era um instrumento em uso, e pode ocorrer que o executado não tenha efetivamente nenhuma oposição a ser feita além da pertinente à competência.
Será lícito exigir-lhe que ofereça bens a penhora e interponha embargos como condição para poder exercer o direito de ver alterada a competência?
Se nos parece que dentro de uma perspectiva fundada na razoabilidade a resposta negativa se impõe. Ademais, se os próprios embargos estavam previstos como único meio de ataque ao processo executivo e não obstante se admitiu a exceção, porque se haveria de obstar a alegação de incompetência se os embargos eram um prius em relação ao incidente?
Seremos forçados, neste contexto, a admitir que seja manejada a exceção no próprio processo de execução diretamente, ou permitir que a incompetência relativa seja argüida via exceção de pré-executividade.
A primeira solução se me afigura melhor, visto que permite a integridade do sistema processual dentro de um primado de isonomia. Realmente, a única forma de mantermos a questão da incompetência relativa dentro da exceção respectiva é admitir que ela possa ser manejada independentemente dos embargos.
O mesmo raciocínio vale para as questões da suspeição e do impedimento, cuja veiculação dentro das respectivas exceções tem por conseqüência que não possam ser objeto de exceção de pré-executividade.
5.2) Pressupostos objetivos
Os pressupostos processuais objetivos podem ser intrínsecos ou extrínsecos. Os primeiros dizem respeito a todas as espécies de nulidades formais da relação processual. A segunda categoria refere-se a causas externas que podem obstar a o desenvolvimento de uma relação processual válida e eficaz.
As nulidades são classificadas pelo CPC em cominadas e não cominadas. Esta classificação, que encontrou alguns adeptos na doutrina, demonstrou-se de há muito lacunosa e falha. A doutrina de Galeno Lacerda [18] possibilitou construção de um sistema de nulidades que leva em conta as espécies de normas violadas.
Podemos classificar as normas em cogentes e dispositivas, sendo que as primeiras podem ter sido estabelecidas tendo em vista o direito da parte ou o prisma do prestador da jurisdição como base.
Se ocorre violação de norma cogente cuja existência se deve sobretudo à preservação de princípios que se voltam para a higidez da relação enquanto relação de direito público, significa dizer, normas voltadas à preservação de aspectos que importam sobretudo ao Estado-Juiz, então temos uma nulidade absoluta, que poderá ser conhecida de ofício pelo magistrado e que não comporta convalidação do ato ou atos nulos, não precluindo, em regra.
Se a norma é cogente, mas tem sua existência justificadas especialmente no interesse das partes, enquanto tais, temos nulidade relativa, que pode ser reconhecida de ofício pelo magistrado, mas que admite convalidação e precluem para a parte [19].
Se a norma violada é de direito dispositivo, fica o magistrado impossibilitado de declarar a nulidade. Há preclusão para as partes e possibilidade de convalidação. Estaremos diante de uma anulabilidade [20].
Por fim, restam as meras irregularidades, que concernem a aspectos formais puros, onde sequer existe possibilidade de prejuízo concreto.
Somente podem ser veiculadas através de exceção de pré-executividade as nulidades absolutas e relativas, e isto quando houver possibilidade de comprovação de plano de sua existência [21], ou seja, por prova documental ou fato notório.
Os pressupostos extrínsecos dizem respeito à causas externas de inviabilização do processo, como ocorre, por exemplo, na ausência do recolhimento de custas de processo anteriores extintos, nos termos do artigo 268 do CPC. Outra hipótese que pode ser aventada é a perda e exigibilidade do título após o ajuizamento.
Também nestes casos, sendo possível a comprovação imediata da alegação, é cabível seja ela procedida através de exceção pré-executiva.
6- Prescrição e Decadência
A decadência pode ser reconhecida de ofício, e, portanto, quanto a ela problema algum haveria. Aliás, no novo Código Civil esta possibilidade é expressa (artigo 210).
Diversa é a situação da prescrição a teor do artigo 219, parágrafo 5º, do CPC, 166 do revogado Código Civil, e 194 do Novo Código Civil. A lei processual permite o reconhecimento da prescrição oficiosamente quanto se tratar de direito de cunho não patrimonial, ao passo que a lei civil atual não faz qualquer distinção, somente se admitindo a declaração de ofício se a parte for incapaz.
Ocorre que a alegação de prescrição tem sido largamente aceita nos meios jurisprudenciais.
Trata-se de típico caso onde não há maior necessidade de provas, pois a regra é que o simples cotejo de datas, o que pode ser feito com base no próprio título exeqüendo, forneça esteio para a constatação da prescrição, que fulmina a ação executiva. O ônus de provar causas suspensivas ou interruptivas, passa, ordinariamente, ao credor, pois é difícil provar que não ocorreram [22].
Neste caso, não há necessidade de enquadramento da decadência e da prescrição dentro de uma das categorias de condições da ação e pressupostos processuais, devendo ser considerados, como ocorre no processo de conhecimento, institutos autônomos [23].
Devem, portanto, ser admitidas como embasamento para uma exceção de pré-executividade, pois a impossibilidade, em tese, de declaração de prescrição conduz à irrazoável necessidade de ajuizamento de embargos e imobilização de patrimônio para constatar aquilo que está evidente, implicando, ademais, o ajuizamento de mais uma ação e a produção de mais um processo.
7- Impenhorabilidade
Por força do princípio da responsabilidade patrimonial ampla, responde com todo o seu patrimônio o devedor (artigo 591 do CPC). Há, contudo, exceções legais, que materializam os casos de impenhorabilidade, absoluta ou relativa, previsto no CPC, artigo 648 e seguintes e em leis extravagantes, como a Lei nº 8.009/90.
A questão da impenhorabilidade absoluta é reconhecida como de ordem pública, e os casos de impenhorabilidade de há muito considerados aptos a serem declarados de ofício pelo magistrado.
Como se trata, na hipótese, de verificar a legalidade de um ato do processo que nenhuma repercussão terá sobre o seu deslinde, e como a questão é de ordem pública, comportando mera alteração do bem constrito, a exceção de pré-executividade não é meio idôneo para tratar de impenhorabilidade. Melhor seria dizermos que o incidente de impenhorabilidade não pode ser dito exceção de pré-executividade, nomeclatura que deve ser reservada ao incidente que materialize ataque ao título ou à relação processual [24].
A respeito já decidiu o TJRS que:
"Matéria relativa à impenhorabilidade de uma chácara, localizada em zona rural, que não pode ser deduzida em sede de exceção de pré-executividade, porquanto construção pretoriana e não prevista expressamente em lei, que tem cabimento apenas nas hipóteses excepcionalíssimas e restritas de flagrante inexistência ou nulidade do título executivo, bem assim nas hipóteses referentes à falta de pressupostos processuais e/ou condições da ação" [25].
Ademais, a questão da impenhorabilidade pode demandar dilação probatória, o que inviabiliza a argüição na via excepcional.
O incidente de impenhorabilidade poderá ser conhecido e julgado, mas não é uma genuína exceção de pré-executividade. A questão, porém, tem cunho acadêmico, porque a nomeclatura em nada interfere na funcionalidade da argüição.