8- A exceção de pré-executividade ou objeção de não executividade: forma e momento da argüição
A exceção não apresenta uma forma específica de argüição. Todavia, é necessário que o excipiente se valha de petição escrita, onde deverá declinar os fundamentos fático-jurídicos e um pedido, exatamente como faria em uma ação de embargos. A petição não é autuada em separado.
Deverá, outrossim, instruir a peça com todos os documentos hábeis a comprovar suas alegações, aplicando-se por analogia os artigos 383 e 396 do CPC. Não há espaço para dilação probatória.
O momento da argüição dependerá do seu objeto, mas é imprescindível que o processo executivo já esteja em andamento, o que é aferido tendo em conta o comando do artigo 263 do CPC, que estabelece o despacho da inicial ou a distribuição, onde houver mais de uma vara, como marco inicial. Não é necessário que o executado tenha sido citado. Se souber da demanda por qualquer outro meio, nada impede que ingresse desde já com exceção de pré-executividade.
Há divergência quanto ao manejo da exceção de pré-executividade suspender ou não o prazo para embargos. Afirma-se que "a oposição de exceção de pré-executividade não suspende e nem interrompe o prazo para oposição dos embargos à execução, os quais devem ser opostos no decêndio legal" [26], e que "o incidente de pré-executividade não possui o condão de suspender o prazo dos embargos que, se não opostos no decêndio legal, devem ser rejeitados, por intempestivos" [27].
Em contraponto, sustenta-se que:
"Impõe-se a manutenção da decisão monocrática que suspende o prazo para o executado oferecer embargos, até que seja apreciado o incidente de pré-executividade, em razão deste inserir-se no rol das exceções e como tal, impõe-se a aplicação por analogia dos mesmos preceitos que regem a exceção de incompetência e suspeição as quais tem como efeito suspensão do processo" [28]
A questão demanda reflexão. Se permitirmos a utilização da exceção de pré-executividade como forma de suspensão da execução sem necessidade da segurança de juízo imanente aos embargos, estaremos abrindo largas brechas para a fraude processual, cuja previsão da pena de litigância de má-fé parece não ter conseguido eliminar como viciosa praxe em nosso sistema jurídico.
Por outro lado, a não admissão da suspensão do feito implicaria em que o executado, receando o destino da exceção, que poderia ser repelida, tivesse de propor embargos ainda que inviável ou nula a execução, em vista de fatos verificáveis prima facie.
Parece-me que a primeira posição é que produz melhores resultados, pois não podemos olvidar que o credor é possuidor de um título que a priori apresenta-se revestido de presunção de certeza e liquidez.
Se o devedor tem elementos consistentes a opor ao processo executivo os quais pode comprovar de plano e cuja argüição se comporta nos lindes da exceção, deverá optar entre ingressar com a exceção ou embargar, garantindo o juízo neste último caso.
Caso não tenha, o fato de o manejo da exceção não interromper o prazo de embargos serve para afastar alegações temerárias. Este escólio compatibiliza a existência da exceção, ou objeção, de pré-executividade, ou de não-executividade, como mecanismo de oposição à execução com a presunção de certeza e liquidez do título e com a existência dos embargos à execução.
Mas uma coisa, porém, é certa: uma vez alegada a questão, seja em exceção ou em embargos, não poderá ela ser novamente aventada, com base nos mesmos fatos. Com efeito, uma vez alegada a questão na via da exceção é descabida sua repetição nos embargos, ainda que não definitivamente julgada, pois haveria flagrante falta de interesse na sua veiculação nos embargos uma vez que já submetida à cognição. O inverso também é verdadeiro.
Em síntese, cumpre ao devedor optar por um dos mecanismos. Se ajuizar embargos e omitir uma alegação de nulidade imprecluível, efetuando-a, porém, posteriormente, e havendo acolhimento, deverá ser condenado em pena de litigância de má-fé, por agir de forma temerária, e ao pagamento das custas e honorários em ambos os processos (de execução e embargos), por aplicação do princípio da causalidade.
A única possibilidade de manejo da exceção após os embargos seria para veicular alegação decorrente de fato posterior.
O julgamento do incidente poderá ou não ser feito através de uma sentença. Sentença, consoante estabelece o artigo 162, parágrafo 1º, do CPC, é o ato pelo qual se põe termo ao processo, com ou sem julgamento de mérito. Tal qualificação veio resolver um sem fim de problemas que ocorria no sistema anterior, quando a sentença estava relacionada à apreciação do mérito.
Se o incidente for acolhido, com a extinção do feito, teremos uma sentença, que poderá ser objeto de apelação. Ao revés, se o incidente for rejeitado, teremos decisão interlocutória, que é agravável.
Vale repetir que para as questões onde não ocorre preclusão, poderá ser argüida a exceção até mesmo em segundo grau, podendo configurar-se, porém, litigância de má-fé se a alegação poderia ter sido feita em momento anterior.
9-Honorários
Os incidentes processuais não demandam condenação em honorários, sendo levados em conta na fixação dos honorários da causa. Tal regra, entretanto, foi criada tendo em vista um processo de conhecimento, e não a tutela executiva.
Realmente, em se tratando de processo executivo, a tutela pretendida não se materializa em uma decisão final, mas sim em atos concretos de execução. Logo, a natureza da tutela e a peculiaridade do processo não permitem que os incidentes sejam sopesados adequadamente em uma decisão final. [29]
De outra banda, não podemos olvidar que as exceções codificadas não conduzem à extinção do feito, o que é precisamente um dos fins da exceção de pré-executividade. Atenta a este aspecto, a jurisprudência tem admitido a fixação de honorários em exceção de pré-executividade, visto que se acolhimento significa que a execução era indevida e o incidente empolgou trabalho de causídico.
À guisa da constatação do caráter contencioso do incidente, decidiu o STJ que "a verba honorária é devida pela Fazenda exeqüente tendo em vista o caráter contencioso da exceção de pré-executividade e da circunstância em que ensejando o incidente processual, o princípio da sucumbência implica suportar o ônus correspondente" [30]. Neste mesmo julgado, consta da ementa:
"Forçoso reconhecer o cabimento da condenação da Fazenda Pública em honorários advocatícios na hipótese de desistência da execução fiscal após a citação e o oferecimento da exceção de pré-executividade, a qual, mercê de criar contenciosidade incidental na execução, pode perfeitamente figurar como causa imediata e geradora do ato de disponibilidade processual, sendo irrelevante a falta de oferecimento de embargos à execução, porquanto houve a contratação de advogado, que, inclusive, peticionou nos autos".
Atualmente predomina nos meios jurisprudencias o cabimento da fixação de honorários em caso de acolhimento da exceção. Diversa, porém, é a situação inversa, ou seja, quando não é colhido o incidente. Encontram-se sufragando esta tese, no TJRS, julgados do seguinte teor:
"EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO. Decisão que repele exceção de pré-executividade, determinando o prosseguimento da execução. Honorários advocatícios indevidos. Agravo provido".(Agravo de Instrumento nº 70006679252, 19ª Câmara Cível do TJRS, Porto Alegre, Rel. Des. Carlos Rafael dos Santos Júnior. j. 01.07.2003).
Já no Superior Tribunal de Justiça, assentou-se que:
"RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. LOCAÇÃO. EXECUÇÃO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. IMPROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO EM VERBA HONORÁRIA. DESCABIMENTO. De acordo com recente julgado desta 5ª Turma (REsp nº 442.156 - SP, Rel. Min. José Arnaldo, DJ de 11/11/2002), a condenação ao pagamento de verba honorária somente é cabível no caso em que a exceção de pré-executividade é julgada procedente, com a conseqüente extinção da execução. Ao revés, vencido o excipiente-devedor, prosseguindo a execução (como ocorreu in casu), incabível é a condenação em verba honorária. Recurso provido. (Recurso Especial nº 446062/SP (2002/0085913-7), 5ª Turma do STJ, Rel. Min. Felix Fischer. j. 17.12.2002, DJU 10.03.2003, p. 295)".
Temos, assim, duas situações. Caso acolhida a exceção, fixam-se honorários a serem pagos pelo exeqüente. Caso rejeitada por qualquer motivo, não são fixados honorários, figurando somente os próprios honorários da execução.
Acredito que a fixação de honorários deveria ocorrer em qualquer caso. O fato de estarmos diante de um incidente não pode ser utilizado para efetuar a diferenciação entre acolhimento e rejeição para fixação de honorários. Ou admitimos que é impossível a fixação de honorários em incidentes processuais e a posição terá de valer tanto para o acolhimento, como para a rejeição, ou então não aceitamos que sejam fixados honorários, e neste caso a rejeição ou o acolhimento encontram-se em par de igualdade.
O fato de já serem fixados honorários para a execução igualmente não pode ser óbice para a incidência de honorários na exceção de pré-executividade rejeitada, pois ela introduz verdadeira cognição no processo executivo e os honorários do processo de execução são fixados pelo fato de sua propositura, pura e simples.
Não podemos parificar execuções que transcorrem sem problemas com aquelas nas quais há incidentes, que por vezes podem demandar árduo trabalho do causídico representante do exeqüente. Fosse possível seguir-se a linha de raciocínio de que os honorários fixados na execução já abarcam a atuação na defesas a serem manejadas pelo executado, então poderíamos dizer que também nos embargos seria descabida a condenação nesta verba, pois apesar de serem ação autônoma, não deixam de estar ligados a um processo de execução.
Realmente, a exceção implica em necessidade de impugnação pelo causídico do excepto, e poderá significar trabalho maior do que o despedindo em uma ação de embargos.
Neste diapasão, a possibilidade de fixação de honorários ainda quando a exceção venha a ser rejeitada materializa mecanismo de coibição da utilização temerária do instituto como meio de mera procrastinação do feito, o que é perfeitamente possível quando verificamos entendimentos de que a exceção pode implicar em suspensão do processo.
Mas ainda que assim não seja e que o feito continue sua marcha normal, é certo que o processo tem por primados a lealdade processual e a boa-fé, de modo que é inadmissível que se permita a utilização da exceção de pré-executividade como um sucedâneo dos embargos sem risco de sucumbência.
Ademais, não se pode olvidar que o princípio da isonomia norteia o direito processual civil, exigindo-se tratamento igualitário para partes que estejam frente a determinada situação em condições de absoluta paridade.
Assim sendo, entendo, por todos estes motivos, que mesmo a rejeição do incidente deva ter por conseqüência a fixação de honorários, a serem acrescidos àqueles já fixados por ocasião do recebimento da exordial executiva.
10- Concluões
A solene promessa de que nenhuma lesão ou ameaça a direito será afastada do controle jurisdicional encontra sérios óbices para tornar-se uma realidade palpável para todos os brasileiros. Vivemos um déficit de jurisdição cuja causa reside, principalmente, na falta de material humano para dar vazão a um número crescente de demandas. Mas não somente a este fator. Também a lei processual por vezes permite a prodigalização de meios impugnativos e sucessivas discussões da matéria da lide, permitindo que o processo dure muito além do que seria desejável e razoavelmente aceitável. A culpa não está no excesso de recursos, cuja abrangência foi sensivelmente reduzida pelas recentes reformas, porque também há problemas na tutela executiva.
Um dos aspectos relevantes, sobre o qual, aliás, já me pronuncie em outro trabalho [31], está no efeito suspensivo dos embargos. Além disso, os meios de coibição da litigância de má-fé, que alimenta a indústria da eternização dos processos, são aplicados com parcimônia pelos julgadores, podendo se dizer que a repressão ao "contempt of court" não é uma preocupação sedimentada na nossa práxis judiciária (infelizmente).
Sob esta ótica de celerização dos processos é que temos de conceber e aplicar a exceção de pré-executividade. Questões que possam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, e que estejam comprovadas nos autos, podem e devem ser argüidas através deste meio expedito de impugnação do título ou da relação processual que evita a inútil e irracional propositura de mais uma demanda (embargos) que ao final terá por objeto questão que poderia ser analisada desde já nos próprios autos da execução.
Mas não somente estas questões, atinentes a pressupostos processuais e condições da ação, podem ser analisadas, mas também aquelas que, sob a ótica do processo de conhecimento, diriam respeito ao mérito e que se encontrem provadas de plano, como sejam a decadência, a prescrição e o pagamento, porque igualmente podem fulminar a execução.
Impende conduzirmos o processo dentro de uma visão instrumentalista, que sem perder de vista o valor da forma enquanto garantidora de direitos fundamentais dos litigantes, possa conduzir a resultados mais consentâneos com as expectativas do jurisdicionados.
É nesta perspectiva que deve ser compreendida a exceção de pré-executividade, cumprindo-lhe um papel excepcional dentro do processo de execução, cuja natureza é infensa à cognição exauriente.
Antes de mais nada, os operadores jurídicos devem estar atentos às projeções concretas dos institutos jurídicos na realidade do processo, e hoje, sem dúvida, não há racionalidade em se levar adiante relações processuais fadadas à inutilidade ou se exigir que sejam interpostos embargos para apurar-se o que está evidente.
Tecendo estas considerações, encerro este despretensioso trabalho cujo objetivo (que acredito ter alcançado) é o de levar aos colegas que labutam no direito e, sobretudo, aos estudantes, alguns aportes para reflexão e auxílio na compreensão e discussão da exceção de pré-executividade.